Porque a ONU não fez nada em Ruanda qual e a política da ONU nos países

A Guerra Civil em Ruanda aconteceu entre 1990 e 1994, quando tropas de oposição formadas por tutsis e hutus moderados iniciaram ataques, a partir de campos de refugiados em Uganda, contra as tropas governamentais do presidente Juvénal Habyarimana, no poder desde 1973. O conflito em Ruanda teve desdobramentos graves, como o genocídio que, em cerca de 100 dias, foi responsável pela morte de 800 mil tutsis.

Domínio colonial em Ruanda e a rivalidade entre tutsis e hutus

Ruanda é um pequeno país da região centro-oriental do continente africano e historicamente foi habitado por diferentes etnias: hutus e tutsis formavam a maioria da população da região e os twa compunham uma minoria étnica. A rivalidade entre hutus e tutsis passou a ser construída a partir do século XVIII.

Tutsis e hutus eram as etnias majoritárias que habitavam Ruanda e, do ponto de vista cultural, possuíam uma série de similaridades, pois compartilhavam, em geral, as mesmas tradições e falavam o mesmo idioma (kinyaruanda). O início dessa rivalidade entre essas duas etnias remonta à formação do Reino de Ruanda, no século XVIII, quando os tutsis ocuparam cargos governamentais importantes e formaram quase que inteiramente a elite econômica do país.

A ampliação dessa hostilidade entre hutus e tutsis ocorreu no período neocolonialista, com os domínios alemão e belga. Os primeiros colonizadores europeus a estabelecerem-se na região foram os alemães, a partir da divisão territorial realizada na Conferência de Berlim. Os alemães exerceram seu domínio em parceria com os tutsis, concedendo-lhes uma série de privilégios na administração colonial.

Após a Primeira Guerra Mundial, a região foi entregue para os belgas, que ampliaram o abismo nas relações entre tutsis e hutus. Os colonizadores europeus justificavam os privilégios aos tutsis alegando que eles eram “naturalmente superiores”, de acordo com os princípios do darwinismo social em voga nesse período. Essa divisão étnica foi intensificada pelos belgas a partir da década de 1930, quando documentos de identificação passaram a ser emitidos com a informação da etnia de cada pessoa.

Com o processo de descolonização, o movimento independentista ganhou força com a adesão dos hutus, que exigiam um governo democrático liderado pela maioria hutu. Isso deu início à Revolução Ruandesa em 1959, que concluiu a transição do país para uma nação independente de caráter republicano e governada pelos hutus. Nesse período, foram registrados alguns ataques contra os tutsis, o que forçou milhares a refugiarem-se em países vizinhos, como Uganda.

Presidência de Juvénal Habyarimana e a Guerra Civil

Durante a década de 1970, um golpe de estado colocou Juvénal Habyarimana no poder de Ruanda. Habyarimana manteve a discriminação contra o tutsis, iniciada com o processo de independência, e organizou um governo extremamente corrupto e ditatorial. Seu governo sofreu grande enfraquecimento a partir de uma grave crise econômica, enfrentada pelo país na década de 1980.

À medida que o governo de Habyarimana enfraquecia-se, o discurso de poder dos hutus crescia impulsionado pelo Akazu, um grupo que passou a difundir um discurso de ódio exaltando os hutus e disseminando preconceito contra os tutsis. Posteriormente, o Akazu transformou-se no “Poder Hutu”, grupo liderado por Agathe Habyarimana, esposa do presidente. O membros desse grupo foram responsáveis diretos pelo genocídio em Ruanda.

A crise do governo de Habyarimana motivou grupos de refugiados tutsis a organizarem-se para tomar o poder em Ruanda. Assim, surgiu a Frente Patriótica de Ruanda (FPR), um grupo guerrilheiro que se organizou em campos de refugiados de ruandeses tutsis instalados em Uganda. O interesse da FPR era realizar a tomada do poder para permitir o retorno dos refugiados tutsis ao país.

Com o crescimento da tensão em Ruanda, a FPR iniciou o ataque contra as tropas governamentais de Habyarimana, marcando o início da guerra civil em 1990. Essa primeira fase do conflito estendeu-se até 1993, quando um cessar-fogo foi assinado entre as partes. Esse cessar-fogo garantia o retorno dos exilados tutsis e, além disso, propunha a criação de um exército composto tanto por tutsis quanto por hutus e a realização de eleições presidenciais no país.

Genocídio ruandês

A assinatura do cessar-fogo, realizada pelo presidente Habyarimana, não agradou aos grupos extremistas de hutus, principalmente o Poder Hutu, que começaram a criticar o governo ruandês. Seguiu-se um clima de tensão muito grande no país, com o desenvolvimento de milícias populares que se armavam de todas as maneiras possíveis, especialmente com facões.

Relatórios humanitários entregues a ONU, com estudos sobre Ruanda, concluíram que a chance de retomada do conflito era elevada e que as milícias hutus, chamadas de Interahamwe (aqueles que lutam), representavam um risco para parte da população. Os relatórios foram ignorados pela ONU, que não tomou nenhuma medida.

Em 6 de abril de 1994, o avião do presidente Juvénal Habyarimana foi atacado em Kigali, capital de Ruanda, causando a morte do presidente ruandês. Esse ataque, cuja autoria nunca foi de fato esclarecida, foi utilizado como pretexto pelo Poder Hutu para convocar a população hutu a iniciar os ataques contra tutsis e hutus moderados.

Os 100 dias seguintes em Ruanda foram marcados pelo horror, com um genocídio de proporções gigantescas promovido contra a população tutsi. Nesse período, cerca de 800 mil tutsis foram mortos por milícias hutus, sobretudo com o uso de facões. Não houve nenhum tipo de mobilização internacional para impedir esse massacre, e mesmo as tropas existentes da ONU foram retiradas do país.

O genocídio dos tutsis foi interrompido quando a FPR conseguiu conquistar cidades importantes do país, como a capital Kigali, e anunciar a destituição do antigo governo. Após a vitória da FPR, registraram-se também pequenos ataques contra comunidades hutus em represália. Desses ataques, estima-se que podem ter morrido até 60 mil hutus.

*Créditos da imagem: Karenfoleyphotography e Shutterstock

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Há muitos memoriais às centenas de milhares de vítmas do genocídio espalhados por Ruanda

Em apenas cem dias em 1994, cerca de 800 mil pessoas foram massacradas em Ruanda por extremistas étnicos hutus. Eles vitimaram membros da comunidade minoritária tutsi, assim como seus adversários políticos, independentemente da sua origem étnica.

Cerca de 85% dos ruandeses são hutus, mas a minoria tutsi dominou por muito tempo o país. Em 1959, os hutus derrubaram a monarquia tutsi e dezenas de milhares de tutsis fugiram para países vizinhos, incluindo a Uganda. Um grupo de exilados tutsis formou um grupo rebelde, a Frente Patriótica Ruandesa (RPF), que invadiu Ruanda em 1990 e lutou continuamente até que um acordo de paz foi estabelecido em 1993.

Na noite de 6 de abril de 1994, um avião que transportava os então presidentes de Ruanda, Juvenal Habyarimana, e do Burundi, Cyprien Ntaryamira, ambos hutus, foi derrubado. Extremistas hutus culparam a RPF e imediatamente começaram uma campanha bem organizada de assassinato. A RPF disse que o avião tinha sido abatido por Hutus para fornecer uma desculpa para o genocídio.

Com organização meticulosa. As listas de opositores do governo foram entregues às milícias, juntamente com os nomes de todos os seus familiares. Vizinhos mataram vizinhos, e alguns maridos até mataram suas mulheres tutsis, dizendo que seriam mortos caso se recusassem. Na ocasião, carteiras de identidade apresentavam o grupo étnico das pessoas, então milícias montaram bloqueios nas estradas onde abateram os Tutsis, muitas vezes com facões que a maioria dos ruandeses têm em casa. Milhares de mulheres tutsi foram levadas e mantidas como escravas sexuais.

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As forças francesas foram acusadas ​​de não fazer o suficiente para parar a matança

ONU e Bélgica tinham forças de segurança em Ruanda, mas não foi dado à missão da ONU um mandato para parar a matança. Um ano depois que soldados norte-americanos foram mortos na Somália, os Estados Unidos estavam determinados a não se envolver em outro conflito africano. Os belgas e a maioria da força de paz da ONU se retiraram depois que 10 soldados belgas foram mortos. Os franceses, que eram aliados do governo hutu, enviaram militares para criar uma zona supostamente segura, mas foram acusados de não fazer o suficiente para parar a chacina nessa área. O atual governo de Ruanda acusa a França de "ligações diretas" com o massacre - uma acusação negada por Paris.

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Roupas de pessoas mortas na Igreja Nyamata, que virou um memorial

Ruanda é uma sociedade rigidamente controlada e organizada. O então partido governante, MRND, tinha uma ala jovem chamada Interahamwe, que foi transformada em uma milícia para realizar o genocídio. Armas e listas de alvos foram entregues a grupos locais, que sabiam exatamente onde encontrar suas vítimas.

Os extremistas hutus tinham estações de rádio e jornais que transmitiam propaganda de ódio, exortando as pessoas a "eliminar as baratas", o que significava matar os tutsis. Os nomes das pessoas a serem mortas foram lidos na rádio. Até mesmo padres e freiras foram condenados por matar pessoas, incluindo alguns que buscaram abrigo em igrejas.

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Facões domésticos viraram armas de eliminação em massa durante o genocídio

A bem organizada RPF, apoiada pelo exército de Uganda, gradualmente conquistou mais território, até 4 de julho, quando as suas forças marcharam para a capital, Kigali. Cerca de dois milhões de hutus - civis e alguns dos envolvidos no genocídio - fugiram em seguida pela fronteira com a República Democrática do Congo, na época chamado Zaire, temendo ataques de vingança.

Grupos de direitos humanos dizem que a RPF matou milhares de civis hutus quando eles tomaram o poder - e mais depois que eles entraram na República Democrática do Congo para perseguir a Interahamwe. A RPF nega. Na República Democrática do Congo, milhares de pessoas morreram de cólera, enquanto grupos de ajuda humanitária foram acusados de deixar muito da sua estrutura de assistência cair nas mãos das milícias hutus.

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Cerca de dois milhões fugiram para a República Democrática do Congo (então Zaire)

O genocídio em Ruanda teve implicações diretas em duas décadas de conflito na República Democrática do Congo, que custaram a vida de cerca de cinco milhões de pessoas. O governo de Ruanda, agora gerido pela RPF, por duas vezes invadiu a República Democrática do Congo, acusando o seu maior vizinho de deixar as milícias hutus operarem no seu território. Ruanda também armou forças tutsis no país vizinho. Em resposta, alguns moradores formaram grupos de autodefesa e os civis do leste da República Democrática do Congo pagaram o preço.

O líder da RPF e presidente de Ruanda, Paul Kagame, foi saudado pelo rápido crescimento econômico do pequeno país. Ele também tentou transformar Ruanda em um centro tecnológico e é muito ativo no Twitter. Mas seus críticos dizem que ele não tolera dissidência e que vários adversários foram encontrados inexplicavelmente mortos. Quase dois milhões de pessoas foram julgados em tribunais locais por seu papel no genocídio e os líderes do massacre, em um tribunal da ONU na vizinha Tanzânia. Agora é ilegal falar sobre etnia em Ruanda - o governo diz que isso evita mais derramamento de sangue, mas alguns dizem que impede uma verdadeira reconciliação e apenas coloca uma tampa sobre as tensões, que vão acabar fervendo de novo no futuro.

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