Por que a educação escolar indígena é importante

O Povo Guarani, pertence ao tronco linguístico Tupi, foi dividido por Schaden (1954) a partir de suas diferenciações dialetais, sistema de crenças e rituais, em 3 subgrupos:Guarani-Nhandeva, Guarani-Kaiowá (conhecidos como Pay Tavyterã no Paraguay) e Guarani-Mbya. Atualmente somam aproximadamente 34 mil pessoas no Brasil e estão distribuídos pelos Estados do Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Mato Grosso do Sul. Estão presentes ainda, em países como o Paraguay, Argentina, Bolívia e Uruguai. No Paraná são 4.000 pessoas, aproximadamente.

Entre os Guarani, estão presentes nos discursos cosmológicos, desde o século XVI, referências à Terra Sem Mal que é um lugar indestrutível, morada dos ancestrais, dos deuses, da abundância, das danças, acessível aos vivos onde é possível ascender sem a necessidade de morte. A Terra Sem Mal é, efetivamente, a preocupação dos xamãs guarani. O xamanismo ocupa um espaço central na cosmologia e na construção da sociabilidade Guarani. O xamã Karaí circula e mantém contato entre o mundo dos vivos, dos mortos, dos espíritos, da natureza etc. É através desse contato com os diversos mundos, que adquirem forças para estabelecer as relações na aldeia.

Os Guarani necessitam do trabalho do xamã para constituir seu universo social. Através de seu trânsito entre as divindades, o xamã adquire conhecimentos e forças para levantar as relações sociais típicas do modo de ser Guarani, “sem xamã não há agricultura, caça, pesca, parentela nem tekoha”.

O povo Guarani possui seus métodos próprios de ensino-aprendizagem. Assim como o xamanismo, o sistema de ensino-aprendizagem Guarani articula dois universos: cosmológico (conhecimento divino) e sociológico (conhecimentos individuais experimentados ao longo da vida).

Uma definição da ciência Guarani: compreender sempre o que se escuta por si dos deuses e o que aconselham entre si os humanos. Os mais velhos seres potencialmente divinos, são dotados de maior sabedoria e ocupa um espaço central na transmissão dos conhecimentos, fazendo circular o nhe’e porã – as belas palavras, entre os parentes, orientando as condutas moralmente aceitas em sociedade.

Nas palavras dos xamãs, os conhecimentos que unem homens e deuses são reproduzidos e socializados no interior da Opy. A oralidade é a forma de transmissão de saberes mais valorizada entre os Guarani, a partir da qual são repassadas as narrativas de eventos míticos, história dos antepassados e suas experiências pessoais. Os Guarani ensinam e aprendem conversando, as falas são discretas e mansas.

Pertence à família linguística Jê, tronco Macro-Jê, representada por uma população de cerca de 25 mil pessoas distribuídos em 32 terras indígenas, pelos Estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. No Estado do Paraná, contabilizam, aproximadamente, 9.120 pessoas, distribuídos em 13 terras indígenas.

Entre os Kaingang, a cosmologia e a organização social são marcadas por um sistema de metades denominadas Kamé e Kairu, que classificam os parentes, os não-parentes, os humanos, as plantas, os animais e os espíritos.

Na mitologia são os irmãos gêmeos, responsáveis pela criação dos seres da natureza e dos homens, que definiram as regras sociais e as condutas morais que os Kaingang devem seguir.

Entre estas regras está o casamento exogâmico, a descendência patrilinear, a nominação e as práticas rituais.

Entre os Kaingang, há complementaridade entre conhecimentos transmitidos pela via paterna e materna. O pai transmite para o filho bens materiais (entre eles o sítio, de domínio sociológico), e também conhecimentos específicos, entre eles os conhecimentos xamânicos (de domínio cosmológico).

Os Xetá pertencem ao tronco linguístico Tupi-Guarani.

Foram contactados no século XIX, contudo, é a partir da década de 1940 que se intensificam as notícias sobre esse grupo. Habitavam tradicionalmente o noroeste paranaense, as margens do rio Ivaí, região conhecida como Serra de Dourados. No Estado do Paraná, os Xetá compartilham com os Guarani e Kaingang a terra indígena de São Jerônimo da Serra (localizada no município de São Jerônimo da Serra) e a aldeia urbana de Curitiba Kakané Porã.

Os Xokleng, assim como os Kaingang, pertencem à família linguística Jê, tronco Macro-Jê. A proximidade linguística-cultural entre os dois grupos tem suscitado inúmeras discussões entre os pesquisadores.

Segundo Veiga, “Eles são, de fato, os mais próximos entre os Jê e partilham uma mesma cosmovisão embora sua organização social tenha diferenças marcantes ainda não plenamente esclarecidas” (2006, p. 43).

O território, tradicionalmente, ocupado pelo povo Xokleng estendia-se de São Paulo ao Rio Grande do Sul.

Em Santa Catarina, habitam a terra indígena de Ibirama. Esta é compartilhada com os Guarani e Kaingang e os casamentos interétnicos são frequentes. No Paraná, dividem a terra indígena de Apucaraninha com os Kaingang, aproximadamente 30 Xokleng.

É provável que a presença dos Xokleng, vindos de Santa Catarina, esteja diretamente ligada aos laços de parentesco construído com os Kaingang.

Confira, clicando sobre a imagem ao lado, as aldeias ou terras indígenas e sua localização no Estado do Paraná.

por Luís Donisete Benzi Grupioni. Adaptação de texto originalmente publicado no livro Povos Indígenas no Brasil 1996/2000 - ISA.

Avanços e consensos na área de educação escolar indígena se deram tanto no plano legal quanto no plano administrativo. Todavia, ainda não se estruturou um sistema que atenda as necessidades educacionais dos povos indígenas de acordo com seus interesses, respeitando seus modos e ritmos de vida, resguardando o papel da comunidade indígena na definição e no funcionamento do tipo de escola que desejam. A impressão que se tem é que a educação escolar indígena caminha a passos lentos: avança-se em direção a algumas conquistas, mas inúmeros obstáculos se apresentam a cada momento.

Nesse contexto, um registro deve ser feito: a educação escolar indígena virou uma pauta política relevante dos índios, do movimento indígena e de apoio aos índios. Deixou de ser uma temática secundária, ganhou importância à medida em que mobiliza diferentes atores, instituições e recursos. Encontros, reuniões e seminários têm se tornado recorrentes para a discussão da legislação educacional, de propostas curriculares para a escola indígena, de formação de professores índios, do direito de terem uma educação que atenda a suas necessidades e seus projetos de futuro. Hoje não mais se discute se os índios têm ou não que ter escola, mas sim que tipo de escola.

Se nos ativermos à legislação, verificaremos um processo lento, mas que segue de forma gradativa e cumulativa, onde o direito à uma educação diferenciada, garantido na Constituição de 1988, vem sendo regulamentado por meio da legislação subseqüente. Além da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, e da Resolução 3/99 do Conselho Nacional de Educação, a educação indígena está contemplada no Plano Nacional de Educação, aprovado em 2001, e no projeto de lei de revisão do Estatuto do Índio, em tramitação no Congresso Nacional.

A legislação que trata da educação escolar indígena tem apresentado formulações que dão abertura para a construção de uma escola indígena que, inserida no sistema educacional nacional, mantenha atributos particulares como o uso da língua indígena, a sistematização de conhecimentos e saberes tradicionais, o uso de materiais adequados preparados pelos próprios professores índios, um calendário que se adapte ao ritmo de vida e das atividades cotidianas e rituais, a elaboração de currículos diferenciados, a participação efetiva da comunidade na definição dos objetivos e rumos da escola. A legislação também tem colocado os índios e suas comunidades como os principais protagonistas da escola indígena, resguardando a elas o direito de terem seus próprios membros indicados para a função de se tornarem professores a partir de programas específicos de formação e titulação.

Todavia, essas definições no plano jurídico ainda encontram-se mais como princípios do que como práticas que norteiam os processos de efetivação da escola no meio indígena. Várias são as amarras administrativas que retardam o processo, embora aqui se possa já vislumbrar um cenário diferente de alguns anos atrás.

Da Funai para o MEC

A transferência de responsabilidade e de coordenação das iniciativas educacionais em Terras Indígenas do órgão indigenista ( Funai) para o Ministério da Educação, em articulação com as secretarias estaduais de educação, através de decreto da presidência da República (n.26/91), responde em muito pelas alterações ocorridas neste setor. Essa transferência abriu a possibilidade, ainda não efetivada, de que as escolas indígenas fossem incorporadas aos sistemas de ensino do país, de que os então "monitores bilingües" fossem formados e respeitados como profissionais da educação e de que o atendimento das necessidades educacionais indígenas fossem tratadas enquanto política pública, responsabilidade do Estado. Encerrava-se, assim, um ciclo, marcado pela transferência de responsabilidades do órgão indigenista para missões religiosas no atendimento das necessidades educacionais indígenas.

Esse ainda é um processo em curso. É possível elencar vários aspectos positivos dessa transferência de responsabilidades que ensejou o envolvimento de outras esferas do poder público, abrindo novos canais de interlocução para os índios. E é possível, também, demonstrar as inúmeras resistências dessas mesmas esferas de poder em absorver as escolas indígenas, respeitando o direito dos índios à uma educação diferenciada, tarefa que requer novos aportes teóricos, metodológicos e administrativos.

Diferentemente do MEC, que sofre os constrangimentos da mudança de orientação no governo federal, alguns setores da Funai parecem passar por essas alterações de gestão sem sofrer maiores descontinuidades. Mantendo um orçamento estável, tem contribuído com programas de formação de professores indígenas em várias regiões do país, priorizando inclusive as iniciativas de licenciaturas interculturais, e apoiado o movimento de comunidades e professores indígenas em suas reivindicações junto aos sistemas de ensino. No vácuo criado pela crônica situação de desmantelamento do órgão indigenista, a Coordenação Geral de Educação da Funai vem construindo para si um papel de fiscalização das ações de educação indígena no país, criando um sentido muito objetivo para a vaga referência de “ouvida a Funai”, constante no decreto de 1991, quando da transferência de responsabilidades para o MEC. Ainda assim, a tradição assistencialista do órgão permanece por meio de ações e investimentos para a manutenção de estudantes indígenas nos centros urbanos.

A parceria entre Funai e MEC experimentada em anos recentes não resolve o caráter incongruente da existência de dois órgãos federais voltados ao mesmo setor, deixando sempre aberta, na duplicidade de incumbências, a possibilidade de desentendimentos, não só administrativos como de orientação política. É o que se percebe com o ressurgimento da proposta de federalização das escolas indígenas, que conta com apoio explícito da atual presidência do órgão indigenista, e que começa a encontrar ressonância entre alguns professores indígenas. Duas posições parecem estar se firmando nessa discussão: a estadualização não surtiu o efeito esperado, então caberia à União recuperar essa ação, trazendo-a de volta ao órgão indigenista, e a outra posição partiria do mesmo diagnóstico, da não operacionalização do modelo estadual/municipal, para sugerir a criação de um sistema federal de educação indígena. Essa discussão tem aparecido, por exemplo, nas conferências regionais preparatórias que a Funai realizou em 2005, visando a Conferência Nacional dos Povos Indígenas, ocorrida em abril de 2006. Seu ressurgimento é indicativo da insatisfação de vários setores com o tratamento que a educação indígena recebe por parte dos governos estaduais.

Parâmetros de uma política nacional

Ao assumir a responsabilidade de coordenar as ações educacionais em terras indígenas, o MEC tomou como primeira tarefa a construção de um documento que tivesse a função de definir os parâmetros de uma política nacional para essa modalidade de educação, de modo a orientar a atuação das diversas agências. Assim, em 1993, foi lançado o documento "Diretrizes para a Política Nacional de Educação Escolar Indígena" que estabelece como princípios organizadores da prática pedagógica, em contexto de diversidade cultural, a especificidade, a diferença, a interculturalidade, o uso das línguas maternas e a globalidade do processo de aprendizagem.

Esse documento, elaborado pelo Comitê Nacional de Educação Escolar Indígena, composto por representantes de órgãos governamentais e não governamentais que atuam na educação indígena, além de representantes de professores indígenas, foi pautado em experiências inovadoras levadas a cabo por [[ | organizações não-governamentais que atuam junto a diferentes povos indígenas]]. Foram essas experiências, que nasceram num contexto de se construir alternativas de autonomia para os povos indígenas frente à política integracionista do Estado, que geraram um modelo de formação próprio para os professores indígenas, de modo a habilitá-los para assumirem a docência e a gestão de suas escolas, que, por sua vez, foi encampado pelo MEC como proposta a ser disseminada em todo o país.

Coordenação geral de educação escolar indígena

Outras iniciativas importantes vieram somar-se a este novo contexto. Consolidou-se uma coordenação geral de educação escolar indígena no âmbito do Ministério da Educação, ao mesmo tempo em que se incentivou a criação de instâncias gestoras nas secretarias de educação estaduais para cuidar das escolas e da formação dos professores indígenas. Formulou-se no MEC um programa de financiamento de projetos na área da educação indígena para apoiar ações desenvolvidas por organizações de apoio aos índios e universidades, além de direcionar recursos orçamentários do FNDE para que as secretarias de estado da educação pudessem também desenvolver ações específicas nessa área. Com isto, reconheceu-se a importância das experiências não-governamentais de formação de professores indígenas e, paralelamente, abriu-se caminho para o surgimento de novos cursos de formação, por iniciativas governamentais. Outra ação significativa deu-se com o apoio à publicação de materiais didático-pedagógicos elaborados pelos próprios professores índios enquanto momento importante do processo de sua formação, permitindo a ampliação de uma literatura de autoria dos próprios professores indígenas.

Referencial curricular nacional para escola indígenas

Consolidando este quadro, um novo documento começou a chegar nas escolas indígenas de todo o país: o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (RCNEI), documento indutor e orientador de novas práticas, que contou com a participação de especialistas, técnicos e professores índios em sua formulação. Trata-se de um longo e detalhado documento em que se apresentam considerações gerais sobre a educação escolar indígena, quer através da fundamentação histórica, jurídica, antropológica e pedagógica que sustenta a proposta de uma escola indígena que seja intercultural, bilíngüe e diferenciada, quer através de sugestões de trabalho, por áreas do conhecimento, que permitam a construção de um currículo específico e próximo da realidade vivida por cada comunidade indígena, na perspectiva da integração de seus etno-conhecimentos com conhecimentos universais selecionados.

Num campo que se caracteriza por uma plêiade de concepções e práticas diferentes, o documento conhecido pela sigla RCNEI conseguiu reunir e sistematizar um mínimo de consenso, capaz de subsidiar diversas interpretações e propostas de construções pedagógicas e curriculares autônomas. Para que isto de fato ocorra será preciso qualificação profissional dos agentes educacionais e abertura nos rígidos esquemas administrativos das secretarias de educação, de modo que se possa construir novos canais de interlocução em que as comunidades indígenas tenham papel ativo na definição do projeto político pedagógico de suas escolas.