Interseccionalidade é uma determinada ferramenta metodológica cujo pressuposto é:

INFORMAMOS QUE ESTA É UMA PRIMEIRA VERSÃO DO TEXTO APROVADO

PARA PUBLICAÇÃO. ESTE ARTIGO AINDA PASSARÁ PELA FASE DE REVISÃO E

DIAGRAMAÇÃO.

1

ID: 2198

DOI: https://doi.org/10.30962/ec.2198

Recebido em: 16/06/2020

Aceito em: 30/09/2020

Roleta interseccional: proposta metodológica para análises em

Comunicação

Fernanda Carrera

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil

Resumo: Ao reconhecer a relevância do conceito de interseccionalidade como

ferramenta metodológica no domínio do Direito, este artigo propõe articular e

aprofundar sua valência nos estudos em Comunicação. O método interseccional

em Comunicação carece de aparatos conceituais próprios, em diálogo com suas

origens, para que não reduza sua capacidade analítica a estudos descritivos dos

sujeitos, materialidades e suas estruturas. Intenta-se, aqui, portanto, construir um

quadro metodológico, denominado “roleta interseccional”, admitindo que a

observância das matrizes de opressão que atravessam os corpos e os sujeitos é

fundamental para a compreensão dos efeitos comunicacionais por eles

engendrados.

Palavras-chave: Interseccionalidade. Comunicação. Metodologia. Feminismo.

Interseccionalidade: origem, diálogos e fundamentos

Arquitetado no domínio jurídico e dos direitos civis pela professora Kimberlé

Crenshaw (1989; 1990), o conceito de interseccionalidade surge após amplo e complexo

debate no campo dos movimentos sociais. Precedido pela “liberdade indivisível” de June

Jordan (1992, p. 190), dos lugares fronteiriços da resistência latina de Gloria Anzaldua

(1987), da articulação tríplice entre “mulher, raça e classe”, de Angela Davis (1981) e da

perspectiva feminista poética de Audre Lorde (1984), o conceito adquire potência e

articulação em torno da justiça social antes de ser integrado aos espaços acadêmicos de

legitimação. Mulheres ativistas, então, elaboraram as bases do ideal interseccional a partir

2

de suas vivências, desejando a criação de “políticas emancipatórias de fora das

instituições sociais poderosas, assim como essas ideias têm sido retomadas por tais

instituições” (COLLINS, 2017, p. 7). É na instituição acadêmica, portanto, que a ideia é

traduzida para a linguagem da visibilidade e da validação intelectual.

Munida desta substância de luta social, Crenshaw cunha o termo

interseccionalidade na tentativa de apontar para as injustiças em sistemas jurídicos, que

não contemplam os múltiplos eixos de subordinação que acometem, sobretudo, mulheres

negras. Ao considerar que a doutrina jurídica em torno da discriminação de gênero e raça

é definida pelas experiências de mulheres brancas e homens negros (CRENSHAW,

1989), sua proposta reconhece que há, no contexto das mulheres negras, a criação de outro

locus de enunciação (BERNARDINO-COSTA; GROSFOGUEL, 2016, p. 19), isto é,

a gênese de um sistema de opressão articulado pelo encontro de duas ou mais estruturas

discriminatórias, cujo resultado é mais complexo que a soma das suas origens de

desempoderamento. Constituídas por experiências diversas daquelas vividas por

mulheres brancas e acometidas por violências diferentes daquelas sentidas por homens

negros, mulheres negras falam de um lugar de subjugação apartado e muitas vezes

ignorado. Nesse sentido, a proposta de Crenshaw nos instrumentaliza neste campo de

justiças mediadas” (AKOTIRENE, 2019, p. 113).

Entender o conceito de interseccionalidade a partir de sua origem epistêmica é

questionar perspectivas que consideram outros caminhos metodológicos, como o conceito

de “consubstancialidade das relações sociais” (KERGOAT, 2010), como semelhantes ou

comparáveis, uma vez que o direcionamento sobre noções de classe e “sexo” deste último,

advindo do feminismo materialista, diferem vigorosamente da visão interseccional sobre

estas categorias sociais. Além de optarem pela crítica ao conceito de gênero e

argumentarem pela noção de “relações sociais de sexo” (CISNE, 2014) o que revela a

tentativa de centralizar a figura da mulher nos estudos de gênero e recair sobre

perspectivas muitas vezes transfóbicas (MACHADO, 2017) - autoras que defendem a

substituição do conceito de interseccionalidade por consubstancialidade argumentam que

a classe é negligenciada nos estudos interseccionais, que trariam de forma hierarquizada

e potencializada as problemáticas de raça e gênero (HIRATA, 2014; KERGOAT, 2010,

CISNE, 2014; DELPHY, 1981). No entanto, uma vez que a criação do conceito já

demarca que a interseccionalidade pode fornecer os meios para lidar com outras

marginalizações, é explícito em estudos sobre interseccionalidade a negação da hierarquia

de opressões, resumida pela ideia de avenidas identitárias: Errôneo argumentarmos a

3

favor da centralidade do sexismo e do racismo. Já que ambos, adoecedores e tipificados,

são cruzados por pontos de vistas em que se interceptam as avenidas identitárias

(AKOTIRENE, 2019, p. 44).

No entanto, é evidente que o berço epistêmico nas duas perspectivas influencia

diretamente na alocação de esforços teóricos a respeito das categorias identitárias

colocadas em problematização. Enquanto a noção de consubstancialidade nasce sob a

lógica marxista das relações de produção, compreendendo a raça como mais um lugar de

disputa material e ideológica dentro das estruturas de classe, o conceito de

interseccionalidade emerge como fundamento metodológico para dar visibilidade às

opressões vividas por mulheres negras. Nesse sentido, para o feminismo negro, é preciso

negar a primazia da classe para a compreensão de quaisquer fenômenos em torno da

violência, da injustiça e da opressão, como historicamente foi o direcionamento das

ciências sociais, isto é, assim como gênero, sexualidade e outras avenidas identitárias

também são, “raça é a maneira como a classe é vivida” (DAVIS, 2011). A visão marxista

ortodoxa, portanto, não prevê o alargamento da concepção sobre exploração para além do

ponto de vista econômico, negligenciado os “brancos sem propriedade dos meios de

produção que recebem seus adventos do racismo” (GONZALEZ, 2018, p. 19). O conceito

de interseccionalidade, assim é sobre a identidade da qual participa o racismo

interceptado por outras estruturas” (AKOTIRENE, 2019, p. 48).

O projeto de construção do termo interseccionalidade, portanto, emerge do

reconhecimento destas diversidades dentro dos grupos raciais e de gênero, sobretudo,

sendo articulado por mulheres racializadas e, especialmente, pelo feminismo negro. A

reivindicação principal da proposta reside na compreensão de que não há, para os sujeitos,

hierarquia de opressões, mas uma sinergia de múltiplos sistemas de poder (COLLINS,

2017, p. 11). Sendo assim, embora tenha sido alicerçado pelas demandas de raça e gênero,

o projeto não se resume a estas categorias, mas adota coalização e solidariedade políticas

em prol dos oprimidos por classe, sexualidades ou território, dentre diferentes marcações

(AKOTIRENE, 2019). Dentro dessa perspectiva, a teoria interseccional é aplicável para

outras categorias sociais e não busca identificar o sujeito que, de forma aditiva, reúne

mais dinâmicas de subjugação. Ao contrário, nós precisamos ir além da questão ‘qual

grupo está em pior situação’ para especificar as formas distintivas de opressão

experimentadas por aqueles que intersectam identidades (CARBADO, 2013, p. 813)

we need to move beyond the question of ‘whose group is worse off ’ to specify the distinctive forms of

oppression experienced by those with intersecting subordinate identities (no original)

4

Uma vez que fornece “os meios para lidar com outras marginalizações

(CRENSHAW, 1990, p. 1299), o conceito de interseccionalidade vem sendo alicerce para

estudos em diferentes áreas do conhecimento, embasando reflexões sobre opressão

cruzada, por exemplo, de idade e gênero (CALASANTI; KING, 2015); gênero e

sexualidades (TAYLOR; HINES; CASEY, 2010); raça, gênero e deficiência (SHAW;

CHAN; MCMAHON, 2012); raça, classe e migração (ANTHIAS, 2012); assim como

nacionalidades e religião (SALEM, 2013). No entanto, embora esta ampliação contextual

possa trazer perspectivas importantes para o campo das análises interseccionais, também

pode “se perder na tradução” (COLLINS, 2017) e permitir debruçamentos meramente

descritivos e superficiais sobre os sujeitos e suas peculiaridades, isto é: reconhecer as

diversidades identitárias não é suficiente para a teorização (ANTHIAS, 2012).

Dentro dessa perspectiva, o cerne do projeto interseccional, isto é, seu ethos de

justiça social” (COLLINS, 2017, p. 15) é imprescindível para o empreendimento de

qualquer esforço científico em torno da interseccionalidade. Reconhecer diferenças é uma

das etapas do processo analítico, mas este reconhecimento se torna a base para o

enfrentamento de injustiças e opressões estruturais. Assim, qualquer delineamento

metodológico para pesquisas em interseccionalidade, se ajustado à teoria fundamental e

às suas bases sociais, deve ser comparativo, complexo e emanar ares de manifesto e

denúncia, porque seu princípio é, irremediavelmente, o da justiça social. Nesse sentido,

embora tenha conexão com a noção de “marcadores sociais da diferença” (SAGESSE et

al, 2018), o conceito de interseccionalidade, de fato, propõe um olhar para além da

diferença, mas para o que fundamenta, a partir da diferença, a opressão

. Assim, é uma

perspectiva conceitual em prol da marcação das desigualdades e, dentro dessa estrutura,

também dos privilégios. A diferença, então, seria a materialidade visível de um sistema

desigual que sustenta certa fixidez identitária e coletividade, sobretudo quando esta serve

à discussão política e pragmática sobre as injustiças socioculturais (BHABHA, 1992;

FANON, 1970; HALL, 2009).

Sendo assim, se o campo da Sociologia e do Direito se debruçam sobre as

interseccionalidades estruturais e políticas que expõem as avenidas de opressão que

definem dinâmicas criminais, de violência e de políticas públicas, o olhar da

Nesse sentido, embora perspectivas críticas à noção de interseccionalidade pensada por Crenshaw, como

a de Piscitelli (2008), apontem para uma visão da diferença deslocada da desigualdade, aqui é proposto

como ponto de partida o projeto conceitual do termo em sua origem, isto é: o esforço analítico

interseccional, aqui no campo da comunicação, que visa à demarcação de injustiças sociais.

5

Comunicação pode ter como foco a “interseccionalidade representacional”

(CRENSHAW, 1990, p. 1245), isto é, a construção cultural e os sentidos marginalizantes

que circulam sobre estes sujeitos. Estes sentidos, inclusive, transcendem o campo

midiático e operam no âmbito das relações sociais, inclusive, acadêmicas, que também

costumam compor objetos de estudo em comunicação. Espaços de construção científica,

como as universidades e os lugares de debate sobre práticas educacionais, são importantes

lugares de representação, legitimação e invisibilização, carecendo de iniciativas teórico-

metodológicas, como aquela representada pelo conceito de interseccionalidade, que retira

autores e autoras das margens e reconhece sua intelectualidade (ANZALDUA, 1987;

HOOKS, 1995; GONZALEZ, 2018).

Constituindo-se como mais uma fonte de desempoderamento, os espaços de

representação, então, são formas potentes de expor e reforçar as percepções enviesadas a

respeito de determinados grupos sociais. Nesse processo de contínua suplementação das

dinâmicas de discriminação, estes olhares subjetivos se tornam imbricados nas minúcias

das interações, nos discursos, nas conversações e, por fim, na própria constituição deste

corpo e de tudo que a ele é associado. Nesse sentido, não se discute aqui as

intencionalidades das ações discriminatórias, uma vez que as opressões não são

necessariamente produzidas deliberadamente, mas podem ser seguidamente a

consequência da imposição de um fardo que interage com vulnerabilidades preexistentes

para criar mais uma dimensão de destituição de poder (CRENSHAW, 1990, p. 1249).

Os espaços midiatizados, assim como os ambientes interacionais e de

conversação, constantemente colocados sob os holofotes das pesquisas em Comunicação,

são lugares emblemáticos para o debate sobre matrizes de opressão e dinâmicas

discriminatórias. Reduzidos muitas vezes a depreciações de sentido e importância,

relegados a uma suposta futilidade que se atribui às atividades recreativas, estes espaços

estão dominados pelas mesmas estruturas simbólicas e materiais que subjugam indivíduos

marginalizados e perpetuam de forma violenta suas impossibilidades sociais. É por meio

destes lugares que são postas em circulação imagens e são construídos, por conseguinte,

imaginários; sendo assim, é necessário lembrar que longe de serem neutras ou

simplesmente estéticas, as imagens têm sido uma das principais armas para reforçar e

combater a opressão social” (BENJAMIN, 2019, p. 102-103)

far from being neutral or simply aesthetic, images have been one of the primary weapons in reinforcing

and opposing social oppression” (no original)

6

É dentro dessa perspectiva que este trabalho tenta propor um olhar metodológico

interseccional para os estudos em Comunicação, ao compreender que especificidade

constitutiva nas “interseccionalidades representacionais” e estas carecem de escrutínio

científico próprio. A potência comunicacional das fotografias, dos materiais audiovisuais,

dos produtos culturais em torno da música, das artes visuais e plásticas; a força das

conversações diárias e das interações face a face e os modos de interação assíncrona

propostos por tecnologias digitais; os ambientes de sociabilidade contemporâneos, que

ora se fundamentam pela produção de novos mecanismos, dispositivos e práticas, ora são

meros resgates e ressignificações de práticas passadas; e os produtos jornalísticos,

publicitários e da mídia massiva, cujos lugares de poder não se pode negligenciar: todas

estas manifestações e seus aparatos são objetos de análise comuns em estudos da

Comunicação e, também, estão sujeitos à reprodução e reforço de dinâmicas de opressão

interseccionais. É sob a égide desta acepção que é proposto aqui um caminho

metodológico inicial, denominado roleta interseccional; uma ferramenta discursivo-

operacional que pretende identificar os rastros da interseccionalidade nas diversas

expressões e experiências comunicacionais, sem perder de vista, é claro, sua motivação

elementar: a reivindicação pela dignidade.

Delineamentos conceituais: diálogo interdisciplinar

O empenho pelo pensamento interseccional já é uma realidade no campo da

Comunicação, sobretudo nos seus contatos com outras áreas do conhecimento. No

entanto, se muitos destes estudos pensaram na teoria como método para análises de seus

objetos midiáticos, como talk shows (CRAGIN, 2010), telenovelas (YILDIZ-SPINEL,

2013; DE SOUZA e DRUMMOND, 2018), reality shows (CHOW, 2011), campanhas

presidenciais (PINDERHUGHES, 2008) e publicitárias (CORRÊA, 2019); como

arcabouço teórico-metodológico para estudos em comunicação oral e textual (BAGGA-

GUPTA, 2012); assim como para análises das interações em ambientes digitais

(COTTOM, 2016) e das humanidades digitais em geral (RISAM, 2015), muito poucos se

interessaram pela discussão epistemológica do método diante das demandas específicas

do campo (CORRÊA et al, 2018; NIELSEN, 2011).

No entanto, embora seja possível identificar a abordagem comunicacional dos

estudos, sobretudo pelos seus objetos de análise especialmente midiáticos e interacionais,

não se pretende aqui entender a Comunicação como independente de suas influências

interdisciplinares. Na verdade, a discussão sobre a “situação incômoda do suposto objeto

7

da Comunicação, apontado como heteróclito e diversificado” (BORGES, 2019, p. 27) não

é o foco aqui, embora se reconheça o caráter fluido e transitório da sua constituição, como

afirma Muniz Sodré (2014, p. 14): “a comunicação seria o conjunto das placas tectônicas

sob a superfície do comum. Elas, como suas congêneres geológicas, são essenciais, mas

não eternas em constituição ou em alinhamento”. Sendo assim, aqui são consideradas

demandas específicas do campo aquelas que se alinham aos interesses e perspectivas

consolidadas na área da Comunicação e que, aliás, foram continuamente construídas

em torno do diálogo com outras disciplinas. Essa interdisciplinaridade, por muitos

trabalhada como um problema de pesquisa (LOPES, 2001; FRANÇA, 2001; BORGES,

2019), aqui é o ponto de partida para a construção de um esboço teórico-metodológico

para o pensamento interseccional em Comunicação.

O trabalho de Nielsen (2011) é uma das poucas iniciativas de pensar a

interseccionalidade para as pesquisas em Comunicação. Embora não tenha proposto um

modelo analítico específico para a área, Nielsen se inspirou em uma matriz metodológica

da ciência política (HANCOCK, 2007) para sugerir o projeto interseccional nas pesquisas

em comunicação de massa. Com foco neste teor midiático e massivo, sua proposta tem

como base o estudo dos enquadramentos em textos jornalísticos, mostrando como

abordagens interseccionais podem trazer resultados mais complexos sobre os sujeitos em

destaque. Sua principal crítica sobre os estudos em Comunicação reside na continuidade

das análises binárias (mulher/homem ou negros/brancos), mesmo naqueles que têm como

base os estudos feministas, ou seja, há, ainda, uma constante homogeneização das

categorias sociais em pesquisas que propõem avaliar processos de representação. Em

análises interseccionais, portanto, nas quais é possível estudar como modos de exclusão

trabalham conjuntamente, scholars may evaluate whether mass communication

messages are acknowledging institutional biases” (NIELSEN, 2011, p. 7)

.

Ao analisar o enquadramento noticioso de uma mulher latina em dois jornais de

grande circulação, Nielsen mostra como análises unitárias (com foco em uma categoria

social) ou até mesmo múltiplas (com foco em mais de uma categoria separadamente) são

frágeis em relação às abordagens interseccionais (que examinam múltiplas categorias de

forma combinada). Entender, por exemplo, os contextos de personagens com base em

interseccionalidade é reconhecer que as experiências de vida não são fragmentadas e,

consequentemente, estas pessoas não sofrem opressão ora por serem imigrantes, ora por

“pesquisadores podem avaliar se as mensagens de comunicação de massa estão confirmando vieses

institucionais” (tradução nossa)

8

serem racializadas, ora por serem mulheres, mas sempre em uma combinação de todas

estas estruturas, formando um bloco identitário relativamente autônomo. Nesse sentido,

Nielsen deixa claro a diferença de entender a interseccionalidade como método e como

teoria: enquanto como ferramenta metodológica o conceito serve à construção das

perguntas pelo pesquisador, como teoria ela serve à explicação do processo nocivo da

fratura das identidades sociais (NIELSEN, 2011).

Corrêa et al (2018), por sua vez, analisa a potência de se pensar a comunicação

midiática a partir do olhar interseccional e das contribuições de intelectuais negras. Dessa

forma, mostra que os processos comunicacionais e interacionais são diretamente

influenciados pelas estruturas de opressão que definem quem detém ou não do poder de

voz. O espaço midiático, portanto, é um lugar de contínua disputa de experiências, no

qual sujeitos subalternizados reivindicam a interrupção da sua percepção de exterioridade

e o domínio de suas próprias narrativas; neste espaço, muitas vezes marcado por

invisibilização, este sujeito “luta por ser contado como sujeito social dotado de cidadania

e autonomia, um sujeito relacional com acesso à fala, à visibilidade e à aparição na cena

pública” (CORRÊA et al, 2018, p. 166).

Embora estes trabalhos introduzam questionamentos importantes para o

pensamento interseccional em dinâmicas comunicacionais, há ainda uma lacuna na

produção de um método explícito e preciso para o campo da Comunicação. Assim, no

percurso pela proposição destes operadores, admite-se aqui a necessária articulação com

outras áreas do conhecimento, sobretudo aquelas que já dialogam com objetos de análise

em comum. Se, portanto, a Antropologia oferece a riqueza das coletas de dados

etnográficos em grupos sociais; a Psicologia Social e a Sociologia são fundamentais na

definição dos processos de identificação e de construção de alteridade nas interações

cotidianas; a Análise do Discurso, pode, por fim, ser mobilizada como inspiração para o

debruçamento do analista sobre os textos e as práticas comunicacionais.

Do campo sociológico, são caros à proposta metodológica aqui apresentada a

perspectiva identitária não essencialista, mas estratégica e contingencial, pensada por

Stuart Hall (2009) e Avtar Brah (1996); o apontamento, construído por Gayatri Spivak

(2010), sobre a obscuridade e a mudez relegadas àqueles destituídos de poder; assim

como as noções conectadas à Psicologia Social de George Mead (1969) e Erving Goffman

(2002; 2012) a respeito dos gerenciamentos de si em meio aos constrangimentos das

estruturas, dos papeis sociais e das microssituações do cotidiano. Se muitos destes

panoramas teóricos já percebem os sistemas sociais a partir da discussão racial e de

9

gênero, outros, embora contribuam com suas percepções generalistas sobre o todo social,

podem ser repensados e reparados sob a égide destas problemáticas e de outras

subalternidades.

Do mesmo modo, o olhar etnográfico da Antropologia Social é relevante para as

pesquisas em Comunicação, uma vez que propicia análises aprofundadas sobre as

realidades culturais e interacionais dos grupos, suas vivências, artefatos e definições

identitárias (DOUGLAS, 2002; HINE, 2000). No entanto, o diálogo com esta

metodologia não omite sua história de racismo epistêmico” (GROSFOGUEL, 2016),

colocando culturas e indivíduos não-brancos sempre como aqueles que deveriam ser

estudados, isto é, “meros objetos de estudos ou incapazes de produzir conhecimento

acerca de sua experiência social” (AKOTIRENE, 2014, p. 30). Reivindicar o papel de

sujeito do esforço epistemológico e não apenas a representação do corpo para análises

embranquecidas é construir conhecimento a partir de experiências pessoais e vividas

subjetivamente, assimilando-as ao processo de análise científica: princípio fundamental

da epistemologia feminista negra de Collins (2002).

Assim, na proposta de uma etnografia interseccional, há o momento necessário de

demarcação do locus de enunciação ou lugar de fala do pesquisador, questionando os

limites da trajetória pessoal que podem regular os resultados das suas análises. Essa

marcação é fundamental para a construção de uma metodologia baseada em princípios

decoloniais (FAUSTINO, 2013), pois assinala o lugar ocupado pelo sujeito pesquisador

em vez de considerá-lo, como acontece historicamente, um sujeito universal: “Não se

trataria de afirmar as experiências individuais, mas de entender como o lugar social que

certos grupos ocupam restringem oportunidades” (RIBEIRO, 2019, p.61). Além disso, se

é essencial demarcar pontos de partida analíticos, é imprescindível acionar prioridade a

vozes antes silenciadas no campo acadêmico e científico, construindo caminhos para

conter o histórico epistemicídio atrelado às narrativas de indivíduos racializados

.

Constituída nos estudos linguísticos, a Análise do Discurso, por sua vez, sobretudo

aquela de vertente francesa, é antiga aliada nas pesquisas em Comunicação

Novamente, é preciso demarcar que se leva em conta aqui a proposta original do conceito de

interseccionalidade, entendendo-o como passível de ampliação e não negação ou substituição. A necessária

demarcação do lócus de enunciação do pesquisador, portanto, em diálogo com essa proposição, não nega a

possibilidade de perspectivas críticas advindas de sujeitos diversos nem se coloca como restrita a

perspectivas “identitárias”, mas reconhece os limites interpretativos decorrentes das vivências como

marcações necessárias em resultados de pesquisa. Não há, portanto, nenhuma indicação teórica que restrinja

a aplicação da análise interseccional à militância, embora Crenshaw deixe claro que o seu pensamento,

assim como a base do pensamento feminista negro, sejam oriundos dos movimentos sociais feministas e

antirracistas.

10

(MAINGUENEAU, 2001; ORLANDI, 2012; BRANDÃO, 1998; CHARAUDEAU,

2006). Ao se debruçar sobre textos escritos, orais, midiáticos, imagéticos, essa proposta

teórico-metodológica sobre o estudo da língua e das suas manifestações discursivas

pretende não somente identificar as nuances da linguagem, “mas o que há por meio dela:

relações de poder, institucionalização de identidades sociais, processos de inconsciência

ideológica” (MELO, 2009, p. 3), ou seja, a conexão entre a enunciação e o lugar da qual

ela emerge (BRANDÃO, 1998).

A AD, portanto, é cara aos estudos em Comunicação quando oferece aparatos para

as análises, por exemplo, dos silenciamentos, das formações discursivas, dos implícitos e

pressupostos, do ethos e das imagens de si, que se alicerçam no discurso, midiático ou

não, e nas suas materialidades. No entanto, embora fundamentada pelas análises de

contexto social, histórico, político e ideológico, a Análise do Discurso assume somente a

luta de classes (PÊCHEUX, 2006; 1988) como argumento para estas definições

conjunturais na constituição dos sujeitos e dos objetos. Inspirada por ideias marxistas, a

AD admite que o discurso se fundamenta em lógicas de classe, mas negligencia outras

estruturas, como as que são prioritariamente mobilizadas aqui: raça e gênero. Nesse

sentido, se é compreensível esta lacuna ao posicionar quem são os principais

pesquisadores mobilizadores desta teoria, isto é, homens, brancos, do norte global

(MENESES, 2008), pode-se afirmar que esta insuficiência precisa ser reparada.

Nesse sentido, assim como se propõe aqui pensar, principalmente, nestas

perspectivas teóricas agora para a construção de um método interseccional para estudos

em Comunicação, demarca-se aqui que estes diálogos serão em prol de olhares

etnográficos racializados, perspectivas interacionais e identitárias com base em estruturas

de raça e gênero, bem como novos pontos de partida para análises de discursos, sobretudo

alicerçados a marcações raciais, sexuais, de gênero e de outras ordens de opressão. Dentro

dessa perspectiva, o cerne da proposição metodológica reside, também, no

questionamento dos princípios epistemológicos historicamente hegemônicos (SPIVAK,

2010), destacando os saberes produzidos por grupos que foram subalternizados em

territórios coloniais (RIBEIRO, 2019, p. 72).

A roleta interseccional: quadro metodológico para pesquisas em Comunicação

A perspectiva metodológica aqui apresentada busca transcender a descrição do

conceito de interseccionalidade e aprofundar o debate ao pensar em operadores analíticos

11

e ferramentas epistemológicas para o entendimento das dinâmicas comunicacionais dos

sujeitos e dos objetos. O objetivo fundamental é identificar as marcas, os rastros destas

avenidas de opressão que se revelam nas interações cotidianas, na comunicação midiática

e nas representações discursivas. É mostrar, também, como a comunicação se constrói

também a partir destas estruturas interseccionais. Baseada e completamente atrelada à

iniciativa de Crenshaw (1989), cujo princípio era a busca por igualdade em sistemas

jurídicos, aqui se busca perceber como opressões interseccionais rasuram a subjetividade,

os discursos, os produtos e espaços comunicacionais, e podem ser fundamentais para a

composição dos sujeitos e dos seus comportamentos em interação. Nesse sentido, não se

negligencia aqui o ethos de justiça social, essencial a qualquer aplicação do conceito. A

interseccionalidade em Comunicação serve, portanto, como um aparato para expor

injustiças representacionais e discursivas, propondo ferramentas de equidade.

Se, portanto, a interseccionalidade na Comunicação é um artifício para a busca

por igualdade social, inevitável se fundamentar como um processo comparativo. A

natureza comparativa da análise interseccional é evidente desde a sua concepção, já que

Crenshaw pensa a noção a partir do confronto entre ações e políticas para mulheres

negras, brancas, homens negros e brancos. Sendo assim, em Comunicação, o interesse de

pesquisa também reside nestas relações, compreendendo, por exemplo, por que

determinadas youtubers alcançam mais visibilidade que outras? Por que determinados

produtos midiáticos, como filmes, séries e peças de teatro obtêm mais retorno que outros?

Quais as diferenças representacionais encontradas em textos jornalísticos, campanhas

publicitárias e propagandas governamentais quando se realiza uma análise interseccional

dos grupos sociais ali em destaque? Há diferenças significativas na construção de

personagens fictícios na literatura e no entretenimento audiovisual quando estão

manifestados entrecruzamentos de avenidas de opressão nestes sujeitos? Quais os rastros

interseccionais que se mostram evidentes nestes processos de construção comunicativa e

comportamental?

Importante sinalizar que o conceito de interseccionalidade foi pensado para a

compreensão dos sujeitos e das suas realidades sociais, no entanto, pode-se afirmar que é

possível transpor estas definições conceituais também para análises de objetos. Entende-

se, portanto, que há nos objetos marcadores de subjetividades também impregnados de

estruturas de opressão interseccionais, mesmo que a eles não seja dada, de forma

imediata, uma percepção de autoria ou de posse. Objetos religiosos, vestimentas, artefatos

familiares, aparatos regionalizados etc. são importantes exemplos de como é plausível

12

atribuir raça, gênero, classe e sexualidade a peças materiais e, por conseguinte, restringir

sua circulação em decorrência destas atribuições. Sendo assim, é possível realizar

questionamentos interseccionais em Comunicação, tanto para estudos de sujeitos quanto

de objetos, tanto para discursos quanto para espaços, debruçando-se sobre as marcas da

opressão encontradas em seus corpos e materialidades.

Dessa forma, o quadro metodológico proposto é uma tentativa de guiar estes

questionamentos, ao compreender que a análise interseccional em Comunicação necessita

de direcionamentos operacionais para dar conta das complexidades epistemológicas que

surgem quando há cruzamentos identitários na constituição dos sujeitos e das suas

dinâmicas comunicacionais. Reconhece-se, como primeiro fundamento, que estes

entrecruzamentos de experiências não podem ser considerados a partir da percepção de

adição, mas se baseiam na emergência de outro construto identitário que surge a partir

desta combinação. Para mulheres negras, por exemplo, toda a estrutura analítica precisa

ser repensada ou então não será adequada à compreensão das suas vivências. Ou seja, se

a experiência interseccional é maior que a soma do racismo e do sexismo, qualquer

análise que não leve em conta a interseccionalidade não pode abordar suficientemente a

maneira particular à qual as mulheres negras estão subordinadas (CRENSHAW, 1989, p.

140)

.

As cores e o funcionamento da roleta interseccional

Entende-se a constituição do sujeito subalternizado, atravessado por diversas

avenidas de opressão, a partir da metáfora das cores. Ao tomar o azul, cor primária, como

matéria do racismo, por exemplo, e atribuir ao amarelo o construto do sexismo, mulheres

negras se constituem não como metade amarelo e metade azul, mas como a cor verde. Se

as políticas antirracistas se baseiam nas experiências de homens negros e as teorias

feministas se preocupam com as vivências das mulheres brancas, mulheres negras são um

construto subjetivo apartado, que sofre a fusão dos dois domínios de opressão, mas não é

contemplado por nenhum deles. A cor verde, portanto, é outro universo subjetivo, gerado

a partir das duas cores, fundamentado e constituído por elas, mas que reluz distinto,

singularizado. Ao pensar na ampla gama de cores para cada cruzamento de eixos de

is greater than the sum of racism and sexism, any analysis that does not take intersectionality into

account cannot sufficiently address the particular manner in which black women are subordinated(no

original)

13

opressão, é possível entender a complexidade da formação dos sujeitos subalternizados:

embora constituídos pela combinação de duas ou mais “cores de opressão”, estes sujeitos

formam uma cor particular, com demandas únicas e experiências singulares

.

Gênero, raça, classe, deficiência, sexualidade, peso, idade e

geolocalização, portanto, são alguns eixos fundamentais ou “cores primárias” para a

compreensão das subjetividades subalternizadas e das dinâmicas comunicacionais que

surgem sobre elas e a partir delas. Nesse sentido, entende-se que a pesquisa em

Comunicação precisa considerar não somente cada um destes eixos separadamente, como

os cruzamentos e combinações que são essenciais para a composição identitária

diversificada dos sujeitos. Ao considerar estas complexidades, é possível ampliar a gama

de perguntas coerentes para o objeto analisado, entendendo-o em sua heterogeneidade e

completude. Quais são os eixos de opressão que predominam em cada situação? Quais

aqueles que deixam rastros no discurso e no sujeito em análise? Quais cores de opressão

e quais combinações fundamentam o indivíduo em questão? Com o intuito de direcionar

pesquisadores para estas perguntas, propõe-se aqui uma ferramenta metodológica

necessária aos estudos em Comunicação: a roleta interseccional (quadro 1).

Propõe-se aqui a metáfora das cores para o entendimento da roleta interseccional apenas no que tange às

suas características elementares: cores primárias ou puras e cores secundárias, isto é, resultado de junção

de cores puras. Não há, aqui, atribuição de simbologia ou sentidos culturais a estas cores que estariam

relacionados às matrizes de opressão descritas. No entanto, não à toa foi atribuída cores primárias às

categorias raça e gênero, já que estas avenidas identitárias seriam a base para a formação do conceito de

interseccionalidade.

14

Quadro 1: Roleta interseccional como proposta metodológica para estudos em

Comunicação

Fonte: elaboração própria

A roleta interseccional é pensada em prol do direcionamento das perguntas e da

análise dos objetos de pesquisa em Comunicação. A vareta gira à procura do

atravessamento relevante para o sujeito ou situação pesquisada. A cada momento da

pesquisa, essa vareta deve ser acionada pelo pesquisador para que as categorias, se

relevantes, sejam iluminadas. A cada contato da vareta com as hastes, é papel do

pesquisador questionar: essa categoria é fundamental para o entendimento deste objeto?

De que forma essa categoria deixa rastros na materialidade comunicacional? Se não se

evidencia como relevante, quais os rastros também dessa ausência que devem ser

considerados na análise? Sem este giro questionador da roleta interseccional,

possivelmente alguns questionamentos podem ser esquecidos ou negligenciados.

A representação metafórica da roleta é um modo de visualizar tanto as interseções

dos eixos de opressão quanto os resultados que estas conexões trazem para a construção

do sujeito. Aliada à metáfora da combinação das cores, a roleta interseccional mostra que

que as diversas avenidas de opressão, quanto se encontram nos cruzamentos da existência

humana, produzem construtos subjetivos que ainda não estão sendo considerados em toda

a sua complexidade. Mais do que isso, a imagem da roleta, enquanto objeto consolidado

no imaginário social, é intencional: roletas são associadas a jogos de azar, ao acaso,

amparadas pela imprevisibilidade. Dinâmicas de opressão, como aquelas que acometem

15

indivíduos no âmbito da sexualidade, gênero, raça, peso, idade, geolocalização,

deficiência e classe também são impostas aos indivíduos, que se veem encurralados,

cercados pela violência das suas desvantagens sociais. Não há escolha por viver em

nenhum destes eixos da roleta interseccional, assim como não escolha no jogo da

roleta, embora, nos dois, o resultado possa ser mortal.

É preciso ressaltar que o objetivo fundamental da roleta interseccional pensada

aqui é fundamentalmente diferente da sua aplicação em outras áreas, como a Psicologia,

por exemplo. O interesse da roleta interseccional em Comunicação não é compreender as

interseções que compõem o sujeito, mas identificar aquelas que são mobilizadas, pelo

sujeito, seus interlocutores, audiência ou aqueles que o acionam na construção dos

enunciados, e que deixam marcas no discurso. Nesse sentido, possivelmente a linguagem

geolocalizada materializada pelos sotaques, por exemplo, pode ser extremamente

iluminada em produtos audiovisuais, mas passar relativamente despercebida em imagens

estáticas. É claro que o sujeito (representado na roleta pela circunferência central) é todo

atravessado pela roleta e toda ela, além da junção com outros fatores, vai ajudar na sua

constituição identitária. No entanto, a situação comunicacional não necessariamente

mobiliza todos os atravessamentos. É papel do pesquisador em Comunicação identificar,

seja com inspirações etnográficas ou a partir de debruçamentos textuais, quais destes

atravessamentos saltam aos olhos.

É claro que é possível pensar na roleta interseccional também para a análise dos

privilégios, o que seria interessante ver como um olhar incomum no campo da

Comunicação. No entanto, a roleta interseccional, vale ressaltar, tem como objetivo

fundamental expor injustiças. Se o estudo dos privilégios tiver como intencionalidade um

escrutínio comparativo das vantagens sociais de determinado grupo em detrimento de

outros, é possível resultar em dados importantes para corroborar com o propósito

essencial da interseccionalidade: a equidade social. Nesse caso, então, utiliza-se um

“negativo” da roleta interseccional, transformando as suas hastes, que antes

representavam eixos de opressão, em eixos de privilégios.

A pesquisa com base na roleta interseccional parece, em primeiro momento, uma

análise fragmentada das estruturas sociais, uma vez que a vareta só consegue tocar uma

haste por vez. No entanto, as hastes que se iluminam não se apagam a cada novo giro,

muito pelo contrário: sua luz, em contato com a luminosidade das outras hastes,

transforma a cor da circunferência, formando um novo sujeito. Sendo assim, se em uma

dada situação é evidente a marcação da mulher negra, as categorias gênero e raça estarão

16

acesas e forjarão sua constituição enquanto sujeito atravessado pela interseccionalidade

destas duas cores de opressão. Se há, ainda, no giro da roleta, outras cores que se

iluminam (como deficiência e classe), sua cor não será verde, mas será aquela que é

produto da junção destes eixos primários. Desse modo, se o giro da roleta interseccional

é a primeira etapa da pesquisa, a construção do sujeito a partir das hastes iluminadas é a

segunda etapa.

Na segunda etapa da metodologia interseccional de pesquisa, faz-se necessário

pensar em questionamentos relevantes e específicos para cada haste iluminada e suas

conexões, ajudando a construir a silhueta do objeto de análise. Para cada haste, três

domínios fundamentais: a) Formação interseccional-discursiva; b) Ethos interseccional;

e c) Negociações interseccionais. Cada um dos domínios emerge de perspectivas

conceituais consolidadas em outras disciplinas, mas que já são amplamente empregadas

no campo da Comunicação. No entanto, se nestas origens a interseccionalidade não

adquiria o foco coerente com a sua importância, aqui estes conceitos são mobilizados e

ressignificados tendo a interseccionalidade como núcleo fundamental.

a. Formação interseccional-discursiva

A formação discursiva, segundo Michel Foucault (1987), é o sistema normativo-

social que rege os sujeitos em suas performances verbais e comportamentais, ou seja,

“conjunto de regras que permitem formá-los como objetos de um discurso e que

constituem, assim, suas condições de aparecimento histórico(FOUCAULT, 1987, p.

53). Nesse sentido, admite-se que não há sujeito ou objeto deslocado de uma estrutura

restritiva, que define o que pode ou não ser dito, assim como nenhum dos dois está imune

aos discursos precedentes: “os sujeitos e objetos não existem a priori, são construídos

discursivamente sobre o que se fala sobre eles” (GIACOMONI e VARGAS, 2010, p.

122). Na Análise do Discurso, Pêcheux (1988) se apropria do conceito e confere outras

dimensões ao associá-lo à luta de classes. Na perspectiva de Pêcheux, a formação

discursiva vai ser subordinada à formação ideológica (determinada essencialmente pela

classe), restringindo, assim, o que pode e deve ser dito: “é nas formações discursivas que

opera o assujeitamento, a interpelação do sujeito como sujeito ideológico”

(CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2004, p. 241).

Se a AD entende a formação discursiva como dependente dos direcionamentos de

classe (com a adoção da formação ideológica), entende-se aqui que há tantas formações

discursivas quanto há estruturas de opressão. Nesse sentido, a classe não se sobrepõe aos

17

outros eixos aqui descritos, mas cada um deles oferece constrangimentos próprios à

existência do sujeito. Na metodologia da roleta interseccional, descrever as formações

discursivas que regem cada eixo de opressão, portanto, é identificar quais são os

imperativos e quais são os silenciamentos aos quais os indivíduos, marcados pelas hastes

iluminadas, estão assujeitados.

Ou seja, se as hastes de gênero, raça e deficiência se iluminam, são perguntas

fundamentais: o que se espera da pessoa racializada em determinado contexto

comunicacional? Por outro lado, o que ela precisa silenciar? Quais são os rastros desses

imperativos e quais as marcas dos silenciamentos raciais na materialidade discursiva? E

o que se espera, no âmbito existencial, comportamental e interacional, da pessoa com

deficiência? Quais são seus “deveres” dentro deste eixo de opressão e quais enunciados

silencia como estratégia de resistência e autenticidade? O mesmo se repete para a haste

do gênero. Ao final destas identificações segmentadas, é crucial realizar a descrição final:

quais as negociações e estratégias identitárias, por exemplo, que mulheres indígenas com

deficiência realizam na interseccionalidade destas opressões?

b. Ethos interseccional

Provindo da retórica, o conceito de ethos resume a imagem de si que o indivíduo

tenta produzir nos discursos, independente dos atributos empíricos do enunciador. Ou

seja: é a silhueta imagética do sujeito construída no e pelo discurso, a partir de suas

estratégias de enunciação. Nesse sentido, a validação desta imagem pelos interlocutores

depende das coerções culturais e sociais de uma determinada época, ou seja, toda imagem

de si (ethos) é ancorada em estereótipos, isto é: um arsenal de representações coletivas

que determinam, parcialmente, a apresentação de si e sua eficácia em uma determinada

cultura” (CHARAUDEAU E MAINGUENEAU, 2004, p. 221).

A noção de ethos, portanto, é diretamente dependente das formações discursivas

às quais o sujeito está submetido, uma vez que em qualquer enunciação, “o orador enuncia

uma informação, e ao mesmo tempo diz: eu sou isto, eu não sou aquilo” (Roland

BARTHES, 1970, p. 212). Nesse sentido, mesmo sem consciência, o enunciador

incorpora uma aparência no seu discurso a partir do ritmo, escolha das palavras,

argumentos, entonação etc. indicadora de determinados papeis sociais, classe, interesse,

raça, gênero etc. Sendo assim, a construção do ethos é uma competência social mais ou

menos bem sucedida, uma vez que está sujeita à validação dos outros; busca-se, a cada

enunciação, alcançar legitimidade: “é na qualidade de fonte de enunciação que ele se vê

18

revestido de determinadas características que, por ação reflexa, tornam essa enunciação

aceitável ou não (DUCROT, 1987, p. 201).

O conceito de ethos interseccional, portanto, é a tentativa de reconhecer quais as

construções identitárias legítimas em determinados eixos de opressão e de que forma os

sujeitos deixam rastros desta imagem de si nos seus discursos. Mais do que isso, é

relevante perceber não somente os estereótipos atribuídos a cada eixo que podem

constranger as liberdades identitárias dos indivíduos, como também compreender as

negociações, que acontecem nas interações e ressignificam os limites das suas

existências. Por exemplo, no contexto de idosos nordestinos: há uma imagem de si

definida para indivíduos a depender da sua geolocalização? Como esta limitação se traduz

na materialidade discursiva? Além disso, há um modo de falar, de se comportar, de vestir

e de andar que fundamenta as expectativas em torno das idades? De que forma as

representações negociam estes estereótipos? Ao final, como é fundamental nas análises

interseccionais: qual a imagem de si em circulação que conjuga os dois eixos de opressão

e de que forma o objeto analisado se comporta em relação a esta estrutura?

c. Negociações interseccionais

A noção de negociações interseccionais busca identificar, no seio das interações,

quais as nuances comunicacionais que definem as construções discursivas em meio a

determinadas formações interseccionais-discursivas e aos ethos interseccionais em

legitimação. Entende-se aqui, então, que os contatos sociais cotidianos são fonte

indispensável à construção dos sujeitos, isto é, não há uma essência anterior à interação.

A identidade, portanto, é “um processo em que o indivíduo está continuamente se

ajustando com antecedência à situação à qual pertence, e reagindo a ela (MEAD, 1969,

p. 200). Para o sujeito, portanto, o Outro é fundamental para a construção contínua de si,

uma vez que a identidade se constitui no contato social; ele e seu corpo simplesmente

fornecem o cabide no qual algo de uma construção colaborativa será pendurado por algum

tempo” (GOFFMAN, 2002, p. 231).

Dessa forma, os sujeitos tanto negociam suas identidades a partir das legitimações

dos outros, como constroem noções de si com base nas identificações e diferenças. Isso

é, “as identidades podem funcionar, ao longo de toda a sua história, como pontos de

identificação e apego apenas por causa de sua capacidade para excluir, para deixar de

fora, para transformar o diferente em ‘exterior, em abjeto(HALL, 2009, p. 46). Nesse

processo de contínua dependência interacional, portanto, sujeitos subalternizados são

19

constrangidos pelas expectativas dos outros e pelos direcionamentos identitários

condizentes com os eixos de opressão dos quais participam. Suas corporalidades, de uma

forma ou de outra, deixam rastros daquilo que se é: “apesar de um indivíduo poder parar

de falar, não pode parar de se comunicar através da linguagem do corpo; é preciso dizer

ou a coisa certa ou a errada” (GOFFMAN, 2010, p. 45).

Desse modo, dentro de cada formação interseccional-discursiva, diante de cada

eixo de opressão, sujeitos negociam suas imagens de si, seus comportamentos e seus

discursos, numa tentativa de gerenciar as impressões causadas e fazer valer a sua

existência. Assim, é papel do pesquisador questionar: quais as nuances negociadas nos

discursos que rasuram as materialidades comunicacionais? De que forma acontecem os

constrangimentos, os mal-entendidos, as gafes interacionais? No caso, por exemplo, de

um sujeito gordo, homossexual, de classe baixa, quais as negociações percebidas como

forma de construção de resistência? O que é negociado em cada haste das opressões e de

que forma essas negociações se conjugam e se contrapõem na formação de um sujeito

único?

A metodologia da roleta interseccional é, assim, uma tentativa de propor um olhar

epistemológico mais complexo acerca dos sujeitos, dos objetos, dos espaços e das

materialidades comunicacionais, entendendo que a “superinclusão” pode levar a análises

restritas e a “subinclusão” a estudos equivocados e contraproducentes (CRENSHAW,

2002, p. 173-174). Desse modo, entende-se esta proposta também como um manifesto

científico, cujo fundamento primordial é reconhecer a interseccionalidade como

constitutiva de todo o processo analítico. Ou seja, entende-se aqui que qualquer esforço

metodológico deve ser interseccional: o primeiro passo é realizar o giro da roleta para o

próprio pesquisador. O segundo momento, então, é o giro para o objeto analisado. Dessa

forma, é possível deixar evidentes as limitações das interpretações de resultado e evitar,

portanto, as opacidades das experiências (BRAH, 1996, p. 21) que fundamentaram, por

muito tempo, o discurso da ciência.

Considerações finais

Este trabalho parte do pressuposto que as análises comunicacionais, tanto no

âmbito das dinâmicas interacionais entre sujeitos quanto dos seus dispositivos, espaços e

produtos, podem produzir resultados mais contundentes quando reconhecem a potência

dos cruzamentos interseccionais para a própria composição dos seus objetos. Nesse

20

sentido, propõe-se aqui uma metodologia própria, intitulada roleta interseccional, que

auxilia na busca por questionamentos relevantes para estudos em Comunicação.

O percurso metodológico da roleta interseccional prevê diversos giros tanto para

o pesquisador quanto para o objeto analisado, inserindo a problemática do locus de

enunciação científico como uma questão cara ao discurso da ciência contemporânea. Se

é importante pensar em modos de alcance mais aprofundados daquilo que é estudado, é

também fundamental localizar quem representa o sujeito que estuda, demarcando a

inevitável subjetividade de toda prática humana. Aqui, as subjetividades e as diferenças

não são rejeitadas, mas compreendidas enquanto potência para a construção do

conhecimento. É no reconhecimento destas subjetividades que reside uma aproximação

objetiva sobre a materialidade analítica.

Os giros da roleta interseccional, portanto, assim como a análise das formações

interseccionais-discursivas, das negociações e do ethos atrelados a cada haste iluminada

na pesquisa, são modos de tentar dar completude à análise comunicacional. Os resultados

de estudos que se direcionam metodologicamente para apenas um eixo de opressão, ou

até mesmo para múltiplos eixos separadamente, não dão conta da magnitude dos seus

objetos de análise. É preciso percorrer todo o trajeto metodológico, tanto dos giros da

roleta quanto da construção colorida dos sujeitos e das suas análises contextuais, para

compreender, de fato, as nuances subjetivas que deixam rastros no discurso e

fundamentam os indivíduos em todas as suas práticas sociais e comunicacionais.

Os estudos em comunicação, portanto, podem considerar a roleta interseccional

como uma representação visual didática para guiar suas análises qualitativas a respeito

dos sujeitos, dos objetos e dos processos comunicacionais. A roleta seria, então, um

estímulo a esforços de reconhecimento de variáveis causais para fenômenos da

comunicação, entendendo que desigualdades sociais podem fundamentar escolhas

discursivas, práticas interacionais e alcances de visibilidade midiática. Pensar sobre estes

fatores, que delimitam os contextos de produção e reconhecimento, é prática cara não

somente aos estudos comunicacionais contemporâneos, como também à construção de

potentes diálogos interdisciplinares. A roleta interseccional pode servir de base para o

destaque e compreensão das múltiplas variáveis que direcionam os fenômenos sociais,

muitas vezes silenciadas em relações de causa e efeito superficiais e descontextualizadas.

Entende-se, contudo, que a proposta metodológica não deve se encerrar neste

primeiro esforço aqui apresentado. A roleta interseccional é um primeiro passo para uma

tentativa de contribuir para o campo da Comunicação, dos Estudos Feministas e dos

21

Direitos Humanos, aguardando que pesquisas subsequentes possam reconhecer lacunas,

indicar novas perspectivas e sugerir caminhos. Espera-se, portanto, que as pesquisas e os

pesquisadores tenham aqui a inspiração elementar para a construção de frutos

epistemológicos relevantes para o estudo da interseccionalidade.

Referências

AKOTIRENE, Carla. Interseccionalidade. Pólen Produção Editorial LTDA, 2019.

________________. Ó PaÍ, Prezada! Racismo e Sexismo Intitucionais tomando bonde

no Conjunto Penal Feminino de Salvador. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-

graduação em estudos de gênero, mulher e feminismo, Universidade Federal da Bahia.

2014

ANTHIAS, Floya. Transnational mobilities, migration research and

intersectionality. Nordic Journal of Migration Research, v. 2, n. 2, p. 102-110, 2012.

ANZALDUA, Gloria. Borderlands/La Frontera. San Francisco: Spinsters/Aunt Lute

Press, 1987.

BAGGA-GUPTA, Sangeeta. Privileging identity positions and multimodal

communication in textual practices. Intersectionality and the (re) negotiation of

boundaries. Literacy practices in transition: Perspectives from the Nordic countries,

p. 75-100, 2012.

BARTHES, Roland. L’ancienne rhétorique. Aidemémoire. Communications, n. 16,

p.172-223, 1970.

BENJAMIN, Ruha. Race after technology: Abolitionist tools for the new jim code.

John Wiley & Sons, 2019.

BERNARDINO-COSTA, Joaze; GROSFOGUEL, Ramón. Decolonialidade e

perspectiva negra. Sociedade e Estado, v. 31, n. 1, p. 15-24, 2016.

BHABHA, Homi. A questão do `outro': diferença, discriminação e o discurso do

colonialismo", in H.B.de Hollanda (org.), Pós-modernismo e política, Rio de Janeiro,

Rocco, 1992

BORGES, Rosane. Mídia, racismos e outras formas de destituição: elementos para o

reposicionamento do campo da comunicação. In: CORRÊA, Laura Guimarães (org).

Vozes negras em Comunicação: Mídia, racismos, resistências, Belo Horizonte:

Autêntica, 2019

BRAH, Avtar. Cartographies of diaspora: Contesting identities. Psychology Press,

1996.

BRANDÃO, Helena Hathsue Nagamine. Subjetividade, argumentação, polifonia: a

propaganda da Petrobrás. 1998.

22

CALASANTI, Toni; KING, Neal. Intersectionality and age. Routledge handbook of

cultural gerontology, p. 193-200, 2015.

CARBADO, Devon W. Colorblind intersectionality. Signs: Journal of Women in

Culture and Society, v. 38, n. 4, p. 811-845, 2013.

CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das mídias. São Paulo: Contexto, 2006.

________________; MAINGUENEAU, Dominique. Dicionário de Análise do

Discurso. São Paulo: Contexto, 2004

CHOW, Yiu Fai. Moving, sensing intersectionality: A case study of Miss China

Europe. Signs: Journal of Women in Culture and Society, v. 36, n. 2, p. 411-436,

2011.

CISNE, Mirla. Relações sociais de sexo, 'raça'/etnia e classe: uma análise

feministamaterialista. Temporais, Brasília, ano 14, n. 28, jul./dez. 2014, pp. 133-149.

COLLINS, Patricia Hill. Se perdeu na tradução? Feminismo negro, interseccionalidade

e política emancipatória. Parágrafo, v. 5, n. 1, p. 6-17, 2017.

COLLINS, Patricia Hill. Black feminist thought: Knowledge, consciousness, and the

politics of empowerment. Routledge, 2002.

CORRÊA, Laura Guimarães. Empoderar pra quê? Corpos e cabelos das

mulheres negras na publicidade. In:LEITE, Francisco; BATISTA, Leandro Leonardo

(orgs). Publicidade Antirracista: Reflexões, Caminhos e Desafios. São Paulo: Escola

de Comunicações e Artes da Universidade de São PauloECA USP, 2019.

CORRÊA, Laura Guimarães et al. Entre o interacional e o interseccional: Contribuições

teórico-conceituais das intelectuais negras para pensar a comunicação. Revista ECO-

Pós, v. 21, n. 3, p. 147-169, 2018.

COTTOM, Tressie McMillan. “Black Cyberfeminism: Intersectionality,

Institutions and Digital Sociology”. In: Digital Sociologies eds. Jessie Daniels, Karen

Gregory and Tressie McMillan Cottom. Bristol: Policy Press, 2016

CRAGIN, Becca. Beyond the feminine: Intersectionality and hybridity in talk

shows. Women's Studies in Communication, v. 33, n. 2, p. 154-172, 2010.

CRENSHAW, Kimberlé. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da

discriminação racial relativos ao gênero. Revista Estudos Feministas, v. 10, n. 1, p.

171-188, 2002.

________________ . Mapping the margins: Intersectionality, identity politics, and

violence against women of color. Stan. L. Rev., v. 43, p. 1241, 1990.

23

________________. Demarginalizing the intersection of race and sex: A black feminist

critique of antidiscrimination doctrine, feminist theory and antiracist politics. u. Chi.

Legal f., p. 139, 1989.

DAVIS, Angela Y. Women, Race, and Class. New York: Random House, 1981.

______________. As mulheres negras na construção de uma nova utopia. Geledés, São

Paulo, v. 12, 2011.

DE SOUZA, Nelson Rosário; DRUMMOND, Daniela. Sexo e as negas: da ficção à

realidade sob uma perspectiva interseccional. Esferas, v. 1, n. 10, 2018.

DELPHY, Christine. For a materialist feminism. Feminist issues, v. 1, n. 2, p. 69-76,

1981.

DOUGLAS, Mary. Implicit meanings: Selected essays in anthropology. Routledge,

2002.

DUCROT, Oswald. O dizer e o dito. São Paulo: Pontes, 1987

FANON, Frantz. Black skin, white masks. London: Paladin, 1970.

FAUSTINO, Deivison Mendes. A emoção é negra, a razão é helênica? Considerações

fanonianas sobre a (des) universalização do “Ser” negro. Revista Tecnologia e

Sociedade, v. 9, n. 18, 2013.

FOUCAULT, Michel. A Arqueologia do Saber. 3ª edição. Rio de Janeiro: Forense,

1987.

FRANÇA, Vera Veiga. O objeto da comunicação/A comunicação como objeto. Teorias

da comunicação: conceitos, escolas e tendências. Petrópolis: Vozes, p. 39-60, 2001.

GIACOMONI, M. P.; VARGAS, A. Z. Foucault, a Arqueologia do Saber e a Formação

Discursiva. Rev. Online Veredas. Juiz de Fora, 2010, p. 119-129. Disponível em:

http://www.ufjf.br/revistaveredas/files/2010/04/artigo-09.pdf. Acesso em: 26/05/2020

GOFFMAN, Erving. Os quadros da experiência social: uma perspectiva de análise.

Vozes, 2012.

________________. Comportamento em lugares públicos: notas sobre a organização

social dos ajuntamentos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.

________________. The presentation of self in everyday life. 1959. Garden City,

NY, v. 259, 2002.

GONZALEZ, Lélia. A Juventude Negra Brasileira. __________. Primavera para as

rosas negras: Lélia Gonzalez em primeira pessoa. São Paulo: Diáspora Africana,

2018.

24

GROSFOGUEL, Ramón. A estrutura do conhecimento nas universidades

ocidentalizadas: racismo/sexismo epistêmico e os quatro genocídios/epistemicídios do

longo século XVI. Sociedade e Estado, v. 31, n. 1, p. 25-49, 2016.

HALL, Stuart. Quem precisa da Identidade? In.: SILVA, Tomaz Tadeu da

(org.). Identidade e diferença, p. 103-133, 2009.

HANCOCK, Ange-Marie. When multiplication doesn't equal quick addition:

Examining intersectionality as a research paradigm. Perspectives on politics, v. 5, n. 1,

p. 63-79, 2007.

HINE, Christine. Virtual ethnography. Sage, 2000.

HIRATA, Helena. Gênero, classe e raça: interseccionalidade e consubstancialidade das

relações sociais. Tempo Social, v. 26, n. 1, jun. 2014, pp. 61-73.

HOOKS, Bell. Intelectuais negras. Estudos feministas, v. 3, n. 2, p. 464, 1995.

JORDAN, June. Technical Difficulties: African-American Notes on the State of the

Union. New York: Pantheon Books, 1992.

KERGOAT, Danièle. Dinâmica e consubstancialidade das relações sociais. Novos

estudos CEBRAP, n. 86, p. 93-103, 2010.

LOPES, Maria Immacolata V. Por um paradigma transdisciplinar para o campo da

comunicação. Desafios da comunicação. Petrópolis: Vozes, 2001.

LORDE, Audre. Sister Outsider: Essays and Speeches (Trumansburg, NY. The

Crossing Press, v. 44, p. 111, 1984.

MACHADO, Bárbara Araújo. Interseccionalidade, consubstancialidade e marxismo:

debates teóricos e políticos. IN: Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas

sobre Marx e o Marxismo (NIEP-Marx)(org). Anais do Colóquio Internacional

Marx e o Marxismo, p. 1867-1917, 2017.

MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação. São Paulo: Cortez,

2001

MEAD, George H. Mind, self and Society. In: COSER, L.A., ROSEMBERG, B. (Eds.)

Sociological theory: a book of readings. New York: Macmillam, 1969.

MELO, Iran F. Análise do Discurso e Análise Crítica do Discurso: desdobramentos e

intersecções. Revista Eletrônica de Divulgação Científica em Língua Portuguesa,

Lingüística e Literatura Ano 05 n.11 - 2º Semestre de 2009

MENESES, Maria Paula. Epistemologias do sul. Revista Crítica de Ciências Sociais,

n. 80, p. 5-10, 2008.

25

NIELSEN, Carolyn. Moving mass communication scholarship beyond binaries: A call

for intersectionality as theory and method. Media Report to Women, v. 39, n. 1, p. 6-

22, 2011.

ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise de discurso: princípios & procedimentos. Pontes,

2012.

PÊCHEUX, Michel. O discurso: estrutura ou acontecimento. 4ª edição. Campinas, SP:

Pontes Editores, 2006, 68 páginas.

_________________. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Trad.

Eni Orlandi et al. Campinas: Editora da UNICAMP, 1988

PINDERHUGHES, Dianne M. Intersectionality: Race and gender in the 2008

presidential nomination campaign. The Black Scholar, v. 38, n. 1, p. 47-54, 2008.

PISCITELLI, Adriana. Interseccionalidades, categorias de articulação e experiências de

migrantes brasileiras. Sociedade e cultura, v. 11, n. 2, 2008.

RIBEIRO, Djamila. Lugar de fala. Pólen Produção Editorial LTDA, 2019.

RISAM, Roopika. Beyond the margins: Intersectionality and the digital

humanities. DHQ: Digital Humanities Quarterly, Volume 9, Number 2, 2015.

SAGESSE, Gustavo SR et al. Marcadores sociais da diferença: gênero, sexualidade,

raça e classe em perspectiva antropológica. São Paulo: Editora Gramma, 2018.

SALEM, Sara. Feminist critique and Islamic feminism: The question of

intersectionality. The Postcolonialist, v. 1, n. 1, p. 1-8, 2013.

SHAW, Linda R.; CHAN, Fong; MCMAHON, Brian T. Intersectionality and disability

harassment: The interactive effects of disability, race, age, and gender. Rehabilitation

Counseling Bulletin, v. 55, n. 2, p. 82-91, 2012.

SODRÉ, Muniz. A ciência do comum: notas para o método comunicacional

Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.

SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode o subalterno falar? Editora UFMG, 2010.

TAYLOR, Yvette; HINES, Sally; CASEY, Mark (Ed.). Theorizing intersectionality

and sexuality. Springer, 2010.

YILDIZ-SPINEL, Melek. Telenovelas: Assessing Intersectionality in Spanish Media

Kenyon Summer Science Scholars Program. Paper 210, 2013

Intersectional Roulette: methodological proposal for analyses in Communication

Abstract

Recognizing the relevance of the concept of intersectionality as a methodological

tool in the field of Law, this article proposes to articulate and deepen its value in

26

studies in Communication. The intersectional method in Communication lacks its

own conceptual apparatus, in dialogue with its origins, so that it does not reduce its

analytical capacity to descriptive studies of the subjects, materialities and their

structures. It is intended, therefore, to build a methodological framework, called

“intersectional roulette”, admitting that the observance of the matrices of

oppression that cross the bodies and the subjects is fundamental for the

understanding of the communicational effects they engender.

Keywords: Intersectionality. Communication. Methodology. Feminism

Ruleta interseccional: propuesta metodológica para el análisis en comunicación

Resumen

Reconociendo la relevancia del concepto de interseccionalidad como herramienta

metodológica en el campo del Derecho, este artículo propone articular y

profundizar su valor en los estudios de Comunicación. El método interseccional en

Comunicación carece de su propio aparato conceptual, en diálogo con sus orígenes,

por lo que no reduce su capacidad analítica a los estudios descriptivos de temas,

materialidades y sus estructuras. Por lo tanto, se pretende construir un marco

metodológico, llamado "ruleta interseccional", admitiendo que la observancia de

las matrices de opresión que cruzan los cuerpos y los sujetos es fundamental para

la comprensión de los efectos comunicacionales que engendran.

Palabras clave: Interseccionalidad. Comunicación. Metodología. Feminismo

Fernanda Carrera

Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal

Fluminense. Professora da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de

Janeiro. Professora do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade

Federal Fluminense e do Programa de Pós-graduação em Estudos da Mídia da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (PPgEM/UFRN). Líder do grupo de

pesquisa LIDD - Laboratório de Identidades Digitais e Diversidade (UFRJ).

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil

E-mail:

ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5024-0860

INFORMAÇÕES SOBRE O ARTIGO

Resultado de projeto de pesquisa: Não se aplica.

Fontes de financiamento: Não se aplica.

Considerações éticas: Não se aplica.

Declaração de conflito de interesses: Não se aplica.

Apresentação anterior: Não se aplica.

Agradecimentos/Contribuições adicionais: Não se aplica.