Descreva o cenário político do Brasil em 1945 quando teve inicio o processo de democratização

Diretrizes do Estado Novo (1937 - 1945) > Queda de Vargas e fim do Estado Novo

Em síntese:Para o Estado Novo, a entrada do Brasil na guerra ao lado dos Aliados teve efeitos contraditórios. De um lado, o regime ganhou tempo. O estado de guerra representava um bom argumento para o governo adiar por tempo indeterminado a consulta popular que deveria validar a Constituição de 1937. De outro, a opção por lutar contra o nazi-fascismo colocou em xeque a manutenção de uma ditadura no país. As oposições procuraram aproveitar o desgaste do governo decorrente dessa contradição para retomar a iniciativa. Foi nesse quadro de redefinições que o Estado Novo entrou em crise e finalmente caiu em outubro de 1945.

A partir de 1942, o governo Vargas começou a se movimentar no sentido de preparar a transição controlada de um Estado autoritário para um regime mais aberto. Não por acaso, naquele ano o ministro do Trabalho Marcondes Filho iniciou uma campanha de popularização da figura de Vargas nos meios de comunicação, principalmente através do programa radiofônico "Hora do Brasil". O objetivo era assegurar maior base de apoio para o governo entre as classes trabalhadoras. Esta era também a raiz da preocupação de consolidar os direitos sociais e trabalhistas, expressa em medidas aprovadas em 1943 como a CLT e o aumento do salário mínimo.

Mas a transformação do Estado Novo passava também pela formulação de uma estratégia para enfrentar a questão político-eleitoral. No interior do governo, surgiram propostas variadas, todas preocupadas em criar mecanismos de transição seguros que mudassem o regime mas mantivessem o poder nas mãos de Vargas. Uma alternativa aventada foi a de se promover eleições imediatamente, com base nas entidades de classe existentes, em geral dominadas pelo próprio governo. Vargas, no entanto, procurou não se precipitar e aguardou o rumo dos acontecimentos nos planos externo e interno.

A partir de 1943 a oposição passou a se movimentar com maior desenvoltura, a despeito da ação da censura e de outros órgãos repressivos. Durante todo o ano sucederam-se passeatas de estudantes, promovidas pela UNE, contra o nazi-fascismo. Em outubro, importantes lideranças civis e liberais de Minas Gerais lançaram um documento contestando o regime ditatorial conhecido como o Manifesto dos Mineiros. O governo reagiu punindo vários dos signatários, acusados de insuflar "nosso pior inimigo: as divergências internas". Vargas prometeu a normalização da vida política do país para logo após o fim da guerra, em "ambiente próprio de paz e ordem".

A tensão política manteve-se no ano seguinte. Tornou-se muito difícil para o governo conservar unida a sua base de sustentação no momento em que se abria a possibilidade de retorno ao regime da competição política. As dissensões internas tornaram-se inevitáveis. Um exemplo foi a renúncia do ministro das Relações Exteriores, Oswaldo Aranha, após o fechamento pelo governo de um organismo de apoio aos Aliados - a Sociedade Amigos da América.. Apesar de tudo, o governo continuou apostando na estratégia da candidatura única de Vargas nas futuras eleições presidenciais. Durante todo o ano, Marcondes Filho tratou de intensificar sua campanha de enaltecimento da figura de Vargas no rádio.

As oposições, por seu lado, partiram para uma atuação mais agressiva e começaram a costurar alianças com um ator que ganhava cada vez mais prestígio naqueles anos de guerra: os militares. Em outubro de 1944, a candidatura presidencial do brigadeiro Eduardo Gomes, herói dos 18 do forte, começou a ser articulada nos meios militares e civis. Em janeiro de 1945, no I Congresso Brasileiro de Escritores, intelectuais de renome defenderam a imediata redemocratização do país. Em fevereiro, a imprensa resolveu desconhecer a censura oficial e publicou uma entrevista com José Américo de Almeida defendendo eleições livres e apresentando Eduardo Gomes como candidato das oposições.

Para fazer frente às pressões e romper o isolamento político, ainda em fevereiro o governo resolveu baixar a Lei Constitucional nº 9, que previa a realização de eleições em data a ser marcada 90 dias depois. Era o primeiro passo para a redemocratização do país. Em maio foi decretado o Código Eleitoral: as eleições para a presidência da República e para o Parlamento Nacional seriam realizadas no dia 2 de dezembro daquele ano, e em maio de 1946 se realizariam as eleições para os governos e assembléias estaduais. De acordo com as regras do jogo, Vargas poderia concorrer às eleições, desde que se desincompatibilizasse do cargo três meses antes do pleito. O presidente, no entanto, afirmava que não tinha interesse em permanecer no poder.

A redemocratização do país mobilizou a sociedade brasileira. Surgiram partidos políticos nacionais que teriam a partir daquele momento, até a década de 1960, grande importância. Foram eles a União Democrática Nacional (UDN), que reunia grande parte das oposições; o Partido Social Democrático (PSD), beneficiário da máquina política do Estado Novo, e, finalmente, o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), formado a partir da base sindical controlada por Vargas. Enquanto a UDN apoiou a candidatura de Eduardo Gomes, o PSD lançou a do general Eurico Dutra. O PTB inicialmente manteve-se distante dos dois candidatos.

Mesmo com a campanha nas ruas, continuavam as dúvidas. Vargas seria candidato? Que papel teria ele na redemocratização do país? Setores oposicionistas e segmentos da elite estadonovista temiam os projetos continuístas do ditador. Temiam também seu prestígio junto às forças populares. Por isso, queriam afastá-lo do poder o mais rápido possível.

A UDN defendia a convocação imediata da eleição para a presidência da República, deixando a promulgação de uma nova Constituição para um segundo momento. Os udenistas não admitiam que coubesse ao ditador a tarefa de presidir a constitucionalização do país. Já para os comunistas, que puderam atuar livremente após a anistia de abril de 1945, o primeiro passo para a implantação do regime democrático deveria ser a instalação de uma Assembléia Nacional Constituinte. Sob a vigência de uma nova Carta é que deveriam ser realizadas as eleições para a presidência da República, governos estaduais e assembléias legislativas. Na prática, a proposta dos comunistas implicava que Vargas permanecesse no poder ainda por um largo período. Essa proposta aproximava o PCB do PTB e fortalecia o movimento queremista, surgido em meados de 1945, cujas principais palavras de ordem eram "Queremos Getúlio" e "Constituinte com Getúlio". Rapidamente o queremismo ganhou as ruas, deixando as elites civis e militares preocupadas com as intenções continuístas do presidente.

No dia 10 de outubro, Getúlio baixou um novo decreto antecipando para 2 de dezembro as eleições estaduais. Segundo o decreto, os então interventores deveriam outorgar dentro de um prazo de 20 dias as constituições estaduais. Caso quisessem ser candidatos, bastaria renunciar aos seus mandatos 30 dias antes do pleito. Tudo levava a crer que Vargas sairia profundamente fortalecido das eleições, realizadas sob a égide de seu governo. A partir de então, aceleraram-se as articulações conspiratórias. Entre os principais envolvidos estavam o ministro da Guerra, general Góes Monteiro, e o candidato do PSD à presidência da República e ex-ministro da Guerra, general Eurico Dutra. Os conspiradores contavam também com a aval do embaixador americano no Brasil, Adolf Berle.

No dia 25 de outubro, Getúlio nomeou seu irmão Benjamim Vargas chefe de Polícia do Distrito Federal. Circulavam rumores de que, ao assumir o cargo, Benjamim prenderia todos os generais que estivessem conspirando contra o regime. Essa nomeação funcionou como uma espécie de gota d'água. No dia 29 de outubro, Getúlio Vargas foi deposto pelo Alto Comando do Exército e, declarando publicamente que concordava com a deposição, retirou-se para São Borja, sua cidade natal. No dia seguinte, José Linhares, presidente do Supremo Tribunal Federal, assumiu a presidência da República, para transmiti-la, em janeiro de 1946, ao candidato vitorioso nas eleições, Eurico Dutra.

Logo que decretou o Estado Novo, Getúlio Vargas realizou o anúncio de uma nova constituição para o Brasil. Conhecida como “Constituição Polaca”, a Constituição de 1937 reafirmou vários dispositivos que alargaram os poderes do presidente e acabaram com os partidos políticos que disputavam vagas no Poder Legislativo. Dessa forma, eram lançadas as bases de sustentação dessa nova ditadura. Além de desmobilizar os grupos políticos do país, Vargas também reforçou o apoio ao regime ao fortalecer o tom populista que intermediava sua relação com os trabalhadores. A efetivação dos direitos trabalhistas e a propaganda positiva dedicada ao governo logo surtiu efeito quando observamos manifestações de oposição mínimas ao Estado Novo. Vargas era aceito enquanto líder capaz e necessário para se combater a ameaça comunista e promover o desenvolvimento nacional. No âmbito econômico, o Estado Novo abriu vários institutos e agências responsáveis pela regulamentação de várias atividades. Além disso, vale destacar o grande investimento feito na indústria pesada. A Fábrica Nacional de Motores, a Companhia Siderúrgica Nacional, a Companhia Vale do Rio Doce e a Hidrelétrica do Vale do São Francisco eram algumas das estatais que deveriam abrir portas para o surgimento de outras indústrias no país. Mostrando sua faceta controladora, Vargas criou o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). Esse órgão tinha como função primordial enaltecer os feitos do governo através de cartazes, notícias e imagens enaltecedoras. Por outro lado, esse mesmo órgão promovia a censura de todo o material ou manifestação artística interessada em criticar as ações do Estado Novo. Fortalecendo seu elo com as classes trabalhadoras, Vargas oficializou a jornada de trabalho com 44 horas semanais, criou a carteira de trabalho e determinou o salário mínimo do trabalhador. Por meio desse conjunto de ações, ele buscava desmobilizar qualquer possibilidade de insatisfação contra seu regime. Para muitos trabalhadores, o ditador era visto como agente dos interesses nacionais e defensor das necessidades dos menos privilegiados. Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, a autonomia da política externa de Vargas tomou outros rumos. Antes disso, o habilidoso político demonstrava favor ao regime nazista ao mesmo tempo em que preservava relações com o governo norte-americano. Dada a eclosão da guerra, o posicionamento neutro de Vargas logo se tornou insustentável. Após receber um empréstimo de 20 milhões de dólares dos EUA e ter navios brasileiros afundados pelos alemães, o Brasil aderiu ao bloco dos países aliados.

O breve e bem sucedido papel das tropas brasileiras na Segunda Guerra acabou gerando uma contradição: a ditadura de Vargas mandou tropas para defender a democracia no continente europeu. Mediante essa situação, fortes pressões se mobilizaram para que o Estado Novo chegasse ao fim. Em 1945, o governo marcou eleições diretas para presidente no mês de dezembro. Deposto pelos militares em 30 de outubro daquele mesmo ano, o ex-presidente disputou e venceu as eleições como senador pelo Rio Grande do Sul.

Por Rainer Sousa
Mestre em História