Da extremidade acromial quando comparada a extremidade esternal clavicula

Trabalho realizado no Departamento de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás - UFG - Goiânia (GO), Brasil.1. Chefe do Serviço de Cirurgia da Mão e Microcirurgia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás - UFG - Goiânia (GO), Brasil.2. Médico Ortopedista do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás - UFG - Goiânia (GO), Brasil.Endereço para correspondência: Dr. Frederico Barra de Moraes, Primeira Avenida, S/So, Setor Universitário - 74605-050 - Goiânia (GO), Brasil.

Tel.: (62) 3269-8334 / 3255-6774 / Fax: 3285-2222. E-mail: .

A importância do ligamento costoclavicular (LCC) como estabilizador do segmento medial da clavícula foi descrita por Abbott et al em 1954(1). Na literatura estão documentados casos de ausência de deslocamento cefálico da extremidade esternal da clavícula quando este ligamento é preservado nos procedimentos cirúrgicos em que o segmento esternal da clavícula é ressecado(2-3). O LCC é curto e estruturalmente forte, consistindo de um fascículo anterior e outro posterior, separados por uma bolsa serosa. A inserção inferior ocorre na superfície superior da primeira costela e na junção sincondral com o esterno e, acima, na margem de impressão da superfície inferior da extremidade esternal da clavícula(2).

Segundo Bisson et al, a ressecção da extremidade esternal da clavícula, descrita por Astley et al em 1832, vem sendo utilizada no tratamento da instabilidade e das doenças degenerativas da articulação esternoclavicular resistentes ao tratamento não operatório, sendo consenso a preservação, o reparo ou a reconstrução do LCC(3). A porção esternal da clavícula que pode ser removida sem lesar esse ligamento não está estabelecida.

O objetivo deste estudo anatômico foi medir, em cadáveres frescos, a distância entre a extremidade esternal da clavícula e a inserção clavicular mais medial do LCC, procurando identificar a extensão do segmento esternal da clavícula que pode ser removido na artroplastia de ressecção, sem lesar o ligamento e causar instabilidade.

MÉTODOS

Foram dissecados 50 cadáveres (100 ombros) no Serviço de Verificação de Óbito, após prévia aprovação do trabalho pela Comissão de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina. A média de idade dos cadáveres na época da morte foi de 37 anos, variando entre 17 e 65 anos (DP = 14 anos). Todos os cadáveres eram do sexo masculino, sendo nove (18%) melanodérmicos e 41 (82%) caucasóides.

Adotamos como critério de exclusão a presença de fratura da clavícula, luxação da articulação acromioclavicular ou esternoclavicular e sinais de degeneração da superfície articular proximal da clavícula.

Uma incisão horizontal de aproximadamente 7cm sobre a articulação esternoclavicular foi utilizada como via de acesso (figura 1). Após a desinserção do músculo peitoral maior e o fascículo clavicular do músculo esternocleidomastóide, identificamos a porção anterior da cápsula esternoclavicular, que foi ressecada para expor a superfície articular da extremidade esternal da clavícula. O LCC foi dissecado de forma subperiostal, preservando suas inserções na clavícula e no primeiro arco costal. A superfície articular da extremidade esternal da clavícula e a inserção clavicular mais medial do LCC foram marcadas com agulhas hipodérmicas no 18. Posteriormente, o mesmo examinador realizou as medições entre esses dois pontos, ultilizando um paquímetro com precisão de 0,05cm. Essa medida foi denominada AB, correspondendo ao segmento esternal da clavícula que pode ser ressecado sem lesar o ligamento (figura 2). Os resultados encontrados foram submetidos à análise estatística utilizando-se o programa de computador Excel.

Da extremidade acromial quando comparada a extremidade esternal clavicula

Da extremidade acromial quando comparada a extremidade esternal clavicula

RESULTADOS

A medida AB variou de 0,00 a 2,40cm, com média de 1,26cm (DP = 0,41) (tabela 1). Em 3% das dissecações encontrou-se o ligamento costoclavicular estendendo-se até a superfície articular da extremidade esternal da clavícula, sem nenhum espaço medialmente ao mesmo (figura 3).

Da extremidade acromial quando comparada a extremidade esternal clavicula

Da extremidade acromial quando comparada a extremidade esternal clavicula

DISCUSSÃO

A importância da preservação ou reconstrução do LCC nas cirurgias de ressecção da extremidade esternal da clavícula vem sendo citada por vários autores como melhor opção para estabilizar a articulação esternoclavicular(4-5). A utilização de fios metálicos para a manutenção da redução dessa articulação, nos casos crônicos de instabilidade, tem levado a complicações fatais, como a migração dos fios para o coração e grandes vasos. Em decorrência, a solução biológica com a preservação do LCC é preferida quando a indicação é a ressecção da extremidade esternal da clavícula(6). Esse ligamento possui média de comprimento de 1,3cm por 1,9cm de largura máxima e espessura de 1,3cm(7). Bisson et al demonstraram experimentalmente que as fibras anteriores resistem à rotação excessiva para cima e ao deslocamento lateral, e que as fibras posteriores resistem à rotação excessiva para baixo e ao deslocamento medial(3). Apesar de bem conhecida a importância biomecânica do LCC, ainda existe grande controvérsia em relação à porção da extremidade esternal da clavícula que pode ser removida sem lesar esse ligamento. Rockwood et al, estudando a artroplastia de ressecção da articulação esternoclavicular, recomendam, quando necessária, a ressecção de 1,5cm a 2,0cm da extremidade esternal da clavícula, encontrando melhores resultados nos pacientes nos quais o LCC foi preser-vado(8).

Bisson et al foram os primeiros autores a realizar um estudo anatômico buscando estabelecer a margem de segurança para a ressecção da extremidade esternal da clavícula(3). Para tal, eles mediram, em cadáveres formolizados, a distância entre a superfície articular inferior da extremidade esternal da clavícula e a inserção mais medial do LCC, medida que variou entre 0,5cm e 2,0cm, com média de 1,0cm no sexo feminino e entre 0,7cm e 1,3cm no masculino, com média de 1,2cm. Concluíram que, se a medida de 1,5cm for utilizada, o LCC é lesado em 100% das mulheres e 74% dos homens e que a ressecção de 1,0cm no sexo masculino e de 0,9cm no feminino produz lesão mínima do LCC em 84% dos homens e 89% das mulheres(3). No presente estudo, com cadáveres do sexo masculino, encontramos variação dessa medida entre 0,00 e 2,40cm, com média de 1,26cm. Entretanto, em 3% dos ombros dissecados encontramos o LCC estendendo-se até a superfície articular inferior da extremidade esternal da clavícula, sem nenhum espaço medial ao mesmo, impossibilitando, nesses casos, o estabelecimento de margem de segurança. Não encontramos na literatura nenhuma citação em relação a essa variação anatômica. Cave descreveu que medialmente existe continuidade entre a cápsula da articulação esternoclavicular e o LCC, sem nenhum espaço entre essas estruturas, e que, lateralmente, as porções anterior e posterior estão em continuidade. Segundo esses autores, a inserção ligamentar na margem de impressão da superfície inferior da extremidade esternal da clavícula pode ocorrer em área plana (60%), escavada (30%) ou saliente (10%)(7).

Em nosso estudo, adotamos a superfície articular inferior da extremidade esternal da clavícula como ponto de referência por ser de fácil identificação e estar presente de forma constante nos cadáveres estudados. Utilizamos como amostra somente cadáveres frescos devido à facilidade de identificação e dissecação das estruturas anatômicas avaliadas. Este estudo possui algumas limitações, como a não utilização de paquímetro digital, que é de maior precisão, e a dissecação apenas de cadáveres do sexo masculino, o que nos impede de aplicar os resultados encontrados em pacientes do sexo feminino.

A artroplastia de ressecção da extremidade esternal da clavícula não é um procedimento realizado com freqüência, tanto pela raridade das lesões que acometem essa articulação, como pela falta de conhecimento da técnica operatória. Ensaios mecânicos demonstram que o ligamento esternoclavicular é o principal elemento estabilizador da articulação esternoclavicular íntegra(9). Quando a extremidade esternal da clavícula é ressecada, o LCC torna-se a única estrutura capaz de estabilizar a neo-articulação(9-10).

CONCLUSÃO

No estudo anatômico da articulação esternoclavicular em cadáveres do sexo masculino, podemos concluir que:

  • A distância entre a superfície articular da extremidade esternal da clavícula e a inserção clavicular mais medial do ligamento costoclavicular é em média de 1,26cm.
  • O ligamento costoclavicular pode estender-se até a superfície da extremidade esternal da clavícula em 3% dos casos.

1. Abbott LC, Lucas DB. The function of the clavicle; it's surgical significance. Ann Surg. 1954;140(4):583-99.2. DePalma AF. Surgical anatomy of the acromioclavicular and sternoclavicular joints. Surg Clin North Am. 1963;43:1541-50.3. Bisson LJ, Dauphin N, Marzo JM. A safe zone for resection of the medial end of the clavicle. J Shoulder Elbow Surg. 2003;12(6):592-4.4. Booth CM, Roper BA. Chronic dislocation of the sternoclavicular joint: an operative repair. Clin Orthop Relat Res. 1979;(140):17-20.5. Tricoire JL, Colombier JA, Chiron P, Puget J, Utheza G. Posterior sternoclavicular luxation. Apropos of 6 cases. Rev Chir Orthop Reparatrice Appar Mot. 1990;76(1):39-44.6. Lyons FA, Rockwood CA Jr. Migration of pins used in operations of the shoulder. J Bone Joint Surg Am. 1990;72(8):1262-7.7. Cave AJ. The nature and morphology of the costoclavicular ligament. J Anat. 1961;95:170-9.8. Rockwood CA Jr, Groh GI, Wirth MA, Grassi FA. Resection arthroplasty of the sternoclavicular joint. J Bone Joint Surg Am. 1997;79(3):387-93.9. Bearn JG. Direct observations on the function of the capsule of the sternoclavicular joint in clavicular support. J Anat. 1967;101(Pt 1):159-70.

10. Spencer EE, Kuhn JE, Huston LJ, Carpenter JE, Hughes RE. Ligamentous restraints to anterior and posterior translation of the sternoclavicular joint. J Shoulder Elbow Surg. 2002;11(1):43-7.