Caixa econômica federal fundo garantidor de habitação popular fghab

ADRIANA JESUS GUILHEN

Universidade Federal de São Carlos, Brazil

CAROLINA MARIA POZZI DE CASTRO

Universidade Federal do ABC, Brazil

AS GARANTIAS DO FINANCIAMENTO NO PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA: HÁ EFETIVIDADE NO BENEFÍCIO POR PERDA OU REDUÇÃO DE RENDA DO FUNDO GARANTIDOR DE HABITAÇÃO POPULAR?

Oculum Ensaios, vol. 14, núm. 3, pp. 541-558, 2017

Pontifícia Universidade Católica de Campinas

Recepção: 30 Agosto 2016

Revised document received: 20 Janeiro 2017

Aprovação: 13 Março 2017

DOI: 10.24220/2318-0919v14n3a3712

RESUMO: O artigo analisa aspectos relevantes das garantias que asseguram o financiamento habitacional, sob a perspectiva da solvabilidade das famílias brasileiras para a aquisição da moradia. As garantias asseguram o financiamento de longo prazo, imprescindível à aquisição da casa própria em face da insuficiência de recursos pela maioria da população de média e baixa renda. O acesso à casa própria não se limita ao direito individual; o direito à moradia se enquadra dentre os direitos sociais garantidos constitucionalmente, cuja consecução se dá por meio de política habitacional que assegure o bem-estar e a inclusão social, o desenvolvimento socioeconômico e o direito à cidade. O objetivo deste artigo é estudar as garantias no financiamento habitacional do Programa Minha Casa Minha Vida, particularmente o Fundo Garantidor de Habitação Popular e a alienação fiduciária em garantia, instrumento comumente utilizado no financiamento imobiliário. Nesta análise, foram abordadas as principais características e meios de efetivação destas garantias. Avalia-se que elas sejam direcionadas à consecução do direito à moradia; beneficiem as demandas de renda média e baixa para aquisição do imóvel residencial urbano; estimulem a concessão de crédito; tenham papel de prover estabilidade na amortização da dívida e de dar credibilidade financeira ao programa, apesar de se denotar dificuldades para efetivação do proveito de benefício por perda ou redução de renda do Fundo Garantidor de Habitação Popular.

PALAVRAS CHAVE: Direito à moradia, Financiamento habitacional, Garantias.

ABSTRACT: The article analyses relevant aspects of the guarantees that assure housing finance from the perspective of Brazilian families’ solvency for the purchase of a house, in particular the program Minha Casa, Minha Vida. The guarantees assure the long-term finance that is indispensable for the purchase of a house given the lack of resources of most of the population in the medium to lower income brackets. Access to house property is not limited to an individual right, it is also based on constitutionally-guaranteed social rights obtained through the housing program, which assures well-being and social inclusion, socioeconomic development and the right to the city. The objective of this article is to study the guarantees in the housing program Minha Casa, Minha Vida, considered one of the most important programs in the country, especially the Guaranteed Fund for Public Habitation guaranteed by the judicial system, a common instrument used for housing finance. Their main characteristics and the means of putting these guarantees into effect were addressed in this analysis. These guarantees are aimed to achieving the right to housing, benefitting the demands of the medium and lower income levels for the purchase of an urban residence, stimulating the concession of credit and providing stability for the amortization of the debt, and giving financial credibility to the program, despite difficulties for the effectiveness of the benefit for the loss or reduction of income in the guarantee fund for public housing.

KEYWORDS: Housing rights, Housing finance (mortgage), Guarantees.

RESUMEN: Este artículo analiza aspectos relevantes de las garantías que aseguran la financiación de vivienda, bajo la perspectiva de la solvencia de las familias brasileñas para su adquisición. Las garantías aseguran la financiación de largo plazo, imprescindible para la adquisición de la casa propia, considerando la insuficiencia de recursos por parte de la mayoría de la población de medianos y bajos ingresos. El acceso a la casa propia no se limita al derecho individual; el derecho a la vivienda se encuadra entre los derechos sociales garantizados constitucionalmente, cuya obtención se consigue por medio de una política de vivienda que asegure el bienestar y la inclusión social, el desarrollo socioeconómico y el derecho a la ciudad. El objetivo de este artículo es estudiar las garantías en la financiación de la vivienda del Programa Mi Casa Mi Vida (Minha Casa, Minha Vida), particularmente el Fondo Garantizador de Vivienda Popular (Fundo Garantidor de Habitação Popular) y la enajenación fiduciaria en garantía, instrumento comúnmente utilizado en la financiación inmobiliaria. En este análisis, se abordaron las principales características y los medios de realización efectiva de estas garantías. Se evalúa que ellas se enfocan en la obtención del derecho a la vivienda, que beneficien las demandas de la población con ingresos medianos y bajos para adquisición de inmueble residencial urbano, que estimulen la concesión de crédito, que tengan el papel de proporcionar estabilidad en la amortización de la deuda y dar credibilidad financiera al programa, a pesar de observarse dificultades para la conseguir efectivamente aprovechar el beneficio por pérdida o reducción de ingresos del Fondo Garantizador de Vivienda Popular.

PALAVRAS CLAVE: Derecho a la vivienda, Financiación de vivienda, Garantías.

INTRODUÇÃO

O objetivo deste artigo é analisar as garantias que asseguram o financiamento habitacional à aquisição da casa própria, sob a perspectiva da solvabilidade das famílias brasileiras. As garantias que asseguram o financiamento de longo prazo são imprescindíveis à aquisição da moradia em face da insuficiência de recursos pela maioria da população de média e baixa renda. O direito à moradia não se limita à satisfação individual, favorece a estabilidade socioeconômica e a qualidade de vida, encontrando-se dentre os direitos sociais assegurados constitucionalmente. Desse modo, verifica-se que a política pública deve estar direcionada às necessidades habitacionais não atendidas da população.

Na última década, como política anticíclica e facilitadora do acesso à moradia por meio do crédito habitacional, adveio o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), implementado pelo Ministério das Cidades, Caixa Econômica Federal e municípios. Além de agentes privados intervenientes que reafirmam, nas várias fases de sua implementação, a ação estatal como uma política habitacional que busca assegurar o desenvolvimento socioeconômico, o bem-estar social, a inclusão social e o direito à cidade, além de desempenhar papel anticíclico como política econômica.

Dessa maneira, questões fundamentais estão enredadas nesse contexto e focadas nas dimensões social, urbana e habitacional: (1) Considerando as limitações socioeconômicas da população de menor renda, como as políticas públicas habitacionais de atenção social podem possibilitar o acesso à casa própria? (2) Para viabilizar a aquisição da casa própria, mediante o financiamento habitacional, quais as garantias que o asseguram? e (3) O Fundo Garantidor e a alienação fiduciária em garantia, instrumentos garantidores e estabilizadores do financiamento habitacional no PMCMV, têm se apresentado suficientes à sua viabilização?

Diante disso, o objetivo principal deste artigo, ao estudar as modalidades de garantias do contrato de financiamento habitacional no PMCMV, é verificar a importância delas para viabilização da aquisição da casa própria para os estratos da população de rendas baixa e média-baixa, historicamente excluídos, constituindo-se em instrumentos viabilizadores de uma face da política habitacional na efetivação do direito à moradia e à cidade. Por sua vez, a existência do financiamento público, em abundância, possibilitou a ampliação do acesso ao mercado imobiliário às demandas das Faixas 1, 5, 2 e 3 (rendimentos de R$1.800,00 a R$6.500,00) ou à esfera pública “privatizada” voltada à Faixa 1 (abaixo de R$1.800,00) (Tabela 1).

TABELA 1

Programa Minha Casa Minha Vida - Faixas de renda.

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A natureza do processo de promoção imobiliária, historicamente, tem exigido as garantias do crédito que atendam aos interesses do complexo financeiro imobiliário, bem como se inserem no desenho institucional e suas ferramentas do sistema financeiro. Em países em que o sistema hipotecário tem sido adotado, estudos mostram a importância das garantias para aumentar a solvabilidade da demanda (UN HABITAT, 2005). No Brasil, as lacunas de conhecimento, a respeito da aplicação e adequação desses instrumentos jurídicos de garantia contratual, são decorrentes do curto espaço de tempo de vigência do PMCMV, e merecem atenção devido à magnitude dos recursos financeiros aportados e às características da demanda atendida.

Para o desenvolvimento da pesquisa, empregaram-se tanto a revisão de literatura teórica, quanto as técnicas de documentação indireta que se constituem em pesquisa documental (fontes primárias) e pesquisa bibliográfica (fontes secundárias) para o levantamento de informações e compreensão das questões aventadas. A análise dos resultados esteve voltada a categorizar e identificar as práticas de políticas públicas, primordialmente da oferta e modalidades das garantias do financiamento habitacional no PMCMV.

O DIREITO À MORADIA COM O DIREITO À CIDADE

Em busca de melhores condições de vida e de trabalho, a população rural migrou para as cidades, pois, culturalmente, são espaços que agregaram e ainda acolhem a estes habitantes. Os complexos urbanos são frutos da desconstrução espacial, originada por ações do capital que são responsáveis por suas transformações (FRANCISCO, 2002).

Considerando que o capital tem sua origem na exploração do homem pelo homem, pelo trabalho não pago, é possível afirmar que a organização da cidade viabiliza a acumulação capitalista, uma vez que para ela se direciona e nela vive o maior contingente de trabalhadores; é, praticamente, um ‘exército industrial de reserva’. O êxodo rural fez com que a população urbana brasileira saltasse de 18 milhões, em 1950, para mais de 160 milhões de habitantes em 2010, com aumento da taxa de urbanização de 36,2% para 81,35%, conforme informações do Censo (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2010).

A concentração da população nas regiões urbanas exige a ampliação do acesso dos trabalhadores à moradia, o que só é possível por meio do planejamento de políticas habitacionais, e de um sistema público que atenda a essa necessidade. O trabalhador assalariado, o autônomo, e o microempreendedor, têm limites para o consumo mercantilizado, pois muitos dos valores de uso lhes são inacessíveis. Nesta vertente, se encontra o restrito mercado da casa própria e, como consequência, a escalada do problema da habitação popular há praticamente um século, já que as “referências às habitações populares eram comuns no discurso oficial dos governantes brasileiros, expressando um conjunto de elementos que proporcionavam uma valorização ideológica que traduzia o pensamento dos segmentos dominantes da sociedade” (DUARTE, 2011, p.2), porém, limitados, principalmente, para a faixa da sociedade de menor renda, constituindo-se em um problema que atingia segmentos com renda baixa e média na economia capitalista.

Ainda nesta linha de raciocínio, cumpre se ressaltar que apesar de a Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) prever em seu art. 6º o direito à moradia dentre os direitos sociais, suas consecuções nem sempre são alcançadas. O alçar da moradia como direito social acresceu o dever estatal de favorecer a aquisição da casa própria. O direito à moradia é direito social tão elementar que o artigo 23, inciso IX, da Constituição Federal, prevê a promoção de programas de construção de moradias e a melhoria de condições habitacionais e de saneamento básico, como competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Verifica-se, pois, que o acesso à casa própria não se limita ao alcance da satisfação de um indivíduo, uma vez que contribui para a estabilidade e o bem-estar social. Nesse sentido, Leme (2011) afirma que a política de habitação deve se incorporar aos programas de desenvolvimento urbano integrado, não se restringindo a casa, e incorporar o direito à infraestrutura, saneamento ambiental, mobilidade e transporte coletivo, equipamentos e serviços urbanos e sociais, buscando garantir por completo o direito à cidade.

A política habitacional deve ter cunho social. Como estratégia, não deve se limitar ao combate à pobreza, mas à efetivação do direito à cidade que, de acordo com Henri Lefebvre, constitui-se no direito de não exclusão da sociedade urbana, das qualidades e benefícios da vida urbana, em negação à presente segregação socioeconômica presente na sociedade capitalista. “O direito à cidade não pode ser concebido como um simples direito de visita ou de retorno às cidades tradicionais. Só pode ser formulado como direito à vida urbana, transformada, renovada” (LEFEBVRE, 2001, p.117).

Segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (2007) sobre políticas sociais, os programas de política habitacional são justificados por diversos fatores como o fato de que a moradia, além de ser uma necessidade, é um bem transacionável no mercado; a escolha da moradia não se limita unicamente à estrutura física do imóvel, mas também à infraestrutura de todo o seu entorno, além do caráter social do direito à habitação, que acaba por justificar o financiamento de um bem privado para determinado segmento da população com tributos pagos por toda a população do país. “Essa possibilidade reflete o entendimento daqueles que pagam os tributos de que é socialmente desejável que a população mais pobre tenha acesso à casa própria, objetivo explícito da política nacional de habitação” (p.279).

No Brasil, em detrimento de moderno planejamento urbano e abundante arcabouço legal, a prática e o discurso não se coadunam: a cidade real é ocultada, persevera o restrito mercado imobiliário especulativo e a cidade ilegal. Na maioria das cidades, os investimentos acompanham interesses do capital imobiliário e de grupos locais, em vez de seguirem as diretrizes do plano diretor. “‘O plano-discurso’ cumpre um papel ideológico” (VILLAÇA, 1995) e “ajuda a encobrir o motor que comanda os investimentos urbanos” (MARICATO, 2011, p.124).

A consecução do direito social à moradia, particularmente no que diz respeito à habitação popular, é imprescindível à promoção do bem-estar, pois traz ideia de estabilidade, de construção do patrimônio familiar. Em 1º de janeiro de 2003, por meio da Medida Provisória nº 103, convertida na Lei nº 10.683 (BRASIL, 2003), de 28 de maio do mesmo ano, foi instituído o Ministério das Cidades a fim de criar programas voltados à habitação de interesse social, saneamento básico, transporte e mobilidade, planejamento urbano, regularização fundiária, prevenção de riscos, reabilitação de áreas urbanas e prevenção e mediação de conflitos. Tem como um de seus escopos a efetivação do direito à moradia e direito à cidade, sob a perspectiva de se tratar de competências que devem ser compartilhadas pelos três entes federativos. Isso com a finalidade de favorecer condições de financiamento habitacional, política de subsídios e garantias, além do direcionamento de recursos para eliminar o déficit habitacional e atender o crescimento vegetativo populacional. Essa perspectiva pauta-se, principalmente, no Plano Nacional da Habitação e Planos Locais de Habitação, na Política Nacional de Habitação de Interesse Social (Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social), e na manutenção e expansão do sistema de economia de mercado. Ademais, foi ampliada a participação da sociedade civil com o advento do Conselho Nacional das Cidades, instância consultiva e deliberativa sobre a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, além da gestão democrática das cidades, por meio da disponibilização de meios para adequada capacitação das administrações municipais.

O Ministério das Cidades pauta-se na efetivação das diretrizes gerais da política urbana, previstas nos artigos 182 e 183 da Constituição Federal (BRASIL, 1988), regulamentados pelo Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001) (BRASIL, 2001), com destaque para os instrumentos urbanísticos para gestão sustentável do solo urbano, como o Plano Direto (PD), as Zonas Especiais de Interesse Social, Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios, instrumentos de controle e avaliação de impactos, instrumentos de combate à especulação imobiliária, urbanização compacta e controle da expansão urbana, como o Imposto Predial e Territorial Urbano progressivo no tempo:

A partir da criação do Ministério das Cidades, o Brasil passou a apresentar um desenho consistente de políticas sociais, como a política habitacional. Isso não acontecia desde o fechamento do BNH (Banco Nacional de Habitação) em 1986. O maior reflexo da existência de uma política habitacional foi o lançamento do Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV) realizado ainda no governo Lula (LEME, 2011, p.32).

O PMCMV, lançado em 2009 pelo Ministério das Cidades, procura ampliar o acesso à moradia e reduzir o déficit habitacional a despeito de deficiências que portam seus empreendimentos habitacionais, dada a negligência às condições urbana e ambiental, entre outras, citadas em Nota Pública da Rede Cidade e Moradia (2014). Pode-se concluir que, ao atender a uma demanda reprimida em uma escala nunca antes vista no Brasil, o programa articula também a manutenção e expansão do sistema de economia de mercado e compõe uma reorganização socioespacial nas cidades voltada aos ‘novos consumidores’ da casa própria. Ambígua e limitadamente, o programa promove uma mudança na vida urbana mantendo como forma desigual e contraditória a produção e consumo do espaço urbano, que deixa em um horizonte distante, ou mesmo inatingível, a renovação preconizada por Henri Lefebvre.

AMPLIAÇÃO DO ACESSO À MORADIA COMO AQUISIÇÃO DA CASA PRÓPRIA: O PMCMV

A aquisição da casa própria é o desejo, o objetivo, de praticamente toda população, e tem se constituído na consecução do direito à moradia, quando objeto de adequada política habitacional que assegure o bem-estar social, o desenvolvimento socioeconômico, a inclusão social e, consequentemente, o direito à cidade. Há uma complexidade de questões envolvidas quando se trata da aquisição da casa própria no que diz respeito à finança pessoal, ou seja, à renda familiar, à capacidade de poupança, ao prazo do financiamento e ao valor da prestação. Nesse sentido, o crédito habitacional cumpre o papel de criar solvabilidade à demanda, tão exigida para a consecução da ampliação do mercado.

A partir do advento no presente século da estabilização econômica no Brasil até então não observada, houve recuperação e crescimento do mercado imobiliário, o que favoreceu a aquisição da casa própria. Nesse sentido, “a consolidação do processo de estabilização significou, ao mesmo tempo, crescimento econômico, ganhos na renda dos estratos médios e baixos da população e maior concentração da produção imobiliária em grandes empresas” (CASTRO & SHIMBO, 2010, p.54).

Para que a família possa ter acesso ao crédito para o financiamento habitacional a fim de aquisição da casa própria, é imprescindível a observância de uma equação que analisa, de um lado, a capacidade de pagamento que advém da renda familiar necessária para pagamento das prestações, da disponibilidade de poupança e subsídios para o pagamento da entrada do imóvel e, de outro, o custo e as condições de crédito que são somados ao preço da habitação. É lógico que essa equação se torna inviável se o poder aquisitivo da família for baixo em relação ao valor necessário para financiamento, devido aos ínfimos salários que impedem a poupança necessária para o pagamento, não só da entrada do imóvel, mas também dos custos operacionais do contrato de financiamento, além de taxas e tributos para o competente registro no Cartório de Imóveis. Além disso, compromete a capacidade de pagamento das parcelas, dificulta a comprovação da renda na hipótese de atividade produtiva informal, faltam garantias satisfatórias, entre outros obstáculos, inviabilizando a provisão da casa própria.

Verifica-se, pois, haver solvabilidade do tomador do empréstimo desde que as famílias sejam dotadas de capacidade para assumir o compromisso financeiro necessário à aquisição da casa própria, por meio do financiamento habitacional de longo prazo, sob condições adequadas, uma vez que este não se resume apenas às parcelas do financiamento.

Porém, em regra, a população de baixa renda não tem condições de realizar uma poupança mensal. Às vezes, nem mesmo arcar com o valor imposto pelo mercado imobiliário da prestação do financiamento da casa própria, dependendo de benefícios concedidos por políticas públicas habitacionais, como ocorre no PMCMV, que concede subsídios à população de baixa renda. O referido programa passou a integrar o Programa de Aceleração do Crescimento, lançado em janeiro de 2007.

O Programa de Aceleração do Crescimento se constitui num plano de ação de quatro anos, com o propósito de ampliar investimentos em infraestrutura nas áreas prioritárias como saneamento, habitação (requalificação de moradias e produção habitacional), mobilidade, transporte, energia e recursos hídricos, visando superar os gargalos da economia brasileira e estimular o aumento da produtividade, sob a perspectiva do direito à cidade.

Por sua vez, o PMCMV busca ampliar o número de moradias às famílias de baixa renda, na tentativa de combater o déficit habitacional, as demandas de média renda, de impulsionar a criação de empregos e renda, e o crescimento do setor da construção. Na prática, o PMCMV visou à produção habitacional em massa sob a perspectiva do mercado imobiliário, contemplando a construção de grandes conjuntos habitacionais distantes dos centros urbanos, em áreas de terras de menor custo, o que denota lacunas no planejamento, deixando o programa de atender, dessa maneira, efetivamente, todos os aspectos intrínsecos ao direito à cidade, como a mobilidade, transporte e acesso aos serviços públicos (educação, saúde, lazer). O deslocamento da população de baixa renda para locais distantes, gerou a constituição de vazios urbanos, áreas que oportunamente terão grande valorização, principalmente por serem contempladas com infraestrutura expandida dos centros urbanos até os novos conjuntos habitacionais pelo poder público, favorecendo a lucratividade do mercado imobiliário.

De acordo com o levantamento apresentado pelo Governo Federal, no portal <www.minhacasaminhavida.gov.br>, até o mês de julho de 2016 o PMCMV havia contratado 4.219.366 de unidades habitacionais e entregue 2.632.953 de unidades à famílias de baixa renda, totalizando investimentos de mais de R$ 294,494 bilhões (BRASIL, 2016b) (Tabela 2).

TABELA 2

(Programa Minha Casa Minha Vida) - Concessão de subsídios à população de baixa renda.

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Com o propósito de atender a população de baixa renda, o Programa tem disponibilizado subsídios pecuniários ou redução de juros, considerando a renda mensal familiar e o valor do imóvel. Essas condições, jamais vistas no Brasil, inicialmente apresentam as faixas de renda atendidas, considerando cada uma das três fases do programa e, em seguida, os atuais subsídios e juros praticados. De acordo com a nova classificação do governo, apresentada pela Secretaria de Assuntos Estratégicos, atualmente se enquadram no Programa a baixa, média e alta classes média, correspondentes as classes C e B, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o que representa mais de 50% da população brasileira (CRUZ, 2012).

AS MODALIDADES DE GARANTIAS NO FINANCIAMENTO HABITACIONAL PELO PMCMV

O princípio na contratação de um financiamento para obtenção do crédito habitacional é de que o devedor demonstre um comprometimento com a obrigação assumida, através do fornecimento de garantias reais para a hipótese de insucesso na amortização, por meio do próprio bem, ou de outros ativos que possam servir para a realização do pagamento. Há uma lógica ou técnica de avaliação imobiliária que busca relacionar a segurança do contrato de empréstimo ao valor do bem oferecido como garantia real, que compõe os sistemas hipotecários e fiduciários.

Quanto ao financiamento habitacional, nomeadamente para famílias de menor poder aquisitivo, há dificuldades para o mutuário apresentar condições ou garantias de capacidade creditícia, o que pode inviabilizar o acesso à casa própria, quando necessário o empréstimo financeiro. Nesse caso, para disponibilizar o acesso a linhas de crédito, que dependam do fornecimento de garantias, é necessária a criação de fundos garantidores pelo governo, devido à dificuldade de atração de investidores interessados em transações de alto risco, como o Fundo Garantidor de Habitação Popular (FGHAB) implementado no PMCMV.

Outra forma de ofertar garantia aos provedores do crédito habitacional é a alienação fiduciária que, junto ao FGHAB, faz parte do novo desenho institucional que viabilizou o crescimento da oferta de recursos financeiros para provisão habitacional, quer oriundos do mercado de investimentos, quer dos fundos estatais e paraestatais.

FUNDO GARANTIDOR DE HABITAÇÃO POPULAR

No PMCMV, instituído pela Lei nº 11.977, de 7/07/2009 (BRASIL, 2009b), alterada pela Medida Provisória nº 459, de 25/03/2009, convertida na Lei nº 12.424, de 16/06/2011 (BRASIL, 2011), há previsão em seu art. 2º, IV que para sua implementação, a União, observada sua disponibilidade orçamentária e financeira, participará do FGHAB até o limite de R$ 2 bilhões. Este, por sua vez, de acordo com o art. 20, terá como finalidade garantir o pagamento aos agentes financeiros de prestação mensal de financiamento habitacional, no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, devida por mutuário final, em caso de desemprego e redução temporária da capacidade de pagamento. Além disso, assume o saldo devedor do financiamento imobiliário, em caso de morte e invalidez permanente, e as despesas de recuperação relativas a danos físicos ao imóvel, sendo as condições e os limites das coberturas definidas no Estatuto do FGHAB, conforme art. 11, § 1º e art. 12:

Além do aporte do governo, as instituições financeiras que atuam nos contratos de financiamento do PMCMV, ou seja, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil, fazem contribuições equivalentes a 0,2% do financiamento concedido ao fundo; por sua vez, o mutuário contribui com 0,5% do valor da parcela mais um valor variável, de acordo com a idade do beneficiário (CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, 2013, online).

Na Cartilha disponibilizada pela Caixa Econômica Federal (2011a), há previsão do FGHAB às famílias com renda de até R$5.000,00, que prevê cobertura em caso de perda de capacidade de pagamento proporcional à renda familiar durante todo o período de vigência do contrato. São garantidas 36 prestações para famílias com renda de até R$2.500,00; 24 prestações para famílias com renda de R$2.500,01 a R$4.000,00; e, ainda, 12 prestações para famílias com renda de R$4.000,01 a R$5.000,00. Para ter direito a esse benefício, o imóvel deve fazer parte do PMCMV, devem ter sido quitadas pelo menos seis prestações do contrato e deve ser realizado o pagamento de 5% da prestação devida no mês da solicitação.

Para concessão do benefício, a solicitação deve ser formalizada por meio da comprovação do desemprego e/ou da perda de renda, a cada três prestações requeridas, dependendo do deferimento do adimplemento nos meses anteriores. A integração das cotas é realizada pelo mutuário no importe correspondente a 0,5% do valor da prestação de amortização e juros destinada à cobertura de perda de renda/desemprego; 1,50% a 6,64% do valor da prestação de

[…] amortização e juros de acordo com a idade, destinados à cobertura de sinistros de morte e invalidez permanente e danos físicos do imóvel. De acordo com o Relatório de Gestão do Exercício de 2010, realizado pela Caixa Econômica Federal (2011b, p.6), o FGHab é um fundo de investimento privado, constituído por prazo indeterminado, que tem por objetivo dar garantia a até 600 mil financiamentos habitacionais realizados por meio do PMCMV para mutuários com renda familiar de até 10 salários mínimos. As garantias incluem os riscos por morte e invalidez permanente, danos físicos no imóvel e perda de renda, consoante previsto no seu Estatuto e em cláusula específica do contrato realizado entre o agente financeiro e o mutuário, conforme previsto na Lei nº 11.977/2009, regulamentada pelo Decreto nº 6.820, de 13 de abril de 2009, que dispõe sobre a composição e as competências do Comitê de Participação no Fundo Garantidor da Habitação Popular (CPFHab) e sobre a forma de integralização de cotas no FGHab. Nessa mesma data foi publicada a Portaria nº 160, do Ministério da Fazenda, que transfere para o FGHab participações acionárias e designa membros para comporem o CPFHab para sua constituição (GUILHEN & CASTRO, 2015).

Ademais, a fim de regularizar o FGHAB, o número máximo de contratos mobiliários foi ampliado para 2 milhões; consequentemente, o mercado imobiliário foi beneficiado por meio da Medida Provisória nº 651, de 9/07/2014 (BRASIL, 2014b), que trata de incentivos ao mercado de capitais, convertida na Lei nº 13.043, de 13 de novembro de 2014 (BRASIL, 2014a): “Art. 45. A Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009, passa a vigorar com as seguintes alterações: […] Art. 29. O FGHAB concederá garantia para até dois milhões de financiamentos imobiliários exclusivamente no âmbito do PMCMV” (BRASIL, 2009b, online).

Anteriormente à publicação da medida provisória, esse número era limitado a 1,4 milhão de empréstimos (art. 29, Lei nº 11.977/2009) (BRASIL, 2009b). Como a quantidade de contratos realizados já tinha superado este limite, a partir de sua ampliação foi garantida a volta da normalidade dos financiamentos imobiliários.

Segundo a Caixa Econômica Federal, até 31/03/2016, 1.994.059 contratos do PMCMV estavam cobertos pelo FGHAB. Desse total, entre o início de 2014 e o primeiro trimestre de 2016, houve o pagamento de indenização em 5.352 contratos, número considerado abaixo da expectativa e dentro do percentual de outras carteiras de baixa renda. Do total de 5.352 contratos, em que o fundo foi acionado, 3.875 se devem à quitação de contrato por morte ou invalidez permanente do mutuário, trazendo impacto financeiro de R$201.390.326,00. Houve 1.441 sinistros relacionados à recuperação de imóveis, no importe de R$5.864.386,00 e, ainda, para compensar a perda de renda dos beneficiários, foram desembolsados apenas R$69.178,00 em 36 contratos (CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, 2016b) (Tabela 3).

TABELA3

Fundo Garantidor de Habitação Popular - Garantias concedidas.

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A considerar os escassos casos em que o FGHAB foi acionado em relação à perda ou à redução da renda: nenhuma concessão foi feita no ano de 2014 em todo o território nacional; apenas 22 casos no ano de 2015, e 14 concessões no primeiro trimestre de 2016, tornando-se difícil inferir neste estudo quais foram as estratégias adotadas ou eventuais obstáculos enfrentados pelos segurados.

Se for levada em conta a crescente oportunidade de emprego no início do período mencionado, pode ser que não tenha havido casos de redução ou perda da renda. Todavia referida hipótese é questionável pelo alto índice de desemprego e, consequentemente, inadimplência observado particularmente nos contratos da faixa um, que no mês de dezembro de 2015 atingiu o percentual de 28,8%, conforme relatório de gestão do FAR exercício 2015 (CAIXA ECÔMICA FEDERAL, 2016a), enquanto que nas faixas dois, três e nas demais espécies de financiamento habitacional o índice é de 2%. Ainda sobre a elevação da inadimplência na faixa um, Lauro Gonzales, coordenador do Centro de Estudos em Microfinanças e Inclusão Financeira da Fundação Getúlio Vargas (FGV) afirma que, além do cenário econômico de aumento de desemprego e da inflação, contribuíram para a inadimplência falhas no PMCMV, particularmente o fato de que “quando se cobra um valor muito inferior à capacidade de pagamento, a pessoa enxerga aquela obrigação como um compromisso menos importante”, priorizando o pagamento de outras despesas em momento de restrição da renda (CUCOLO, 2015, online).

Por outro lado, pode ser que os segurados estejam se deparando com algum obstáculo para requerimento da concessão do FGHAB pela falta de conhecimento ou deficiência operacional do órgão responsável pela administração do FGHAB. Na primeira hipótese - falta de conhecimento de seus direitos - o suprimento dessa é de responsabilidade dos três entes da Federação: o Município, por exemplo, por meio da Secretaria de Assistência Social; o Estado, por intermédio da Defensoria Pública ou da assistência judiciária gratuita, inclusive como assessoria jurídica preventiva; e, ainda, a União por meio do Ministério das Cidades e da Caixa Econômica Federal, respectivamente, gestor e operadora do PMCMV e, consequentemente, do FGHAB. Na segunda hipótese - deficiência operacional - deve-se levar em consideração a crescente demanda, sucedida de forma abrupta, sem o adequado respaldo para que a Caixa Econômica Federal, como operadora do PMCMV e do FGHAB, pudesse empreender o crescimento proporcional em sua estrutura, por mais que tenha buscado se valer da constituição de rede de agentes correspondentes, auxiliadores da operacionalização dos financiamentos.

Além disso, diante do esgotamento dos recursos do FGHAB, foi publicada a Lei nº 13.274, em 26 de abril de 2016 (BRASIL, 2016a), que alterou a Lei nº 11.977/2009 (BRASIL, 2009b), dispondo sobre operações de financiamento habitacional, com desconto ao beneficiário concedido pelo Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), para aquisição de imóveis no âmbito do PMCMV construídos com recursos do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR). A referida norma prevê que o Tesouro Nacional dará garantia a estes financiamentos por meio do FAR. O FGTS financiará, a fundo perdido, 95% das unidades habitacionais da faixa um, que atende a população de baixa renda, cabendo ao morador o pagamento dos 5% restantes. Caso o beneficiário não cumpra com sua obrigação, o FAR assume a dívida perante o agente financiador, podendo cobrar as prestações vencidas diretamente do mutuário.

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA

Os financiamentos habitacionais, sejam aqueles que se enquadrem no PMCMV ou não, também são assegurados pelo instituto da alienação fiduciária de coisa imóvel, conforme previsto na Lei n.º 9.514, de 20 de novembro de 1997 (BRASIL, 1997), que instituiu a alienação fiduciária de coisa imóvel, alterada pelas Leis nº 10.931/2004 (BRASIL, 2004) e nº 11.481/2007 (BRASIL, 2007).

A referida norma prevê, em seu art. 4º (BRASIL, 2007), que nesta modalidade poderão ser empregados recursos provenientes da captação nos mercados financeiros e de valores mobiliários. Destaca-se, ainda, o art. 17, IV, que prevê operações de financiamento imobiliário, garantidas por alienação fiduciária de coisa imóvel.

No caso de constituição da alienação fiduciária em garantia, há o desdobramento da posse, em que o fiduciante se constitui no possuidor direto e o fiduciário no possuidor indireto do bem (art. 23) (BRASIL, 2007). Neste negócio jurídico, tendo o credor fiduciário a propriedade resolúvel de coisa imóvel, na hipótese do fiduciante não cumprir com sua obrigação, ou seja, não quitar as parcelas do financiamento, após três meses de atraso, esse deve ser constituído em mora, podendo purgá-la, sob pena de retomada do imóvel, ou seja, consolidação da propriedade do imóvel em nome do fiduciário, observando-se o procedimento previsto no art. 26. Nessa mesma linha, é importante ressaltar que a aplicabilidade desta norma, no caso de financiamento habitacional, só tem pertinência na hipótese da inadimplência não se enquadrar em nenhuma das situações previstas no FGHAB ou se este benefício não for solicitado pelo inadimplente.

De acordo com o art. 27 (BRASIL, 2007), transcorrendo trinta dias, o fiduciário promoverá a alienação do bem por meio de leilão público. No caso do resultado ser idêntico à totalidade da obrigação, é dada quitação ao fiduciante; se o lance oferecido for superior à obrigação, o remanescente lhe deve ser entregue, e se o valor apurado for inferior ao devido, é extinta a dívida.

Esse regime fiduciário, apresentado por meio de procedimento simplificado de retomada do imóvel no caso de mora injustificada, proporciona maior segurança aos investidores, muito diferente dos longos processos judiciais exigidos para a retomada do imóvel concedido mediante outra forma de garantia, como a hipotecária. A segurança estimula o investimento e, consequentemente, a concessão do crédito imobiliário. Na visão dos investidores, isso favorece a redução de taxas, encargos e juros, representando a modernização e acessibilidade ao mercado imobiliário brasileiro.

Estas condições perduram ao longo do período de amortização até a quitação integral da dívida com o agente financeiro, o que exige atenção dos mutuários da casa própria.

Considerando os casos em que o FGHAB foi acionado, pode-se concluir que os mutuários se resguardaram da retomada do imóvel pelos agentes privados, sem que se possa inferir neste estudo quais foram as principais estratégias adotadas.

No seu conjunto, as garantias estudadas como estabilizadoras, oferecem uma importante sustentação ao sistema de financiamento, que podem se tornar insuficientes frente a grandes mudanças macroeconômicas e outras situações contingentes derivadas das lógicas especulativas do mercado imobiliário e financeiro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No Brasil, para permitir que o trabalhador realize o objetivo da aquisição da casa própria, consubstanciando o direito social de moradia previsto na Constituição Federal de 1988 e, por sua vez, o direito à cidade, uma das principais opções é a realização de financiamento habitacional. Sendo esse assegurado por meio de garantias, já que, em regra, suas parcelas comprometem parte considerável da renda familiar durante até três décadas. Sob esse prisma, denotam-se diversos aspectos positivos das garantias dos contratos de financiamento imobiliário, notadamente o FGHAB, que na terceira fase do PMCMV, foi substituído por recursos do FAR.

O FGHAB constituído no PMCMV, que busca atender a população de menor renda, garante o pagamento da prestação mensal de financiamento habitacional aos agentes financeiros, no âmbito do SFH, devida por mutuário final, em caso de desemprego e redução temporária da capacidade de pagamento. Assume também o saldo devedor do financiamento imobiliário, em caso de morte e invalidez permanente, e as despesas de recuperação relativas a danos físicos ao imóvel.

Considerando o universo de quase 2 milhões de contratos de financiamento habitacional realizados pelo PMCMV, assegurados pelo FGHAB, e o módico número de benefícios concedidos entre o ano de 2014 e o primeiro trimestre de 2016 - sendo apenas trinta e seis compensações de parcelas por redução ou perda da renda - é evidente que este número está muito abaixo da expectativa. Este montante é questionável considerando o alto índice de inadimplência observado nos contratos da faixa um, que no mês de dezembro de 2015 atingiu o percentual de 28,8%.

Neste contexto, há de se levantar duas hipóteses. A primeira relacionada ao cenário econômico de aumento do desemprego e da inflação, o que dificulta o ajuste no orçamento da população de menor renda, a qual pode estar priorizando o pagamento de outras despesas. A segunda hipótese relaciona-se ao fato de que, eventualmente, podem haver obstáculos para requerimento da concessão do FGHAB, em qualquer uma de suas espécies de cobertura, pela falta de conhecimento do beneficiário ou pela deficiência operacional do órgão responsável pela administração do FGHAB. Se esta for a realidade, é imprescindível a efetiva atuação dos três entes da Federação, bem como do Ministério das Cidades e da Caixa Econômica Federal como, respectivamente, gestor e operadora do FGHAB, a fim de suplantar qualquer dificuldade.

Na hipótese de não aplicabilidade do FGHAB, no caso de inadimplemento injustificado, deve-se recorrer à alienação fiduciária de imóvel prevista no sistema de financiamento habitacional, que constitui a propriedade fiduciária com desdobramento da posse entre fiduciante e fiduciário, permanecendo o credor com a propriedade resolúvel. No caso de mora do fiduciante, por meio de procedimento extrajudicial, é consolidada a propriedade do imóvel em nome do fiduciário, que o alienará por intermédio de leilão público para recebimento de seu crédito.

Apesar da disponibilização de todas essas condições, é importante salientar que a falta de conhecimento por parte da população, particularmente de menor renda, sobre as diversas espécies de garantias, o procedimento ainda burocrático exigido e a falta de estrutura técnica das instituições financeiras para atender à crescente demanda, por muitas vezes, têm dificultado o acesso à casa própria, e o direito à moradia de muitos trabalhadores.

No contexto analisado, as garantias no financiamento habitacional, o arcabouço legal existente e a simplificação do procedimento de satisfação de direito, são viabilizadoras de segurança ao sistema financeiro, estimulam o investimento no mercado imobiliário legal, a concessão de crédito imobiliário e, principalmente, favorecem a ampliação do acesso à moradia.

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