A multidão um estudo da mente popular livro

Polímata francês cujas áreas de interesse incluíam antropologia, psicologia, sociologia, medicina, e física. Ele é mais conhecido por seu trabalho em 1895, A Multidão: Um Estudo da Mente Popular, considerado um dos trabalhos seminais da psicologia das multidões.

Le Bon teorizou que a nova entidade, a "multidão psicológica", emerge da incorporação da população reunida, não apenas formando um novo corpo, mas também criando uma "inconsciência" coletiva. Quando um grupo de pessoas se reúne e se aglutina para formar uma multidão, há uma "influência magnética dada pela multidão" que transmuta o comportamento de cada indivíduo até que ele seja governado pela "mente grupal". Esse modelo trata a multidão como uma unidade em sua composição que rouba de cada membro individual suas opiniões, valores e crenças; como Le Bon declara: "Um indivíduo em uma multidão é um grão de areia em meio a outros grãos de areia, que o vento agita à vontade"

O livro do qual falaremos hoje não é um romance. No entanto, é um livro muito útil, que nos faz pensar sobre um fenômeno com que todos nós, de uma forma ou de outra, já tivemos contato, e o nome do livro já diz tudo: “Psicologia das Multidões”. Antes de entrar nas ideias livro, gostaria de fazer uma brevíssima introdução sobre o autor, o escritor francês Gustave Le Bon.

Gustave Le Bon foi psicólogo e sociólogo, mas sua formação original é em medicina prática, um curso bem inferior ao curso de medicina tradicional. Quando desistiu da medicina, dedicou-se ao estudo da psicologia. Foi considerado um dos nomes mais importantes da área da psicologia. Os temas que ele abordou tiveram uma grande importância no século XX. Influenciou Freud, que escreveu uma monografia cujo título é: “Psicologia das Massas e a Análise do Ego”.

Gustave Le Bon (1841-1931), um psicólogo social francês, foi considerado o pai do estudo da psicologia das multidões. Le Bon acreditava que uma compreensão da psicologia da multidão era essencial para uma compreensão adequada da história e da natureza do homem.

Para iniciarmos a discussão sobre o livro, gostaria de narrar um fato a que assisti na televisão há muito tempo, mas que nunca foi esquecido por mim e que tem a ver com o tema em questão.

Era um jogo entre o Palmeiras e o São Paulo, e o estádio (não sei se era o Pacaembu) estava em obras, ’quando de repente uma briga generalizada começou. Como o estádio estava em obras, os materiais de construção serviam de armas uns contra os outros. Até que surgiu uma cena impressionante. Um palmeirense pegou um tijolo quando o torcedor rival estava caído no chão e arremessou-o em direção à sua cabeça. Não satisfeito com isso, ainda pegou um pedaço de pau e completou o serviço.  E, como não poderia deixar de ser, acabou matando a vítima. As câmeras flagraram aquele ato criminoso, e ele foi preso. Parecia ser um rapaz de classe média. Ele estava desesperado. Mas uma coisa me chamou a atenção: quando ele disse, não exatamente com as palavras abaixo, mas, mais ou menos assim:

“Como eu pude fazer isso? Eu nunca fui violento. Eu não tenho um temperamento assassino. Essas pessoas (leia-se a torcida organizada do Palmeiras) nem amigos meus eles são.”

Quando eu assisti a esse relato, eu acreditei nele. Acreditei na sinceridade dele, pois tudo que ele fez foi movido por algo que transcendia a sua racionalidade. Em outras palavras, ele reagiu através do contágio inconsciente da multidão. A personalidade consciente se foi, a influência magnética da multidão paralisou o cérebro com zelo hipnótico. O comportamento desse torcedor foi reduzido a um comportamento de um zumbi, em um transe hipnótico.

Espero que, caso algum palmeirense esteja lendo essa resenha, não pense que o que estou relatando é contra a instituição, contra o clube. De jeito nenhum, isso poderia ter acontecido com qualquer time. Dou esse exemplo, pois eu assisti à reportagem na televisão. E essa reação é comum a todos aqueles que andam em bando.

De acordo com Gustave Le Bom, os indivíduos em uma multidão organizada correm o risco de descer a vários degraus na escada da civilização, ou seja, podem se comportar de uma forma primitiva. Em seu livro, Le Bon também formulou a teoria do contágio e argumenta que multidões motivam as pessoas a agir de uma determinada maneira, distante de um comportamento individual. A teoria sugere que multidões exercem uma espécie de influência hipnótica sobre seus membros.

A influência hipnótica, combinada com o anonimato de pertencer a um grupo grande de pessoas, até mesmo para aquele momento citado acima, resulta em um comportamento irracional, emocionalmente carregado. Ou, como o nome implica, o frenesi da multidão de alguma forma é contagioso, como uma doença, e o contágio se autoalimenta, crescendo com o tempo. A multidão mexe com as emoções a ponto de poder levar as pessoas a se comportarem de uma forma irracional, até mesmo violenta.

A Revolução Francesa do século 18 é um exemplo clássico de como a teoria do contágio pode ser usada para explicar o comportamento da multidão. Agravada por dificuldades econômicas, fome e ressentimento de classe dirigente, multidões de camponeses, agricultores e trabalhadores invadiram a Bastilha em 14 de julho de 1789 com a intenção de obter armas, matando a classe dirigente, incluindo o rei Luis XVI.

Os líderes da Revolução Francesa começaramm como seguidores completamente hipnotizados pelo poder das ideias. Robespierre, líder da Revolução Francesa, foi hipnotizado pelas ideias filosóficas de Rousseau, incluindo os filósofos da Inquisição.

Robespierre lançou o "reinado do terror," vestiu a lâmina da guilhotina para só então lançar literalmente milhares à morte. Ele tornou-se mais real do que o rei morto e foi tratado como um Deus. Logo depois os mesmos crentes condenaram Robespierre com o mesmo sintoma de fúria.

A natureza das multidões tem sido um tema de interesse em filosofia. No entanto, nos séculos 18 e 19 uma ênfase crescente foi colocada na compreensão da psicologia das multidões.

Gustave Le Bon acreditava que uma compreensão da psicologia da multidão era essencial para uma compreensão adequada da história e da natureza do homem.

“Em certas horas da história, meia dúzia de homens podem constituir uma multidão psicológica, ao passo que centenas de indivíduos reunidos acidentalmente podem não constituí-la. Por outro lado, um povo inteiro, sem que haja aglomeração visível, às vezes torna-se multidão sobre ação desta ou daquela influência.” (pg 30)

Sua teoria extingue nossas capacidades psicológicas normais e revela que existe uma natureza primitiva que é totalmente sublimada pelo consciente. A novidade da teoria de Gustav Le Bom é fornecer uma explicação plausível para as desordens provocadas pelas massas, considerando que uma das características das multidões é a fusão dos indivíduos em um sentimento comum, introduzindo o elemento irracional na política, uma vez que a política deveria estar centrada na razão.

Quando um indivíduo vive sua vida como indivíduo – isto é, quando ele é forçado a assumir a responsabilidade por sua vida –, ele sente uma carga esmagadora e um sentimento de impotência. Ao unir-se a uma multidão ou a um movimento de massa, ele fica temporariamente aliviado dessa responsabilidade e desse sentimento de impotência.

“Ao fazer parte de uma multidão, toma a consciência do poder que o número lhe confere e, diante da primeira sugestão de assassinato e pilhagem, cederá imediatamente. Qualquer obstáculo inesperado será freneticamente rompido. Se o organismo humano permitisse a perpetuidade do furor, poder-se-ia dizer que o estado normal da multidão contrariada é o furor.” (pg 41)

Voltaire afirmou que “aqueles que podem fazer você acreditar em absurdos podem fazê-lo cometer atrocidades”. Para evitar ser um indivíduo que pode ser convencido por absurdos, é preciso ter um pensamento crítico ativo, em vez de um receptor de propaganda passiva comum aos demais.

Um passo importante para se buscar a verdade é a compreensão de que, ao avaliar as reivindicações dos que estão no poder, o ceticismo é justificado e até necessário. George Orwell via a linguagem política como uma forma de propaganda destinada a enganar as pessoas. Ele disse:

“A linguagem política, destina-se a fazer com que a mentira soe como verdade e o crime se torne respeitável, bem como a imprimir ao vento uma aparência de solidez” (George Orwell).

Como Le Bon, Freud diz que, como parte da massa, o indivíduo adquire um sentido de um poder infinito, permitindo-lhe agir por impulsos, coisa impossível caso estivese sozinho. Esses sentimentos de poder e de segurança permitem ao indivíduo agir e ser infectado por qualquer emoção, ou por indução mútua. Em geral, a massa é impulsiva, mutável e irritável. É guiada quase que exclusivamente pelo inconsciente.

O ego percebe uma semelhança significativa com os outros no grupo e identifica-se com eles. A libido narcisista é deslocada para o objeto através do processo de identificação. Assim Freud chegou à conclusão de que uma multidão é um número de indivíduos que colocaram o seu ideal de ego em relação uns aos outros.

Dos outros pontos abordados por Gustav Le Bon, entre vários, chamo a atenção para dois: a sugestionabilidade e a credulidade. As multidões sempre preferem as explicações fáceis para suas causas. Le Bon chama isso de "a imaginação de uma multidão”, a multidão que, segundo ele, pensa por imagens. E essas imagens chocam-se com a racionalidade humana. 

“O poder das palavras está ligado às imagens que evocam e é completamente independente de seu significado real. Aquelas cujo sentido está mal definido possuem às vezes maior eficácia...” (pg 98)

“A razão e os argumentos são impotentes diante de certas palavras e certas fórmulas. Quando pronunciadas com recolhimento diante das multidões, imediatamente os rostos se tornam respeitosos e as frontes se inclinam.” (pg 98)

“As palavras possuem apenas significados variáveis e transitórios, que mudam de uma época para outra e de um povo para outro. Quando queremos agir por meio delas sobre a multidão, é preciso saber o sentimento que têm para ela num dado momento e não aquele que tiveram outrora ou podem ter para os indivíduos de consitituição mental diferente. As palavras, tal como as ideias, são vivas.” (pg 101)

Caso você esteja intrigado com a sagacidade penetrante de Gustave Le Bon, o livro irá levá-lo para a arena política. Crenças e opiniões mutáveis das multidões, as similaridades e as diferenças das multidões estarão muito bem explicadas ao longo do livro. O autor não se esquiva de dissecar o problema das multidões tranquilas e pacíficas que podem se transformar em multidões criminosas.

Através da paisagem das ideias, Le Bon utiliza-se do raciocínio e do poder de imaginação das multidões, sugerindo que cada civilização levantou-se por alguma ideia, que se cristalizou em cultura, em leis hereditárias, crenças e preconceitos para solidificar-se como uma causa magnética, como aconteceu no cristianismo, islamismo, judaísmo. “Psicologia das Multidões” é um livro importante não só para aqueles que se interessam por política, mas também por oferecer uma oportunidade de pensarmos o nosso papel neste contexto histórico. Por isso, indico esse livraço, que merece um lugar de destaque na sua estante.


Data: 24 maio 2018 (Atualizado: 24 de maio de 2018) | Tags: História



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Muitos provavelmente não conhecem Ievguêni Zamiátin. Serei muito franco com vocês: eu também nunca tinha ouvido e muito menos lido nada a respeito desse autor. Quando decidi ler esse livro, só o fiz por causa do magistral comentário de George Orwel sobre ele. Esse foi o sinal. Peguei o livro, levei ao caixa, paguei e li. E adorei!

Ievguêni Zamiátin é de nacionalidade russa. Formado em engenharia naval, começou a escrever ficção como passatempo. No levante de 1905 na Rússia czarista, foi preso e exilado em 1911, mas foi anistiado em 1913. Apoiou a Revolução de Outubro, mas tornou-se um crítico da censura praticada pelos bolcheviques. À medida que a revolução avançava, os seus trabalhos foram ficando cada vez mais críticos ao regime e cada vez mais suprimidos no decorrer da década de 1920. Por fim, seus trabalhos foram praticamente banidos, e acabou proibido na URSS, sendo publicados posteriormente na Inglaterra.

“Nós”, do autor Ievguêni Zamiátin, é um romance distópico que se passa em uma sociedade totalitária no futuro. Dizem que esse romance foi considerado o criador do gênero de ficção futurística, como “1984”, de George Orwel, publicado em 1949, e “Admirável Mundo Novo”, de Huxley, publicado em 1932. O livro de Ievguêni Zamiátin foi banido pelo departamento de censura na União Soviética, pois foi amplamente visto como uma crítica à utopia comunista.

As distopias posteriores seriam mais políticas: “1984” (1949), de George Orwell, apresentava uma tirania fria, impiedosa e dominada pelo Partido, enquanto “Admirável Mundo Novo” (1932), de Aldous Huxley, propunha uma sociedade sob o efeito de uma droga paralisante, ao mesmo tempo manipulada e produtiva.

Naturalmente, Zamiátin enfrentou mais perseguições e punições por seus pontos de vista políticos do que qualquer um de seus colegas na literatura futurística, ele enfrentou a Rússia pré e pós-revolucionária. Nascido em 1884, suas primeiras incursões no comunismo o levaram ao exílio, embora tenha retornado à Rússia durante a Revolução de 1905, que trouxe grandes reformas liberais à Rússia czarista. Seu envolvimento naquela revolta o levou para a prisão de Spalernaja, onde ele enfrentou o confinamento solitário.

“Nós” é uma narrativa em primeira pessoa escrita como um diário por D-503, um matemático que descreve uma sociedade futurista do século 29, na qual todos os cidadãos vivem em uma cidade-estado, sob um governo autoritário e o olhar atento de uma força policial secreta conhecida como “Guardiões”. A sociedade em questão se desenvolveu como resultado da Guerra dos Duzentos Anos, na qual a cidade triunfou sobre o país e se separou do mundo primitivo. E criaram o Estado único.

Os habitantes do Estado Único vivem numa sociedade planejada racionalmente, na qual todas as atividades são programadas de acordo com a Tabela de Horas. A única atividade humana que não está completamente organizada é o ato sexual. Aos cidadãos é permitido o tempo livre não programado todos os dias, chamado de “Horas Pessoais”, no qual eles podem abrir as cortinas de suas salas de vidro e participar de atividades artísticas, sexuais ou criativas. Todos são espionados. Todos os cidadãos vivem em apartamentos feitos de vidro para que possam ser perfeitamente observados. A confiança no sistema é absoluta.

Amor e casamento foram eliminados. Qualquer cidadão pode se registrar para ter relações sexuais com qualquer outro cidadão, obtendo uma espécie de vale-sexo. A conformidade de pensamento, vestuário e comportamento é rigidamente aplicada. Aí vemos que em “O Admirável Mundo Novo”, Huxley explora esse tema.

Aprendemos que os edifícios são feitos de vidro (com persianas que podem ser baixadas somente para encontros sexuais agendados e aprovados), que as vidas são cuidadosamente reguladas, com a exceção de duas horas pessoais por dia.

Outro ponto dessa sociedade é que todos os cidadãos usam uniformes cinza-azulados e são identificados pelo número. A igualdade é reforçada, a ponto de desfigurar os fisicamente belos. Beleza – assim como sua companheira, a arte – é uma espécie de heresia no Estado Único, porque "ser original significa distinguir-se dos outros. Por isso, ser original é violar o princípio da igualdade".

D-503, como já foi dito acima, é o narrador e protagonista dessa história, matemático e construtor da nave espacial chamada “Integral”.

A princípio o nosso herói é um seguidor fiel do Benfeitor, o líder de uma sociedade futurista, o Estado Único. D-503 acredita cegamente que o Estado Único é uma sociedade justa, que a liberdade individual é um remanescente pesado do passado distante e que os números, os habitantes do Estado Único, vivem e trabalham melhor em um estado coletivo de contentamento e felicidade. Ele está feliz em contribuir para que tudo fique como está.

A mente de D-503 começa a vagar, e ele sente que criou o mundo em que vive quando seus pensamentos são quebrados pela voz de 1-330, uma mulher que ele não conheceu. Quando ele diz a ela que estava pensando sobre a uniformidade de todos, ela aponta as diferenças.

Ao longo do romance, D-503 começa a se entender como um indivíduo independente. Duas coisas contribuem para essa florescente autoconsciência: apaixonar-se pela I-330 e começar a escrever. Por essas ações, D-503 começa a perceber que é um todo indivisível dentro de si. Ao se apaixonar, D-503 deixa a esfera social. D-503 descobre, para seu horror, que desenvolveu uma alma.

O título simbólico “Nós” sugere o tema principal do romance: a luta para preservar o eu individual contra as pressões pelo coletivo “nós”. I-330 é o personagem que ajuda D-503, afirmando a individualidade no romance. Ela personifica o princípio revolucionário da energia, que Zamiátin considera uma força positiva, uma vez que representa a mudança.

O líder do Estado Único está em seu quadragésimo oitavo mandato e é cruel. Ele manipula as pessoas. Ele executa pessoalmente os que cometem qualquer infração. Ele acha que é Deus.

“Nós”, do escritor Ievguêni Zamiátin, da editora Aleph, é excelente para aqueles que gostam de histórias distópicas. Nessa edição, George Orwell faz um excelente comentário sobre o livro, uma resenha bem detalhada. Por isso, indico “Nós” como um livro que merece um lugar de destaque na sua estante.


Data: 06 junho 2018 (Atualizado: 06 de junho de 2018) | Tags: Romance