A educação popular na formação do acs

As reflexões aqui tecidas estão associadas aos resultados de uma pesquisa-intervenção produzida a partir do acompanhamento dos processos de trabalho em uma Unidade de Saúde da Família. A pesquisa-intervenção associa-se à modalidade das pesquisas participativas10,11. Ao sustentar-se no paradigma ético-estético, a pesquisa-intervenção caracteriza-se: por um processo de desnaturalização do objeto que visa conhecer e da dicotomia sujeito x objeto; recriação do campo de investigação; implicação do pesquisador na singularização das experiências acompanhadas e, assim, no compromisso social e político com a realidade com a qual se trabalha12. Estes pressupostos associam-se à premissa de que pesquisar é intervir11,12 à medida que conhecimento e ação, em conjunto, produzem realidades outras, acionando novas perguntas e novas subjetividades12.

O grupo de pesquisa era composto por três psicólogas, docentes do Curso de Psicologia e duas estagiárias de psicologia. Com inspiração na análise institucional13, as pesquisadoras compuseram a análise da produção da demanda, a elaboração diagnóstica, o planejamento das intervenções e as reuniões de devolutiva e avaliações do trabalho realizado junto à equipe14.

A pesquisa aconteceu em uma ESF de um município de aproximadamente 25 mil habitantes da região sul do Brasil. A equipe da ESF era composta por um médico, uma dentista, uma enfermeira, três técnicas de enfermagem, oito ACSs, duas recepcionistas e uma auxiliar de limpeza. Temporariamente, faziam parte da equipe uma estagiária de enfermagem e duas de psicologia (integrantes da equipe de pesquisa).

A produção da demanda instaurou-se com movimentos dos membros da equipe da ESF, em especial dos ACSs. As questões vivenciadas no cotidiano da ESF eram endereçadas às estagiárias de psicologia em busca de espaços de escuta e reflexão sobre as práticas inerentes ao trabalho realizado.

O traçado de composição da pesquisa agenciou-se no contato e em combinações com a equipe do ESF. Inicialmente, a equipe de pesquisa reuniu-se com a chefia e depois com todos os membros da equipe do serviço para análise da demanda. A produção do diagnóstico e das estratégias de intervenção foram engendradas nos encontros com a equipe do ESF – na escuta das questões dos membros da equipe; no comprometimento ético-político das pesquisadoras – em prol da instauração de práticas produtoras de saúde15,16, ancoradas nos princípios da saúde coletiva6; e no exercitar de outras relações entre sujeito e objeto, teoria e prática – ao se afirmar o caráter intervencionista do conhecimento, “todo conhecer é um fazer”14. Entendendo que essas premissas produzem, mutuamente, pesquisador e pesquisado na aproximação com o campo, selando a indissociabilidade entre teoria e prática.

Para a composição das estratégias de intervenção levou-se em conta a produção de analisadores, ou seja, dos “acontecimentos, no sentido daquilo que produz rupturas, que catalisa fluxos, que produz análise, que decompõe”12. Entre os analisadores, as questões associadas ao trabalho do ACS ganharam destaque nas reuniões com a equipe. Situado entre o fora e o dentro do serviço de saúde, as questões envolvendo as atividades cotidianas do ACS revelaram-se complexas, à medida que traduziam concepções e modos de agir em saúde, presentes no processo de trabalho de toda equipe. A realização de um trabalho junto aos ACSs foi priorizada pela equipe na definição da proposta e no contrato de intervenção.

Sendo assim, os participantes das oficinas foram oito ACSs, com idades entre 24 a 51 anos, eram sete mulheres e um homem, que em sua maioria possuíam ensino médio completo e tinham, em média, cinco anos de atuação profissional. Para o delineamento e a operacionalização da intervenção foram realizadas entrevista e oficinas em grupo com os ACS.

Primeiramente, cada ACS respondeu a uma entrevista semiestruturada que continha questões acerca de dados sociodemográficos, referentes à sua trajetória profissional como ACS e sua compreensão sobre a contextualização de seu trabalho na área da saúde. Esse material foi gravado e transcrito na íntegra. Posteriormente, ocorreram cinco oficinas com todo grupo, com duração aproximada de uma hora e meia, registradas em diário de bordo.

No primeiro encontro foi realizado o contrato de grupo com o mapeamento das expectativas dos ACS em relação às oficinas e das dificuldades encontradas em seu cotidiano de trabalho. A temática da segunda oficina escolhida pelos ACS refletiu sobre as atribuições dos ACS por meio de suas percepções e da Portaria Nº 1.886/1997, a qual especifica as atribuições de ACS. No terceiro encontro os ACS explanaram acerca de vivências carregadas de violência e sofrimento que os marcaram negativamente nas relações com a comunidade e com a equipe técnica. No quarto encontro se discutiu sobre a importância do trabalho em rede no enfrentamento dessas vivências transpassadas pela violência. Na oficina de fechamento foram discutidas todas as temáticas trabalhadas no processo de pesquisa-intervenção. Foi acordado e elaborado em conjunto com os ACS o que seria apresentado como devolutiva do trabalho em reunião de equipe do ESF.

Nos encontros foram utilizadas técnicas variadas como: contação de histórias, rodas de conversa, dramatizações, entre outras, conectadas às discussões temáticas. A temática disparadora de cada uma das oficinas foi identificada na entrevista com os ACSs, na avaliação de cada oficina realizada e nas reuniões de equipe. A cada semana, nos encontros com o grupo de ACSs e em reuniões do grupo de pesquisa avaliava-se a intervenção planejada e executada, os resultados e a análise da implicação produzida14 a fim de nortear o planejamento do próximo encontro.

Neste sentido, as situações cotidianas apresentadas pelos ACSs foram tomadas como acontecimentos sociais complexos determinados por uma heterogeneidade de fatores e de relações17. A leitura das questões enunciadas no cotidiano de trabalho na AB foi tomada sob uma perspectiva histórica e política. Assim, o desafio foi o de colocar em análise as implicações do grupo com as práticas produzidas17, de modo a promover movimentos instituintes às questões naturalizadas.

Os resultados produzidos com o grupo de ACS explicitaram: pouco tempo de capacitação inicial para o trabalho, dificuldades em conceituar concretamente suas práticas, desvalorização profissional, tanto por parte da equipe do ESF como da população; e dificuldades em separar em seu cotidiano o que é referente ao trabalho de ACS e a sua vida pessoal, como alguém pertencente à comunidade. Elementos estes que poderão gerar sofrimento psíquico no trabalhador18.

A produção e a análise dos dados foram engendradas durante a intervenção, denotando um processo de construção coletiva ancorado na realização das oficinas e na revisão da literatura sobre a temática abordada. A síntese das discussões e dos produtos elaborados nas oficinas com os ACSs foram compartilhados com toda a equipe, em busca de instaurar processos de autoanálise e autogestão no processo de trabalho da equipe da ESF.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos [CEPSH] da UNIJUÍ. A pesquisa atendeu à adequação de aspectos éticos de pesquisa conforme as resoluções nº 196/96 versão 2012, e nº 251 de cinco de agosto de 1997 do Ministério da Saúde e pela postura ética do profissional da Psicologia, atendendo as resoluções do Conselho Federal de Psicologia.

O trabalho realizado com os ACSs gerou inquietações à equipe de pesquisa. Dentre as quais algumas relacionadas com a PNEP-SUS. Portanto, para os fins deste artigo, nos focamos no resgate do material dos diários de bordo, de falas e cenas oriundas dessa pesquisa-intervenção que nos remeteram a indagações sobre as possibilidades e os desafios na prática profissional do ACS na perspectiva da EPS, com destaque para os princípios orientadores da PNEP-SUS. As reflexões por nós produzidas são apresentadas a seguir como resultado da mobilização frente a essas realidades.

A adesão e a participação dos ACSs nas atividades em grupo foi massiva, denotando a necessidade e a valorização de um espaço de fala e de escuta. Por sua vez, a sustentação do espaço das oficinas demandou momentos de problematização em equipe. Mesmo com o agendamento do dia e horário, houve a sobreposição de atividades que impediam a realização da oficina. Ao ser discutida a questão, em equipe, ficou explicitado o lugar profissional entre(laçado) ocupado pelo ACS: morador & trabalhador, saber popular & saber técnico.

Esse lugar, por vezes, espelhava a dificuldade da equipe em lidar com as peculiaridades do trabalho dos ACSs. Como morador e trabalhador da área atendida, em alguns momentos, o ACS não era visto como um membro de “dentro” da equipe, pelos demais profissionais. Em comentários, de outros membros da equipe, seu lugar era remetido ao “andar na rua” ou ainda “correr rua”, associado à ideia de quem “ninguém sabe ao certo onde está” (registro do diário de bordo, nov. / 2011). Assim, mesmo com atravessamentos de outras questões, como a dificuldade do controle do horário de trabalho, o “fora” é seu lugar. Daí talvez, o estranhamento de toda equipe, e até dos ACSs, a ocupação de um espaço “dentro” com as oficinas. As problematizações e os tensionamentos produzidos pelo lugar entre(laçado) constituiu-se como um analisador no trabalho com ACSs.

A integração com a equipe, para além de uma visão “equipe e ACSs”, pode ser relacionada aos princípios orientadores da PNEP-SUS. Em destaque, está a dificuldade de operacionalizar o compromisso com a construção do projeto democrático e popular, no que se refere à “reafirmação do compromisso com a construção de uma sociedade justa, solidária, democrática, igualitária, soberana e culturalmente diversa”9. Para isso, exercendo a composição de práticas em saúde “tendo como protagonistas os sujeitos populares, seus grupos e movimentos, que historicamente foram silenciados e marginalizados”9. A não abertura de espaços por parte da equipe do ESF contribui para que o ACS não se sinta como alguém da equipe, percebendo seu fazer como desqualificado, logo despotencializado.

Como um profissional que integra a equipe de saúde, o ACS apresenta condições de promover uma atenção diferenciada, no que se refere à saúde das pessoas ao realizar visitas domiciliares e utilizar uma linguagem acessível. Está entre os profissionais de saúde, no cotidiano de trabalho, capazes de estabelecer relações de diálogo e de amorosidade9 para com a população. Ao tecer relações de empatia e reciprocidade, com “a ampliação do diálogo nas relações de cuidado e na ação educativa pela incorporação das trocas emocionais e da sensibilidade” 9 cabe ao ACS lugar de mediador das ações em saúde. Ao assumir o papel de mediação e articulação entre equipe de saúde e comunidade, o ACS se constitui um elemento nuclear das ações em saúde19-22.

No cotidiano de trabalho da ESF estudada, o acompanhamento do ACS envolve ações técnicas ligadas a orientações em saúde, que são transpassadas por uma rede de afetos e proximidade constituída pelo vínculo estabelecido23, como visto na fala a seguir:

...eu acompanhei a mãe desde a gestação e hoje eu vejo que elas me consideram. Quando eu chego nas casas elas ficam alegres e eu me sinto bem com elas. É tipo como se a gente fosse da família realmente. Eu gosto mesmo dessas crianças. A gente acompanha que nem como se fosse filho, né?... Que a gente viu desde a gestação e hoje eles tão indo tudo na aula já. (ACS L)

A proximidade das relações e dos afetos estabelecidos associam-se à abertura ao diálogo e à composição de práticas de amorosidade junto com o outro – dois dos seis princípios orientadores da PNEP-SUS9. Constata-se nas elaborações dos ACS, que essas experiências de trocas com as famílias atendidas, mescladas por diferentes saberes, tanto da família, como do ACS, contribuem para o desenvolvimento integral das crianças24 nesta comunidade.

Observa-se, porém, que a visão da comunidade sobre as funções exercidas no cotidiano de trabalho pelo ACS, está, muitas vezes, associada à aferição de sinais e sintomas, ligada a uma compreensão biomédica de saúde. Demanda esta que fortalece a dimensão de trabalho dos ACSs como diversa, tendo suas atribuições ainda arraigadas a uma compreensão curativa, como alertado por Borstein et al.8 e relatado por uma ACS:

As técnicas podiam ensinar a gente a medir a pressão porque muita gente pede pra gente fazê isso [...] quando faz a VD [visita domiciliar] já pode fazê isso. Mas a gente não pode e procura explicá isso pra eles, mas nem todo mundo entende. (ACS L.)

Ao associar-se, de modo prioritário, a uma compreensão biomédica de saúde, o ACS não visualiza a efetividade de seus encontros com a população, senão por meio de aparatos médicos, associando-os a situações de frustrações em seu trabalho. Dessa forma, as demandas da população e as atribuições reais delegadas à prática de trabalho, são apontadas como dificuldades para a organização e a realização das atividades dos ACS25, como expressado nos trechos que seguem:

Talvez a gente poderia ser melhor usado, né? Bastante pessoas reclamam porque que a gente não pode usar um aparelho de pressão, ou alguma coisa assim, que já seria alguma coisa...útil, mais útil pra eles também... (ACS M.)

Claro que muitas vezes o pessoal pede pra gente fazer um trabalho técnico, né? Claro que não é da função, mas isso seria até uma boa, se a gente tivesse uma preparação técnica. (ACS L.)

Mesmo tendo presente quais seriam suas atribuições, o fato de não possuir uma preparação técnica como os demais profissionais da ESF é visto pelo ACS como uma falha, ao mesmo tempo em que acredita que se realizasse ações concretas estaria sendo mais útil à população25. A desvalorização das ações em saúde desempenhadas pelos ACS ocasiona uma despotencialização das ações de promoção e prevenção em saúde. O contraponto aciona o princípio da PNEP-SUS que remete a problematização9, de modo que caberia às equipes de saúde e aos demais profissionais fomentarem relações dialógicas na proposição da construção de práticas em saúde alicerçadas na leitura e na análise crítica da realidade. O reconhecimento e o fortalecimento das ações realizadas pelos ACSs como nucleares das ações em saúde21 tornam-se fundamentais para a efetivação de práticas pautadas na EPS.

Neste sentido, a discussão passa, necessariamente, pela apropriação de toda equipe do conceito ampliado de saúde, e da composição de práticas que valorizem saberes em saúde ligados ao território e ao contexto de vida das pessoas e da comunidade como um todo. As ações em saúde, na perspectiva da EPS, são pensadas para além de uma forma verticalizada, pautando-se em práticas que contemplem mais do que uma saúde para o povo e possam pensá-la na composição com o povo6. Assumindo, de modo coletivo, um projeto de construção compartilhada do conhecimento, de acordo com os princípios orientadores da PNEP-SUS9.

O entendimento dos condicionantes para a equalização de uma vida saudável é associado às questões ligadas a fatores como alimentação saudável, diminuição de estresse, realização de atividade física e presença da espiritualidade, como apontado na ampliação do conceito de saúde proposto por Czeresnia e Freitas15. As falas que seguem ilustram essas concepções:

Saúde tem que ser uma assim... a pessoa se sinta bem em todos os sentidos. Ela tem que tê... harmonia dentro de casa né... tê paz... tem que eu acho que espiritualidade é o essencial. [...] onde não tem crença... a gente vê que lá... é uma destruição né... a saúde não é só... medicamento... é todo processo de bem-estar da família né... que às vez a família... alguém da família tá doente, mas em si a família tá bem né... (ACS L.)

Não se estressando, tendo uma vida normal né, na medida do possível. (ACS G.)

Pra mim é o bem-estar das pessoas, eles terem uma atividade física, uma alimentação saudável... (ACS R.)

Os ACSs revelaram um entendimento apurado do conceito ampliado de saúde, que ultrapassa o foco somente na doença e de intervenções que priorizam unicamente a via medicamentosa16. Partindo desses entendimentos de saúde, pode-se pensar que estes ACSs, em suas práticas cotidianas são capazes de refletir e compor junto com a população diálogos9 e práticas em saúde que se direcionem para a desconstrução de um conceito de saúde que se limite ao saber biomédico e a uma perspectiva curativa. E a partir daí, possam promover práticas emancipatórias9 junto à população na corresponsabilização, no que se refere ao processo saúde-doença-cuidado.

Ao passo que a compreensão e a produção de ações em saúde associadas ao conceito ampliado de saúde foram consideradas um avanço, a integração com a equipe e o suporte na realização de um trabalho em conjunto foi uma das dificuldades elencadas pelos ACSs. A falta de momentos de trocas em equipe, que possibilitassem a discussão e a instrumentalização do trabalho, para que de fato pudessem compor com a população8 resoluções aos problemas de saúde que agreguem e fomentem a troca de conhecimentos, foi apontada como uma das dificuldades para exercício profissional. Não se trata de um movimento verticalizado de imposição desses saberes, mas de enriquecimento das possibilidades de enfrentamento das situações vivenciadas pela população.

Tem famílias que tem problemas com os filhos adolescentes... não sabem explicá muitas coisas sobre a sexualidade e vem perguntá pra mim. Eu falei algumas coisas, mas a gente tinha que trabalhá alguns temas na equipe, assim como já se fazia quando a outra enfermeira ainda tava aqui. E depois reuni o pessoal pra falá, explicá muitas coisas. (ACS M.)

A gente tem que sabê fazê de tudo, até ensiná uma moça que casô a tê relação com o marido. E pra ele a gente tinha que dizê que tinha que tê paciência e sê carinhoso. Se a gente fosse preparado pra isso ia sê melhor. (ACS M.)

Eu tô todos os dias lá... vejo a fisionomia da pessoa, já enxergo né e daí quando eu vejo que é mesmo doença, eu já peço pra pessoa procurar um médico, a gente já toma providências e se precisar, a gente vê, às vezes que tem que fazer até um trabalho de psicologia (risos) (ACS L.)

... desde ouvir eles, eles desabafarem. Orientar sobre alimentação ou outras coisas, conferir cartão de vacina... Eles comentam de tudo (ACS R.)

Diante da diversidade de demandas associadas ao trabalho do ACS, o respaldo a partir do acolhimento, da escuta e do suporte da equipe é fundamental para a efetivação de ações em saúde que contemplem o compromisso com a construção de um projeto democrático e popular9. Para atender a esses pedidos, faz-se necessário um tempo maior para ouvir as pessoas e suas demandas, que só podem ser acessados a partir da convivência, do estabelecimento de relações de confiança e de vínculos. Para isso, a concretização do objetivo geral da PNEP-SUS de implementar a Educação Popular em Saúde no âmbito do SUS, contribuindo com a participação popular, a gestão participativa, o controle social, o cuidado, a formação e as práticas educativas em saúde9 coloca-se como um desafio a ser trilhado. Sem apoio da equipe de saúde o ACS se percebe sem saber como utilizar o conhecimento/recursos da comunidade, a boa relação estabelecida com o usuário acaba sendo prejudicada. A população, em muitos casos, passa a ser vista não como participante, protagonista de seu processo saúde-doença-cuidado, mas como poliqueixosa, insatisfeita e resistente diante da promoção e prevenção da saúde preferindo a medicação e o assistencialismo.

Olha, a gente tenta, que nem quando a gente faz grupo de saúde, sempre tenta fazer algo novo pro pessoal. Lê, pesquisa, busca uma dinâmica, para trazer o povo pra participar dos grupos de saúde porque a gente quer que o povo participe, porque não é só aqui vim na unidade e suga, suga, suga e não participa nas coisas extras (ACS C.)

Estas atividades, contudo, são dificultadas também pelo grande número de famílias atendidas para o cumprimento das metas pré-estabelecidos, como na fala de uma participante:

Eu tô com 285 famílias né? Impossível, não tem como..., mas eu tô feliz. (ACS L)

Na visão dos ACSs eles recebem pouco acompanhamento e auxílio da rede de atendimento do município, bem como da própria equipe de trabalho. A escassez do uso de tecnologia móvel para o registro, a comunicação com a equipe e a informatização dos dados que confeririam uma otimização do processo do acompanhamento das famílias compõe o quadro de dificuldades no processo de trabalho26. Esse afastamento acaba fragilizando características importantes das atribuições ligadas a EPS, apontadas por Bornstein et al.8, como a de assumirem uma posição de liderança na comunidade, a capacidade de se comunicar com as pessoas e estimular a corresponsabilidade dos usuários. Quando provocados a sugerirem melhorias no trabalho da ESF observa-se um sentimento de impotência e insegurança, ilustrados nos trechos que seguem:

Acho que a gente tem que ter uma palavra única. O fato de todo mundo falar uma mesma linguagem, no caso todo mundo trabalhar a mesma coisa, isso não é carregar o outro nas costas... eu só não sou a pessoa bem certa pra falá isso (ACS M)

Qualificando a gente, primeiramente seria isso, né? Colocando até mais profissionais e diminuindo as nossas áreas, diminuindo a nossa população a gente pode dá mais atenção pra aqueles que ficam (ACS M)