Por que precisamos do dia da consciência negra

A consciência negra refere-se ao processo de tomada de consciência de um afrodescendente acerca de suas raízes e tradições históricas, bem como de toda a violência causada pelo racismo. O termo também está muito associado com a data comemorativa do Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro.

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O que é a consciência negra?

Podemos dizer que a expressão “consciência negra” faz menção à tomada de consciência histórica e cultural da pessoa enquanto afrodescendente. Essa tomada de consciência está relacionada com o processo em que a pessoa se percebe negra e se identifica com as suas raízes históricas e culturais, situações relacionadas com a formação da identidade de um indivíduo.

A consciência negra nos permite resgatar e valorizar a cultura afrodescendente, bem como tomar consciência dos problemas causados pelo racismo.

Nesse processo o indivíduo se identifica com as tradições e valores culturais que remetem às suas raízes afrodescendentes, além de tomar consciência da violência que os negros sofrem e sofreram historicamente tanto no Brasil como em outras partes do mundo. Além disso, também percebe o racismo como um problema estrutural da sociedade contemporânea.

A partir do autorreconhecimento do indivíduo como negro, do resgate das suas raízes culturais e da tomada de consciência histórica de como o racismo permeia a formação da sociedade brasileira, esse indivíduo consegue perceber a importância de engajar-se na luta pela equidade racial, o que inclui questões como direitos iguais no acesso à cultura e educação, oportunidades iguais no mercado de trabalho, o fim da violência cotidiana contra as populações negras, etc.

Por outro lado, essa tomada de consciência não se faz apenas entre as pessoas negras, mas  também entre as pessoas brancas. Assim, pessoas brancas passam a enxergar todos os pequenos privilégios que elas possuem enquanto brancos, o que pode permitir que elas mudem sua forma de agir perante situações de injustiça e, claro, transformar suas ações para que atitudes racistas não sejam reproduzidas.

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O racismo é um grande problema da nossa sociedade e cada vez mais ações para combatê-lo se fazem necessárias. Ações afirmativas, educação e até mesmo meios legais são formas de lutar contra práticas racistas. Uma das ações afirmativas que surgiram por meio da luta dos movimentos negros no Brasil foi o Dia da Consciência Negra.

A consciência negra discute como o racismo afeta a nossa sociedade. A violência policial, por exemplo, é um reflexo dessa realidade. [1]

Esse dia é celebrado em nosso país anualmente em 20 de novembro, e a escolha dessa data não foi aleatória, mas proposital. O dia 20 de novembro é marcado na história brasileira como o dia do assassinato de Zumbi dos Palmares, liderança quilombola que foi perseguida pelas autoridades portuguesas no final do século XVII.

A data da morte de Zumbi foi descoberta na década de 1970, e o movimento negro transformou-a em um símbolo da luta dos negros no Brasil. A escolha dessa data como símbolo de luta se deu em 1978, quando o Movimento Negro Unificado contra a Discriminação Racial se reuniu em um congresso na cidade de São Paulo.

O Vinte de Novembro se estabeleceu como uma alternativa ao Treze de Maio, que faz referência à abolição do trabalho escravo em 1888. Isso porque o Treze de Maio era intensamente questionado por ter sido um processo que se fez sem que nenhum tipo de assistência fosse criado em benefício da população negra.

No contexto de fortalecimento dos movimentos sociais nos anos finais da Ditadura Militar, a comemoração em torno do Vinte de Novembro ganhou força e, na década de 1990, começou a se transformar em feriado em algumas partes do Brasil. Isso se deu porque a sociedade brasileira se tornou mais democrática ao final da ditadura, e os processos de decisões políticas se tornaram mais abertos aos movimentos sociais.

Com isso, uma série de conquistas foi possível, como o surgimento destas leis:

  • Lei n.º 7.716, de 5 de janeiro de 1989, que define o preconceito racial e de cor como crime;
  • Lei n.º 12.711, de 29 de agosto de 2012, que determina cotas raciais para o ingresso de estudantes negros nas universidades e instituições federais;
  • Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que tornou obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira nas escolas de nosso país.

O Dia da Consciência Negra se estabeleceu como uma “data comemorativa” no calendário nacional também por meio de uma lei. Essa foi a Lei n.º 12.519, de 10 de novembro de 2011, e, assim, o dia 20 de novembro foi oficialmente incluído como uma data em referência à consciência negra. A lei não determinou a data como feriado obrigatório e, segundo levantamento feito por Laurentino Gomes, até 2018, apenas 1047 municípios de um total de 5561 tinham transformado a data em feriado|1|.

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Importância do Dia da Consciência Negra

O Dia da Consciência Negra é uma data extremamente importante, pois nos permite resgatar e valorizar a história do povo negro e sua luta pela liberdade no Brasil. Além disso, a data serve como um holofote que coloca em evidências problemas estruturais de nossa sociedade, muitos deles interligados com o racismo.

O advogado e filósofo Silvio Almeida definiu o racismo como uma estrutura que permeia todas as instâncias da sociedade contemporânea, por isso ele coloca que o racismo sempre é estrutural e “integra a organização econômica e política da sociedade”. Assim, Silvio Almeida define que  racismo é manifestação normal de uma sociedade contemporânea|2|.

Sílvio Almeida ainda estende dizendo que o racismo fornece sentido, lógica e tecnologia para perpetuar a violência e a desigualdade social tão presentes na nossa sociedade|3|. Por meio dessas considerações, podemos visualizar o quão arraigado é o racismo em nossa sociedade e como as injustiças são reproduzidas de maneira automática pelas pessoas.

A importância do Dia da Consciência Negra é exatamente esta: é uma data que abre espaço para que esse problema seja verbalizado. A reflexão proporcionada por essa data permite que muitas pessoas possam enxergar o problema do racismo na sociedade. Claro que esse é apenas um ponto de partida: uma atuação antirracista não deve estar restrita ao dia 20 de novembro, mas sim a todos os dias do ano.

Notas

|1| GOMES, Laurentino. Escravidão: do primeiro leilão de cativos em Portugal até a morte de Zumbi dos Palmares – Volume 1. Rio de Janeiro: Globo Livros, 2019, p. 422.

|2| ALMEIDA, Silvio Luiz de. Racismo Estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro; Editora Jandaíra, 2020, p. 20-21.

|3| Idem, p. 21.

Créditos da imagem

|1| a katz e Shutterstock

Dia Nacional da Consciência Negra é uma data de celebração e de conscientização sobre a força, a resistência e o sofrimento que a população negra viveu no Brasil desde a colonização. Durante o período colonial, aproximadamente 4,6 milhões de africanos foram trazidos para o Brasil para servirem na condição de escravos, trabalhando primeiramente em lavouras de cana-de-açúcar e no serviço doméstico, e posteriormente na mineração e em outras lavouras.

A condição de vida dos africanos e dos negros escravizados nascidos no Brasil era extremamente precária. Além de serem submetidos ao trabalho forçado, os escravos eram submetidos a um tratamento degradante e humilhante, não tendo direito a tratamento médico, à educação e a qualquer tipo de assistência social.

Zumbi dos Palmares, o grande mártir da luta negra brasileira. Ilustração feita por Pedro Celso Cruz de Souza. [1]

Como surgiu o Dia da Consciência Negra?

Além do tratamento degradante conferido à população negra escravizada no Brasil entre 1536 e 1888 (este último ano data a libertação dos escravos via Lei Áurea), as heranças da escravidão permaneceram. Quando os escravos foram libertos, em 13 de maio de 1888, por meio da promulgação da Lei Áurea, após intensa luta de ativistas abolicionistas do período imperial do Brasil, como o jornalista e advogado negro Luís Gama, a população negra permaneceu sem qualquer tipo de assistência.

Muitos escravos recém libertos permaneceram nas fazendas onde eram cativos por não terem para onde ir. A grande maioria dessa população era analfabeta e não sabia outro ofício, além do trabalho intenso e pesado das lavouras. No Rio de Janeiro, muitos escravos foram procurar as regiões difíceis de erguer construções na cidade (os morros) para construírem suas moradias, configurando as primeiras favelas. A situação deixada para a população negra no Brasil foi extremamente precária.

Marginalizada, sem assistência e com uma vida precária, a população negra no Brasil continuou a enfrentar muita dificuldade. Os negros eram discriminados socialmente, não tinham acesso aos mesmos direitos que os brancos e foram perseguidos. Diante dessa realidade, muitas comunidades negras (algumas inclusive remanescentes de quilombos), além de organizações sociais formadas por pessoas negras nas cidades, passaram a lutar pela igualdade racial e pela inserção da população negra na comunidade sem restrição de direitos.

Na década de 1970, ativistas ligados a um grupo de quilombolas situado no Rio Grande do Sul passaram a reivindicar a celebração do Dia da Consciência Negra no Brasil na data de 20 de novembro. Em 1978, surgiu o Movimento Negro Unificado no País, que passou a promover uma série de ações para pensar a consciência negra e lutar contra o racismo no Brasil. Graças ao movimento, o Dia da Consciência Negra tornou-se uma data lembrada todo ano como representativa da luta da população negra.

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Por que escolheram o dia 20 de novembro?

A escolha do dia 20 de novembro não foi aleatória, foi feita por ser a data de morte de Zumbi dos Palmares, no dia 20 de novembro de 1695. Zumbi foi o maior líder do Quilombo dos Palmares.

Os quilombos eram comunidades formadas por negros escravizados que fugiam da tirania de seus senhores e escondiam-se em lugares de difícil acesso no meio das matas. O Quilombo dos Palmares foi o maior e mais duradouro dos quilombos registrados pelos estudos historiográficos. Estima-se que a sua formação tenha durado cerca de 100 anos e abrigado entre 20 mil e 30 mil habitantes. A localização territorial do Quilombo dos Palmares era na região da Serra da Barriga, atual estado de Alagoas.

Antônio Parreiras, Zumbi.

Zumbi foi um grande líder e representante da resistência negra em sua época. Fontes antigas, que hoje são questionadas pela historiografia, apontam que ele nasceu em Palmares, porém foi capturado e tomado como escravo aos sete anos de idade. Nessa época, Zumbi teria ficado sob os cuidados de um padre jesuíta, que o batizou na tradição católica e o alfabetizou em português e latim. Aos quinze anos de idade, Zumbi teria fugido para o Quilombo dos Palmares e, depois, destacado-se como uma liderança por lá.

Não é possível atestar a veracidade desses dados porque, além de não terem confirmações históricas, é possível que eles tenham surgido em um momento específico, no século XIX, em que a imagem de Zumbi foi construída como um símbolo heróico para a justa defesa da abolição da escravatura. Havia, portanto, um uso político da imagem de Zumbi e uma construção heróica com uma finalidade específica, mas que pode não condizer com a realidade dos fatos sobre a vida do líder de Palmares.

Foram muitas as batalhas que os quilombolas de Palmares lutaram contra o exército português no Brasil e contra expedições promovidas por capitães e por fazendeiros colonos. Zumbi despontou-se como uma grande liderança justamente por ser um grande estrategista militar e representante de forte resistência contra os colonos escravocratas.

Embora pouco conhecida, outra figura importante dentro do Quilombo de Palmares foi Dandara de Palmares. Apesar de poucas fontes historiográficas sobre a figura de Dandara, sabe-se que ela foi uma grande guerreira resistente. Fontes historiográficas apontam que ela foi esposa de Zumbi e teve com o líder quilombola três filhos. A morte de Dandara ocorreu em 1694, quando foi capturada. Para fugir da escravidão, a guerreira de Palmares cometeu suicídio jogando-se de um desfiladeiro.

Em 1694, tropas organizadas pela expedição do bandeirante Domingos Jorge Velho conseguiram êxito, capturando vários quilombolas. Na expedição, os bandeirantes utilizaram inclusive artilharia pesada, como canhões de guerra. Dessa maneira, a bandeira capturou o quilombola Antonio Soares e prometeu-o a liberdade em troca da revelação do esconderijo do líder Zumbi.

Antonio Soares cedeu e traiu o líder de Palmares, revelando o seu esconderijo. Em novembro de 1695, as tropas de Domingos Jorge Velho capturaram Zumbi e mataram-no, degolando a sua cabeça e expondo-a em praça pública. Nesse evento, os bandeirantes dominaram os quilombolas, desfazendo o quilombo. Os habitantes que não foram mortos ou capturados tiveram que fugir do local.

Assim, o dia 20 de novembro foi escolhido para representar o Dia Nacional da Consciência Negra por conta da importância da figura de Zumbi dos Palmares na luta e resistência contra a escravidão de povos de origem africana.

Atividades para comemorar o dia

Se por um lado temos motivos para comemorar o Dia Nacional da Consciência Negra, por outro, temos motivos para discutir o racismo e promover a ideia de integração igual da população negra na sociedade, lutando contra a exclusão e a desigualdade social. Nesse sentido, as ações promovidas no dia 20 de novembro não devem ser de comemoração, mas de conscientização e reflexão.

Tomando como exemplo os dados sobre renda e desigualdade, vemos que o Brasil ainda permanece sob a influência da herança da escravidão quanto ao tema inclusão social e igualdade social. A maioria da população brasileira, quase 54% dos habitantes, autodeclara-se negra (pretos ou pardos), segundo o IBGE. No entanto, dados levantados pela pesquisa Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), promovida pelo IBGE em 2017, apontam que a renda média de pretos e pardos corresponde a R$ 1570 e R$ 1606, respectivamente, enquanto a renda média de brancos é de R$ 2814. Dados da PNAD de 2015 também apontaram que a porcentagem de negros e pardos entre os 1% mais ricos da população era de 17,8%, enquanto o grupo dos 10% mais pobres possuía um total de 75% de negros e pardos|1|.

Devido à evidente desigualdade social e exclusão da população negra, somadas ao racismo, a celebração do Dia Nacional da Consciência Negra deve ocorrer por meio de atividades de reconhecimento da cultura negra como parte integrante da cultura brasileira e por meio de atividades de discussão e conscientização sobre o problema do racismo e da exclusão dos negros na sociedade brasileira.

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Dia da Nacional da Consciência Negra é feriado

A Lei 12.519 de 2011 instituiu oficialmente o dia 20 de novembro como Dia da Consciência Negra. A lei deixa aberta a possibilidade de estabelecimento de feriado em tal data, ficando a critério dos municípios e dos estados acatarem-na ou não como feriado.

Apenas cinco estados da federação promulgaram leis estaduais que tornam o dia 20 de novembro feriado. São eles: Alagoas, Amazonas, Amapá, Mato Grosso e Rio de Janeiro. 

Crédito de imagem

[1] Pedro Celso Cruz de Souza/Commons

Notas

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