Por que empreender deve ser um estilo de vida

O empreendedorismo está a todo vapor. Basta notar o avanço célere das startups mundo afora, inclusive no Brasil. A receita de sucesso é conhecida: fisgar clientes, ganhar tração, alçar novos voos e mercados, conquistar investidores e, quem sabe, vender a empresa para corporações ou fundos de capital de risco. Mas enquanto esses negócios nascentes buscam o crescimento exponencial, há quem prefira trilhar um caminho diferente, nem por isso menos lucrativo: transformar uma paixão ou um sonho em algo que dê, sim, dinheiro, mas, sobretudo, qualidade de vida. Tudo isso, em geral, viabilizado pela tecnologia. E isso tem nome: “lifestyle business”, ou negócio como estilo de vida, no português claro.

É tendência no mundo. Conforme o relatório “Independent work: choice, necessity, and the gig economy”, publicado em 2016 pela consultoria McKinsey, de 20% a 30% da população em idade ativa nos Estados Unidos e na União Europeia (um contingente equivalente a 162 milhões de pessoas) atuam de forma independente por meio de plataformas de serviços, venda de produtos ou aluguel de bens pela internet. Na definição da consultoria, o trabalho independente tem três características cruciais: alto grau de autonomia, pagamento por tarefa, atribuições ou vendas, e relacionamento de curto prazo entre o empreendedor e os clientes.

No caso brasileiro, não há dúvida de que a crise econômica e os respingos dela levaram muita gente a procurar alternativas de renda. Por outro lado, a situação dos últimos anos também impulsionou quem já tinha um objetivo definido de trocar o ambiente corporativo por um negócio próprio. Por que não arriscar? Essa pergunta ressoou com força na cabeça do publicitário paulista Arthur Donato, de 29 anos.

Ao contrário das startups, estes negócios não buscam crescimento exponencial, e estão sempre alinhados com o estilo de vida dos fundadores

O estalo veio em 2017, ano em que ele começou a se organizar para a transição. Depois de atuar em produtora audiovisual, encerrou no ano passado a carreira corporativa na agência de comunicação e relações públicas KB Comunicação, onde estava havia quatro anos. A meta era trabalhar de um jeito mais confortável, com mais flexibilidade, independência e liberdade de horário. Para dar vazão ao sonho, ele montou uma reserva equivalente a três meses de despesas e lutou contra a ansiedade. “Saí da empresa em baixa temporada, com pouca demanda por projetos”, conta o diretor de arte e fundador da Ive.

Hoje, o designer desenvolve projetos de branding e comunicação interna para pequenos negócios na região do ABC Paulista e grandes empresas. Neste primeiro ano de atuação, as indicações têm ajudado a conquistar os clientes iniciais. Outra estratégia é firmar parcerias para projetos maiores, que necessitem de conteúdo em texto ou vídeo, por exemplo. “Geralmente, são projetos de um mês, no máximo dois meses. Assim como foi na saída da empresa, preciso trabalhar com alguns meses de dinheiro guardado”, diz.

Além da flexibilidade e liberdade de horário, outra vantagem de adotar esse modelo de negócio é ampliar a rede de relacionamento e poder atuar em projetos que tenham mais propósito, afirma Donato. Por outro lado, a rotina mais flexível exige cuidado com prazos de entrega. Os especialistas são unânimes: de nada adianta seguir um hobby ou um sonho se não houver planejamento, disciplina e organização. Saber falar “não” também é importante, não apenas para entregar com qualidade, mas para justamente manter a qualidade de vida.

Atenção redobrada e tecnologia como aliada

Ainda que a perspectiva de trabalhar com o que gosta seja animadora, é preciso redobrar a atenção, principalmente no início do negócio. Entre os maiores desafios, especialistas citam manter estabilidade de demanda, gerenciar a qualidade em função dos prazos e estar preparado para emergências ou eventualidades. “O ideal é ter uma reserva, que varia conforme o apetite por risco de cada um e a situação pessoal – se está solteiro, casado, tem filhos ou não”, observa David Kallás, professor de estratégia e coordenador do Centro de Estudos em Negócios do Insper.

Outra vantagem é poder começar o negócio com pouco recurso, o que de certa maneira pode ser uma armadilha. “Pode gerar a impressão de que é fácil. É aí que muita gente se perde. Diferentemente de um hobby, o lifestyle business precisa ser sustentável. É um negócio como outro qualquer”, lembra Luciana Padovez Cualheta, cofundadora e diretora da escola de empreendedorismo Sempreende, de Goiânia. Para ajudar no crescimento do negócio, muitas vezes será necessário estruturar parcerias ou mesmo montar uma pequena equipe. Inclusive, ter outras pessoas ajudará a manter o estilo de vida, liberando tempo para o empreendedor se concentrar no que realmente quer.

Muitos empreendedores que optam pelo lifestyle business lançam mão de plataformas online para vender seus serviços

Um obstáculo natural – e vale para qualquer empreendedor – é conseguir vender o produto ou serviço. Nesse quesito, plataformas online são uma mão na roda, ainda mais para quem não tem muito recurso para divulgação e campanhas de marketing. Professores de idiomas, consultores, designers, editores de vídeo, produtores de conteúdo, especialistas em marketing digital… As funções são inúmeras e preenchem sites como GetNinjas, Fiverr, Workana e EasyMovie. Há, inclusive, alguns especializados em determinadas profissões.

No dia a dia, a tecnologia também é uma forte aliada. No caso da Ive, empresa criada por Donato, os servidores são online, assim como a plataforma de CRM para cadastro dos clientes. Salas de conferência também ajudam em reuniões para fechar ou acertar detalhes dos projetos. E, claro, aplicativos e softwares facilitam a gestão financeira (emissão de boletos, notas fiscais, gestão do fluxo de caixa) e a organização do tempo e das tarefas.

Lançado em fevereiro de 2015, o Olist é uma grande loja formada por empreendedores que desejam vender produtos nos principais e-commerces brasileiros, como Mercado Livre, Walmart.com, Americanas.com, Submarino, Casas Bahia, entre outros. Basicamente, o lojista paga um valor (anual ou semestral), além de uma comissão média de 20% sobre as vendas – que varia conforme o tamanho e o segmento de atuação – para a plataforma cuidar de gestão, logística e serviço de atendimento ao consumidor (SAC). “A tecnologia simplifica o negócio para o empreendedor focar naquilo que gosta de fazer e tem talento. Até porque a pessoa às vezes não tem know-how para fazer tudo”, aponta Tiago Dalvi, CEO do Olist.

Atualmente, a plataforma tem 6.600 lojistas ativos e expectativa de chegar ao fim do ano com 10 mil. A Madame Capricho é uma delas. Criada pela contadora mineira Ariane Gomes, de 34 anos, a empresa vende quadros decorativos. A paixão pelo artesanato vem desde pequena, mas só se tornou uma fonte de renda há alguns anos. Após ser demitida, em 2012, ela começou a produzir quadros e kits de cozinha, como porta-guardanapo, usando madeira reciclada. A venda era de porta em porta na cidade de Santa Rita do Sapucaí e feita por três revendedoras. O negócio ia de vento em popa até que a Ariane levou calote de uma das revendedoras – amargou prejuízo de quase R$ 1 mil.

Depois da perda, a empreendedora resolveu migrar o negócio para a internet. Montou ainda naquele ano uma loja online na plataforma Elo7. Até hoje Ariane mantém o espaço, porque 20% do faturamento vêm de lá, mas aos poucos notou que estava se desgastando demais com a gestão e problemas com entregas de mercadorias, por exemplo.

A qualidade de vida melhorou nos últimos três anos quando ela passou a usar a plataforma do Olist. “Hoje só trabalho mesmo dois dias por semana. Nos demais, faço projetos para clientes e dou aulas de artesanato. Tenho os horários totalmente flexíveis, consigo ficar com meu filho (de oito anos) pela manhã, posso ir à academia no meio da tarde”, conta. Hoje, as vendas pelo Olist representam 80% do faturamento mensal da Madame Capricho, que comercializa por mês uma média de 300 quadros.

Quem também decidiu arriscar foi o produtor audiovisual Henrique Ribeiro, de 27 anos. Desde junho, ele atua por conta própria e desenvolve vídeos e animações 3D para empresas e pessoas físicas. “Ou eu fazia isso com 27 ou o peso seria maior com 30 anos ou mais”, brinca. Por mês, em média, ele trabalha em quatro projetos, quase todos captados na plataforma EasyMovie, que conecta pessoas a profissionais de edição de vídeos. Ainda é cedo para avaliar se a escolha foi bem-sucedida, mas Ribeiro diz estar feliz e sentindo os desafios. “Estou tentando me adaptar a esse modo de vida, de conseguir dedicar mais tempo a um sonho”, explica.

Como dá para perceber, o “lifestyle business” é uma escolha bem pensada e planejada. No livro “Trabalhe 4 horas por semana”, o escritor Timothy Ferris defende que, para ter uma rotina mais flexível e prazerosa, é preciso ir mudando aos poucos o formato de trabalho até tomar a decisão de largar o emprego e viver o novo estilo de vida. O autor da reportagem confessa que tem treinado e, há cinco anos, atua como jornalista freelancer – quando os prazos permitem, reduz a jornada de trabalho e folga às sextas. Agora entregou o texto, vai curtir o fim de semana.

Passo a passo para dar o pontapé inicial

  1. Montar um planejamento financeiro

Como todo negócio, o planejamento é peça-chave. Antes (muito antes) de largar a carreira em uma empresa, o ideal é guardar dinheiro. Esse recurso ajudará não apenas no início da empreitada como capital de giro, mas também servirá como uma espécie de fôlego para períodos de vacas magras. Não há uma regra, mas especialistas indicam poupar de seis meses a um ano do total de despesas. Faça a conta.

  1. Identificar se o que gosta de fazer vende

Parece clichê, mas conhecer a si mesmo é crucial para quem pretende seguir o modelo de lifestyle business. Afinal, o que você realmente gosta de fazer? Pare e pense se o produto ou serviço terá demanda, ou seja, se as pessoas estarão dispostas a pagar. Um jeito simples e prático de identificar isso é fazendo testes, segundo Luciana, da Sempreende. “Pode fazer um post e ver a reação das pessoas ou desenvolver um primeiro serviço e ver quem compra.”

Esse é um erro comum. No afã de achar que a ideia é um pote de ouro, muitas pessoas perdem dinheiro porque resolveram agir apenas por impulso, sem organização e planejamento. Claro que montar um negócio exige tomar risco, mas largar o emprego da noite para o dia talvez não seja a estratégia mais adequada. Converse com amigos e familiares, isso também pode ajudar a tomar uma decisão mais sensata e no tempo certo.

  1. Encontrar plataformas para vendas e divulgação

Pronto, fez um teste e sentiu que o negócio tem potencial? É hora de arregaçar as mangas e começar a vender. Para isso, plataformas online ajudam principalmente quem não tem recurso suficiente para investir em campanhas de marketing digital, por exemplo. Outra dica é aproveitar as redes sociais, como Facebook e Instagram, para captar clientes. Se bem usadas, essas mídias costumam trazer bons resultados.

  1. Definir uma rotina de trabalho

Como assim rotina de trabalho? Não é um lifestyle business? É estilo de vida, sim, mas por trás de um negócio – e assim que os clientes vão entender. Então, exige cumprir prazos. O ideal é saber quantas horas por dia ou por semana será preciso trabalhar para atingir o tão sonhado estilo de vida. Ferramentas de gestão de tarefas podem ajudar a se organizar.

Fonte: ITtrends 

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