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Este clássico da literatura universal vem há séculos seduzindo gerações de leitores apaixonados, que encontram nas páginas tecidas pelo inglês William Shakespeare uma das mais belas e trágicas histórias de amor de todos os tempos. A história de Romeu e Julieta praticamente transformou-se em um arquétipo da psique humana, como ocorreu, por exemplo, com o mito de Édipo, criado por Sófocles, célebre dramaturgo grego, e convertido por Sigmund Freud em um conceito fundamental da Psicanálise. Esta tragédia shakespereana, elaborada entre 1591 e 1595, não é significativa apenas por enfocar o amor proibido entre dois jovens na Verona renascentista, mas também por denunciar a hipocrisia e as convenções sociais, os interesses econômicos e a sede de poder, elementos que engendram inevitavelmente a intolerância e condenam o sentimento nobre que brota dos corações de Romeu e Julieta. Os amantes se conhecem em uma festa promovida pelo líder dos Capuletos, pai da jovem. Romeu, evidentemente, não foi convidado mas, acreditando estar apaixonado por Rosaline, uma das moças presentes no evento, se oculta sob um engenhoso disfarce e vai à celebração. Uma vez, porém, que ele se depara com Julieta, a imagem da outra garota desaparece de seu coração, e nele agora só há espaço para a jovem desconhecida. Logo depois os dois descobrem que pertencem a famílias que se odeiam. Romeu, logo depois da festa, oculto no jardim, ouve involuntariamente o diálogo de Julieta com as estrelas, durante o qual ela confessa sua paixão. Ele então a procura e se declara. Um dia depois os dois, com o auxílio do Frei Lawrence, que pertence ao círculo de amizades do jovem, se casam em segredo. Mas asombra da tragédia parece persegui-los. Neste mesmo dia Romeu se envolve sem querer em uma briga com o primo de Julieta, Tebaldo, que ao descobrir a presença do Montecchio na festa de seus tios, planeja uma revanche contra ele. A princípio o jovem não aceita provocações, mas seu amigo Mercúcio confronta o adversário e é morto por ele, o que provoca a revolta de Romeu, o qual mata Tebaldo para se vingar. Esta morte acirra ainda mais o ódio entre as famílias e o Príncipe da cidade manda Romeu sair de Verona. O velho Capuleto, sem saber da união de sua filha com o inimigo, arranja o casamento da filha com Páris. O frei a convence a aceitar o matrimônio, mas arma um plano. Pouco antes da cerimônia Julieta deverá ingerir uma poção elaborada por ele; com a ajuda deste preparado ela será considerada morta. Romeu seria avisado e retornaria para retirá-la do jazigo dos Capuleto assim que ela despertasse. Porém, como não poderia ser diferente em uma tragédia de Shakespeare, Romeu descobre o ocorrido antes de ser notificado pelo Frei. Desesperado, ele adquire uma poção venenosa e, na sepultura onde se encontra a amada, ingere o conteúdo do frasco e morre junto à Julieta. A jovem, ao acordar, se dá conta do que aconteceu e, com o punhal roubado de Romeu, se mata. Os dois são encontrados juntos, mortos, para completo desespero dos familiares. Abalados com a tragédia, eles se reconciliam definitivamente. A peça de Shakespeare teve inúmeras montagens e versões ao longo do tempo. A história também foi transposta para as telas dos cinemas. As duas versões mais conhecidas são a de Franco Zeffirelli, de 1968, protagonizada por Leonard Whiting e Olívia Hussey; e a de Baz Luhrmann, de 1996, interpretada por Leonardo DiCaprio e Claire Danes, a qual se passa no mundo atual. Fontes: http://www.netsaber.com.br/resumos/ver_resumo_c_1177.html http://pt.wikipedia.org/wiki/Romeu_e_Julieta http://www.adorocinema.com/filmes/romeu-e-julieta-68 http://www.adorocinema.com/filmes/romeu-e-julieta-96/
Por acaso, a estória foi muita rápida: não passou de uma semana; metaforicamente, uma rajada de bala. E foi por acaso que um padre muito compreensivo decidiu ajudá-los. E um desencontro do acaso selou a sorte (ou o azar) dos dois jovens apaixonados. Shakespeare, mais do que qualquer outro autor ocidental, nos adverte sobre êxtases e catástrofes que decorrem dos impulsos da sexualidade[2]. Mas não é por acaso que Romeu e Julieta simbolizam o amor eterno e transcendente, que se esgota e se nutre nele mesmo. Morreram muito jovens. Não viveram nada. Mas viveram muito. E também não se esgotaram na própria seiva, como se esgotam os amores dos mortais. Não houve tempo para que descobrissem o que de intrinsecamente humano havia no outro. As falibilidades não se revelaram. Romeu não percebeu o rabujamento de Julieta. Que também não teve tempo para constatar a queda física, intelectual e talvez moral de Romeu. Quem não cai? E também não foi por acaso que Romeu e Julieta se amaram e se destruíram no meio de uma guerra civil, sangrenta, desordeira, violenta. William Shakespeare inicia Romeu e Julieta com um coro anunciando uma tragédia na qual dois predestinados amantes (starcrossed, em inglês) se entregam numa paixão desmesurada. Vítimas deles mesmos, ou do destino, ou da rivalidade entre as famílias, ou da guerra civil avassaladora, Romeu e Julieta eram reféns da inimizade e da incompreensão. Shakespeare nos coloca um dilema ínsito à condição humana: as tragédias que vivemos são nossas ou do destino? Isto é, nossa condição é desdobramento de nós mesmos, de nosso livre-arbítrio, ou de nossos itinerários, cujas rotas não escolhemos, mas cujos caminhos percorremos? São vários os enredos que se comunicam em Romeu e Julieta. No pano de fundo, uma implacável guerra civil opunha duas opulentas famílias que viviam numa simpática cidade italiana (Verona). Shakespeare combinou comédia, romance, melodrama e poesia na composição de uma perturbadora tragédia. Montequios (Romeu) e Capuletos (Julieta) odiavam-se a ponto de não poderem explicar ou exorcizar o que sentiam. Amalgamaram o ódio na tragédia dos filhos, para quem ergueram estátuas de ouro, como símbolo de uma redenção política e, no limite, humana. No núcleo mais apelativo da trama a irracionalidade da guerra civil. Esta se cura (como tudo na vida) com o amor, que vive ainda depois da morte, como o único instrumento que faz da paz uma possibilidade[3]. O amor é o antídoto para a guerra, como o veneno que Romeu ingeriu matizaria o antídoto para a vida, que não merece ser vivida, sem que tenhamos a nosso alcance a pessoa amada. Tudo muito lírico. Mas também muito real. Testemunho pessoal. Shakespeare não nos propõe uma situação de sensibilidade platônica. Ainda que puro, espiritual, inocente, o amor vivido entre Romeu e Julieta é tremendamente sensual. Os jovens exalam hormônios e desejos por todos os poros. O amor vivido por Romeu e Julieta projetava-se também na exploração de corpos nus, de comparações, de metáforas, de jogos de linguagem, de beijos, de toques, de abraços, de suspiros, de mordidas, de beijos, de apupos. Shakespeare anuncia possibilidades do amor romântico. Condena matrimônios arranjados e combinados. Critica o poder destruidor do ódio, que fomenta a violência. Os jovens apaixonados pagam com a vida o pecado dos pais. Tem-se indireta retomada de mensagem do Velho Testamento: os pecados dos pais afetam aos filhos (Êxodo, 20:5). Por isso, já se observou, em termos cristãos, Romeu e Julieta são as ovelhas exigidas como sacrifício pelo pecado dos pais[4]. Em Romeu e Julieta o bardo nos propõe também uma avaliação do destino, que parece controlar todos os passos dos dois jovens. E os nossos. Isto é, se não acreditamos no poder que temos de fazermos nossos próprios caminhos. É a pulsão freudiana, que se opõe ao conceito de instinto. Este último é determinista e determinado, aquele primeiro inesperado e inimaginado. Luzes, máscaras, punhais e venenos pululam na peça. O veneno que mata Romeu pode ser metáfora do veneno destilado pela guerra civil, que destrói a cidade. O punhal que Julieta tomou de Romeu morto para tirar a própria vida é a renúncia a uma contingência para a qual não se lutou. As máscaras (no baile) sugerem que quando amamos profundamente não levamos em conta os traços e passos da pessoa amada. Platão discordaria. As luzes que a peça sugere indicariam a incansável luta pelo próprio conhecimento, que desafia verdades e ofensas que nos legam e dirigem. Ambientado na Renascença italiana[5] (que Shakespeare tanto parecia admirar), Romeu e Julieta é tragédia na qual desfilam poucos — porém — vigorosos personagens. Romeu (que talvez orçasse 15 anos, não mais) era um menino, sensível, idealista, destemido. Como destemida era também Julieta. Que também parecia ser leal e madura, não obstante talvez recentemente menarca. Entre os parentes de Romeu, além do sofrido pai e da amorosa mãe, o primo Mercúrio, intrépido, cínico, debochado. Benvolio, também primo de Romeu, antítese de Mercúrio, era modesto e recatado. Entre os parentes de Julieta, o preocupado pai e a triste mãe, símbolo da prisioneira do casamento arranjado. Ainda, entre os Capuleto, o arrogante Teobaldo, que se julgava imbatível na esgrima. Há também Paris, o jovem nobre que planejava se casar com Julieta. Frei Lourenço é um clérigo devoto, bem-intencionado, liberal, honesto. Sonhava com o fim da guerra civil, como bom cristão. Percebia que o amor do casal, ainda que prenhe de riscos, seria a última possibilidade de entendimento entre as famílias inimigas. O Príncipe de Verona é completa imagem do virtuoso príncipe renascentista, que Maquiavel teorizou em seu livro emblemático[6]. No ato 1 principia-se com uma troca de insultos entre Montequios e Capuletos. Benvolio tentava apartar uma briga quando se viu atacado por Teobaldo. O Príncipe de Verona chegou até o local, colocando fim na desordem. O Príncipe lembrou a todos que a rivalidade entre Montequios e Capuletos era fonte permanente de problemas: O príncipe simboliza uma ordem absoluta e um total comprometimento com o cumprimento da lei, ainda que a devoção à ordem levasse à tragédia[8]. Havia determinação para que duelos fossem evitados, como fórmula para manutenção da paz, ameaçada com a guerra civil[9]. Neste sentido político, Romeu e Julieta é uma tragédia lírica que toma a forma de exemplum, construindo-se num sermão sobre os males da luta civil[10]. A mãe de Romeu o procurava. Foi informada que Romeu estaria apaixonado por Rosalinda, que não correspondia ao amor do jovem Romeu. Em outra cena, Páris pede permissão aos pais de Julieta, para que com a bela jovem se casasse. Mantidas as previsões originárias, os casais se emparelhariam em Romeu e Rosalinda e em Páris e Julieta. Porém, Julieta não aceitará se casar com Paris (por causa de Romeu), e nem Rosalinda com Romeu, por razões que Shakespeare não revela, mas que sabemos ser intrínseca à peça, por razões muito óbvias. Ainda no ato 1, Romeu e Benvolio ficam sabendo que os Capuleto receberão convidados num esperado baile. Benvolio sugere que Romeu vá até a festa, para que comparasse Rosalinda com outras mulheres. Haveria outras belezas. E Romeu encontrou Julieta, a mais reluzente delas. Romeu veste uma máscara e corre ao baile. Vai comparar a imagem que tinha da amada Rosalinda com as outras mulheres de Verona. Quando começam a dançar, Romeu e Julieta se encontram. São estrelas que se cruzam. Estão enfeitiçados. Romeu reage: Teobaldo reconheceu Romeu. Porém, o velho Capuleto determinou que nada fosse feito com o inimigo, com o que Teobaldo não concordou. Na outra ponta do baile, Romeu e Julieta conversam, trocam olhares e sussurros. Ainda que disfarçados sob as máscaras, intuem quem eram. Apaixonam-se. No ato 2, ao fim do baile, Romeu aproxima-se do balcão do quarto de Julieta. Diz-se apaixonado. Reconhece a desgraça de ser um Montequio: Julieta insiste que Montequios e Capuletos são apenas nomes, e que coisas e sentimentos valem mais do que palavras e convenções: Romeu e Julieta trocam declarações de amor. Resolvem se unir. Na manhã seguinte, Romeu procura Frei Lourenço implorando que ele celebre a cerimônia de casamento. Percebendo que a união poderia selar a paz entre as famílias rivais o bondoso padre, depois de ponderar — inclusive questionando Romeu a propósito de seu conhecido amor por Rosalinda — resolveu casá-los. No ato 3, um episódio muito triste ocorre numa praça de Verona. Teobaldo insulta Romeu, desafiando-o para um duelo. Romeu evita qualquer atrito, especialmente porque já sentia Teobaldo como um parente. Mercúrio não compreendeu a recusa do primo e enfrentou Teobaldo. Distraído por uma interpelação de Romeu, Mercúrio foi morto por Teobaldo. Romeu então enfrentou o inimigo. Não tinha como se afastar. A luta foi intensa, a fúria tomou conta dos dois jovens contendores. Romeu matou Teobaldo e horrorizado tomou consciência de que assassinou o primo de Julieta. Romeu deve fugir. Precisa ir embora de Verona porque a pena de morte lhe será decretada. Julieta divagava, pensando no amor e em tudo que vivia: O príncipe, no entanto, condenou Romeu apenas para o exílio. A mãe de Julieta exigia que o príncipe condenasse Romeu à pena de morte. O chefe da família Capuleto consentiu no casamento entre Julieta e Paris. Antes da fuga, Romeu passou a noite com Julieta. A mãe de Julieta se aproximou, queixando-se de Romeu. O pai de Julieta comunicou à filha que ela se casaria com Páris. Julieta não aceitou a notícia e discutiu com o pai, que a ameaçou, dizendo que iria manda-la para um convento. No ato 4, Julieta buscou ajuda de Frei Lourenço. Na expectativa de reverter a situação o padre sugeriu que Julieta fingisse consentir com o casamento. Ela deveria também tomar uma poção preparada pelo padre. O remédio a faria dormir, de modo que todos pensariam que ela estaria morta. Ao chegar a casa, e ao saber que o pai antecipara a data do casamento, Julieta tomou a poção do sono. A ama de Julieta a encontrou em sono profundo. Pensou que ela estava morta e saiu gritando desesperada pelo palácio. No último ato, o padre enviou um emissário a Mântua, onde se encontrava Romeu. O emissário deveria informar a Romeu o plano que o padre havia engendrado. Porém, devido a uma praga que se disseminava, o emissário ficou detido em regime de quarentena. Um amigo de Romeu foi até Mântua e o informou da morte de Julieta. Desesperado, Romeu correu até a tumba onde estaria Julieta. Encontrou Páris, com quem discutiu, e a quem matou. Em seguida, Romeu beijou Julieta, que reputava morta. Ainda em desespero, Romeu tomou um veneno que levara consigo, suicidando-se. Julieta acordou do sono profundo e desesperou-se com a cena que viu: Romeu estava morto. O padre chegou à tumba e ainda tentou convencê-la a correr dali. Também em desespero, Frei Lourenço deixou o estranho lugar. Julieta se matou com o punhal que Romeu carregava. O padre contou a todos o que houve. Acreditava que no céu os amantes iriam se encontrar. O príncipe exigiu ordem: As famílias de recompuseram. Ergueram estátuas de ouro para Romeu e Julieta. E a fala do príncipe encerrou a tragédia: Esta manhã nos trouxe paz sombria: esconde o sol, de pesadume, o rosto. Ide; falei dos fatos deste dia; serei clemente, ou rijo, a contragosto, que há de viver de todos na memória de Romeu e Julieta a triste história[16]. Morreram Mercúrio, Teobaldo, Paris, Romeu e Julieta. A cidade aquietou-se com a mensagem. Talvez, a mais dolorosa lembrança de que o amor tudo pode, tudo é, e em todos deve estar. BIBLIOGRAFIA Bloom, Harold, Shakespeare- the Invention of the Human, New York: Riverhead, 1998. [2] Cf. Bloom, Harold, Shakespeare- the Invention of the Human, New York: Riverhead, 1998, p. 89. [3] Campbell, W. John, The Book of Great Books, a Guide to 100 World Classics, New York: Metrobooks, 2000, p. 712. [4] Campbell, W. John, cit. p. 711. 5] Cf., por todos, Burckardt, Jacob, A cultura do Renascimento na Itália, um ensaio, São Paulo: Companhia das Letras, 2009. Tradução de Sérgio Tellaroli. 6] Cf., por todos, Pocock, J. G. A., The Machiavelian Moment, Florentine Political Thought and the Atlantic Republican Tradition, Princeton: Princeton University Press, 2003. 7] Shakespeare, William, Romeu e Julieta, Rio de Janeiro: Agir, 2008. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Ato I, Cena 1. [8] Cf. Garber, Marjorie, Shakespeare after all, New York: Anchor Books, 2004, p.191 [9] Cf. Garber, Marjorie, cit., loc.cit. [10] Heliodora, Bárbara, O Homem Político em Shakespeare, Rio de Janeiro: Agir, 2005, p. 218. [11] Shakespeare, William, cit., Ato I, Cena V. [12] Shakespeare, William, cit., Ato II, Cena II. [13] Shakespeare, William, cit., Ato II, Cena II. [14] Shakespeare, William, cit., Ato III, Cena III. [15] Shakespeare, William, cit., Ato V, Cena III. [16] Shakespeare, William, cit., Ato V, Cena III. |