O que é ensino híbrido na pandemia

Se há uma área que foi absolutamente revirada e que pouco ainda se sabe sobre as reais consequências dos efeitos da pandemia da Covid-19, essa área foi a da Educação.

Se existia um certo padrão nos diferentes sistemas de ensino, esse padrão foi absolutamente virado ao avesso com a interrupção das atividades letivas, o retorno de forma remota, e a tendência de uma educação híbrida que foram impostos pelo agravamento do quadro de infecções e de mortalidade no país.

Todo esse quadro de instabilidade colocou em tela determinadas mazelas atreladas à Educação, tendo como palco principal os efeitos da desigualdade socioeconômica: alunos que tiveram acesso (estável) à internet e ensino remoto, que puderam seguir aulas não-presenciais e que conseguiram manter um ritmo de estudo foram, seguramente, minoria, principalmente no ensino público, que abrange a maior parte da população de baixa renda.

O que indica que a maioria teve pouco ou nenhum acesso, com gravíssimo prejuízo para sua aprendizagem.

Segundo dados do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), não há Internet em 28% dos lares brasileiros, o que abrange 20 milhões de domicílios[i].

Claramente, a maioria desses lares sem Internet pertencem às classes C, D e E, bem como também são os que tem menos computadores, sendo o acesso prioritariamente por aparelho celular.

Usuários dessas classes são também os que menos estudam por conta própria (60% da classe A x 28% das classes D e E). Junte-se a esses dados o fato de que, em 2020, 20,5% das escolas urbanas não tinham Internet banda larga, e vê-se um quadro bem desfavorável para o ensino remoto no país[ii]. E sequer falamos da realidade rural.

Não obstante o fato desta pesquisa ser basicamente pré-pandemia (outubro de 2019 a março de 2020) e que possivelmente os dados atuais devam ser diferentes, ela mostra um grave empecilho às atividades remotas, juntando ainda outras dificuldades relatadas, como casas sem espaço para estudo e sem saneamento básico, falta de formação de professores no uso das tecnologias educacionais e baixos índices de leitura da população em geral, problemas mais comuns para a população de baixa renda.

As dificuldades do Ensino Remoto

Uma das maiores dificuldades do ensino remoto está na forma como foi implantado, ou seja, como resultado de uma pandemia e da interrupção das aulas presenciais.

Com a necessidade de continuarem remotamente o que foi iniciado presencialmente, os sistemas de ensino, os profissionais de educação, os alunos e as famílias tiveram que se adaptar forçadamente a uma forma de ensino-aprendizagem com a qual poucos estavam acostumados.

A partir de nossa experiência, podemos somar a isso alguns fatores intervenientes: internet banda larga (quando existe) de baixa qualidade, com lentidão, muitas interrupções e quedas de sinal durante as aulas, preparação às pressas de conteúdo digital para fornecer aos alunos, dificuldades no monitoramento do progresso dos alunos, seu entendimento e adaptação às aulas remotas, adaptação dos professores e alunos às plataformas digitais, só para citarmos alguns.

Se o ensino remoto já vinha se mostrando, embora lentamente, uma tendência, ele é cada vez mais uma certeza em vários sistemas de ensino, especialmente aqueles cujo público-alvo não tem (ou tem poucos) problemas de acesso, ou seja, na rede particular de ensino.

Para a rede pública, ainda vemos como um sonho distante, especialmente – insistimos – devido a seu público-alvo majoritário e suas possibilidades limitadas.

Ensino Híbrido no Contexto Remoto: realidade ou ficção?

Existe ainda um grande equívoco quando se fala de Ensino Híbrido no contexto remoto, talvez por se pensar que trabalhar simultaneamente com alunos presencialmente e não-presencialmente seja um modelo de ensino híbrido.

Os diversos modelos de ensino híbrido existentes pressupõem que as aulas sejam totalmente presenciais, com atividades não-presenciais, que caracterizam originalmente esta modalidade de ensino.

Fernando Trevisani sugere que há aspectos e ideias do Ensino Híbrido que podem ser adaptadas e utilizadas em Ensino Remoto, com o que concordamos.

Mas a realidade da maioria dos sistemas de ensino, que estão alternando ensino remoto e presencial com os alunos, além das atividades síncronas e assíncronas, pressupõe um bom planejamento de médio e longo prazo, de retorno presencial gradativo, até o momento que possa ser implantado algum método de Ensino Híbrido, como a sala de aula invertida, o laboratório rotacional ou a rotação por estações, que são mais adequados à realidade de ensino por disciplinas, e ao modelo turmas x salas de aula.

Por enquanto, o que está acontecendo atualmente em grande parte dos sistemas de ensino é um modelo que podemos chamar de Educação Híbrida, no sentido dado por José Moran, em que coexistem variados saberes e valores, diferentes metodologias e “tecnologias híbridas, que integram as atividades da sala de aula com as digitais, as presenciais com as virtuais” (p. 27).

Como, afinal, ficará a aprendizagem?

Esta é a pergunta para a qual todos anseiam a resposta. O problema é que não há uma única resposta, e possivelmente cada sistema de ensino terá a sua.

A flexibilização curricular aprovada pelo MEC em 2020, com a possibilidade de biênio (2020-2021), e que foi adotada por muitos sistemas de ensino (mas não por todos), garante apenas a realidade de que haverá diferentes resultados, dependendo de qual modelo de ensino-aprendizagem foi adotado e como foi possível implementá-lo.

É um quadro ainda obscuro, para o qual só teremos respostas ao fim do processo.

O que fica patente é que não será igual para todos, especialmente para aqueles que representam a camada mais pobre da população, com menos recursos e, principalmente, com maior dificuldade de acesso à Internet e às aulas online.

Mesmo com soluções criativas, como aulas por meio televisivo, a própria realidade de vida, no limite da sobrevivência, limita as ações dos menos favorecidos, o que não acontece com aqueles que possuem maior renda. Esta, a nosso ver, é a principal limitação – e fraqueza – de uma Educação em meio a uma pandemia.

--

[i] CETIC.BR. TIC Domicílios – 2019. Disponível em: <www.https://cetic.br/pesquisa/domicilios/indicadores/>. Acesso em: 02/04/2021. Publicado em 26/05/2020.

[ii] TENENTE, Luiza. 30% dos domicílios no Brasil não têm acesso à internet; veja números que mostram dificuldades no ensino à distância. Disponível em: <https://g1.globo.com/educacao/noticia/2020/05/26/66percent-dos-brasileiros-de-9-a-17-anos-nao-acessam-a-internet-em-casa-veja-numeros-que-mostram-dificuldades-no-ensino-a-distancia.ghtml>. Acesso em: 02/04/2021. Atualizado em: 31/03/2021.

“Há muito tempo, diversas escolas praticam o ensino híbrido. A partir do momento em que utilizam diferente plataformas de ensino e aprendizagem, estão trabalhando com o ensino híbrido. Quando há uma excursão para visitar um museu, uma área de mata, essas visitas representam ensino híbrido, que é algo que acontece na sala de aula e fora dela”.

O que não estava estruturado, diz Rocha, era o uso constante do online.  “O que nós não tínhamos antes da pandemia era o uso das ferramentas virtuais para o trabalho do ensino híbrido, não tínhamos a construção do online, que era muito pouco utilizado. Algumas escolas já tinham uma plataforma onde os alunos podiam tirar exercícios, publicar alguma lista de coisas que tinham feito, mas da maneira sistemática como estamos começando a ver hoje e como teremos daqui para a frente é uma novidade - não o ensino hibrido, mas o ensino a partir do uso de plataformas digitais, o ensino online”, acrescenta.

Considerada tendência na área da educação para o futuro, a mistura entre o ensino presencial e o online, que prevê um mix entre a sala de aula convencional e conteúdos produzidos com apoio de ferramentas de tecnologia, vai invadir mais fortemente a vida do estudante no mundo pós-pandemia. Mas o formato exige muito mais mudança dos professores do que dos estudantes, acredita Rocha, que também é diretor do Institute of Technology and Education (Iteduc), organização pioneira em capacitar professores de educação básica para o ensino online.

“É uma mudança de paradigma, que vai levar professores e alunos a acreditarem que a plataforma digital é uma ferramenta extremamente útil para o processo de ensino-aprendizagem, principalmente porque a grande maioria dos jovens, desde as crianças, utiliza as ferramentas digitais para o lazer. A relação com o digital para as crianças e os jovens não é uma relação nova, já é presente.”

Nativos digitais

Na visão do especialista, o esforço está em transferir essa habilidade dos jovens para a área da educação. “O trabalho do professor vai ser fazer a transposição, acreditando que essas ferramentas podem trazer e facilitar o processo de ensino-aprendizagem, vamos ter dados mais significativos, vamos saber quantos alunos estão entrando na plataforma para fazer a tarefa, para cumprir as atividades. Vamos gerar a possibilidade de trazer para esses alunos informações muito mais criativas e envolventes, ou seja, muda muito e muda para melhor.”

A adoção do método exige uma reorganização do tempo de sala de aula, junto com novo plano pedagógico. O professor ganha um papel também de mentor, apto a impulsionar os alunos em direção a uma postura crítica, acompanhando as questões individuais e dando vazão ao que melhor funciona no aprendizado de cada estudante. E as diversas plataformas digitais vêm para somar essa relação ensino-aprendizado.

“Temos inúmeras plataformas que permitem esse tipo de interação. Desde as mais simples, que permitem que você faça uma aula e um exercício online, até as mais sofisticadas. Essas ferramentas ainda não são tão fáceis de serem trabalhadas, porque a grande maioria dos professores não é nativa digital, o que gera certa dificuldade para que o processo todo aconteça de maneira tranquila. Os professores estavam acostumados a ensinar, agora eles terão que aprender para ensinar. Certamente, os professores conseguirão dominar essas ferramentas para colocá-las em prática e permitir que o ensino híbrido se torne cada vez mais uma realidade.”

Ensino híbrido

Também conhecido pelo termo em inglês blended learning, o ensino híbrido se acentuou com o advento da internet e nada mais é do que combinar diversas plataformas, como filmes, rádio e televisão, por exemplo. “Quando eu peço que o aluno assista a um filme e, na aula seguinte, tenho um debate sobre o filme, estamos trabalhando com diferentes plataformas para o que o processo de ensino se dê de forma mais intensa, e tudo isso veio de maneira mais forte com o advento da internet”, afirma Rocha.

Segundo o professor, atualmente quem não tem acesso à internet e a computadores pode ficar prejudicado, mas há outras formas. “Os alunos que não têm acesso a essas plataformas ficam prejudicados sim, mas temos experiências em alguns lugares do mundo, com características socioeconômicas parecidas com as do Brasil, em que as aulas foram dadas pelo rádio por meio de emissoras estatais, ou seja, fizeram aulas permitindo que os alunos daquele país pudessem aprender. Se olharmos de uma maneira muito reducionista, entendendo que o ensino híbrido só pode ser feito por meio de internet com banda larga, não há dúvida de que realmente há um prejuízo para aquelas crianças e jovens que não têm acesso.”

O ensino híbrido pode ser feito por meio de formas bem conhecidas, lembra Ismael Rocha. “Nós temos estações de TV e rádio estatais, temos a possibilidade de fazer a geração de materiais escolares numa velocidade muito rápida. É muito mais uma decisão política, para que o ensino híbrido possa fazer parte do dia a dia das escolas, do que uma decisão de tecnologia. Um exemplo no Brasil é o famoso telecurso, quando uma série de pessoas conseguiu seu diploma dos antigos primeiro e segundo graus, acompanhando aulas todos os dias pela televisão. Elas não tinham oportunidades de ter aulas presenciais”, diz.

Na opinião do professor, a pandemia traz esse avanço para a educação. “Se tiver um programa de educação que seja formatado de maneira que todos possam ter acesso à informação, certamente nós teremos um ganho. A pandemia traz exatamente esse desenho: a possibilidade de mudarmos definitivamente a realidade da educação no Brasil. Para a educação não existem limites, existe sim a necessidade de ter boa vontade, porque aprender é algo que o ser humano faz desde quando nasce, desde os tempos das cavernas, por diferentes plataformas, nós estamos só sistematizando isso.”

Educa Week 2020

Nesta terça-feira (14) no Educa Week, às 9h, Ismael Rocha e mais três especialistas vão falar sobre o tema, em debate de utilidade pública online. O debate contará com a participação de Mario Ghio, diretor-presidente do Somos Educação; Guilherme Cintra, head de Tecnologia Educacional do Eleva Educação, e Ademar Celedônio, diretor de Ensino e Inovações Educacionais da SAS plataforma de educação.

A Educa Week 2020 vai até domingo (19 de julho). No total, serão mais de 30 painéis com a participação de 70 especialistas, que vão debater o futuro da educação no Brasil e compartilhar experiências de sucesso do ensino-aprendizagem durante a pandemia, entre outras pautas do setor. Para acompanhar os debates, aberto ao público, basta acessar  o site do evento.