Casa, lar doce lar, “cafofo”. Todo mundo tem um para chamar de seu, não é? Infelizmente, não, e é sobre isso que falaremos hoje: o direito à moradia. Para as pessoas de classe média para cima, chamar um ou mais locais de lar é uma realidade. Muito porque, a partir de um certo momento, a moradia se tornou um direito. Entretanto, enxergamos diversas pessoas tendo como morada as ruas da cidade, principalmente nos grandes centros. Afinal, o que é o direito à moradia, então? O direito de moradia é, basicamente, o direito de ter um lar. Essa questão pode parecer banal a quem já tem estabelecido um lar próprio; seja a casa própria ou alugada. Mas a moradia, a propriedade, a habitação são problemas e questões tratadas historicamente em diversos âmbitos, do jurídico ao governamental, passando inclusive pela medicina. Para se entender, vamos falar sobre o direito à moradia num sentido mais amplo: o global. Desde meados do século XX, em 1948, o direito à moradia passou a ser considerado um direito fundamental pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, que deu o estopim para o começo da Organização das Nações Unidas. Portanto, desde essa época, o direito à moradia é considerado um direito humano universal, isto é, todas as pessoas devem ter acesso – entre os países integrantes da ONU. O Brasil, como membro da ONU, assina embaixo do que diz a Declaração dos Direitos Humanos: “Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis”. Isso porque os tratados e acordos internacionais assinados pelo Estado brasileiro têm força de lei, fazendo ser obrigatório o seu cumprimento dentro do nosso território. Além da declaração da ONU, o Brasil também integra o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que foi promulgado em 1996. O Pacto diz que os Estados que o assinaram “reconhecem o direito de toda pessoa a nível de vida adequado para si próprio e sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como a uma melhoria contínua de suas condições de vida.” Essas assinaturas já colocam o Estado brasileiro como a favor do direito à moradia. Portanto, é um direito estendido a quem viver no seu território. Há também leis nacionais a respeito do tema. Vamos conhecê-las? Sabemos que internacionalmente, o Brasil assinou embaixo do direito à moradia. Nacionalmente, também. Desde 1988, com a promulgação da Constituição Cidadã, o assunto de habitação esteve presente, mas não detalhadamente. Ao falar sobre a competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios em “promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico”; já trata sobre o assunto de moradia, mesmo que teórica e brevemente. Também ao dispor sobre os requisitos do salário mínimo, afirma-se que o valor deve ser “capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação (…)”. O direito à moradia propriamente dito não está na Constituição desde a sua implementação, mas passou a ser um direito constitucional no ano de 2000, quando a Emenda Constitucional nº 26 foi incorporada a ela. A lei diz o seguinte: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados”. Um dos motivos para a inclusão do direito à moradia na Constituição é a associação direta dele com o princípio da dignidade da pessoa humana. Esse princípio é um dos mais importantes dentro das nossas leis – assim como no mundo inteiro – e serve como reflexão para várias questões, como: o quão necessário é ter direito a uma casa, um lar com requisitos básicos à sobrevivência, para que se viva com dignidade? Ao relacionar a necessidade de uma moradia com a aquisição de uma vida digna, entende-se o direito à moradia como um direito social – que vai além do individual e, por isso, é relevante para toda a sociedade. E o que o direito a moradia tem a ver com a crise habitacional? A definição do Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU em 1991 foi de que moradia não seria apenas quatro paredes com um teto a lhes cobrir para proteger as pessoas das variações climáticas, por exemplo. Por moradia deveria se entender um local salubre, com condições mínimas à sobrevivência, como saneamento – água, tubulação para esgoto, coleta de lixo, pavimentação – e luz elétrica. Além de ser seguro e acessível aos serviços públicos básicos, tais quais escolas, postos de saúde, praças e pontos de ônibus – ou de outros transportes coletivos. Transcendendo o conceito de lar, casa, “cafofo”, quando falamos em direito à moradia, esse é o conceito ideal. A lei que foi incorporada à Constituição é clara: é dever do Estado garantir esse direito. Mas antes mesmo de o direito à moradia ser incorporado a ela, seu artigo 23 já considerava a garantia à moradia como um dever da União, dos estados e dos municípios. “promoção e implementação de programas para construções de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico” e o “combate às causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos”. É de atribuição do Governo Federal a elaboração de políticas públicas, mas a lei afirma que essa deve ser uma tarefa dividida entre a União, os estados e os municípios. Essas políticas públicas podem ser vastas: desde criação de programas nacionais para habitação, ações organizadas e cuidadosas voltadas ao resgate de moradores de rua, à erradicação de favelas e de habitações em áreas de risco. Um programa social muito conhecido foi constituído na esfera Federal e se chama Minha Casa, Minha Vida. Leia mais sobre o Minha Casa, Minha vida neste post! Há vários outros problemas sensíveis em termos de moradia, como as pessoas em situação de rua ou mesmo as favelas, uma característica intrínseca à realidade brasileira. Cada uma dessas situações tem seus motivos, mas elas partem da raiz de que o Estado brasileiro não tem sido capaz de garantir moradia a todas as pessoas. Nesse caso, há várias políticas públicas que se sobrepõem. Esses problemas se interrelacionam: a questão das drogas aumenta o problema da violência, a falta de moradia é razão de aumento da violência e também agrava a questão das drogas. As políticas de combate a esses problemas, portanto, precisam ser trabalhadas em conjunto para que se chegue à raiz dessas questões e a soluções que garantam, efetivamente, todos esses direitos. Na última pesquisa internacional feita sobre pessoas em situação de rua, pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2005, estimou-se que mais de 100 milhões de pessoas no mundo não tem um lar. Das quase 7 bilhões de pessoas no mundo, 1,6 bilhão não tem uma moradia adequada. No Brasil, não há tantos números computados sobre. O último foi apurado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome em 2008, em 71 cidades brasileiras, no qual o número de pessoas sem moradia chegava a 30 mil – mas é um número bastante relativo, considerando que há mais de 5 mil municípios no Brasil. Em 2013, eram mais de 5 mil pessoas em situação de rua no Rio de Janeiro e por volta de 15 mil em São Paulo. Na cidade do Rio de Janeiro, em 3 anos, o aumento foi de 150%: 14,2 mil pessoas não têm moradia. Há, portanto, um grande desafio dos governos em todo o país de conseguir garantir o direito à moradia a milhares de pessoas no território brasileiro. Fontes: Constituição Federal: artigo 23, inciso IX; Salário Mínimo – Constituição; Salário Mínimo – CLT; População situação de rua – uol; Homeless World Cup – estatísticas da América Latina; Fundo Direitos Humanos – Moradia; Artigo: Direitos sociais e direito à moradia; Artigo: Direito à moradia, à habitação e habitação adequada; Ministério Público do Paraná – Direito à moradia; Direito à moradia; Artigo direito à habitação; Ministério Público RS – Direito à habitação; Agência Brasil – pessoas em situação de rua no RJ em 2017; The Guardian – pessoas em situação de rua em NY; Reports da ONU sobre habitação no mundo. Você sabia que todas as pessoas têm direito a um luar, de acordo com o direito à moradia? Deixe seu comentário!
Um dos desafios mais importantes do desenvolvimento urbano no Brasil e países da região é oferecer moradias de baixo custo para famílias de baixa e média renda. O déficit habitacional e insuficiência habitacional continuam a ser uma grande barreira para o desenvolvimento da região, apesar do investimento significativo em programas habitacionais patrocinados pelos governos nas últimas três décadas. Estima-se que quase 2 milhões dos 3 milhões de domicílios que surgem anualmente nas cidades da América Latina e Caribe são obrigados a se instalar em áreas informais. Isso exige uma grande transformação dos sistemas e políticas de financiamento habitacional da região, a fim de atrair mais participantes do setor privado para o mercado imobiliário. No Brasil, o déficit habitacional estimado pela Fundação João Pinheiro para 2015 é de 6,4 milhões de unidades, dos quais 79% se concentra em famílias de baixa renda. 87,7% do déficit habitacional quantitativo (moradias em falta, seja por habitação precária, coabitação familiar, pessoas demais por metro quadrado, ou custo alto de aluguel) está localizado nas áreas urbanas – 39% na região Sudeste, seguido de 31% na região Nordeste. As nove maiores áreas metropolitanas concentram 29% das carências habitacionais do país. Como resposta, o Governo Federal começou em 2009 o Programa Minha Casa Minha Vida; uma iniciativa que busca reduzir o déficit habitacional através de créditos e financiamento para a construção, permitindo alcançar um nível histórico de produção habitacional de 5,87 milhões de unidades contratadas até julho de 2019. Além disso, 24,4% das moradias urbanas brasileiras são consideradas inadequadas por apresentar ao menos um dos seguintes problemas: inadequação fundiária (terrenos irregulares), carência de infraestrutura, ausência de banheiro de uso exclusivo, cobertura inadequada e adensamento excessivo dos domicílios próprios. Desafios persistem também no tocante à reabilitação de unidades habitacionais deterioradas. Ainda, de acordo com a Fundação João Pinheiro, em 2015, 50% das famílias brasileiras destinaram mais de 30% do seu salário para pagar o aluguel. Desse modo, há espaço para desenvolver instrumentos financeiros inovadores para a requalificação de imóveis individuais ou institucionais degradados. O potencial de recuperação/reciclagem deste estoque é enorme: de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2015, estima-se a existência de aproximadamente 7,9 milhões de domicílios vagos no Brasil, com potencial de serem ocupados. Dentre eles, 10.304 imóveis são de propriedade do Governo Federal. Fórum Internacional de Habitação – Desafios e OportunidadesEstes e outros temas foram parte de uma reflexão durante os dois dias do “Fórum Internacional de Habitação – Desafios e Oportunidades”, organizado conjuntamente pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a Secretaria Nacional de Habitação do Ministério do Desenvolvimento Regional em Brasilia nos dias 29 e 30 de agosto. Considerando que o Governo do Brasil tem a oportunidade de explorar novos modelos para a provisão de moradia, especialmente para atender os grupos mais vulneráveis de baixa renda, o evento convidou vários representantes de países da região e de fora, para apresentar e discutir algumas opções principais e concretas para a política da habitação imediata:
Representantes de Coreia, Chile, França, México e Uruguai, assim como vários atores chaves públicos e privados brasileiros apresentaram experiências de sucesso e participaram de mesas de discussão com o objetivo de apoiar as inovações de política pública em andamento no ecossistema brasileiro. O evento foi mais uma oportunidade de comprovar que compartilhar conhecimento é de grande valor para não repetir erros e conceber programas públicos com um máximo alcance para as famílias mais vulneráveis. *Autores são especialistas da Divisão de Habitação e Desenvolvimento Urbano do BID |