Consumidor é toda pessoa física que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final

A jurisprudência do STJ está consolidada no sentido de que destinatário final deve ser determinado através da Teoria Finalista, que visa proteger aquele destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja pessoa física ou jurídica.

Definitivamente todos nós somos consumidores. Situações simples do nosso dia a dia configuram uma relação jurídica de consumo. Nessa era moderna, onde consumimos a todo o momento, se faz necessária proteção diante de tantos produtos e serviços.

O Código de Defesa do Consumidor protege as relações de consumo para que não haja desigualdade.  Essa proteção, segundo o Art. 2º do CDC, é destinada para toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Mas se eu compro um computador para meu trabalho eu sou um destinatário final?

Acerca do termo “destinatário final”, a doutrina e jurisprudência tiveram controvérsias para conceituar.

A jurisprudência do STJ está consolidada no sentido de que destinatário final deve ser determinado através da Teoria Finalista, que visa proteger aquele destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja pessoa física ou jurídica. Assim destinatário final é aquele que adquire bem ou serviço para si ou outrem utilizar de forma que satisfaça uma necessidade privada.

Na Teoria Finalista o consumo intermediário fica excluído da proteção do CDC. Ou seja, ao adquirir o bem, o ciclo econômico é encerrado. O produto não deve retorna para as cadeias de produção e distribuição. Se a aquisição for para complementar seu negócio e sustentar a atividade, não será enquadrado no conceito de consumidor.

Assim, o comerciante ou profissional serão enquadrados como consumidores se adquirirem ou contratarem para uso não profissional, que não tenha ligação com sua produção. Quando o produto é retirado de mercado não pode haver qualquer tipo de lucro sobre ele.

Nesse sentido já se manifestou o Tribunal de Justiça:

(BILHETES AÉREOS - CONTRATO DE DISTRIBUIÇÃO - BILHETES AÉREOS - AGÊNCIA DE VIAGENS - PESSOA JURÍDICA - RELAÇÃO DE CONSUMO INEXISTENTE - BENS OBTIDOS PARA FOMENTO DE SUA ATIVIDADE ECONÔMICA - PREVALÊNCIA DO PACTA SUNT SERVANDA – RECURSO ADESIVO – RAZÕES DISSOCIADAS DO RECURSO PRINCIPAL - AUSÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO - NÃO-CONHECIMENTO - VOTO VENCIDO.- A aquisição de bens ou a utilização de serviços, por pessoa natural ou jurídica, com o escopo de implementar ou incrementar a sua atividade negocial, não se reputa como relação de consumo e, sim, como uma atividade de consumo intermediária, razão pela qual não se submete às normas do Código de Defesa do Consumidor. Incabível o exame de recurso adesivo quando as questões nele suscitadas estão dissociadas daquelas abordadas no recurso principal. V.v.: A verba honorária, pertencendo ao patrono das partes, comporta ser revista, ainda que nos limites estreitos do recurso adesivo. (TJMG - 11ª Câm. Cível; ACi nº 1.0024.04.325748-4/001-Belo Horizonte-MG; Rel. Des. Selma Marques; j. 26/4/2006; m.v.)

Em determinadas hipóteses a pessoa jurídica pode ser equiparada á consumidor por apresentar, frente ao fornecedor, alguma vulnerabilidade.  Essa é a Corrente Maximalista.

A vulnerabilidade é um Princípio norteador do Direito do Consumidor, previsto no art. 4º, I do CDC. É vulnerável a parte mais fraca de uma relação, aquele que está mais propicio a sofrer ataques.

Para o consumidor não- profissional a vulnerabilidade é absoluta, independente da sua classe ou formação.  Em casos excepcionais essa vulnerabilidade pode alcançar o consumidor profissional, caso o produto ou serviço adquirido não tenha relação alguma com a sua formação, competência ou área de atuação.

A doutrina aponta três tipos de vulnerabilidade: técnica, jurídica e fática.

A vulnerabilidade técnica decorre da falta de conhecimento especifico acerca do produto ou serviço que esta adquirindo. O conhecimento do consumidor não está em pé de igualdade com o conhecimento do fornecedor. 

A vulnerabilidade jurídica trata da dificuldade do consumidor na defesa de seus direitos, seja em esfera judicial ou administrativa. A vulnerabilidade fática é resultado de disparidade de forças entre os agentes econômicos e consumidores.

Para o conceito maximalista, pouco importa se a necessidade a ser cumprida  é de natureza pessoal ou profissional. A corrente defende que todo aquele que adquire produto ou contrata serviço deve ser considerado um consumidor. Se for identificada vulnerabilidade, esse será considerado consumidor.

O STJ se diz Finalista, pois limita o conceito de consumidor dado pelo Art. 2º do CDC.  Consumidor é aquele que retira o produto e não utiliza para auferir lucro, porém, se existir vulnerabilidade, ainda que haja lucro, haverá relação de consumo.

Seria, por exemplo, um pet-shop que compra um computador para registrar suas vendas e serviços e este apresenta vícios, há de se notar que estão vulneráveis, pois a empresa não tem conhecimento técnico sobre o produto adquirido. Mas caso seja adquirido por uma loja de assistência técnica e venda de computadores, deve ser afastada sua vulnerabilidade, pois a empresa tem habilidade e formação para realizar o negócio. 

Vejamos o entendimento do STJ:

Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO ­ REVISÃO CONTRATUAL C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E CONDENAÇÃO EM PERDAS E DANOS ­ INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA ­ POSSIBILIDADE - APLICABILIDADE DO CDC ­ TEORIA FINALISTAMITIGADA ­ EXCEPCIONALIDADE - CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO - INTELIGÊNCIA DO ART. 29 DO CDC - PRESENÇA DE VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR ­ PRECEDENTES DO STJ (Resp 951.785/RS e Resp 661.145/ES) ­ RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. "Mesmo nas relações entre pessoas jurídicas, se da análise da hipótese concreta decorrer inegável vulnerabilidade entre a pessoa-jurídica consumidora e a fornecedora, deve-se aplicar o CDC C na busca do equilíbrio entre as partes. Ao consagrar o critério finalista para interpretação do conceito de consumidor, a jurisprudência deste STJ também reconhece a necessidade de, em situações específicas, abrandar o rigor do critério subjetivo do conceito de consumidor, para admitir a aplicabilidade do CDC nas relações entre fornecedores e consumidores-empresários em que fique evidenciada a relação de consumo." (Resp 951.785/RS)

Portanto quem adquire produto para utilizar como forma de produção pode possuir tanta vulnerabilidade como aquele que utiliza para fins pessoais. Deverá ser aplicado o CDC caso o consumidor pessoa-jurídica não esteja em pé de igualdade com o fornecedor.

REFERÊNCIAS

Lei 8.078/ 1990 - Código de Proteção e Defesa do Consumidor Ed. 20 anos – Belo Horizonte 2010

A legislação criada para proteger o consumidor completou 20 anos no último dia 11 de setembro. Desde sua promulgação, a Lei n. 8.078/1990, que instituiu o Código de Defesa do Consumidor, ganhou espaço no dia a dia dos brasileiros, gerando disputas judiciais sobre o tema. Estas incluem a controvérsia a respeito da aplicação do CDC quando o consumo se dá no desenrolar de uma cadeia produtiva. Discussão essa que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem enfrentado.

O artigo 2º do CDC explica o conceito de consumidor: "É toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final". No entanto, o STJ tem admitido, em precedentes julgados nas turmas da Seção de Direito Privado (Terceira e Quarta Turmas), não ser o critério do destinatário final econômico o determinante para a caracterização de relação de consumo ou do conceito de consumidor.

Muito tem sido discutido, no âmbito do STJ, a respeito da amplitude do conceito de consumidor. A ministra do STJ Nancy Andrighi ressalta que “a aplicação do CDC municia o consumidor de mecanismos que conferem equilíbrio e transparência às relações de consumo, notadamente em face de sua situação de vulnerabilidade frente ao fornecedor”. Este aspecto (vulnerabilidade ou hipossuficiência) deve ser considerado para decidir sobre a abrangência do conceito de consumidor estabelecido no CDC para as relações que se dão em uma cadeia produtiva.

Consumo intermediário

A ministra Nancy Andrighi explica que, num primeiro momento, o conceito de consumidor ficou restrito, alcançando apenas a pessoa física ou jurídica que adquire o produto no mercado a fim de consumi-lo, aquele que consome o bem ou o serviço sem destiná-lo à revenda ou ao insumo de atividade econômica.

Ocorre que, evoluindo sobre o tema, a jurisprudência do STJ flexibilizou o entendimento anterior para considerar destinatário final quem usa o bem em benefício próprio, independentemente de servir diretamente a uma atividade profissional. “Sob esse estopim, os julgados do STJ passaram a agregar novos argumentos a favor de um conceito de consumidor mais amplo e justo”, afirma a ministra.

Assim, o consumidor intermediário, por adquirir produto ou usufruir de serviço com o fim de, direta ou indiretamente, dinamizar ou instrumentalizar seu próprio negócio lucrativo, não se enquadra na definição constante no artigo 2º do CDC. Mas a ministra da Terceira Turma explica que se admite, excepcionalmente, a aplicação das normas do CDC a determinados consumidores profissionais, desde que demonstrada, em concreto, a vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica.

Precedente

Essa nova compreensão concretizou-se no julgamento do Resp n. 716.877, realizado em 2007, na Terceira Turma. O recurso era de um caminhoneiro que reclamava a proteção do CDC porque o veículo adquirido apresentou defeitos de fabricação. O caminhão seria utilizado para prestar serviços que lhe possibilitariam sua mantença e a da família. O recurso foi atendido.

O relator, ministro Ari Pargendler, afirmou em seu voto que a noção de destinatário final não é unívoca. “A doutrina e a jurisprudência vêm ampliando a compreensão da expressão ’destinatário final’ para aqueles que enfrentam o mercado de consumo em condições de vulnerabilidade”, disse.

As hipóteses ficam claras com a explicação do ministro Pargendler: “Uma pessoa jurídica de vulto que explore a prestação de serviços de transporte tem condições de reger seus negócios com os fornecedores de caminhões pelas regras do Código Civil. Já o pequeno caminhoneiro, que dirige o único caminhão para prestar serviços que lhe possibilitarão sua mantença e a da família, deve ter uma proteção especial, aquela proporcionada pelo Código de Defesa do Consumidor”.

Costureira

Em agosto deste ano, a mesma Turma reconheceu a possibilidade de aplicação do CDC e garantiu a uma costureira a validade da norma consumerista para julgamento de uma ação contra uma empresa fabricante de máquinas e fornecedora de softwares, suprimentos, peças e acessórios para atividade confeccionista. A costureira, moradora de Goiânia (GO), havia comprado uma máquina de bordado em 20 prestações. Ela protestava, entre outros, contra uma cláusula do contrato que elegia o foro de São Paulo, sede da empresa, para dirimir eventuais controvérsias.

A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso no STJ (Resp n. 1.010.834), salientou que se admite a aplicação das normas do CDC a determinados consumidores profissionais, desde que seja demonstrada a vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica. Para a ministra, “a hipossuficiência da costureira na relação jurídica entabulada com a empresa fornecedora do equipamento de bordar – ainda que destinado este para o incremento da atividade profissional desenvolvida pela bordadeira – enquadrou-a como consumidora”.

No caso, a Terceira Turma analisou a validade de cláusula de eleição de foro constante no contrato. Como foi adotado o sistema de proteção ao consumidor, os ministros entenderam serem nulas “não apenas as cláusulas contratuais que impossibilitem, mas as que dificultem ou deixem de facilitar o livre acesso do hipossuficiente ao Judiciário”.

Freteiro

Em outro caso julgado na Terceira Turma, os ministros julgaram recurso de um freteiro que adquiriu caminhão zero quilômetro para exercer a profissão (Resp n. 1.080.719). Ele pedia que fosse aplicada a inversão do ônus da prova, prevista no CDC, em uma ação de rescisão contratual com pedido de indenização, em razão de defeito no veículo.

A Terceira Turma considerou que, excepcionalmente, o profissional pode ser considerado consumidor “quando a vulnerabilidade estiver caracterizada por alguma hipossuficiência, quer fática, técnica ou econômica”.

O caso era de Minas Gerais. A decisão do STJ reformou entendimento do Tribunal de Justiça estadual e determinou a concessão do benefício da inversão do ônus da prova.

Produtor rural

Recentemente, a Terceira Turma decidiu aplicar o Código Civil (CC), em vez do CDC, num litígio sobre a venda de defensivos agrícolas a um grande produtor de soja de Mato Grosso. O relator do recurso é o ministro Massami Uyeda (Resp n. 914.384).

A questão chegou ao STJ depois que o Tribunal de Justiça de Mato Grosso reconheceu haver relação de consumo caracterizada entre a empresa e o produtor rural. Na ocasião, o Tribunal local entendeu que ser produtor de grande porte não retiraria dele a condição de consumidor, uma vez que os produtos adquiridos foram utilizados em sua lavoura, o que o tornaria destinatário final do produto.

Inconformada, a empresa recorreu ao STJ. O ministro reformou o entendimento. “O grande produtor rural é um empresário rural e, quando adquire sementes, insumos ou defensivos agrícolas para o implemento de sua atividade produtiva, não o faz como destinatário final, como acontece nos casos da agricultura de subsistência, em que a relação de consumo e a hipossuficiência ficam bem delineadas”, afirmou.

No caso analisado, o STJ afastou a aplicação da inversão do ônus da prova e possibilitou o prosseguimento, na Justiça estadual, da ação revisional do contrato de compra, porém amparada na legislação comum, o Código Civil.

http://www.stj.jus.br