Como a crise de 1973 afeta a população

Um conhecimento de geopolítica atual é muito importante para quem vai fazer a prova do Enem ou os vestibulares. Isso porque na prova Ciências Humanas e suas Tecnologias, um dos conteúdos cobrados é justamente o entendimento sobre as relações econômicas e políticas entre os países.

E uma das peças-chave para entender a geopolítica mundial hoje é a crise do petróleo, que provocou e provoca guerras entre várias nações e que ainda não tem uma solução definitiva almejada.

Se você ficou curioso para entender de que maneira um produto como o petróleo influencia tanto o mundo inteiro, venha com a gente!

O que foi a crise do petróleo?

Antes de começarmos a explorar o que foi a crise do petróleo, temos que entender por que ela é tão impactante. Como sabemos, o petróleo é uma energia não renovável, ou seja, se utiliza de recursos naturais esgotáveis, que um dia vão acabar.

Por causa disso, o petróleo é motivo de muita especulação financeira: se estamos cada vez mais próximos do fim desse recurso mas ainda o usamos como principal fonte de energia, então é normal que haja uma disputa muito intensa pelo produto.

Além disso, as maiores reservas de petróleo do planeta estão no Oriente Médio, enquanto os maiores consumidores são os Estados Unidos e a Europa, o que acabou contribuindo para a instabilidade da região.

As fases da crise ocorreram justamente em momentos em que os países exportadores de petróleo pertencentes a OPEP e do Golfo Pérsico embargaram a distribuição para os EUA e os países europeus. Isso ocorreu três vezes desde a Segunda Guerra Mundial.

O que é a OPEP?

OPEP é o acrônimo de Organização dos Países Exportadores de Petróleo, uma organização internacional criada em 1960 com o objetivo de restringir a oferta no mercado internacional e pensar de forma conjunta a política de venda dos países-membros.

Atualmente a OPEP conta com 14 países: Arábia Saudita, Emirados Árabes, Irã, Iraque, Kuwait, Catar, Angola, Argélia, Gabão, Guiné Equatorial, Líbia, Nigéria, Venezuela, Equador, e Indonésia. A OPEP é muito poderosa e sua atuação está inteiramente relacionada às crises que se seguiram.

Crise do petróleo: 1973

Em outubro de 1973, os países árabes exportadores proclamaram um embargo às nações aliadas de Israel na Guerra do Yom Kipur, conflito militar entre estados árabes liderados por Egito e Síria contra Israel.

Em cinco meses de embargo, o preço do barril de petróleo subiu de três dólares para 12 dólares no mundo inteiro. O momento era de crescente consumo de petróleo nos países industrializados, o que garantiu que o embargo custasse muito aos embargados.

Consequências da crise no mundo

Ao perceber a dependência dos países árabes, os países compradores de petróleo começaram a mudar suas políticas energéticas para evitar que algo da mesma dimensão ocorresse novamente.

As consequências foram sentidas fortemente no Ocidente. Podemos dizer que esse primeiro “choque do petróleo”, como também é chamado, mudou o Ocidente em relação à busca por formas alternativas de energia, que passaram a ser uma prioridade na gestão energética na maioria dos países.

Os Estados Unidos, por sua vez, não quiseram investir na pesquisa em energias renováveis. Em vez disso, a resposta foi incentivar maior exploração do petróleo em solo americano.

Enquanto isso, os motoristas enfrentavam longas filas nos postos de gasolina e ainda lidavam com ladrões. Uma greve dos caminhoneiros que durou dois dias levou a um tiroteio entre motoristas a favor e contra e até um ataque com bombas.

O Brasil implementou em 1975 um grande projeto tecnológico: o Proálcool, que misturava gasolina e etanol para maior rentabilidade do combustível.

Crise do petróleo: 1979

A segunda fase da crise do petróleo ocorreu como consequência da Revolução Iraniana, que transformou o Irã em uma república islâmica teocrática. As revoltas sob a liderança de Ayatollah Khomeini basicamente zeraram a extração de petróleo no Irã.

Se em 1973 o preço do barril durante a crise era de 12 dólares, em 1979, o preço foi a US$ 39,50.

Em seguida, em 1980, houve a Guerra Irã-Iraque, que impediu a produção do Irã de se recuperar e também derrubou a produção do Iraque.

Consequências da crise no mundo

É claro que a crise foi boa para os membros da OPEP, que lucraram como nunca, porque todo mundo que deixava de consumir do Irã e do Iraque passava a consumir dos outros países exportadores.

Nos Estados Unidos, a crise não foi tão severa nas partes do país em que a produção de petróleo tinha aumentado devido à crise de 1973. Mas com as lembranças ruins, os motoristas começaram a correr para os postos mesmo nos lugares onde não havia tanto perigo de faltar gasolina.

Depois da guerra, a OPEP diminuiu sua produção e foi ultrapassada até pelos EUA. Mas em 1985, com a Arábia Saudita querendo se destacar entre os competidores, a produção aumentou muito, o que causou a queda nos preços.

Crise do petróleo: 1991

Em 1990, o Iraque, liderado por Saddam Hussein, invadiu o Kuwait, um colega da OPEP. A crise advinda dessa fato fez com que o preço subisse de 17 dólares para 36 dólares. Essa recessão durou bem menos tempo do que as crises anteriores, mas mesmo assim foi o suficiente para a crise econômica mundial que se instalou no início dos anos 1990.

Os EUA logo entraram na briga contra o Iraque, o que ficou conhecido como a Guerra do Golfo, uma expedição militar bem-sucedida para os Estados Unidos. Porém, na retirada do exército iraquiano, em 1991, ocorreram muitos incêndios nos poços de petróleo do Kuwait, o que fez com que levasse anos para que o preço se normalizasse novamente.

Consequências da crise do petróleo na economia brasileira

O Brasil é um grande produtor de petróleo mas, ao contrário dos EUA, vende quase todo seu petróleo para ser refinado lá fora e depois comprar de novo.

Ou seja, quase não produzimos petróleo para consumo interno, o que nos coloca em uma posição complexa durante as crises. Isso porque apesar de termos a matéria-prima, acabamos sendo afetados da mesma forma pelas altas dos barris, pois temos que comprar de volta.

No entanto, nos momentos das crises de 1973 e de 1979, o Brasil não sofreu tanto impacto porque a Petrobras detinha o monopólio de importação e optava por uma política de vários fornecedores.

E aí, curtiu aprender mais sobre a crise do petróleo e entender como ela está ligada a diferentes facetas da política mundial? Então que tal estudar mais conteúdos de geografia e geopolítica com nossas videoaulas e treinar seu conhecimento com os exercícios do Stoodi? E se estiver precisando de uma ajudinha para organizar o tempo, confira nosso plano de estudos!

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Economia brasileira na década de oitenta e seus reflexos nas condições de vida da população

The Brazilian economy of the 80's and its impact on the living conditions of the population

Ana Maria H. Ometto; Maria Cristina O. Furtuoso; Marina Vieira da Silva

Departamento de Economia Doméstica da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ/USP) - Piracicaba, SP - Brasil

RESUMO

A economia brasileira na década de 80 atravessou uma das mais graves crises de sua história, a qual resultou na estagnação do Produto Interno Bruto e em taxas de inflação sem precedentes. Apesar desse quadro econômico crítico os indicadores sociais apresentaram evolução positiva. Foi mostrado que, embora as famílias brasileiras adotassem como estratégia para o enfrentamento desta crise a super utilização da força-de-trabalho familiar no mercado de trabalho, a evolução da renda e da pobreza nesse período foi desfavorável. Concluiu-se que a ampliação dos dispêndios e transformação das formas de implementação das políticas públicas nas áreas de saúde e nutrição são fatores decisivos no desempenho dos indicadores sociais.

Palavras-chave: Qualidade de vida. Economia. Fatores socioeconômicos.

ABSTRACT

In the 80's the Brazilian economy underwent one of the most severe crises of its history, resulting in the stagnation of the gross national product and inflation rates such as never previously reportted. Despite this unfavorable scenario social indicators have presented a positive evolution. This work shows that although the Brazilian family has adopted the over-use of the family work force as a strategy for facing this crisis on the work market, the evolution of both income and poverty in that period were poor. The increase of expenses and the transformation of the forms of implementation of public policy in the health and nutrition areas are shown to be decisive factors in the performance of social indicators.

Keywords: Quality of life. Economy. Socioeconomic factors.

Introdução

A despeito dos percalços enfrentados pela economia brasileira durante a década de oitenta, manifestados na profunda crise que se instaura nos seus anos iniciais, nas marchas e contramarchas que refletem as dificuldades de retomada do crescimento e que resultam na virtual estagnação do Produto Interno Bruto (PIB) per capita nesse período, além do aumento das desigualdades de renda que acompanha a aceleração do processo inflacionário da segunda metade da década, a análise de uma série de indicadores sociais surpreende ao registrar a ocorrência de progressos significativos.

O presente trabalho objetiva contribuir para a discussão acerca dos motivos que levaram a essa aparente contradição.

Padrão de Vida: Alguns Determinantes

O padrão de vida de uma população depende de um conjunto de fatores dentre os quais destacam-se a renda familiar computada em termos reais, complementada ou não pela produção caseira de mercadorias e os benefícios sociais públicos e privados usufruídos por essa população.

A renda familiar, por sua vez, para grande parte das famílias é composta de salários decorrentes da venda da força de trabalho através de relação empregatícia, formalmente estabelecida, e de trabalhos que produzem renda, no que se convencionou denominar "setor informal" da economia, e onde se incluem uma série de atividades ocupacionais que, do ponto de vista da organização do trabalho, não se estruturam segundo os moldes capitalistas de produção. Dentre estes pode-se mencionar o trabalho por conta própria subordinado a uma única empresa, o pequeno vendedor de serviços, a pequena "empresa" familiar que se concentra no comércio e indústria de tamanho reduzido (confeitaria, confecções, e outras), e o emprego doméstico.

Coletivizando parcial ou totalmente os rendimentos obtidos por essas diferentes formas, a família adquire então as mercadorias necessárias a sua sobrevivênvia, as quais, através do trabalho doméstico, são transformadas para adequá-las ao uso desejado.

Desta forma, o padrão de vida de uma população vai depender dos espaços que se abrirem no mercado formal e informal de trabalho, dos salários e demais rendimentos nominais obtidos versus as taxas de inflação (e os preços relativos) verificados, além dos benefícios oferecidos pelos setores público e privado.

Freqüentemente a expansão observada no setor informal não reflete uma opção dos trabalhadores, mas sim a estratégia por eles utilizada para fazer face às circunstâncias adversas geradas pela crise do emprego formalmente estabelecido. Desta forma, aumenta a participação de trabalhadores neste setor durante as crises e, como o espaço econômico de que dispõem se restringe na mesma ocasião, os níveis de renda per capita aí gerados se tornam problematizados29.

Por outro lado, uma das primeiras manifestações das crises é a queda do nível do emprego formalmente estabelecido, a qual usualmente se inicia no setor de bens de capital mas, pelo efeito multiplicador, difunde-se pelos demais. Numa economia industrial esta redução dos níveis de emprego pode ser acompanhada pela queda dos salários reais em decorrência de dois fatores básicos: o primeiro refere-se ao fato de que o aumento no desemprego ocasiona redução do poder de barganha dos sindicatos, o que pode, por ocasião das negociações coletivas, levá-los a aceitar reajustes menores do que as taxas de inflação registradas; e o segundo, ao fato de que nessas economias os preços, longe de serem variáveis de ajuste, são determinados pelos custos, de forma que a redução da utilização da capacidade produtiva, ao implicar maiores custos fixos unitários gera pressões altistas nos preços e, dada a defasagem com que são reajustados os salários nominais, traz inevitáveis perdas salariais.

Portanto, espera-se que o impacto das crises na situação econômica das famílias seja negativo, tanto pela redução no volume de emprego e nos níveis de salário vigentes, quanto pela queda nos rendimentos per capita dos inseridos no setor informal.

Este impacto pode ser atenuado por mudanças na composição do emprego, no sentido do crescimento da participação no mercado de trabalho dos chamados trabalhadores "secundários" (cônjuges e filhos, principalmente).

Tais "arranjos" familiares estão associados ao ciclo de vida familiar e expressam, não só as dimensões simbólicas que definem os papéis socialmente atribuídos aos diversos membros da família, mas também as possibilidades concretas de absorção desta mão-de-obra diferenciada no mercado de trabalho1.

Os movimentos compensatórios das dotações das verbas públicas para as políticas sociais se constituem também numa forma importante de atenuar os efeitos da crise sobre a população. Entretanto tais gastos, além de usualmente refletirem o calendário eleitoral24, ainda freqüentemente assumem um comportamento procíclico, quando na realidade deveriam ter caráter anticíclico30.

Findas essas considerações teóricas, proceder-se-á a uma análise compacta da evolução da economia brasileira nos anos oitenta, centrando a atenção na questão do endividamento externo e seus reflexos nos desajustes internos da nossa economia nesse período.

A Crise de Endividamento Externo e o Desajuste Interno da Economia Brasileira nos Anos Oitenta

No início dos anos oitenta há uma brusca reversão na trajetória de crescimento seguida pela economia brasileira e esta mergulha na mais grave crise de sua história.

O PIB per capita, que de 1970 a 1980 vinha se expandindo à taxa média de 6,1% a.a., diminui 13% entre 1980 e 1983. A tímida recuperação apresentada no período de 1984-89 leva o valor desse indicador apenas a retornar aos níveis observados no início da década11, de forma que se populariza a idéia de que os anos oitenta se constituíram para a economia brasileira, na "década perdida".

As raízes dessa crise, que se manifesta inicialmente como uma crise de endividamento externo, mas que rapidamente passa a se traduzir no desajuste interno da economia, estão nas políticas adotadas na década anterior, quando a opção pela manutenção do crescimento econômico após o primeiro choque do petróleo, e, mais do que isso, a busca do salto definitivo no aprofundamento do processo de substituição de importações, levaram o Estado brasileiro a assumir um padrão de financiamento baseado no crescente endividamento externo. Neste processo, a participação do setor privado na dívida externa se reduz de 67%, no período 1972/73 para 23% no final da década4.

O segundo choque do petróleo em 1979 e o brusco aumento das taxas de juros internacionais verificado, viriam a aprofundar a crise externa brasileira através de uma série de mecanismos: pelo salto nos juros da dívida; por reorientar os fluxos de capital preferencialmente para os EUA e Europa; e pelo impacto negativo sobre os preços relativos das "commodities", itens importantes da nossa pauta de exportação.

Após a moratória mexicana, com a paralisação da entrada de capital externo, a reciclagem da dívida passou a exigir a realização de saldos comerciais crescentes e um ajustamento brutal da política econômica dos países devedores.

Entretanto, tais superávits comerciais viriam a se traduzir em sérios desequilíbrios na economia brasileira, pois, na verdade o problema não se esgota na questão da transferência de recursos, mas se complica pelo fato de que os superávits são obtidos basicamente pelo setor privado, enquanto a responsabilidade da dívida é do setor público31. Ou seja, os saldos gerados em dólar pelo setor privado deveriam ser transformados pelo governo em cruzeiros, pela emissão monetária ou pela colocação de títulos junto ao público, com os previsíveis efeitos inflacionários e/ou recessivos.

Em conseqüência, aprofunda-se o endividamento do setor público pela capitalização dos juros da dívida, e a poupança privada vai crescentemente se colocando a serviço da rolagem da dívida pública, comprometendo o crescimento econômico.

O que agrava a situação é que à medida que as expectativas que os agentes financeiros têm sobre a capacidade do governo saldar seus compromissos vão se tornando cada vez mais desfavoráveis, tais agentes passam a exigir que os títulos apresentem juros maiores e liquidez máxima, provocando a deterioração das condições de financiamento da dívida pública interna.

Assim, a transferência de recursos privados para o governo e deste para as economias centrais viria a se transformar num elemento profundamente desestabilizador, e o desajuste externo a se traduzir no desajuste interno da economia brasileira.

A elevação das taxas de juros, além de resultar no agravamento das contas públicas, provacaria ainda a aceleração das taxas de inflação através de dois mecanismos: pelo seu impacto direto sobre os custos (com o custo financeiro passando a representar parcela crescente do custo total das mercadorias) e pelo seu impacto indireto, via elevação dos custos fixos unitários ocasionada pelos seus efeitos recessivos.

Desta forma, a inflação apresenta a primeira mudança de patamar em 1983 (como conseqüência do agravamento da crise e da própria política cambial no período), se reduz acentuadamente em 1986, sob a influência do Plano Cruzado, e volta a crescer sensivelmente nos três últimos anos da década, apesar dos sucessivos choques heterodoxos.

A crise econômica além de gerar altas taxas de desocupação masculina (4,9% no auge da crise, em 1983) e feminina (4,8%, no mesmo ano), ainda levou a uma forte retração no mercado de trabalho formal, e, em contrapartida, ao crescimento da proporção dos trabalhadores sem vínculos formais. Nesse sentido, a participação dos empregados sem carteira assinada cresce de 41,9% em 1981 para 47,2% em 1983, e apenas em 1987 retorna a níveis próximos aos do início da década (41,7%)10.

Resumindo, a crise do endividamento externo manifestada na economia brasileira na década de oitenta reflete-se em desequilíbrios internos que impactam desfavoravelmente na situação econômica da população principalmente através da queda dos níveis de emprego (e crescimento da proporção de trabalhadores sem vínculos formais) observada nos anos iniciais da década, e da aceleração da inflação verificada mais nitidamente nos seus anos finais.

A Família na Força-de-Trabalho

Durante os anos oitenta persiste na economia brasileira o processo de incorporação das cônjuges e filhos no mercado de trabalho.

Na verdade este processo já vinha se intensificando na década anterior, quando, numa conjuntura de crescimento econômico acelerado, a influência de um conjunto de fatores, dentre os quais a política salarial repressiva do período e a dissolução das relações de produção pré-capitalistas no campo, foi neutralizada pelas famílias de baixa renda através da super utilização de seus membros como trabalhadores assalariados.

Conforme enfatizam Pastore e col.20, durante a década de setenta, conjugada a uma considerável expansão nos níveis de emprego, a melhoria na renda familiar e a diminuição dos níveis de pobreza foi obtida graças ao que esses autores denominam trabalho (considerando como sobrecarga a existência de jornada de trabalho superior a 48 horas semanais e a utilização de crianças e/ou adultos não disponíveis) cresce de 34,8 para 48,8%.

A participação da mulher na População Economicamente Ativa-PEA se eleva de 21% para 28% e as taxas diferenciadas de crescimento segundo o estado civil verificadas favorecem o aumento da participação da cônjuge na força de trabalho. Desta forma em 1980 as mulheres casadas passam a constituir 36% da PEA feminina, enquanto em 1970 eram apenas 27%6.

A crise dos anos oitenta não interrompe esse processo.

Jatobá14, buscando investigar a sensibilidade cíclica da participação dos "trabalhadores secundários" da família, determinou as taxas de participação da família na força de trabalho (TPFFT) nas regiões metropolitanas do Nordeste e Sudeste brasileiros nos anos 1978, 1983 e 1986. Observou que nesse período ocorre intensificação da participação dos membros da família no mercado de trabalho, sendo que as TPFFT do Sudeste foram maiores do que as do Nordeste, e que a TPFFT das famílias chefiadas por mulheres superaram a das chefiadas por homens.

A respeito deste último aspecto, outros trabalhos também têm apontado para a maior mobilização do grupo familiar das famílias chefiadas por mulheres, sugerindo que, dado os diferenciais de rendimento entre os sexos vigentes na nossa sociedade, a chefia feminina gera a necessidade de que os velhos, crianças e adolescentes também colaborem para a composição da renda familiar3,17.

Pela Tabela 1, percebe-se que a TPFFT varia inversamente com a renda do chefe, indicando que realmente as famílias buscam compensar os baixos rendimentos do chefe elevando a participação dos demais membros no mercado de trabalho.

No tocante à evolução da composição dos trabalhadores secundários, verificou-se que as mulheres cônjuges aumentaram forte e persistentemente sua participação no mercado de trabalho, enquanto que os filhos, parentes e agregados, apresentaram um crescimento bem menos significativo da sua participação. Ou seja, a elevação das TPFFT deveu-se basicamente à incorporação das cônjuges, num movimento que aparenta ser governado mais por forças seculares do que por elementos conjunturais.

Os dados da Tabela 2 corroboram com essa idéia, mostrando que a atividade feminina no Brasil cresce ao longo de toda a década.

Os saltos relativamente maiores apresentados por essa taxa nos períodos de 1981 a 1983 e em 1990 poderiam dar suporte à argumentação de que seriam uma resposta às crises. Entretanto, tais taxas não refluem nos períodos de recuperação, o que sugere novamente que tais mudanças têm cunho mais permanente.

Poder-se-ia supor que esse crescimento da participação feminina na PEA tivesse resultado na diminuição dos níveis de pobreza entre famílias. Entretanto, para tal seria necessário que se verificassem algumas condições adicionais: a primeira, que a elevação da atividade feminina estivesse concentrada nas famílias de menor poder aquisitivo; e a segunda, que a maior participação das cônjuges não estivesse associada à perda do emprego e/ou dos níveis salariais dos chefes.

No tocante à primeira condição, os dados da Tabela 1, embora com a restrição de se referirem apenas às regiões metropolitanas do Nordeste e Sudeste, permitem perceber que as famílias, cujos chefes têm renda mais elevada, têm aumentado a sua TPFFT a um ritmo superior ao daquelas cujos chefes têm menor rendimento. Ou seja, o crescimento da atividade dos trabalhadores secundários foi, nesse período, menos expressivo justamente para as famílias de menor poder aquisitivo.

Por outro lado, não se pode verificar se a segunda condição é obedecida pelo fato das publicações disponíveis (Censos Demográficos e PNAD's) não permitirem o acompanhamento longitudinal das famílias. Entretanto, Ramos23 verificou que o impacto da crise dos anos oitenta foi mais acentuado sobre os trabalhadores masculinos de menor qualificação.

Desta forma, a despeito da intensificação do trabalho familiar observada nesse período, os indicadores da renda e de sua distribuição, e o dos níveis de pobreza vigentes na nossa sociedade mostram uma evolução desfavorável.

Pobreza e Desigualdade entre Famílias

A Tabela 3 foi elaborada com base em dados obtidos por Hoffmann11 para o rendimento familiar médio e mediano e índices de concentração de renda (Gini) e de pobreza (Proporção de Pobres) para o Brasil de 1979a 1990.

Em termos da evolução dos rendimentos médio e mediano pode-se perceber o impacto negativo da crise nos anos iniciais da década (até 1984) e também muito claramente os efeitos positivos (mas de curta duração) do Plano Cruzado e do período pré-eleitoral de 1989. Como resultado dessas marchas e contramarchas ao término da década tais rendimentos ainda não haviam conseguido recuperar os patamares observados em 1979.

Os dados mostram também uma trajetória da desigualdade de renda que é marcada pela estabilidade entre 1979 e 1985, seguida por uma brusca redução em 1986 (novamente como efeito benéfico do Plano Cruzado) e um intenso crescimento no período 1987-89.

Desta forma, a desigualdade de rendimentos entre famílias, medida através do índice de Gini, eleva-se de 0,597 em 1980 para 0,603 em 1990, e a parcela da renda apropriada pelos 50% mais pobres da população cai de 12,2 para 11,7%. Pode-se mencionar também que o crescimento da desigualdade observado nos anos finais da década está, segundo Hoffmann11, associado à aceleração da inflação.

A inflação elevada impacta sobre as medidas de desigualdade de duas maneiras: provocando aumento real da desigualdade, decorrente do menor poder de se proteger da inflação de certos grupos (os assalaridados, pensionistas e outros, cujos rendimentos são reajustados com atraso) e um aumento aparente, causado principalmente pelo crescimento dos erros de declaração que ocorrem com maior freqüência nos períodos da inflação acelerada11.

A conjugação desses movimentos das medidas de tendência central (rendimentos médio e mediano) e das de desigualdade resulta na elevação dos níveis de pobreza nos anos iniciais da década (1979/83-84), na clara reversão dessa tendência no biênio 1985/86 e, novamente, no seu crescimento de 1987 em diante.

Ao término da década os indicadores dos níveis de pobreza absoluta mostram uma deterioração significativa da situação econômica das famílias brasileiras, com o percentual de famílias com rendimento inferior a um salário mínimo se elevando de 20,8, em 1979, para 26,5, em 1990.

A Evolução de Indicadores Sociais

A crise enfrentada pela economia brasileira na primeira metade dos anos oitenta e o aumento dos níveis de desigualdade observado na segunda, embora resultassem em elevação dos níveis de pobreza absoluta, não impedem que a evolução de uma série de indicadores sociais seja positiva.

Na verdade, a análise do comportamento das taxas de mortalidade infantil e da esperança de vida ao nascer do brasileiro ao longo dos últimos sessenta anos, nos permite concluir que a "década perdida" no aspecto social foi a de sessenta e não a de oitenta, como poder-se-ia supor pela observação da renda e da pobreza.

As Tabelas 4 e 5 mostram, respectivamente, as taxas de mortalidade infantil e da esperança de vida ao nascer no Brasil e grandes Regiões no período 1930/1980.

A justaposição desses dados, com os da Tabela 6, referentes à mortalidade infantil no Brasil e em São Paulo, nos anos oitenta, comprova que a evolução favorável desses indicadores só se interrompe nos anos sessenta.

Na década de sessenta a economia brasileira apresentou crescimento econômico moderado, com o PEB per capita aumentando cerca de 36%. Entretanto, tal crescimento não se traduziu em redução dos níveis de pobreza devido ao intenso processo de concentração de renda verificado no período, de forma que a percentagem de pessoas com rendimento inferior ao salário mínimo (deflacionado pelo valor de agosto de 1980) se reduz apenas de 58 para 55. De qualquer modo, a evolução dos indicadores econômicos é positiva, visto que além do mencionado crescimento do PIB per capita, aumentam também a renda média entre pessoas economicamente ativas (em cerca de 23%) e a mediana (em 6%)11.

Já na década de oitenta, apesar do crescimento significativo da participação das cônjuges no mercado de trabalho, há pelas razões discutidas anteriormente, redução da renda familiar média e aumento dos níveis de pobreza.

Entretanto, essa década se apresenta favorável no aspecto social mesmo quando comparada à de setenta, o que é surpreendente tendo em vista as taxas de crescimento econômico então vivenciadas pela economia brasileira (quando o PIB per capita cresceu 81%, o rendimento médio entre pessoas economicamente ativas 76% e a porcentagem de pobres se reduziu a 34%)11.

Na medida em que as taxas de mortalidade infantil e proporcional caem a níveis mais baixos, deixam de ser indicadores sensíveis da qualidade de saúde da população. Em tais circunstâncias, segundo Bengoa2, passam a ganhar importância os estudos antropométricos, que repetidos periodicamente constituem métodos epidemiológicos que permitem avaliar o estado de saúde e desenvolvimento.

A comparação dos dados sobre estatura média de meninas e meninos de 6 e 7 anos, da Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição (PNSN)12, realizada de julho a setembro de 1989 (ou seja, com crianças que nasceram no auge da crise), com os obtidos pelo Estudo Nacional de Despesas Familiares (ENDEF)7 de 1974/75 (referindo-se, portanto, às que vivenciaram todo o "milagre econômico") permite constatar crescimento significativo da estatura das crianças brasileiras das áreas rural e urbana (Tabela 7).

Na Tabela 8 pode-se verificar decréscimo de cerca de 60% na prevalência de déficits ponderais severos entre as crianças menores de cinco anos estudadas nas pesquisas de 1975 e 1989, o que reforça a idéia de melhoria do estado nutricional da população infantil.

Seria interessante complementar estas informações com a análise da evolução da morbidade infantil nesse período. Entretanto, sabe-se que, no Brasil, os dados referentes ao perfil de morbidade da população em geral e, em particular das crianças, são precários.

De acordo com Monteiro18 apenas um grupo restrito de doenças infecto-contagiosas é de notificação compulsória no País. Mesmo assim, na maioria das vezes é bastante falha a cobertura do registro. Os raros dados de morbidade disponíveis provêm geralmente de estudos de demanda de laboratórios e serviços de assistência à saúde. Segundo o citado autor há, no entanto, o inconveniente de que estes dados, freqüentemente, não permitem inferências populacionais seguras.

As razões para esse bom desempenho dos indicadores de saúde, num período onde os indicadores econômicos foram tão negativos, devem ser buscadas, então, nos movimentos compensatórios das dotações das verbas públicas para as políticas sociais e nas próprias transformações observadas no conjunto desses gastos.

Nesse sentido, a literatura ressalta a importância do crescimento das taxas de alfabetização e educação, da expansão da rede de saneamento básico, da melhoria da assistência prestada pela rede básica de saúde e da maior cobertura dos programas de suplementação alimentar18.

No tocante à evolução das taxas de alfabetização e da educação básica da população brasileira, a Tabela 9, elaborada por Monteiro e col.19, possibilita observar a evolução positiva desses indicadores, que é inclusive, mais acentuada para mulheres em idade reprodutiva, o que pode repercutir na saúde infantil através da melhoria dos cuidados maternos.

A Tabela 10 permite notar o crescimento significativo do percentual de domicílios com abastecimento de água através de rede geral, com coleta de lixo e iluminação elétrica, crescimento este muito maior do que o que seria mera decorrência do processo de urbanização observado.

Considerando-se o conjunto dos gastos sociais realizados pelo Governo Federal no período 1980-89, pode-se notar o corte de recursos ao longo do biênio 1983-84 e a elevação contínua destes gastos na segunda metade da década, dentro da abordagem do "tudo pelo social" que foi a tônica da Nova República. Desta forma, fica caracterizado o comportamento pró-cíclico de tais despesas, e não anticíclico, como seria o recomendado (Tabela 11).

A análise da transformação na composição desses dispendios aponta para o favorecimento das áreas de alimentação e nutrição e de educação e cultura.

Uma análise superficial dos dados poderia sugerir que a elevação dos percentuais empregados em tais setores teria sido financiada pela redução dos dispendios em habitação e urbanismo (Fig.1). Entretanto, esta conclusão é imprópria, visto que a lógica de captação de recursos para tais setores é diferente, com as verbas para a área de habitação e urbanismo sendo provenientes do Sistema Financeiro da Habitação, e captadas através das cadernetas de poupança, enquanto as da área de alimentação e nutrição são oriundas em grande parte do orçamento público.

Como a crise de 1973 afeta a população

Observando-se os gastos federais nos diferentes programas da área de alimentação e nutrição no período 1980-1993 (Tabela 12) chama atenção a mudança de patamar de tais gastos em 1985 (quando o crescimento é de mais de 70%). Além disso, na segunda metade da década, as verbas para esta área crescem acentuadamente.

Ao longo dos dois anos do Governo Collor, há uma drástica reversão desta tendência e os recursos a ela destinados, em 1992, se reduzem ao irrisório percentual de 16% do montante dispendido em 1990. Em 1993 observa-se uma retomada de tais gastos. O único programa que se mantém em todo o período analisado foi o Programa Nacional de Alimentação Escolar-PNAE que, no Governo Collor passa a absorver cerca de 70% dos investimentos na área. Por outro lado, o Programa Nacional do Leite para Crianças Carentes-PNLCC, criado no governo Sarney, chegou a consumir 52,2% dos recursos em 1990 e foi extinto em 1991.

É importante mencionar ainda que as alterações em termos das políticas sociais não se restringem às referentes ao montante e composição dos gastos, mas envolvem também aquelas ligadas às formas de sua implementação.

No Brasil, as discussões sobre a descentralização/municipalização ganham espaço em meados da década de oitenta com o processo de redemocratização do País, mas já no ano de 1983, os Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, antecipando-se à iniciativa federal, deram início a algumas experiências de municipalização do Programa de Merenda Escolar, que até o final da década foram estendidas à quase totalidade dos Programas desses Estados28. No âmbito nacional, a partir do Governo Itamar, a municipalização do PNAE se estende aos demais Estados21.

É também simultânea e assegurada pela Constituição de 1988 a descentralização que se instala na área de Saúde, quando os direitos dos beneficiários se desvinculam da Previdência e passam a ser considerados universais.

O impacto das alterações na composição dos gastos sociais e o das transformações na sua forma de implementação sobre a evolução dos indicadores sociais é um tema ainda pouco explorado e que merece uma análise mais profunda.

Por outro lado, considerando que os programas de suplementação alimentar tem, de uma maneira geral, favorecido as regiões urbanas, os Estados mais desenvolvidos e os pobres não indigentes15 (portanto menos necessitados), permanece como sugestão para futuras pesquisas uma análise regional que contraponha a evolução dos indicadores econômicos e sociais com a das políticas da área de saúde e nutrição.

Finalmente, deve-se evitar otimismo descabido, atentando-se para o fato de que os ganhos obtidos, em relação aos mencionados indicadores, não estabelecem para o país posição confortável na área social, nem mesmo quando os demais países da América Latina são tomados como referência. Apesar do Brasil ser considerado a principal economia industrial da região, e dos bons resultados obtidos no tocante à cobertura das vacinações e assistência médica nos partos, ainda assim é o que apresenta maior desigualdade de distribuição de renda, uma das maiores proporções da população abaixo da linha da pobreza e consideráveis taxas de mortalidade infantil e analfabetismo, maiores inclusive do que as de países sem nenhuma expressão econômica1.

Conclusões

O trabalho buscou mostrar que a evolução favorável de uma série de indicadores sociais no Brasil dos anos oitenta mostrou-se correlacionada com a ampliação dos dispendios e transformação nas formas de implementação das políticas públicas nas áreas de saúde e nutrição.

Através da análise dos dados apresentados foi possível verificar a expressiva melhora das condições de vida da população brasileira, numa década onde a nossa economia atravessou a mais grave crise de sua história, as taxas de inflação atingiram níveis sem precedentes e, onde, apesar da intensificação do uso da força de trabalho familiar, ocorreu aumento das desigualdades de renda e da pobreza.

Desta forma, ficou destacado o papel decisivo desempenhado pelo investimentos na área social sobre o padrão de vida do brasileiro, atenuando os efeitos da crise e viabilizando o aumento de "direitos" de parcela expressiva da população.

Também foi mencionada a necessidade de que a distribuição dos dispendios na área de alimentação e nutrição seja reorientada de forma a atingir mais intensamente os grupos de risco e os bolsões de pobreza.

Ressalta-se ainda a importância de avaliações contínuas dos programas sociais, visando a otimização dos recursos, os quais, por sua vez, espera-se que sejam ampliados a medida em que se reduza a sonegação e aumente a arrecadação.

Embora a evolução positiva dos indicadores esteja aparentemente associada às mudanças percorridas pelas políticas sociais do período, tais políticas devem ser encaradas como ações complementares, passíveis de implementação no curto prazo, na busca de amenizar os graves problemas enfrentados pela população brasileira, e não como substitutas das transformações mais profundas que devem ser perseguidas pela nossa sociedade.

Recebido em 3.1.1995

Reapresentado em 8.6.1995

Aprovado em 10.7.1995

Separatas/Reprints: Ana Maria Holland Ometto - Caixa Postal 9 - 13418-900 - Piracicaba - SP - Brasil - Fax:(0194) 22.5925 Edição subvencionada pela FAPESP. Processo 95/2290-6