2_ Leia o texto abaixo: Primeiras chuvas começam a recuperar as áreas de Cerrado em Goiás Depois de um longo período de estiagem, bastaram as primeiras chuvas para o Cerrado se renovar. No Parque Nacional das Emas, em Goiás, a vegetação está colorida e as frutas nativas começam a amadurecer. Do alto de uma arvore, o gavião observa toda a movimentação na reserva. O casal de periquitos descansa à vontade no pé de gameleira e entre as folhas secas do cerrado, o tiú divide espaço com a mamãe e o filhote de mutum. Não é de hoje que toda essa época, a reserva ganha um colorido especial. Bastaram as primeiras chuvas para o cerrado mostrar toda sua exuberância de espécies. O pé de pequi já está repleto de flores, o de mangaba bem carregado com a fruta e para quem não perde um a temporada de gabiroba, as frutinhas já estão bem maduras. Em 2010, mais de 90% do Parque Nacional das Emas foram destruídos devido a um grande incêndio. Após quatro anos, o poder de recuperação do cerrado e a quantidade de árvores que já tem no local impressionam. O que chama a atenção é que tudo aconteceu de maneira natural, não teve a interferência do homem. Teve ação de banco de semente e a dispersão da fauna. […] O Parque Nacional das Emas está localizado em munícipios de Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. A maior da reserva fica em Mineiros, no sudoeste goiano. Durante a primavera, muitos pesquisadores montam acampamento no parque para estudar o rejuvenescimento do cerrado. De acordo com o instituto Chico Mendes, existem mais de 700 espécies diferentes de plantas no Parque Nacional das Emas. 2_ Quais são os fatores abióticos considerados no texto? 3_ Quais são os fatores bióticos mencionados no texto? 4_ Como a biodiversidade do Parque Nacional das Emas foi afetada por fatores abióticas em 2010? 5_ Que fatores abióticos e bióticos foram necessários para a recuperação da vegetaçao do parque? URGENTEEEE Context 1 ... Parque Nacional das Emas, criado em 1961, localiza-se no sudoeste de Goiás, nas divisas com os Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, no Planalto Central Brasileiro, região nuclear dos cerrados. Seus limites estão compreendidos entre as latitudes 17 o 51' e 18 o 21'S e as longitudes 52 o 43' e 53 o 01'W (Figuras 1 e 2). ... Context 2 ... relação às aves do Cerrado, há indicações de que algumas espécies são adaptadas à ocorrência de queimadas (Figueiredo, 1991), mas os estudos ainda são poucos. Em 1978, após um grande incêndio no PNE, foram registrados danos para ninhos e ovos de pássaros, particularmente de emas, ave bastante abundante nesta unidade de conservação (IBDF/FBCN, 1981). ... Context 3 ... manejo do fogo no Parque Nacional das Emas foi inicialmente definido no Plano de Manejo (IBDF/FBCN, 1981) e reavaliado no Plano Emergencial (Ibama, 1991). A necessidade de revisão das condutas de manejo na área foram se intensificando com a enorme quantidade de informação gerada na área e nos avanços da biologia da conservação e das técnicas de manejo. ...
O FOGO NO PARQUE NACIONAL DAS EMAS
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL PRESIDENTE Luiz Inácio Lula da Silva VICE-PRESIDENTE José de Alencar Gomes da Silva MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE MINISTRA Marina Silva SECRETARIA EXECUTIVA SECRETÁRIO Cláudio Roberto Bertoldo Langone SECRETARIA DE BIODIVERSIDADE E FLORESTAS SECRETÁRIO João Paulo Ribeiro Capobianco PROGRAMA NACIONAL DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE DIRETOR Braulio Ferreira de Souza Dias
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE Secretaria de Biodiversidade e Florestas Helena França Mário Barroso Ramos Neto Alberto Setzer BRASÍLIA, DF 2007 O FOGO NO PARQUE NACIONAL DAS EMAS
EQUIPE TÉCNICA DO PROBIO: Gerente: Daniela América Suárez de Oliveira. Carlos Alberto Benfica Alvarez, Cilulia Maria Maury, Júlio César Roma, Márcia Noura Paes. REVISÃO, SUPERVISÃO EDITORIAL E ACOMPANHAMENTO GRÁFICO Cilulia Maria Maury - PROBIO REVISÃO FINAL Maria Beatriz Maury de Carvalho NORMALIZAÇÃO DE REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Helionídia Carvalho de Oliveira – Ibama PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO Fernando Brandão FOTOGRAFIAS GENTILMENTE CEDIDAS POR Mário Barroso Ramos Neto Ministério do Meio Ambiente – MMA Centro de Informação e Documentação Luiz Eduardo Magalhães – CID Ambiental Esplanada dos Ministérios – Bloco B – térreo – CEP – 70068-900 Tel.: 5561 4009 1235 Fax: 5561 4009 1980 – email: Catalogação na Fonte Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis E25 O Fogo no Parque Nacional das Emas/Helena França,Mário Barroso Ramos Neto,Alberto Setzer - MMA, 2007. 140 p. : il. color ; 29,70cm. (Série Biodiversidade, v. 27) Bibliografia ISBN 85-7738-041-6 1. Cerrado. 2. Fogo 3. Ecologia. I. França, Helena, Ramos Neto, M.B., Setzer, A. II. Ministério do Meio Ambiente. III. Secretaria de Biodiversidade e Florestas. IV. Título. CDU (2.ed.)574.2
Ao Professor Dr. Leopoldo Magno Coutinho, que nos mostrou a beleza do Cerrado e despertou nossa paixão pelo estudo do fogo, e ao Sr. Antônio Malheiros da Cruz, por sua extrema dedicação e amor ao Parque Nacional das Emas
AgradecimentosAgradecimentos AgradecimentosAgradecimentos Agradecimentos Ao Sr. Antônio Malheiros da Cruz (Ibama/Parque Nacional das Emas); MSc Ary Soares dos Santos (Ibama,GO); Dr. Braulio Dias (MMA); Dr. Carlos Alberto Felgueiras (INPE/DPI); Celeste M. da Silva (Mineiros, GO); Cilulia Maury (Probio, MMA); Demerval Aparecido Gonçalves (Oréades/Mineiros); Dr. Eymar S.S. Lopes (INPE/DPI); Fundação Ecológica de Mineiros (Mineiros, GO); Sr. Gabriel Cardoso Borges (Ibama/Parque Nacional das Emas); Sr. Heber Reis Passos (INPE/DSR); Sr. José Carlos Bernardo (Ibama/Parque Nacional das Emas); Dr. Júlio Cesar Lima D’alge (DPI/INPE, São José dos Campos); Dr. Leopoldo Magno Coutinho (IB/USP); Sra. Maria Aparecida T. da Silva (INPE/ATUS); Sra. Maria Madalena G. Mello (INPE/ ATUS); Sra. Marilene Alves (INPE/DSR); Milena Issler (São Paulo, SP); Mosteiro São José (Mineiros, GO); MSc Paulo Roberto Martini (INPE/DSR); MSc Pedro Alberto Bignelli (Ibama, GO); Renato França (São Paulo, SP); Renato Alves Moreira (Oréades/Mineiros); Dra. Thelma Krug (INPE/DSR), Dra. Vania Pivello (IB/USP).
ApresentaçãoApresentação ApresentaçãoApresentação Apresentação Muito se tem discutido sobre como melhor prevenir e combater o fogo nos preciosos remanescentes de ecossistemas mantidos nas poucas unidades de conservação existentes no grande bioma Cerrado. Os avanços recentes da pesquisa ecológica e da paleoecologia nos cerrados brasileiros e nas demais savanas tropicais do mundo indicam que a pergunta correta não é como suprimir o fogo mas, sim, como conviver com ele, ou seja, dentro de limites devemos tolerar a presença do fogo como um processo ecológico natural dos ecossistemas do bioma Cerrado. Tive o prazer de visitar o Parque Nacional das Emas algumas vezes, sempre acompanhado de turmas de bolsistas ou de alunos de pós-graduação em ecologia da Universidade de Brasília, orientando projetos de pesquisa ecológica sobre a exuberante flora e fauna do Parque durante intensos cursos de campo com duas semanas de duração cada. A presença do fogo e dos seus efeitos sobre a vegetação e a fauna é onipresente – percebe-se nitidamente que este elemento é um dos principais processos ecológicos que determinam os ecossistemas do Parque Nacional das Emas. O fogo inspira temor e reverência nos humanos. A atual ocorrência freqüente de grandes queimadas e incêndios no bioma Cerrado é percebida como causadora de diferentes impactos adversos: danos à vegetação e fauna (biodiversidade); danos à paisagem (estética); danos ao solo, águas e ar (ciclagem de nutrientes e efeito estufa); danos às instalações, aos sistemas de transporte e aos cultivos; e danos à saúde humana. Entretanto, existe uma percepção deficiente dos técnicos, governantes e do público em geral quanto à complexidade da questão: as causas dos incêndios; o papel do fogo na ecologia do cerrado; os impactos ambientais dos incêndios; e as alternativas de prevenção e controle. Na civilização ocidental atual o conceito de natureza é entendido ora como o que é produzido no universo independentemente da intervenção humana, ora como a paisagem construída pelo homem. Ocorre que os humanos estão presentes no meio ambiente do velho mundo há milhões de anos e no meio ambiente do novo mundo há pelo menos 12 mil anos, e não há ecossistema algum no planeta terra atualmente que não tenha sofrido algum grau de alteração causada pelo homem. Saber o que constitui uma significativa degradação do meio ambiente não é uma questão trivial, se aceitamos a noção moderna de que os ecossistemas são sistemas dinâmicos, cuja composição, estrutura e função varia ao longo do tempo. Identificar alterações ambientais pressupõe o conhecimento prévio da variabilidade natural dos ecossistemas e uma clara definição dos objetivos de manejo pretendidos para um determinado ecossistema – especialmente quando o objetivo
pretendido é conservar uma amostra representativa de ecossistemas naturais e sua biodiversidade. O fogo não é um fenômeno estranho ou exógeno ao Cerrado – assim embora todo evento de queima cause um distúrbio nos ecossistemas de Cerrado, apenas aqueles que se afastam do regime de queima normal provocam perturbações e estresses nos ecossistemas. Tanto o regime de queima utilizado nos últimos 300 anos pelos pecuaristas para renovação das pastagens nativas (queima bienal no final da seca), quanto aquele praticado nos últimos 30 anos nas unidades de conservação da região (exclusão do fogo preconizada, porém na prática com ocorrência de grandes incêndios em intervalos de três a cinco anos), podem ser considerados anormais e, portanto, estressantes para o ecossistema e sua biodiversidade. Em recente artigo* argumentei que a mudança mais significativa no regime de queima na região dos cerrados ocorreu há cerca de 300 anos atrás com a substituição do ameríndio Jê pelo europeu e a introdução de herbívoros de grande porte (especialmente o gado bovino), provocando um forte aumento na freqüência e alteração da estação de queima, com significativos impactos nos ecossistemas e sua biota. Neste artigo propus que o nosso referencial, quando se busca saber como era o cerrado “pristino”, “primitivo” ou “natural”, ou quando se quer determinar quais os limites de aceitação do fogo, enquanto fenômeno “natural”, deve ser o cerrado como era manejado pelos índios Jê entre 4.000 e 300 anos AP. Isto significa que além de tolerar a ocorrência de incêndios provocados por raios durante o verão deveríamos também permitir a ocorrência em mosaico de queimadas em baixa freqüência na estação da seca nas formações abertas mais tolerantes ao fogo. O presente trabalho, que tenho a satisfação de apresentar, resulta de 30 anos de registro e observações da ocorrência do fogo no Parque Nacional das Emas. Embora temporalmente isto seja apenas um lapso de tempo, em termos evolutivos, não permitindo sugerir sua influência na origem dessa vegetação savânica, permitiu, no entanto, que os autores pudessem afirmar que “o Parque Nacional das Emas (PNE), tal qual ele é hoje, é resultado de uma longa história de convívio com o fogo”. Além da enorme contribuição para a compreensão do papel do fogo no Cerrado, as observações registradas e as recomendações deste trabalho se mostrarão úteis não só para as indicações de manejo do Parque Nacional das Emas, mas poderão servir de modelo, adequadas às particularidades de cada uma, para as demais unidades de conservação do Cerrado. A qualidade deste trabalho deve-se aos autores, os quais parabenizo pelo esforço: Helena França é bióloga formada pela Universidade de São Paulo com mestrado em Sensoriamento Remoto no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e doutorado em Ecologia no Instituto de Biociências da USP. É professora da * Dias, B.F.S., 2006. Degradação Ambiental: Os Impactos do Fogo sobre a Biodiversidade do Cerrado. In: I. Garay e B. Becker (orgs.), Dimensões Humanas da Biodiversidade: O desafio de novas relações homem-natureza no século XXI. Petrópolis, Editora Vozes, 483pp.
Universidade de Taubaté (UNITAU) e do Centro Universitário SENAC/SP, e integra o grupo de Eletricidade Atmosférica (ELAT) da Divisão de Geofísica Espacial do INPE. Mario Barroso Ramos Neto, é biólogo formado pela Universidade de São Paulo com mestrado e doutorado em Ecologia pelo Instituto de Biociências da USP. Trabalha na ONG Conservação Internacional como gerente de conservação do Cerrado. Alberto Setzer formou-se pela Escola de Engenharia Mauá, obteve o mestrado no Technion Institute of Technology, em Israel, e o doutorado na Purdue University em Engenharia Ambiental, e pós-doutorado na Joint Research Center, na Itália, em sensoriamento remoto. Trabalha no Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) desde 1983, dedicando-se ao monitoramento operacional de queimadas em imagens de satélites para o Brasil, e à meteorologia Antártica, tendo sido o principal divulgador desde meados dos anos 80 da verdadeira escala dos incêndios e queimadas no território brasileiro. Espero que este livro estimule um manejo mais efetivo do fogo no Parque Nacional das Emas e nas demais unidades de conservação do bioma Cerrado, de forma a assegurar a efetiva conservação de amostras representativas de ecossistemas e processos ecológicos naturais e sua biodiversidade. Braulio F. de Souza Dias Diretor de Conservação da Biodiversidade, MMA
IntroduçãoIntrodução IntroduçãoIntrodução Introdução O Parque Nacional das Emas (PNE), tal qual ele é hoje, é resultado de uma longa história de convívio com o fogo. Entretanto, apesar da reconhecida importância das queimadas nesse Parque, sabíamos apenas que o fogo era um evento freqüente nas estações secas e que, não raro, atingia áreas enormes. Praticamente nada havia sido documentado sobre extensão, freqüência e localização das queimadas. Aludia-se também à existência de queimadas originadas por raios, mas também nenhum estudo ou registro sistemático desses eventos naturais de fogo havia sido feito. Nesse contexto, decidimos tentar desvendar, documentar e compreender a história recente do fogo no PNE. Acreditamos que o conhecimento dos vários regimes de queimada, bem como a compreensão da dinâmica do fogo e suas complexas implicações na conservação biológica são fundamentais para o adequado manejo do Parque, uma das maiores e mais importantes unidades de conservação do Cerrado brasileiro. A existência de um extenso acervo de imagens do satélite Landsat no INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) permitiu-nos fazer um mapeamento anual das queimadas do PNE, desde 1973 até 2003, totalizando trinta anos de observações. As imagens foram interpretadas em um Sistema de Informações Geográficas (SIG), resultando num banco de dados georrefenciados ao qual foram adicionadas outras informações do Parque e seu entorno, incluindo rede de drenagem, vegetação, estradas, aceiros etc. Com os mapas anuais foi possível produzir mapas de recorrências de queimadas e de tempo decorrido desde a última queimada, bem como calcular as dimensões das áreas afetadas pelo fogo. Esses resultados são apresentados no primeiro capítulo deste livro. Simultaneamente ao mapeamento histórico das queimadas no PNE, pesquisas sobre a dinâmica do fogo, dos combustíveis e da fenologia da vegetação foram conduzidas no interior do Parque. Pela primeira vez, a ocorrência de queimadas naturais no Cerrado foi quantificada e seu papel ecológico foi avaliado. A reunião desses dados com aqueles levantados no mapeamento das queimadas permitiu caracterizar três diferentes regimes de queimadas pelos quais o PNE passou nas últimas três décadas de sua existência. O manejo do fogo nesse Parque é discutido com apoio em evidências científicas. Esses resultados são apresentados no segundo capítulo do livro, juntamente com uma revisão bibliográfica sobre os efeitos do fogo na fauna e nos ecossistemas aquáticos do PNE. Também são apresentadas as orientações para o manejo do fogo no PNE incorporadas ao atual Plano de Manejo do Parque Nacional das Emas. Nosso trabalho não pretende ser completo nem conclusivo. O papel ecológico do fogo e seu manejo no PNE é motivo de uma infinidade de perguntas ainda sem respostas, muita polêmica e pouco consenso. Somente a condução de novas
pesquisas nas mais diversas áreas do conhecimento e o monitoramento contínuo do PNE permitirão respondê-las. Contudo, esperamos contribuir para o debate e aprofundamento desse tema e suscitar o interesse de estudantes, cientistas, conservacionistas, educadores e outros profissionais não só na questão do fogo no Parque das Emas, mas na conservação do Cerrado como um todo. O mapeamento das queimadas no Parque das Emas, apresentado no primeiro capítulo, foi realizado pelos pesquisadores Helena França e Alberto Setzer, e contou com o apoio financeiro da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) em sua primeira fase - período 1973-1995 (Processo 95/2674-9); do MMA (Ministério do Meio Ambiente) na segunda - período 1996 – 2003 (Termo de Referência no 79852 – Contrato PNUD no 2002/000850) e do INPE e do Ibama, na sua totalidade. O segundo capítulo resultou do trabalho do pesquisador Mário Barroso Ramos Neto e contou com o apoio da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), do programa Natureza e Sociedade do WWF-Brasil, Ibama, Oréades e da Conservação Internacional. Helena França Mário Barroso Ramos Neto Alberto Setzer
SumárioSumário SumárioSumário Sumário Lista de Figuras ................................................................................................ 17 Lista de Tabelas ................................................................................................ 21 Lista de Siglas ................................................................................................... 23 Capítulo 1 Mapeamento de queimadas no Parque Nacional das Emas: 1973-2003 ......... 25 1.1 O Parque Nacional das Emas .................................................................... 27 1.2 Identificação de queimadas nas imagens Landsat.................................... 28 1.3 O fogo no Parque Nacional das Emas ....................................................... 33 1.3.1 O fogo no manejo das pastagens.................................................... 34 1.3.2 Os grandes incêndios...................................................................... 43 1.3.3 As queimadas naturais .................................................................... 52 1.3.4 Recorrências de queimadas no período 1973-2003 ...................... 64 1.4 Perspectivas de pesquisas ........................................................................ 64 Capítulo 2 Manejo do fogo no Parque Nacional das Emas ................................................. 69 2.1 Introdução ................................................................................................... 71 2.2 Histórico das ocorrências do fogo ............................................................. 73 2.3 Características do fogo e das comunidades vegetais............................... 77 2.4 Características pós-queima ....................................................................... 79 2.5 O capim-flecha na dinâmica do fogo.......................................................... 81 2.6 A sazonalidade no processo de recuperação de áreas queimadas ......... 90 2.7 Ecossistemas aquáticos ............................................................................ 99 2.8 Fauna ........................................................................................................ 100 2.9 Causas das queimadas............................................................................ 101 2.10 O fogo no Plano de Manejo ...................................................................... 102 Capítulo 3 Considerações finais ........................................................................................ 123 Referências bibliográficas............................................................................. 129
17 Lista de FigurasLista de Figuras Lista de FigurasLista de Figuras Lista de Figuras FIGURA 1 – Localização do Parque Nacional das Emas, GO FIGURA 2 – O Parque Nacional das Emas, GO FIGURA 3 – Vegetação do Parque Nacional das Emas, GO FIGURA 4 – Queimadas recentes FIGURA 5 – Solo exposto em decorrência de queimada FIGURA 6 – Vegetação em rebrota após a queimada FIGURA 7 – Cicatrizes de queimadas na imagem termal FIGURA 8 – Área queimada anualmente no Parque Nacional das Emas, GO, no período 1973-1983 FIGURA 9 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, em 1973 FIGURA 10 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, em 1975 FIGURA 11 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, em 1976 FIGURA 12 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, em 1977 FIGURA 13 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, em 1978 FIGURA 14 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, em 1979 FIGURA 15 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, em 1980 FIGURA16 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, em 1981 FIGURA 17 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, em 1982 FIGURA 18 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, em 1983 FIGURA 19 – Recorrência de queimadas no período 1973-1983 FIGURA 20 – Mapa de recorrência de queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, no período 1973-1983 FIGURA 21 – Área queimada anualmente no Parque Nacional das Emas, GO, no período 1973-1983 FIGURA 22 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, em 1984 FIGURA 23 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, em 1985
18 FIGURA 24 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, em 1986 FIGURA 25 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, em 1987 FIGURA 26 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, em 1988 FIGURA 27 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, em 1989 FIGURA 28 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, em 1990 FIGURA 29 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, em 1991 FIGURA 30 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, em 1992 FIGURA 31 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, em 1993 FIGURA 32 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, em 1994 FIGURA 33 – Recorrência de queimadas no período 1984-1994 FIGURA 34 – Mapa de recorrência de queimadas no PNE no período 1984-1994 FIGURA 35 – Área queimada anualmente no Parque Nacional das Emas, GO, no período novembro de 1994 a abril de 2003 FIGURA 36 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, entre novembro de 1994 e maio de 1996 FIGURA 37 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, entre junho de 1996 e maio de 1997 FIGURA 38 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, entre junho de 1997 e maio de 1998 FIGURA 39 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, entre junho de 1998 e maio de 1999 FIGURA 40 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, entre junho de 1999 e maio de 2000 FIGURA 41 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, entre junho de 2000 e maio de 2001 FIGURA 42 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, entre junho de 2001 e maio de 2002 FIGURA 43 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, entre junho de 2002 e abril de 2003 FIGURA 44 – Intervalos de tamanho das queimadas naturais ocorridas no período novembro 1994 a abril 2003 FIGURA 45 – Recorrência de queimadas no período novembro 1994 a abril 2003
19 FIGURA 46 – Mapa de recorrência de queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, no período novembro 1994 a abril 2003 FIGURA 47 – Área e tempo decorrido desde a última queimada no Parque Nacional das Emas, GO FIGURA 48 – Tempo decorrido desde a última queimada FIGURA 49 – Recorrência de queimadas no período 1973 a 2003 FIGURA 50 – Recorrência de queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, no período 1973 a 2003 FIGURA 51 – Variação da Fitomassa separada em seus componentes após 1, 2, 3 e 4 estações úmidas em campo sujo com capim-flecha (Tristachya leiostachya), no Parque Nacional das Emas, GO FIGURA 52 – Contribuição relativa dos componentes amostrados ao longo do tempo, em campo sujo com capim-flecha (Tristachya leiostachya), após 1, 2, 3 e 4 estações úmidas no Parque Nacional das Emas, GO FIGURA 53 – Contribuição relativa dos componentes amostrados de capim-flecha (Tristachya leiostachya), após 1, 2, 3 e 4 estações úmidas em campo sujo, no Parque Nacional das Emas, GO FIGURA 54 – (a) Curvas de acúmulo de combustível (X=(L/k)(1-e-kt)) para campo sujo com e sem capim-flecha (b) FIGURA 55 – Variação do número médio de morfoespécies por parcelas nas amostragens após 1, 2, 3 e 4 estações úmidas, em campo sujo sem capim-flecha (Tristachya leiostachya), no Parque Nacional das Emas, GO FIGURA 56 – Variação do número médio de morfoespécies por parcelas nas amostragens, após uma, duas, três e quatro estações úmidas, em campo sujo com capim-flecha (Tristachya leiostachya), no Parque Nacional das Emas, GO FIGURA 57 – Incremento de fitomassa epigéia de campo sujo pós-queimadas realizadas na estação seca (junho), transição (setembro) e úmida (novembro), Parque Nacional das Emas, GO FIGURA 58 – Número médio de morfoespécies por parcelas nos tratamentos da estação seca (junho), transição (setembro) e estação úmida (novembro), em campo sujo do Parque Nacional das Emas, GO FIGURA 59 – Número médio de morfoespécies por parcela nos três tratamentos, separados em graminóides e não-graminóides, em campo sujo do Parque Nacional das Emas, GO
20 FIGURA 60 – Número médio de morfoespécies floridas por parcelas nos tratamentos da estação seca (junho), transição (setembro) e úmida (novembro), em campo sujo do Parque Nacional das Emas, GO FIGURA 61 – Exemplo de painel para acompanhamento do perigo de incêndio existente em áreas de produção de eucalipto FIGURA 62 – Orientação para revisão dos aceiros do Parque Nacional das Emas, GO
21 Lista de TLista de T Lista de TLista de T Lista de Tabelasabelas abelasabelas abelas TABELA 1 – Imagens Landsat utilizadas no mapeamento das queimadas do Parque Nacional das Emas, GO TABELA 2 – Área queimada anualmente no Parque Nacional das Emas, GO, no período 1973-1983 TABELA 3 – Recorrência de queimadas no período 1973-1983 TABELA 4 – Área queimada anualmente no Parque Nacional das Emas, GO, no período 1984-1994 TABELA 5 – Recorrência de queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, no período 1984-2003 TABELA 6 – Número de polígonos e área das queimadas naturais e antrópicas no Parque Nacional das Emas, GO, no período 1994-2003 TABELA 7 – Área queimada no Parque Nacional das Emas, GO, no período novembro de 1994 a abril de 2003 TABELA 8 – Estação de ocorrência das queimadas TABELA 9 – Dimensões das queimadas naturais no período novembro de 1994 a abril de 2003 TABELA 10 – Recorrência de queimadas no período novembro/1994-abril de 2003 TABELA 11 – Área e tempo decorrido desde a última queimada no Parque Nacional das Emas, GO TABELA 12 – Recorrência de queimadas no período 1973 a 2003 TABELA 13 – Regimes de queima no Parque Nacional das Emas, GO TABELA 14 –Parâmetros e valores obtidos pelo modelo de acúmulo de combustíveis em áreas de campo sujo com e sem predominância de capim-flecha no Parque Nacional das Emas (1997-1998) TABELA 15 – Número médio de morfoespécies por parcela após 1, 2, 3 e 4 estações úmidas, em áreas de campo sujo com e sem a presença do capim-flecha (Tristachya leiostachya), no Parque Nacional das Emas, GO
22 TABELA 16 –Informações sobre o esforço reprodutivo do capim-flecha (Tristachya leiostachya) em área de campo sujo do Parque Nacional das Emas, GO TABELA 17 –Distribuição dos focos iniciais das queimadas, em grades de tamanhos variados, com teste para distribuições randômicas e agregadas
23 Lista de SiglasLista de Siglas Lista de SiglasLista de Siglas Lista de Siglas AP Antes do Presente CBERS China-Brazil Earth Resources Satellite CCD Câmara Imageadora de Alta Resolução CI – BRASIL Conservação Internacional Brasil EMBRAPA-CPAC Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Centro de Pesquisa Agropecuária do Cerrado FAPESP Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo Ibama Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IUCN The World Conservation Union INPE Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais MMA Ministério do Meio Ambiente ONGs Organizações Não-Governamentais PM Plano de Manejo PNE Parque Nacional das Emas PPL Produtividade Primária Líquida RINDAT Rede Integrada Nacional de Detecção de Descargas Atmosféricas SIG Sistema de Informações Geográficas SNUC Sistema Nacional de Unidades de Conservação
27 1.11.1 1.11.1 1.1 O PO P O PO P O Parque Nacional das Emasarque Nacional das Emas arque Nacional das Emasarque Nacional das Emas arque Nacional das Emas O Parque Nacional das Emas, criado em 1961, localiza-se no sudoeste de Goiás, nas divisas com os Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, no Planalto Central Brasileiro, região nuclear dos cerrados. Seus limites estão compreendidos entre as latitudes 17o51’ e 18o21’S e as longitudes 52o43' e 53o01’W (Figuras 1 e 2). A maior parte do PNE localiza-se no topo de uma chapada com relevo suave e altitudes variando entre 800 e 900m; seus rios têm poucos afluentes, os solos são do tipo Latossolo Vermelho-Escuro distrófico e Latossolo Vermelho-Amarelo distrófico, com predomínio de formações abertas de cerrado. Entretanto, a região norte e nordeste, às margens do rio Jacuba e seus afluentes, apresenta relevo ondulado, vales fechados, drenagem mais densa e vegetação de cerrado mais fechada (Ramos Neto, 2000). O clima da região do PNE é sazonal tropical e a temperatura média anual varia entre 22 e 24oC. A amplitude térmica diária é da ordem de 15oC, podendo chegar a mais de 20oC. A pluviosidade anual atinge entre 1500 e 1700mm, mas sua distribuição não é homogênea, pois há uma estação seca nos meses de junho, julho e agosto, com precipitação sempre inferior a 60mm. O mês de setembro marca a transição da estação seca para a úmida e no mês de maio ocorre a transição da estação úmida para a seca. Ocorrências de geadas no PNE são comuns durante o período de seca (Ibama, 1989; Ramos Neto, 2000). FIGURA 1 – Localização do Parque Nacional das Emas, GO.
28 No Parque predominam as fisionomias abertas da vegetação de cerrado. Estima-se que os campos limpos e campos sujos ocupem cerca de 75 a 80% de sua área. Eles ocorrem principalmente nos topos da chapada e são as principais fisionomias do Parque. As áreas de cerrado denso não excedem 15% do PNE, e o restante é ocupado por campos úmidos, veredas de buritis, campos de murunduns, floresta estacional e outras (Ramos Neto, 2000) (Figura 3). 1.21.2 1.21.2 1.2 Identificação de queimadas nas imagens Identificação de queimadas nas imagens Identificação de queimadas nas imagens Identificação de queimadas nas imagens Identificação de queimadas nas imagens LandsatLandsat LandsatLandsat Landsat As áreas queimadas no PNE foram mapeadas pela interpretação de imagens do satélite Landsat. Elas foram identificadas pelas “cicatrizes” deixadas pelo fogo que, no caso do PNE, podem ser de quatro tipos. O primeiro é encontrado logo após a queimada, quando uma camada de carvão e cinzas, resultante da combustão da vegetação, é depositada sobre o solo. Essa camada, quando rica em carvão, FIGURA 2 – O Parque Nacional das Emas, GO.
29 como é comum nas queimadas do PNE, tem a propriedade de absorver a radiação solar numa ampla faixa do espectro ótico e, portanto, de refleti-la muito pouco. Nessas condições, as queimadas são de fácil identificação nas imagens multi- espectrais obtidas na região do visível e do infravermelho próximo e médio (0,4 a 2,5 μ m), pois aparecem como manchas escuras que contrastam com a vegetação circundante não atingida pelo fogo (Figura 4). Porém, essa camada tem breve permanência sobre o solo, dificilmente ultrapassando algumas semanas, já que o vento e a chuva podem facilmente removê-la da superfície. O segundo tipo de cicatriz corresponde ao solo exposto, praticamente sem vegetação, cinzas ou carvão (Figura 5). A duração dessa cicatriz depende da velocidade da rebrota da vegetação. A nova camada de folhas vai, paulatinamente, recobrindo o solo e diminuindo sua reflectância espectral. Em geral, esse tipo de cicatriz também tem curta duração no Cerrado, da ordem de algumas semanas, pois a rebrota inicia-se alguns dias depois da queimada, mesmo na ausência de chuvas. FIGURA 3 – Vegetação do Parque Nacional das Emas, GO.
30 A terceira forma de identificação de áreas queimadas no cerrado é justamente pela vegetação que rebrota após a queimada (Figura 6). A nova cobertura é verde e viçosa e não tem folhas secas. Nas imagens, a camada de folhas jovens contrasta fortemente com a vegetação não queimada, geralmente com muitas folhas secas. Essa cicatriz de queimada é a de mais longa duração no PNE, e embora o contraste com a vegetação circundante diminua com o tempo, ela pode ser identificada durante um, dois e, às vezes, até três anos depois da queimada, desde que o local não seja atingido novamente pelo fogo. O quarto tipo de cicatriz resulta da temperatura da superfície. Áreas queimadas, desprovidas de cobertura vegetal, são mais quentes do que aquelas recobertas por vegetação. Esse contraste de temperatura é, em geral, evidenciado nas imagens termais do Landsat. Por isso, as cicatrizes de queimadas aparecem como manchas de tonalidade mais clara do que a da vegetação não queimada (Figura 7). A duração dessa cicatriz não é longa – da ordem de algumas semanas – pois ela vai desaparecendo com a rebrota da vegetação. Conforme uma nova camada de plantas vai recobrindo a superfície, a temperatura diminui e a cicatriz vai deixando de ser perceptível. FIGURA 4 – Queimadas recentes. Há uma camada de carvão e cinzas sobre o solo. FIGURA 5 – Solo exposto em decor- rência de queimada. A camada de cinzas e carvão foi parcialmente removida.
31 Esse trabalho foi realizado com a interpretação visual de 60 imagens Landsat, produzidas pelo INPE (Tabela 1) e digitalizadas em um Sistema de Informações Geográficas. As imagens do período 1973-1995 foram geradas em papel fotográfico e as demais, no formato digital. O mapeamento das queimadas do período 1973-1983 foi feito com 23 imagens do sensor MSS (Multi Spectral Scanner) a bordo dos satélites Landsat 1, 2 e 3, cuja resolução espacial é de 80m. A composição de bandas empregada em geral foi canal 4 (0,5-0,6 μ m), canal 5 (0,6-0,7 μ m) e canal 7 (0,8-1,1 μ m) nas cores azul, vermelho e verde, respectivamente. Porém, em muitas datas uma única banda estava disponível e, portanto, somente ela foi utilizada. Também foram empregadas três imagens pancromáticas do sensor RBV (Return Bean Vidicon) do Landsat-3, um imageador analógico tipo câmara de televisão, cujas imagens têm 40m de resolução espacial no intervalo espectral 0,5-0,75 μ m (Freden e Gordon 1983). Todas as imagens disponíveis no INPE relativas a esse período foram consultadas e a maioria utilizada. Tanto as imagens MSS como as RBV foram geradas na escala 1:250.000. A interpretação foi visual e os contornos das queimadas foram feitos em overlay, e posteriormente digitalizados. FIGURA 6 – Vegetação em rebrota após a queimada. Observar contraste com a vegetação seca, em volta. FIGURA 7 – Cicatrizes de queimadas na imagem termal. As tonalidades mais claras correspondem às tempe- raturas mais elevadas.
32 As 14 imagens do período 1984-1995 foram as do sensor TM (Thematic Mapper) a bordo do satélite Landsat-5, com 30m de resolução espacial. Foram utilizadas composições coloridas das bandas 3, 4 e 5 nos canais azul, verde e vermelho, respectivamente, na escala 1:100.000. O mapeamento das queimadas do período 1995-2003 foi feito com imagens digitais dos sensores TM e ETM (Enhanced Thematic Mapper ) a bordo dos satélites Landsat 5 e 7, respectivamente. Foram utilizadas as imagens das bandas 3 (0,63-0,69 μ m) , 4 (0,76-0,90 μ m), 5 (1,55-1,75 μ m), TABELA 1 – Imagens Landsat utilizadas no mapeamento das queimadas do Parque Nacional das Emas, GO.
33 6 (10,4-12,5 μ m) e 7 (2,08-2,35 μ m), tanto individualmente quanto em composições coloridas diversas. As composições mais utilizadas foram as das bandas 3, 4 e 5 nos canais azul, verde e vermelho, respectivamente. A resolução espacial dessas imagens é de 30m e a escala de trabalho foi de 1:50.000. A digitalização dos contornos das queimadas foi feita no monitor do computador. 1.31.3 1.31.3 1.3 O fogo no PO fogo no P O fogo no PO fogo no P O fogo no Parque Nacional das Emasarque Nacional das Emas arque Nacional das Emasarque Nacional das Emas arque Nacional das Emas A região onde hoje está o PNE provavelmente convive com o fogo há muito tempo, antes mesmo da ocupação humana. Estudos feitos em outras regiões do Brasil central mostraram abundância de partículas de carvão em sedimentos antigos associados à vegetação de Cerrado, algumas anteriores a 20.000 AP (Antes do Presente), evidenciando o longo convívio do Cerrado com o fogo (Vicentini e Laboriau, 1996; Laboriau et al., 1997). Numerosos sítios arqueológicos no sudoeste de Goiás, próximos ao PNE, indicam que a ocupação indígena iniciou-se por volta de 11.000 anos AP e permaneceu densa e ininterrupta até o século XVIII da nossa era, quando os descendentes de europeus e de escravos africanos se fixaram no local (Schmitz, 2003). Ainda não conhecemos bem como as queimadas da vegetação eram praticadas por esses antigos povoadores do Cerrado, mas sabemos que eram utilizadas na caça, uma das principais fontes de alimentação indígena. Datações de partículas de carvão que podem ser associadas à presença humana no Cerrado mostram que elas foram freqüentes entre 10.500 e 3.500 AP, (Vicentini e Laboriau, 1996; Laboriau et al., 1997). Muitas populações indígenas do Cerrado, sobreviventes à ocupação estrangeira, continuaram utilizando o fogo durante as caçadas e também para promover a frutificação de algumas espécies. Naturalistas europeus que viajaram pela Brasil Central na primeira metade do século XIX descreveram várias queimadas no Cerrado feitas por índios durante as caçadas (Phol, 1976; Silva, 1997). A colonização do Brasil central pelos europeus, escravos africanos e seus descendentes se consolidou no século XVIII, com a exploração do ouro e outros minérios preciosos. Ao mesmo tempo, a criação de gado bovino se expandiu e permaneceu como a mais importante atividade econômica do Cerrado até o presente (Ribeiro, 2003). A pecuária no Brasil central sempre foi praticada com a queima periódica das pastagens naturais do Cerrado (Aragão, 1990; França et al., 2004a), e na região do PNE não foi diferente. Portanto, é plausível considerar que a região do PNE convive com esse tipo de queimada há três séculos.
34 1.3.11.3.1 1.3.11.3.1 1.3.1 O fogo no manejo das pastagensO fogo no manejo das pastagens O fogo no manejo das pastagensO fogo no manejo das pastagens O fogo no manejo das pastagens O PNE foi criado em 1961 (Ibama, 1989), mas praticamente nada se sabe sobre as queimadas que nele ocorreram nas duas primeiras décadas de sua existência. Nenhuma documentação a esse respeito foi localizada no Ibama. As poucas informações existentes são esparsas e imprecisas e se restringem aos depoimentos de antigos funcionários do Parque e de fazendeiros da região. Eles mencionam a ocorrência de grandes queimadas de origem antrópica no PNE desde sua criação, mas não foi possível precisar datas, causas, localizações e extensões delas. Segundo as informações orais do Sr. Antônio Malheiros da Cruz, que trabalhou no PNE desde sua criação e foi chefe dessa unidade de 1984 a 1992, a regularização fundiária do Parque só foi concluída em 1984. Até essa data, ainda havia criação de gado no interior do PNE, cuja vegetação era utilizada como pastagem natural. As queimadas eram prática comum entre os fazendeiros que, dessa forma, promoviam a rebrota da vegetação que alimentava o gado. Essas queimadas eram feitas em etapas, ao longo da estação seca de cada ano, e abrangiam praticamente todo o Parque (França e Setzer, 1997). Nessa época, não havia rede de aceiros ou outras medidas para conter o fogo que, então, podia se propagar por extensas áreas no interior do PNE. Além disso, queimadas nas fazendas vizinhas adentravam as terras do Parque, porque, além dos rios, praticamente não havia barreiras para o fogo. A primeira imagem de satélite disponível recobrindo o Parque das Emas, é uma MSS Landsat de agosto de 1973. A partir dessa data, foi possível recuperar várias imagens que permitiram documentar a ocorrência de queimadas no PNE. Antes disso, porém, a inexistência de dados impossibilitou o mapeamento delas. Mas, apesar da falta de informações, pode-se supor que o regime de queimadas durante as duas primeiras décadas de existência do PNE tenha sido semelhante ao do período 1973-1983. Essa suposição apóia-se no fato de que as condições gerais do Parque, no que diz respeito às queimadas – presença de gado, manejo de pastagens com fogo, ausência de aceiros etc – permaneceram inalteradas desde sua criação até 1984. O período 1973-1983O período 1973-1983 O período 1973-1983O período 1973-1983 O período 1973-1983 Nesse período, predominaram queimadas antrópicas de grandes extensões. Elas ocorreram durante a estação seca para manejo das pastagens naturais. Áreas particularmente grandes foram queimadas em 1975 e 1978. Em 1975 as queimadas totalizaram 86% do Parque. Em 1978, um incêndio incontrolável atingiu todo o PNE durante os dias 19 e 20 de agosto, depois de uma geada, segundo depoimento do Sr. Malheiros. Infelizmente, não há imagens disponíveis documentando esse evento. Nos anos 1977 e 1980 mais da metade do PNE foi queimada, no mínimo. Em 1981, queimadas atingiram pelo menos 44% do Parque. Em relação a 1973, 1976 e 1982, a quantidade de imagens e suas datas não bastaram para mapear a
35 totalidade das queimadas. Nenhuma imagem de 1974 foi localizada e não foi possível delimitar as queimadas ocorridas nesse ano com base nas imagens de 1975. Ressalte-se que, em cerca de 50% das imagens do período 1973-1983, o extremo norte do Parque não foi abrangido. Dessa forma, as áreas queimadas desse período estão, com certeza, subestimadas (Tabela 2 e Figura 8). TABELA 2 – As estimativas de áreas queimadas no período 1973-1983 estão, em geral, subestimadas por motivos diversos como, por exemplo, número de imagens insuficiente e porção norte do Parque não abrangida nas imagens. Apesar da ausência de informações de campo e da baixa resolução das imagens MSS, foram identificadas oito queimadas cujas causas possivelmente foram naturais. Elas ocorreram no período de transição entre a estação seca e chuvosa ou na estação de chuvas de 1976, 1979 e 1981, e suas áreas não excederam 3km2. As Figuras de 9 a 18 mostram, ano a ano, as localizações das queimadas, porém sem individualizar diferentes eventos de queima. Nessas figuras, estão classificadas como “outras” as áreas não recobertas pelas imagens e aquelas nas quais não foram identificadas queimadas. Não se pode, portanto, afirmar que queimadas não ocorreram nessas áreas. Em 1973, por exemplo, apenas uma imagem – de 22 de agosto – estava disponível. Possivelmente, ocorreram outras queimadas nesse ano, depois dessa data mas, pela ausência de imagens dos meses seguintes, elas não puderam ser mapeadas. A resolução espacial dos dados MSS (80m), a escala de trabalho (1:250.000) e a impossibilidade de manipular o contraste das imagens, visto que elas foram produzidas em papel fotográfico, muitas vezes impediram a identificação e o mapeamento de pequenas queimadas, bem como a delimitação de faixas estreitas de mata ciliar não atingidas pelo fogo.
36 FIGURA 8 – Área queimada anualmente no Parque Nacional das Emas, GO, no período 1973- 1983. Obs.: Não há informações de 1974 e, para muitos anos, a área queimada está subestimada. FIGURA 9 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, em 1973.
37 FIGURA 10 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, em 1975. FIGURA 11 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, em 1976.
38 FIGURA 12 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, em 1977. FIGURA 13 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, em 1978.
39 FIGURA 14 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, em 1979. FIGURA 15 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, em 1980.
40 FIGURA 16 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, em 1981. FIGURA 17 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, em 1982.
41 A Tabela 3 e as Figuras 19 e 20, resultantes da sobreposição dos mapas anuais, mostram a recorrência mínima de queimadas no PNE no período 1973- 1983. FIGURA 18 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, em 1983. TABELA 3 – Recorrência de queimadas no período 1973-1983.
42 FIGURA 20 – Mapa de recorrência de queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, no período 1973-1983. FIGURA 19 – Recorrência de queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, no período 1973-1983.
43 1.3.21.3.2 1.3.21.3.2 1.3.2 Os grandes incêndiosOs grandes incêndios Os grandes incêndiosOs grandes incêndios Os grandes incêndios O Plano de Manejo do PNE de 1981 (IBDF/FBCN, 1981) previa o combate e a prevenção do fogo e, para isso, uma rede de aceiros começou a ser feita em 1984. Os aceiros são delimitados pelas estradas internas ao Parque e por uma faixa paralela a elas nas quais a vegetação é removida por gradeamento. A vegetação da faixa central é então, intencionalmente queimada. Esse conjunto atua como uma barreira à propagação do fogo, devido à redução dos materiais combustíveis. A implantação da malha de aceiros só foi concluída em 1987, totalizando 348km e dividindo o Parque em 20 blocos (Figura 2). Idealmente, a rede de aceiros deveria ter manutenção integral a cada ano, ou seja, os procedimentos de remoção da vegetação por gradeamento e queima deveriam ser anualmente refeitos no início da estação seca. Mas, na realidade, até 1994 essa meta nunca foi cumprida e a queima dos aceiros sempre foi parcial, conforme informações de funcionários do Parque. O Ibama também não dispõe de documentação mostrando a situação anual da manutenção dos aceiros nesse período. A queima intencional de pastagens no interior do Parque foi abolida em 1984 com a retirada definitiva do gado de seu interior. Com isso, a vegetação deixou de ser consumida pelo gado ou pelas queimadas controladas das pastagens. Como resultado, a fitomassa passou a aumentar ano a ano e as folhas secas, que não eram mais removidas pelo fogo, progressivamente se acumularam. Ao final de três anos, a quantidade de combustível disponível tornava-se crítica. Por outro lado, as medidas tomadas para evitar a entrada e a propagação do fogo não foram realmente efetivas. Estabeleceram-se então, condições propícias para os grandes e incontroláveis incêndios que passaram a ocorrer periodicamente – em intervalos de três anos – durante a estação seca. Em 1985 houve um incêndio de enormes proporções no PNE, atingindo, de uma única vez, quase 80% de sua área. Em 1988, 74% do Parque foi queimado em dois grandes incêndios durante a estação seca. Em 1991, outro grande incêndio atingiu, no mínimo, 76% do PNE. Finalmente, em 1994, um incêndio catastrófico atingiu praticamente 100% do Parque durante os meses de agosto e setembro. A presença de nuvens na imagem de 1994, no entanto, não permitiu visualizar todo o Parque e, por isso, a área queimada foi avaliada em 93% mas, com certeza, ela está subestimada (Tabela 4 e Figuras 21 a 32). O próprio Ibama considera que a ocorrência de 1994 abrangeu 100% do PNE. Todos esses grandes incêndios ocorreram na época seca e suas origens, segundo informações do Ibama e de funcionários do PNE, sempre foram antrópicas e externas ao Parque (França e Setzer, 1997). Nos intervalos entre os grandes incêndios ocorreram poucas queimadas, cujas áreas de abrangência não ultrapassaram 8% do PNE em 1986, 1989, 1990 e 1993. Todavia, em agosto 1992, um incêndio de origem antrópica e externa ao Parque atingiu 23% de sua área. Entretanto, como imagens do período novembro a março não estavam disponíveis, nem sempre foi possível avaliar a ocorrência de queimadas naturais
44 na maior parte das estações chuvosas, quando há maior incidência de raios. Exceção foi o ano de 1987, cujas imagens e informações constantes nos relatórios do PNE, permitiram mapear as queimadas originadas por raios entre os meses de setembro e dezembro. Nesses eventos naturais, 36% da área do Parque foi queimada. TABELA 4 – Área queimada anualmente no Parque Nacional das Emas, GO, no período 1984-1994. FIGURA 21 – Área queimada anualmente no Parque das Emas, GO, no período 1973-1983. Obs.: Notar a periodicidade dos grandes incêndios, a cada três anos, a partir de 1985.
45 FIGURA 22 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, em 1984. FIGURA 23 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, em 1985.
46 FIGURA 24 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, em 1986. FIGURA 25 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, em 1987.
47 FIGURA 26 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, em 1988. FIGURA 27 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, em 1989.
48 FIGURA 28 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, em 1990. FIGURA 29 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, em 1991.
49 FIGURA 30 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, em 1992. FIGURA 31 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, em 1993.
50 A Tabela 5 e as Figuras 33 e 34, resultantes da sobreposição dos mapas anuais, mostram a recorrência mínima de queimadas no PNE no período 1984- 1994. FIGURA 32 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, em 1994. TABELA 5 – Recorrência de queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, no período 1984-2003.
51 FIGURA 33 – Recorrência de queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, no período 1984-1994. FIGURA 34 – Mapa de recorrência de queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, no período 1984-1994.
52 1.31.3 1.31.3 1.3.3.3 .3.3 .3 As queimadas naturaisAs queimadas naturais As queimadas naturaisAs queimadas naturais As queimadas naturais O grande incêndio de 1994, bastante divulgado pela imprensa, teve repercussão muito negativa entre os segmentos da sociedade envolvidos com questões ambientais. A partir de então, houve uma mudança de conduta em relação ao fogo no PNE. A manutenção dos aceiros passou a ser feita integralmente a cada ano e essa técnica de manejo mostrou-se eficiente para impedir a entrada do fogo pelas terras vizinhas ao Parque. Além dos aceiros, outras medidas preventivas e de combate ao fogo foram adotadas pelo Ibama, incluindo a permanência de uma brigada de bombeiros no interior da reserva, durante o período da seca (Ramos Neto, 2000). Em 1998, uma ação civil pública movida pelo Instituto Socioambiental contra o Ibama exigiu providências efetivas de prevenção e controle de incêndios no PNE, bem como uma revisão em seu Plano de Manejo (Rocha, 2003). O conjunto de procedimentos adotados no Parque depois de 1994 praticamente eliminou a ocorrência de queimadas antrópicas, e não mais se assistiram aos grandes e incontroláveis incêndios do período anterior. De fato, desde o último grande incêndio em 1994, queimadas de origem antrópica tornaram-se raras no PNE, e, destas, a quase totalidade foi causada por acidentes, durante a queima dos aceiros. A entrada do fogo pelas propriedades vizinhas, tão comum até então, praticamente deixou de ocorrer entre novembro de 1994 e abril de 2003, quando termina o período de abrangência deste trabalho. Simultaneamente às medidas de prevenção ao fogo de origem antrópica, as queimadas no PNE passaram a ser monitoradas em campo e também por imagens orbitais. Pesquisas científicas feitas no PNE, particularmente a de Ramos Neto (2000), resultaram no registro e sistematização de informações sobre origem, data de ocorrência, duração, forma de extinção do fogo, localização e extensão das queimadas. Pela primeira vez, as queimadas naturais no Cerrado originadas por raios foram quantificadas, e sua importância ecológica avaliada. A maior disponibilidade de imagens para interpretação relativas ao período 1995-2003, somadas ao monitoramento no campo, permitiu fazer um mapeamento bastante completo e detalhado das queimadas nesse período. Ao contrário dos períodos anteriores, as áreas queimadas foram mais corretamente avaliadas, e as subestimativas possivelmente ficaram restritas aos casos em que o fogo adentrou áreas de florestas sem, no entanto, destruir o dossel. Nesses casos, é praticamente impossível identificar cicatrizes de queimadas. Deve-se também considerar a possibilidade de ocorrência de queimadas pequenas, de dimensões de até alguns pixels dos sensores TM e ETM (30m de resolução espacial). Elas podem não ter sido identificadas nas imagens.
53 Os intervalos anuais de observação foram modificados, passando a ter início em junho, no princípio da estação seca, e término em maio do ano seguinte. Dessa forma, cada estação de chuvas foi observada integralmente em cada ano. Nos nove anos que se seguiram ao incêndio de 1994, 144 queimadas foram constatadas nas imagens do PNE. Destas, 123 (85%) foram naturais e 21 (15%) antrópicas. Em relação à área de abrangência, as queimadas totalizaram 1.928km2 nesse período, dos quais 1.681km2 (87%) foram decorrentes de queimadas naturais. As queimadas antrópicas atingiram 247km2, correspondendo a 13% da área total queimada no período (Tabelas 6 e 7 e Figura 35). TABELA 6 – Número de polígonos e área das queimadas naturais e antrópicas no Parque Nacional das Emas, GO, no período 1994-2003. TABELA 7 – Área queimada no Parque Nacional das Emas, GO, no período novembro de 1994 a abril de 2003.
54 As Figuras de 36 a 43 mostram as queimadas mapeadas no período entre novembro de 1994 e abril de 2003, diferenciando-as quanto à origem antrópica ou natural. Entretanto, nem sempre é possível individualizar os polígonos de queimadas nas Figuras, pois alguns são muitos pequenos para a escala de apresentação. A área queimada em cada ano de observação nunca excedeu 39% do Parque, e quando consideradas somente as queimadas naturais, elas nunca excederam 30% do PNE (Tabela 6). As áreas queimadas naturalmente a cada ano aparentemente se estabilizaram entre 10 e 30% da área do PNE. Entretanto, o período de estudo deve ser estendido para verificar se esses valores permanecerão nesse intervalo. Em 1995 não foram registradas ocorrências de queimadas naturais. As únicas queimadas observadas nesse ano foram antrópicas, causadas por acidentes durante a queima dos aceiros. FIGURA 35 – Área queimada anualmente no Parque Nacional das Emas, GO, no período novembro de 1994 a abril de 2003. Obs.: O período 94/96 vai de novembro de 1994 a maio de 1996; os demais sempre se iniciam em junho e terminam em maio do ano seguinte.
55 FIGURA 36 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, entre novembro de 1994 e maio de 1996. FIGURA 37 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, entre junho de 1996 e maio de 1997.
56 FIGURA 38 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, entre junho de 1997 e maio de 1998. FIGURA 39 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, entre junho de 1998 e maio de 1999.
57 FIGURA 40 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, entre junho de 1999 e maio de 2000. FIGURA 41 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, entre junho de 2000 e maio de 2001.
58 FIGURA 42 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, entre junho de 2001 e maio de 2002. FIGURA 43 – Queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, entre junho de 2002 e abril de 2003.
59 Quase todas as queimadas ocasionadas por raios ocorrem no período chuvoso, de outubro a abril, ou no de transição entre as estações chuvosa e seca, nos meses de maio e setembro. No período da estiagem, quando a vegetação encontra-se seca e as condições de propagação do fogo são maiores, queimadas naturais são raras devido à ausência de tempestades de raio (Ramos Neto, 2000). Por outro lado, todas as queimadas antrópicas ocorreram durante a seca (Tabela 8). TABELA 8 – Estação de ocorrência das queimadas. Em geral as tempestades de raios são seguidas por chuva, e por isso muitas queimadas naturais são extintas logo após seu início. Nesses casos, o tamanho final dessas queimadas não excede algumas dezenas ou centenas de metros quadrados. Das 123 queimadas naturais registradas no período de estudo 1995- 2003, praticamente a metade foi inferior a 1km2 e a soma de suas áreas foi de cerca de 17km2, equivalente a 1% da área total das queimadas naturais (Tabela 9 e Figura 35). Conforme comentado anteriormente, é possível que muitas queimadas naturais de pequenas dimensões não tenham sido identificadas devido à resolução espacial de 30m das imagens TM e ETM/Landsat e à escala de trabalho empregada (1:50.000). Entretanto, em alguns eventos, as queimadas naturais não são acompanhas por chuvas e podem atingir grandes dimensões, superiores a 100km2, como ocorreu em 1997, 1999 e 2001.
60 O tamanho final das queimadas naturais no PNE nem sempre é determinado por causas naturais como a chuva ou a presença de rios que impedem a propagação do fogo. Freqüentemente são os aceiros e estradas que atuam como barreiras ao avanço das queimadas, ou mesmo o combate ao fogo, conforme conduta adotada pelo Ibama nesse período. Ao contrário do período anterior, quando os grandes incêndios deixavam a quase totalidade do Parque homogênea quanto ao estágio de desenvolvimento TABELA 9 – Dimensões das queimadas naturais no período de novembro de 1994 a abril de 2003. FIGURA 44 – Intervalos de tamanho das queimadas naturais ocorridas no período de novembro de 1994 a abril de 2003.
61 TABELA 10 – Recorrência de queimadas no período de novembro de 1994 a abril de 2003. FIGURA 45 – Recorrência de queimadas no período de novembro de 1994 a abril de 2003. da vegetação e biomassa acumulada, o novo regime de queimadas criou um verdadeiro mosaico na cobertura vegetal do Parque. As queimadas naturais, de tamanhos, datas e localizações variadas, resultaram em áreas com diferentes densidades de biomassa e fases fenológicas. Áreas recém queimadas não atingiram densidade de biomassa suficiente para propagação do fogo, agindo como barreira para queimadas vizinhas (Ramos Neto, 2000). No período novembro de 1994 a abril de 2003, cerca de 85% do PNE foi queimado pelo menos uma vez (Tabela 10 e Figura 45). A sobreposição de todos as áreas queimadas nesse período mostra o mosaico da cobertura vegetal em relação à freqüência de queimas (Figura 46).
62 De maneira semelhante, o mosaico da vegetação pode ser mapeado em relação ao número de anos sem queima (Tabela 11 e Figuras 47 e 48). Essa informação é muito importante para prever o risco de queimadas futuras. É possível, por exemplo, localizar as áreas que não foram atingidas por fogo há mais tempo e que, portanto, devem ter acumulado maior biomassa combustível, tornando-se mais suscetíveis ao fogo. Inversamente, as regiões recentemente queimadas têm menor risco de queimar novamente. Essa não é a única informação necessária para estimar o risco de fogo – tipos de vegetação, proximidade de fontes antrópicas, entre outras, também devem ser considerados – mas é uma das mais importantes. FIGURA 46 – Mapa de recorrência de queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, no período novembro de 1994 a abril de 2003.
63 TABELA 11 – Área e tempo decorrido desde a última queimada no Parque Nacional das Emas, GO. Obs: Tempo contado retroativamente desde abril de 2003. FIGURA 47 – Área e tempo decorrido desde a última queimada no Parque Nacional das Emas, GO. Obs: Tempo contado retroativamente desde abril de 2003.
64 1.3.41.3.4 1.3.41.3.4 1.3.4 Recorrências de queimadas no período 1973-2003Recorrências de queimadas no período 1973-2003 Recorrências de queimadas no período 1973-2003Recorrências de queimadas no período 1973-2003 Recorrências de queimadas no período 1973-2003 A sobreposição de todos os mapas de queimadas do período de 1973 a 2003 mostra áreas com altíssima freqüência de queimadas – 17 ou 18 queimadas em 30 anos – e revela que 62 % do PNE já queimou no mínimo entre 9 e 12 vezes nesse período. Ressalte-se novamente, que esses valores estão subestimados, principalmente nos anos anteriores a 1984, devido à insuficiência de imagens (Tabela 12 e Figuras 49 e 50). 1.41.4 1.41.4 1.4 PP PP Perspectivas de pesquisaserspectivas de pesquisas erspectivas de pesquisaserspectivas de pesquisas erspectivas de pesquisas O mapeamento das queimadas no PNE do período posterior a abril/2003 está sendo feito com a interpretação de imagens do satélite sino-brasileiro CBERS (China-Brazil Earth Resources Satellite). No Brasil, desde junho de 2004, o livre acesso às imagens desse satélite, cujo sensor CCD (Câmara Imageadora de Alta Resolução) fornece dados com 20m de resolução espacial, FIGURA 48 – Tempo decorrido desde a última queimada.
65 introduziu novas perspectivas de pesquisa ambientais no Brasil. Desde então, o monitoramento das queimadas do Parque não está mais necessariamente restrito às instituições governamentais de pesquisa, nem condicionado ao apoio de agências financiadoras. Outros pesquisadores, estudantes, ONGs e demais interessados podem agora, com bastante facilidade, monitorar qualquer unidade de conservação no Brasil, inclusive o PNE e suas queimadas. TABELA 12 – Recorrência de queimadas no período 1973 a 2003. FIGURA 49 – Recorrência de queimadas no período 1973 a 2003.
66 No período anterior a 1984, o mapeamento das queimadas aqui apresentado foi limitado às poucas imagens MSS disponíveis, pois naquela ocasião, o arquivo digital estava inacessível. Por isso, o mapeamento de queimadas nesse período certamente não foi completo. Entretanto, a recuperação das imagens digitais MSS Landsat do período 1973-1984, que está sendo conduzida pelo INPE, possibilitará complementar o mapeamento e melhor caracterizar o regime de queimadas no PNE nesse período. A exemplo das imagens CBERS, o livre acesso às imagens MSS, bem como às imagens TM-Landsat do período 1984-2001, previsto para breve, permitirá que o trabalho aqui apresentado seja completado e eventualmente corrigido por outros interessados. O Brasil possui uma rede de detecção de descargas elétricas, a RINDAT (Rede Integrada Nacional de Detecção de Descargas Atmosféricas) já implantada e em funcionamento. Essa rede, ainda em expansão, passou a recobrir o PNE desde o final de 2002. Entretanto a eficiência de detecção e a acurácia de localização das descargas nuvem-solo na região do Parque ainda não estão suficientemente adequadas para caracterizar o regime de raios e identificar os eventos causadores de queimadas naturais nessa área (Naccarato FIGURA 50 – Recorrência de queimadas no Parque Nacional das Emas, GO, no período 1973 a 2003.
67 et al., 2004). Apesar disso, alguns estudos preliminares utilizando os dados da RINDAT já estão sendo conduzidos e indicam que importantes contribuições aos estudos das queimadas naturais deverão ocorrer em breve (França et al., 2004b; França et al., 2004c). A instalação de outros detectores de raios na região do PNE está prevista para breve e, quando isso ocorrer, a eficiência de detecção deve se tornar superior a 90% e a localização das descargas no solo será mais acurada, com erro inferior a 500m, como já ocorre em outras regiões do país. Esses dados introduzem novas e promissoras expectativas na caracterização do regime de raios e queimadas naturais no PNE. Estudos e mapeamentos históricos de queimadas poderão também ser feitos em outros Parques e unidades de conservação do Brasil, contribuindo para o melhor entendimento dos regimes de queimadas, efeitos e manejo do fogo no Cerrado.
71 2.12.1 2.12.1 2.1 IntroduçãoIntrodução IntroduçãoIntrodução Introdução O fogo e sua ocorrência em áreas naturais protegidas é um dos temas mais polêmicos quando se trata de Cerrado. Apesar de reconhecido como evento natural ou parte da dinâmica do Cerrado, tanto por técnicos como por cientistas (Pivello, 1992; Miranda et al., 2002), sua aceitação dentro de unidades de conservação está longe de chegar a um consenso. Assumindo uma posição de proteção, o manejo realizado em nossas unidades de conservação de Cerrado segue uma forte orientação para a exclusão do fogo, desconsiderando características locais ou possíveis serviços que uma queima possa promover. Por ser uma ferramenta importante para o ser humano, o fogo tem aumentado de freqüência nos últimos milhares de anos, além de haver alcançado ambientes com menor probabilidade de queima, como as florestas tropicais e equatoriais (Goldammer e Crutzen, 1993). Apesar da ocorrência do fogo estar atualmente relacionada à expansão da ocupação humana, muitas comunidades vegetais naturais já conviviam com ele antes da presença humana, pois o homem não é o único responsável pelo fogo (Goldammer 1993). Causas naturais são conhecidas, como descargas elétricas (raios) e vulcanismo. Como o vulcanismo é restrito a algumas áreas do planeta, descargas elétricas são os principais iniciadores naturais de fogo (Komarek, 1972). Pinto Jr. e Pinto (2000) indicam que entre 50 e 100 raios da nuvem para o solo ocorrem no mundo a cada segundo. A importância das descargas elétricas como iniciadoras de queimadas determinou a criação de sistemas de detecção de relâmpagos (Brookhouse, 1999), como o “Lightning-Location and Fire Forecasting System” (Knapp, 1995), e modelos empíricos de previsão de fogo considerando a freqüência de raios, como os apresentados por Price e Rind (1994). Mesmo sendo um evento com um potencial devastador, há muitos anos o fogo deixou de ser visto apenas como um agente destruidor da natureza. As principais publicações acadêmicas que abordam a ecologia do fogo aceitam- no como evento natural para muitas comunidades (Gill et al., 1981; Chandler et al., 1983; Booysen e Tainton, 1984; Frost e Robertson, 1987; Trabaud, 1987; Collins, 1990; Goldammer, 1990; Crutzen e Goldammer, 1993; Whelan, 1995; Pyne et al. 1996). Registros indiretos em carvão fóssil indicam fogo em idades anteriores à existência do homem primitivo (Coutinho, 1981; Komarek, 1972). No entanto, apesar das evidências, sempre existiu resistência em aceitar a ocorrência de queimadas naturais nos cerrados (Pivello, 1992), como no caso do primeiro Plano de Manejo do Parque Nacional das Emas, em que se afirma que queimadas naturais são eventos raros ou ausentes nos cerrados (IBDF/ FBCN, 1981). Komarek (1964, 1968 e 1972) realizou os primeiros estudos detalhados sobre descargas elétricas e queimadas naturais. No entanto, sem a utilização de equipamentos de detecção de relâmpagos, queimadas naturais são de difícil confirmação. Na ausência destes equipamentos, apenas os registros em áreas
72 remotas, sem a presença humana, são capazes de indicar queimadas naturais. Análises de imagens de satélite em áreas remotas ou protegidas, como o Parque Nacional das Emas, indicam a ocorrência de fogo provocado por raios (França e Setzer, 1997); os primeiros registros in loco nos cerrados para queimadas naturais, provocados por raios, foram também feitos no Parque Nacional das Emas (PNE) em 1996-97 (Ramos Neto, 1997). Cabe ressaltar que não é o fato de o fogo ocorrer naturalmente num determinado ambiente que faz com que todo e qualquer fogo natural seja “desejado”. O fogo deve ser compreendido como um evento com efeitos ecológicos extremamente complexos, determinado por fatores históricos, características demográficas e fenológicas das populações e das dinâmicas de nutrientes e água, além das características físicas do ambiente (Whelan, 1995). Desde a primeira metade do século XIX, naturalistas perceberam a importância do fogo para a vegetação do Brasil Central (Saint-Hilaire 1824, 1847; Löefgren, 1898; Warming, 1908). Estudos botânicos e ecológicos sobre os cerrados se iniciaram na década de 40, com pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP). O Professor Leopoldo Magno Coutinho, da Universidade de São Paulo, e seus colaboradores constituíram, até a década de 80, o principal grupo nos estudos do fogo em cerrados, sendo que, na década de 90, a Universidade de Brasília se destacou como o principal centro de pesquisa sobre o tema. São também importantes as pesquisas realizadas pela Embrapa-CPAC (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Centro de Pesquisa Agropecuária do Cerrado), INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Pesquisas sobre adaptações de plantas aos efeitos do fogo (Rachid- Edwards, 1956; Guedes, 1993), sobre os efeitos do fogo na fenologia (Coutinho, 1976), dinâmica de nutrientes e produção primária (Batmanian, 1983; Coutinho et al., 1982; Cavalcanti, 1978; Pivello-Pompeia, 1985; Meirelles e Henriques, 1992; Sambuichi, 1991), efeitos sobre a dinâmica populacional (Rosa, 1990, Armando, 1994; Sato, 1996), e a descrição do comportamento do fogo (Cesar, 1980; Coutinho, 1976, 1978; Dias, 1994; Miranda et al., 1993) estão entre as principais linhas de estudos sobre o fogo nos cerrados. Faltam, no entanto, estudos voltados ao manejo do fogo para a conservação, como apontado por Pivello, 1992 e Pivello e Norton, 1996. É importante ressaltar que a maioria dos trabalhos realizados sobre o fogo no Brasil concentra-se em regiões com índices pluviométricos inferiores aos encontrados na região do Parque Nacional das Emas (GO). A região de Brasília, na área nuclear do Cerrado, é a maior geradora de informações sobre o fogo e os cerrados. Outra área importante se localiza fora da área nuclear, em Pirassununga, SP, cujos trabalhos se iniciaram na década de 40 e continuaram até o início da década de 90. Estas duas áreas apresentam características climáticas distintas daquelas encontradas no Parque Nacional das Emas.
73 Sabe-se que a variação das condições climáticas pode alterar regimes de queima. Além disso, pelas características dos cerrados, áreas geográficas distintas apresentam comunidades vegetais distintas. Estas diferenças que encontramos nos cerrados aumentam o risco de erros na extrapolação dos resultados obtidos numa área particular. No caso de áreas de conservação, os resultados obtidos em outras áreas servem de guia para o manejo, mas devem sempre existir estudos locais para a identificação de respostas específicas da área. O fogo sempre foi considerado como uma das principais fontes de impacto no Parque Nacional das Emas (Redford, 1984). Isto decorre, em grande parte, dos grandes e incontroláveis incêndios que ocorriam aproximadamente a cada três anos até 1994. Estes incêndios cíclicos atingiam grandes extensões do Parque (mais de 70% da área) (Coutinho, 1990; França e Setzer, 1997, ver Capítulo 1), com grande velocidade de propagação e intensidade. Por suas características, estes incêndios eram muitas vezes letais a animais de grande porte (Silveira et al., 1996). Apesar da importância do fogo, poucas informações sobre suas ocorrências e conseqüências estão disponíveis. Os únicos registros sistemáticos de queimadas no Parque são os apresentados por França & Setzer (1997), abrangendo o período de 1973 a 1995, e o de Ramos Neto (2000), abrangendo o período de 1995 a 1999. Além destes trabalhos, existem algumas informações e registros provenientes de antigos funcionários e fazendeiros locais, e novos mapeamentos vêm sendo executados pela Oréades Núcleo de Geoprocessamento em trabalhos do Projeto Corredor Cerrado Pantanal. 2.22.2 2.22.2 2.2 Histórico das ocorrências do fogoHistórico das ocorrências do fogo Histórico das ocorrências do fogoHistórico das ocorrências do fogo Histórico das ocorrências do fogo O regime de queima é o conjunto de características históricas das queimadas, determinado pela freqüência, intensidade, tamanho e época de ocorrência das queimadas. A caracterização de um regime de queima é sempre feita com base na análise de uma série temporal. À medida que a série temporal é aumentada, consegue-se identificar variações periódicas ou alterações no regime de queima. No entanto, quando evidências pretéritas são utilizadas na determinação do regime, quanto mais antigos os eventos, mais a qualidade da informação tende a decrescer. Considerações indiretas, utilizando cicatrizes de queima e anéis de crescimento em árvores, depósitos de carvão ou pólen, muitas vezes, apenas sugerem presença de fogo no passado, sem necessariamente caracterizar regimes. Existe muita discussão se regimes de queima pretéritos, podem ser considerados regimes naturais, e se regimes atuais são necessariamente antropogênicos (Whelan, 1995). Muntch (1980) lista vários fatores que limitam a utilização de históricos de queima muito longos na determinação de regimes de queima, enquanto que Sprugel (1991) considera que a busca do regime natural de queima geralmente traz resultados questionáveis.
74 Para o Parque Nacional das Emas, pode-se identificar ou supor períodos com características diferentes de queima. A partir de uma cronologia inversa, 1994 marca o término de um ciclo que se iniciou na década de 80, no qual os incêndios catastróficos na estação seca, com recorrência a cada três anos, era a ocorrência mais marcante. Além destas, queimadas naturais continuavam a acontecer, mas não de forma suficiente para quebrar o sincronismo dos grandes incêndios. Como apresentado no Capítulo 1, este período foi bem caracterizado por França e Setzer (1997). Anteriormente à década de 80, segundo relatos de fazendeiros e antigos funcionários, parte do Parque era utilizada como pastagem para o gado. Assim, determinadas áreas eram anualmente queimadas durante a estação seca. Como não havia aceiros nem a preocupação de se conter as queimadas, elas atingiam extensas áreas. No entanto, como se tratavam de queimadas anuais, a intensidade não era tão grande, pois não havia tempo para o acúmulo de grande quantidade de fitomassa combustível. França e Setzer (1997) apresentam as áreas queimadas neste período a partir de 1973. Antes da utilização da área por fazendeiros, esta foi, possivelmente, utilizada por índios (Barbosa et al. 1994). É reconhecido o uso do fogo por populações indígenas na região, principalmente para favorecer a caça ou a frutificação de determinadas espécies. Antes dos índios, o fogo possivelmente queimava num “regime natural”, sem a interferência humana, mas isto ocorreu a milhares de anos atrás, quando o clima, a vegetação e a fauna eram outros. Após 1994, com a melhoria das condutas preventivas contra as grandes queimadas, estabeleceu-se um novo regime de queima. O regime atual é caracterizado pela baixa ocorrência de queimadas antropogênicas durante a estação seca e a alta incidência de queimadas naturais durante a transição e a estação úmida. A área média queimada anualmente está em torno de 19.000 ha (desvio padrão de 13.000 ha), determinando um intervalo de queima médio (período estimado de recorrência) de cerca de seis a sete anos. O componente sazonal influencia as queimadas, sendo necessário caracterizá-las de maneira distinta durante a seca, transição e período úmido. O tamanho das áreas queimadas varia conforme a época da queima. Durante a estação úmida existe a maior variação de tamanho, predominando áreas queimadas menores, enquanto que durante a transição, principalmente setembro, as áreas queimadas tendem a ser maiores. As intensidades do fogo se apresentam maiores durante o período de transição e seco, e menores durante o período úmido. A principal característica do regime aqui descrito é a importância das queimadas naturais provocadas por raio. Apesar da comunidade científica aceitar a ocorrência de queimadas naturais (Warming, 1908; Komarek, 1972; Coutinho 1980 e 1990; Tutin et al., 1996; Middleton et al., 1997), registros com localizações precisas e área queimada não estão disponíveis para o Cerrado.
75 Na maioria das áreas naturais protegidas, mesmo onde existe um certo controle das ocorrências de fogo, as queimadas antropogênicas são muito mais freqüentes que as naturais, muitas vezes iniciadas em áreas vizinhas (Pivello e Coutinho, 1992). A atual baixa freqüência de queimadas antropogênicas na área de estudo pode ser explicada pela presença de aceiros preventivos, mantidos em razoáveis condições, principalmente nos limites do Parque. A queima anual durante as estações secas, que vem sendo executada desde 1995, tornam os aceiros barreiras efetivas para o deslocamento das frentes de fogo, fato evidenciado pela alta freqüência de queimadas que foram, pelo menos parcialmente, contidas pelos aceiros. Outra razão é a mudança nos usos das terras fora dos limites do Parque. Nas culturas mecanizadas, presentes em boa parte das fazendas vizinhas ao Parque, não se utilizam queimadas. Além disso, um programa de educação, ainda que incipiente, orienta os proprietários vizinhos quanto aos riscos do uso do fogo no manejo de suas áreas. A orientação dos visitantes também é importante para evitar queimadas acidentais, e a presença de condutores treinados para acompanhar os turistas no Parque foi fundamental neste trabalho. Por último, uma brigada de combate permanece de prontidão durante a estação seca, para atuar contra qualquer foco de fogo que ponha o Parque em risco. Com o aumento da proteção durante o período seco, fica evidenciada a importância das queimadas naturais provocadas por raios, principalmente durante o período úmido. Na ausência de queimadas antropogênicas, os combustíveis acumulados podem queimar, desde que existam iniciadores (raios) e condições climáticas adequadas. Para Schüle (1990), a freqüência de fogo natural está condicionada à presença de sazonalidade climática, tempestade de raios e ao grande acúmulo de biomassa. Na área do Parque, entre 1995 e 2003, não foram observadas tempestades de raio durante os meses de seca (junho a agosto), sendo que estas começam a ocorrer na região a partir de setembro e se mantêm presentes até maio, ocorrendo em maior freqüência durante os meses de setembro a fevereiro. Whelan (1995), lembra que as tempestades de raios, principais responsáveis pelas descargas elétricas, não ocorrem de forma homogênea sobre a superfície da Terra e mesmo a alta incidência de raios não corresponde necessariamente a muitos focos de incêndios, pois nem todos raios que chegam ao chão provocam queimadas. Em nenhum dos períodos estudados foi encontrada uma correlação significativa entre a área queimada e o intervalo de queima no Parque Nacional das Emas. Este resultado é contrário ao encontrado por Li et al. (1999), onde a distribuição natural de tamanho das queimadas em florestas pode ser estimada quando o intervalo de queima de uma paisagem é conhecido, utilizando a distribuição de probabilidade exponencial negativa.
76 Segundo as observações entre 1995 e 1999, apesar da maior incidência de queimadas naturais em fevereiro, a área total queimada acumulada nesse mês (1.321ha) foi relativamente pequena, em contraste com o mês de setembro, que apresentou a maior área queimada acumulada (24.020ha). Queimadas de grandes dimensões em setembro estão relacionadas, além das condições meteorológicas, ao estado da vegetação. A maior incidência de focos de incêndio deve ser conseqüência do número de raios que atinge a vegetação, enquanto que as dimensões das áreas queimadas devem estar associadas às condições climáticas e ao estado da vegetação. Este padrão de queimadas no período de transição da estação seca para a úmida também foi observado por Soares (1989). Komarec (1972) identificou este mesmo padrão nas savanas africanas, dando a denominação de “persistência de padrões climáticos”. TABELA 13 – Regimes de queima no Parque Nacional das Emas, GO.
77 2.32.3 2.32.3 2.3 Características do fogo e das comunidades vegetaisCaracterísticas do fogo e das comunidades vegetais Características do fogo e das comunidades vegetaisCaracterísticas do fogo e das comunidades vegetais Características do fogo e das comunidades vegetais As comunidades vegetais no Parque Nacional das Emas apresentam características que evidenciam sua história de queimadas freqüentes, com o predomínio de fisionomias abertas, presença de árvores mortas com severas marcas de queima e ausência de espécies sensíveis. Pela falta de registros históricos detalhados da flora do Parque, não é possível determinar de maneira precisa quais mudanças ocorreram na vegetação nas últimas décadas. Suspeita- se que a alta freqüência de queimadas já tenha eliminado as espécies mais sensíveis a queimadas de grande intensidade como, por exemplo, as pertencentes à família das velosiáceas. Este grupo está praticamente ausente da área do Parque, mas ocorre em áreas adjacentes. No Parque Nacional das Emas é possível separar dois tipos de resposta da vegetação ao fogo: um tipo de resposta é a encontrada em áreas de cerrado e áreas abertas úmidas e outro tipo é o apresentado pelas florestas. De modo geral, queimadas nos cerrados e áreas úmidas abertas (campo úmido, campo de murundus, brejos e, em menor grau, buritizais) apresentam como resposta uma rápida reposição de fitomassa e alterações fenológicas, como o sincronismo ou picos de floração. Pelo longo histórico de queima, estas áreas apresentam comunidades bem resilientes ao fogo. As características ambientais da época da queima e a intensidade do fogo podem determinar diferentes respostas. Não existem dados disponíveis sobre os efeitos da freqüência de queima, mas é esperado que diferentes freqüências determinem respostas diferentes. A característica mais importante dos cerrados do Parque Nacional das Emas diz respeito à dominância, ou não, do capim-flecha (Tristachya leiostachya Ness). Essa gramínea, pelas suas características fenológicas e alta densidade, tem a capacidade de tornar o ambiente mais suscetível à ocorrência de uma queimada. Esta espécie, ao mesmo tempo, parece favorecer-se com o fogo, pois existe um aumento do tamanho de sua touceira após a queima. Deste modo, a presença desta espécie, poderia controlar grandes fluxos de energia, podendo ser classificada como espécie engenheira (senso Lawton, 1994). Estas características colocam o capim-flecha no centro das atenções, sendo necessários aprofundamentos a respeito de sua biologia na área do Parque. O conhecimento do comportamento do capim-flecha e as suas relações com as outras espécies é indispensável para a elaboração de um manejo adequado. O comportamento extremamente agressivo desta espécie, caracterizado pela sua grande dominância, lembra o comportamento de espécies invasoras, podendo ser esta dominância, fruto de sua expansão, decorrente de distúrbios pretéritos ocorridos na área. Cabe lembrar que o aumento do risco de queima determinado pelo acúmulo de biomassa de capim-flecha pode diminuir o sucesso no estabelecimento de plântulas de elementos arbóreos, trazendo conseqüências na reposição das árvores mortas (Miranda et al., 2002).
78 No caso das florestas do Parque Nacional das Emas, o comportamento é muito distinto do observado acima. Tanto as florestas ciliares, como as florestas estacionais presentes no Parque são compostas por espécies sensíveis à queima. De forma geral, durante as queimadas apenas as bordas das florestas são atingidas, podendo até matar as espécies mais sensíveis. Redford (1984) chama a atenção para as queimadas que atingem as matas ciliares e provocam sua retração, o que é verdadeiro também para as florestas estacionais. O fogo atingiu o interior das florestas em poucas oportunidades, sendo a queimada de 1994 uma das mais graves neste aspecto. Após esta queimada, o sub-bosque foi eliminado em muitas áreas de floresta e árvores de grande porte foram mortas, depois de terem a base dos troncos queimada. Por ter uma pequena representação em área, as áreas florestadas, principalmente as de floresta estacional semidecidual, receberam pouca atenção em relação ao acompanhamento dos efeitos das queimadas. Apesar de a área ser relativamente pequena, as florestas no Parque Nacional das Emas, e nos cerrados de forma geral, apresentam importante papel para a fauna (Redford e Fonseca, 1986). Assim, os efeitos deletérios das queimadas sobre estas formações podem ter uma dimensão extremamente maior, quando comparados com a sua área. Além das comunidades nativas do Parque, o fogo age sobre comunidades em processo de invasão por espécies exóticas. Aparentemente, o estabelecimento das espécies invasoras está mais ligado às práticas de manutenção de aceiros do que os efeitos do fogo. A localização de espécies invasoras no Parque está diretamente relacionada às áreas gradeadas dos aceiros, e não às áreas com grande freqüência de queima. De qualquer forma, estas espécies exóticas, principalmente a braquiária (Brachiaria spp.) e o capim- gordura (Melinis minutiflora) representam um perigo potencial para a diversidade do Parque (Coutinho, 1990). Klink (1996) ressalta que gramíneas africanas, pela sua capacidade de colonização de áreas perturbadas, são as mais agressivas invasoras dos cerrados. No entanto, o sucesso da invasão depende do tipo de manejo aplicado, já que em áreas não perturbadas estas espécies parecem não deslocar as nativas. Conforme o apresentado, as relações entre o fogo e a vegetação são complexas, existindo diferentes respostas conforme a época da queima ou características das comunidades. A principal particularidade do regime de fogo no Parque Nacional das Emas é que, até 1994, existia um regime determinado por incêndios durante a época seca, de causas antropogênicas e outro de ocorrência no período mais úmido, de causas naturais. Estes dois tipos de fogo apresentam comportamentos diferentes e ocorrem em diferentes situações climáticas, por conseqüência, determinam diferentes respostas das comunidades. As queimadas antropogênicas caracterizam-se por ocorrer durante a estação seca, com uma freqüência de queima dependente do grau de proteção da área. Este “regime” é considerado predominante para os cerrados (Mistry, 1998), principalmente pelo fato de queimadas antropogênicas se adiantarem às queimadas naturais, que, teoricamente, ocorrem em menor freqüência (Coutinho,
79 1990). No Parque, com a proteção eficiente contra queimadas antropogênicas, fica evidente a importância das queimadas naturais durante os meses mais úmidos. Mais importante que a presença destas queimadas são as diferenças nas respostas das comunidades vegetais em queimadas durante os meses mais úmidos. Este fato abre novas questões e oportunidades de pesquisa em relação à ecologia do fogo nos cerrados. A aceitação do regime antropogênico como “adequado” ou “esperado” para os cerrados é muito mais decorrente da extensão, intensidade e persistência das queimadas de origem humana durante a estação seca, do que de qualquer análise lógica baseada nas possibilidades e probabilidade de queimadas naturais. Pelo menos para o Parque Nacional das Emas, queimadas naturais durante a estação seca são eventos raros. No período de 1995 a 2004 ocorreu apenas uma tempestade de raio durante a estação seca, mesmo assim sem causar nenhum foco de incêndio. O maior problema relacionado à aceitação generalizada de um regime de queima durante a estação seca é o fato da maioria das informações científicas disponíveis sobre a resposta da vegetação e da fauna do cerrado ao fogo advirem das queimadas de junho a agosto e, em muito menor proporção, setembro, o qual em muitas áreas de Cerrado ainda é um mês seco. Assim, quase todo nosso conhecimento sobre a ecologia do fogo para os cerrados é baseado em queimadas que nada tem a ver com padrões naturais. Este problema é grave para áreas onde o objetivo principal é a conservação, buscando a diminuição de influências antropogênicas externas. 2.42.4 2.42.4 2.4 Características pós-queimaCaracterísticas pós-queima Características pós-queimaCaracterísticas pós-queima Características pós-queima As condições pós-queima e as características dos organismos de uma área são os principais determinantes da dinâmica de recuperação da vegetação após a queima, superando mesmo as características do próprio evento de queima, tais como intensidade e tempo de residência (Frost e Robertson, 1987). Onde o fogo é um distúrbio freqüente, o processo de recuperação é condicionado, principalmente, pelos mecanismos de resposta da vegetação e condições ambientais subseqüentes, principalmente associadas ao ciclo hidrológico (Cook e Mordelet, 1997). No caso dos ciclos hidrológicos determinarem os padrões de resposta da vegetação, o mecanismo envolvido é chamado “determinismo ambiental” pelos autores supra citados. Quando o que determina as respostas da vegetação ao padrão de queima é a importância relativa de vários grupos funcionais de plantas, os mesmos autores chamam o mecanismo de “precedente biogeográfico”. Nas savanas, em geral, o condicionante ambiental da resposta da vegetação está fortemente ligado à sazonalidade e às quantidades de chuva (determinismo ambiental). Para os cerrados, as estações secas variam em extensão, conforme a região, concentradas em um único período.
80 Nos cerrados, a maioria dos vegetais apresenta algum mecanismo de proteção, evitação ou resiliência contra os efeitos do fogo (Coutinho, 1990). Deste modo, em áreas em que o fogo é um evento recorrente, espera-se que, após a queima, a grande maioria dos organismos permaneça na área. Os mecanismos de proteção mais comuns para o componente arbóreo são, principalmente, associados ao aumento do isolamento térmico decorrente da suberização dos troncos. Gemas também podem estar protegidas através de catafilos. Pelo fato das queimadas em cerrado serem predominantemente de superfície, o componente herbáceo/arbustivo é o mais intensamente atingido durante a passagem do fogo. Os valores de porcentagem de combustão deste componente chegam a mais de 90% da fitomassa (Kauffman et al., 1994; Miranda et al., 1996; Miranda et al., 2002), sendo os mecanismos diretos de proteção contra a queima menos eficientes. Predominam, então, mecanismos para evitar a queima, principalmente por meio da proteção de gemas abaixo da superfície, e mecanismos de rápida recuperação para a ocupação dos espaços abertos, bem como do aproveitamento do curto aporte de nutrientes logo após a queima. Outro mecanismo é o sincronismo da floração ou germinação associados à queima, estratégia que favorece a ocupação de espaços abertos após o fogo. Como a recuperação da vegetação implica em incremento de fitomassa, com o passar do tempo existe uma tendência ao acúmulo de material combustível. Existindo um iniciador (raio ou o homem) e condições meteorológicas adequadas (principalmente umidade e temperatura), uma nova queimada pode acontecer, fechando o ciclo de distúrbio-recuperação. Sabe-se que a maior contribuição de biomassa combustível das savanas vem do componente herbáceo/subarbustivo, principalmente das gramíneas e ciperáceas (Frost e Robertson ,1987; Pivello e Coutinho, 1992; Miranda et al., 1996; Cheney e Sullivan, 1997). Materiais com até 6mm de diâmetro, chamados de combustíveis finos (Luke e MCArthur, 1978), correspondem à quase totalidade do componente herbáceo/subarbustivo e são a principal fonte de combustível nas queimadas das savanas e campos. Nos cerrados abertos predominam gramíneas perenes, do tipo C4, existindo muita variação na dominância específica conforme a região estudada e o grau de sombreamento (Klink e Joly, 1989). O Parque Nacional das Emas é dominado por uma gramínea C4 perene, o capim-flecha (Tristachya leiostachya) (Ramos Neto e Pinheiro-Machado, 1996). Coutinho (1990) chama a atenção para o comportamento fenológico desta espécie, que seria responsável por um grande incremento de fitomassa combustível, e conseqüente ciclo de queima a intervalos de três a quatro anos, observados até 1994. O evento de queima em áreas de Cerrado, geralmente, provoca a eliminação da parte aérea das plantas do componente herbáceo-arbustivo sem, contudo, provocar uma mortalidade significativa que descaracterize este componente. A vegetação queimada é capaz de rebrotar após alguns dias, mesmo durante a estação seca, devido a diferentes estratégias de proteção das gemas e armazenamento de água e nutrientes. Com a eliminação da parte aérea, a produção primária é alterada (Coutinho et al., 1982; Meirelles e Henriques, 1992), tendendo a se estabilizar com o
81 passar do tempo. A quantidade de combustível acumulada vai depender não só da variação da produtividade primária, mas também das taxas de decomposição e do consumo por herbívoros. A importância dos consumidores primários nos cerrados brasileiros é geralmente subestimada. Saúvas e cupins têm, entretanto, um papel ativo no consumo de fitomassa verde e seca, transportando e transformando grandes quantidades desse material (Coutinho et al., 1982). O conhecimento sobre a dinâmica dos combustíveis é indispensável para a previsão do comportamento das queimadas e do risco de queima. Estas informações são importantes no planejamento do manejo do fogo de uma unidade de conservação em ambientes susceptíveis a ele. A seguir, é apresentada uma caracterização do acúmulo da fitomassa epigéia após uma queima, descrevendo a contribuição dos componentes amostrados e comparando áreas com e sem o capim-flecha (Tristachya leiostachya). 2.52.5 2.52.5 2.5 O capim-flecha na dinâmica do fogoO capim-flecha na dinâmica do fogo O capim-flecha na dinâmica do fogoO capim-flecha na dinâmica do fogo O capim-flecha na dinâmica do fogo Ramos Neto (2000) mostra o incremento da fitomassa epigéia em áreas com e sem capim-flecha e ressalta diferenças marcantes decorrentes da presença ou não desta espécie. A Figura 51 mostra a variação da fitomassa em áreas com capim-flecha ao longo de sucessivas estações úmidas, evidenciando a contribuição dos seguintes componentes: capim-flecha, graminóides, não- graminóides e serapilheira. A Figura 52 mostra a contribuição relativa desses componentes. Fica evidente a contribuição do capim-flecha e, em menor grau a serapilheira, no acúmulo de fitomassa epigéia. FIGURA 51 – Variação da fitomassa separada em seus componentes após 1, 2, 3 e 4 estações úmidas em campo sujo com capim-flecha (Tristachya leiostachya), no Parque Nacional das Emas, GO.
82 A Figura 53 apresenta a contribuição relativa dos seguintes componentes do capim-flecha ao longo de quatro estações úmidas: hastes verdes, hastes secas, folhas verdes e folhas secas. A produção de hastes reprodutivas a partir da segunda estação úmida contribui com uma porcentagem importante da fitomassa da espécie. Do mesmo modo, o material seco (folhas e hastes velhas) que permanece na planta passa a ter cada vez maior importância na quantidade de fitomassa desta espécie, representando mais de 50% ao final da quarta estação úmida. No Parque, quando o capim-flecha está presente, ele é sempre a espécie dominante, existindo nítidos limites entre áreas ocupadas e não ocupadas. Os motivos destes limites nítidos, aparentemente, não são explicados por variações no solo, topografia ou disponibilidade de água, devendo ser frutos de eventos passados, possivelmente ligados à ocorrência de maior ou menor freqüência de fogo ou outro tipo de distúrbio, e/ou a processos de colonização. Estimativas preliminares indicam que as áreas de cerrado sem o capim-flecha correspondem de 10 a 20% da área de cerrado existente no Parque, separadas em três ou quatro grandes blocos. As áreas de campo sujo com e sem o capim-flecha se mostraram muito distintas em relação ao incremento de fitomassa sendo, no entanto, semelhantes com relação aos valores de fitomassa e de produtividade primária líquida (ppl) obtidos em outras áreas de cerrado (Souza, 1977; Cavalcanti, 1978; Cesar, 1980; Coutinho et al., 1982; Batmanian, 1983; Pivello-Pompéia, 1985; Pompéia, 1989; Rosa, 1990; Meirelles e Henriques, 1992; Kauffman et al., 1994; Miranda et al., 1996; Andrade et al., 1999). Estes trabalhos apresentam uma grande variação de resultados, refletindo variações regionais dos cerrados, variações fisionômicas e florísticas, e diferentes critérios de inclusão e metodologias empregadas. FIGURA 52 – Contribuição relativa dos componentes amostrados ao longo do tempo, em campo sujo com capim-flecha, (Tristachya leiostachya) após 1, 2, 3 e 4 estações úmidas no Parque Nacional das Emas, GO.
83 Trabalhos que acompanham o incremento de fitomassa ou a produtividade primária líquida do componente herbáceo/subarbustivo após a queima, (Cavalcanti, 1978; Meirelles e Henriques, 1992; Andrade et al., 1999) apresentam valores, para o primeiro ano após a queima, variando de 1,76±0.33t/ha a 8,3t/ha. Para os trabalhos que apresentam fitomassa pré-queima (Cavalcanti, 1978; Pivello-Pompéia, 1985; Pompéia, 1989; Meirelles e Henriques, 1992; Kauffman et al., 1994; Miranda et al., 1996; Andrade et al., 1999), nem sempre é claro o tempo que a área se encontrava sem queimar. Nestes trabalhos, o valor mais baixo encontrado foi em campo-cerrado de Mogi-Guaçu: 4,42±0,57t/ha (Pompéia, 1989). Para campo limpo e campo sujo, o maior valor foi o de Kauffman et al (1994), com 7,32±0,5t/ha. Estes dois trabalhos não apresentam informações sobre o tempo decorrido desde a última queima. A curva de acúmulo de combustível foi calculada para áreas de cerrado aberto com e sem capim-flecha conforme o modelo proposto por Olson (1963): X=(L/k)(1- e-kt), onde “L” é a produção primária bruta e “k” é a taxa de perda de biomassa por decomposição. Este modelo pressupõe que exista um estado de equilíbrio onde o acúmulo (L) é igual à perda acumulada (kX), sendo X a quantidade de material acumulado. O valor de k foi estimado usando a avaliação direta da perda de peso, conforme Delitti (1984). As Figuras 54(a) e 54(b) mostram as curvas obtidas com o modelo de acumulação de combustível e os valores de acúmulo obtidos em campo. Os parâmetros estimados para áreas de cerrado aberto no Parque Nacional das Emas com e sem capim-flecha são apresentados na Tabela 14. FIGURA 53 – Contribuição relativa dos componentes amostrados de capim-flecha (Tristachya leiostachya), em campo sujo, após 1, 2, 3 e 4 estações úmidas no Parque Nacional das Emas, GO.
84 FIGURA 54 – (a) Curvas de acúmulo de combustível (X=(L/k)(1-e-kt)) para campo sujo com e sem capim- flecha (Tristachya leiostachya); (b) Comparação entre os valores obtidos com o modelo (X=(L/k)(1-e-kt)) e os obtidos em campo para área com capim-flecha.
85 Os dados apresentados indicam que tanto a produção, como o acúmulo de combustível, pode não ser constante ano a ano após a queima e que apenas uma espécie, o capim-flecha, pode determinar diferenças significativas na produção e acúmulo de combustível. Os valores de produção encontrados para o Parque Nacional das Emas não são constantes ano a ano. Foi verificado que o primeiro período de observação (1ª estação úmida) apresenta valores de fitomassa não muito elevados, aumentando nas amostragens seguintes. Este aumento é mais evidente na área com capim-flecha (Ramos Neto 2000), onde os valores de fitomassa produzida elevam-se até valores superiores aos apresentados em outros trabalhos, mas ainda dentro do descrito para os cerrados. Nos primeiros meses após a queima é difícil separar visualmente áreas com e sem capim- flecha. As diferenças entre as áreas se tornam mais evidentes no segundo ano após a queima. O evento mais marcante deste período é a floração do capim- flecha, quando ocorre uma mudança radical na fisionomia, refletindo na produção de fitomassa epigéia. As diferenças de produtividade encontradas não devem ser decorrentes de características dos ambientes amostrados, apesar desta ser a explicação intuitivamente mais simples. Não existem diferenças significativas nas quantidades de precipitação entre as duas áreas, nem nas características físicas do solo (Latossolo Vermelho Amarelo distrófico) ou topografia. O lençol freático não é próximo à superfície em nenhuma das áreas que, deste modo, deve ter pouca influência sobre o componente herbáceo/subarbustivo, não devendo ser o responsável pelas diferenças observadas na produtividade. O histórico das queimadas nas últimas três décadas é semelhante para as áreas estudadas. Uma possibilidade seriam as características químicas do solo, mas como se trata de solos naturalmente pobres em nutrientes e ricos em alumínio, as diferenças, se existirem, devem ser sutis. TABELA 14 – Parâmetros e valores obtidos pelo modelo de acúmulo de combustíveis em áreas de campo sujo com e sem predominância de capim-flecha (Tristachya leiostachya) no Parque Nacional das Emas, GO (1997-1998).
86 As diferenças nos resultados nas áreas com e sem capim-flecha, revelam a importância desta espécie. Esta diferença se manifesta basicamente no acúmulo de fitomassa epigéia, que tem o efeito de provocar sombreamento e alterar a disponibilidade de nutrientes, além de aumentar o risco de queima. Como conseqüência, o capim-flecha passa a exercer um importante papel no regime de queima e nos fluxos de energia. Silva e Castro (1989) e Silva et al. (1990) consideram que, apesar do fogo aumentar a mortalidade e reduzir o crescimento de algumas gramíneas perenes, a supressão do fogo também pode trazer efeitos negativos sobre o crescimento individual e populacional de gramíneas perenes, decorrente da acumulação de necromassa. Além da fitomassa, o fogo altera a expressão das espécies. A Tabela 15 e as Figuras 55 e 56 mostram o número médio de morfoespécies por parcelas após a queima, indicando uma redução após a primeira estação úmida. Esta redução está diretamente relacionada com o acúmulo de fitomassa morta, provocando sombreamento das pequenas plantas herbáceas e subarbustivas. TABELA 15 – Número médio de morfoespécies, por parcela, após 1, 2, 3 e 4 estações úmidas, em áreas de campo sujo com e sem a presença do capim-flecha (Tristachya leiostachya), no Parque Nacional das Emas, GO. (Média ± desvio padrão) A conseqüência direta do sombreamento e da disponibilidade de nutrientes é a redução do desenvolvimento das outras espécies do estrato herbáceo/ subarbustivo. A análise do número de morfoespécies por parcela não foi sensível para detectar possíveis variações na riqueza, em grande parte pela ineficiência do método. No entanto, a eqüitatividade, parece estar reduzida nas áreas com capim-flecha, já que a dominância do capim-flecha aumenta ano a ano. Na ausência do fogo, observando a curva de acúmulo de combustível, pode-se pensar, caso não exista nenhum outro mecanismo de controle, que a quantidade de fitomassa acumulada seria tanta, que o sombreamento e indisponibilidade dos nutrientes determinaria a dominância total do capim-flecha. Este caso extremo não pode ser verificado, pois segundo França e Setzer (1997), nenhuma área do Parque ficou, nas últimas décadas, mais de seis anos sem queimar.
87 FIGURA 55 – Variação do número médio de morfoespécies, por parcelas, nas amostragens após 1, 2, 3 e 4 estações úmidas, em campo sujo sem capim-flecha (Tristachya leiostachya), no Parque Nacional das Emas, GO. FIGURA 56 – Variação do número médio de morfoespécies, por parcelas, nas amostragens, após 1, 2, 3 e 4 estações úmidas, em campo sujo com capim-flecha (Tristachya leiostachya), no Parque Nacional das Emas, GO.
88 Como o acúmulo de fitomassa de capim-flecha tem a característica de reter parte dos nutrientes, ao mesmo tempo em que influencia o risco de queima, ele é responsável por grande parte do fluxo de energia e de matéria da área. Deste modo, as demais espécies, conforme suas estratégias reprodutivas e vegetativas, serão, em maior ou menor grau, influenciadas pela presença do capim-flecha. A competição é importante na estruturação de comunidades de campos nos Estados Unidos e na Europa, conforme descrito por Collins e Glenn (1988) e Berendse e Elberse (1990). Inchausti (1995) sugere que o fogo previne ou diminui a ocorrência ou a importância de competição interespecífica entre gramíneas dominantes, em savanas neotropicais regularmente queimadas. Assim, o aumento do risco de queima pode estar contrabalançando a provável superioridade competitiva do capim-flecha. O papel das espécies no funcionamento dos ecossistemas (fluxo de matéria e energia) e na manutenção da riqueza específica seguem basicamente quatro abordagens teóricas. A primeira, chamada de hipótese da redundância de espécies, sugere que é necessária uma diversidade mínima para o funcionamento adequado do ecossistema, e que a maioria das espécies teriam funções redundantes (Walker, 1992; Lawton e Brown, 1993). A segunda, conhecida como hipótese do rebite (rivet hypotesis), sugere que todas as espécies contribuem na performance do ecossistema (Ehrlich e Ehrlich, 1981). Esta hipótese seria similar à resposta do ecossistema à perda de espécies, chamada tipo I, apresentada por Vitousek e Hooper (1993). A terceira abordagem, chamada de hipótese da resposta idiossincrática, propõe que as funções do ecossistema mudam com as mudanças na diversidade, sendo imprevisíveis a direção e a magnitude das alterações, pois o papel das espécies é complexo e variado. Uma quarta hipótese, chamada nula, propõe que as funções do ecossistema seriam insensíveis à perda ou à adição de espécies, similar à resposta tipo III de Vitousek e Hooper (1993). Espécies dominantes apresentam um papel diferenciado nas comunidades, seja na ocupação dos espaços, obtenção de recursos ou regulação de processos. Quando uma espécie direta ou indiretamente modula a disponibilidade de recursos para outras espécies, devido à alterações físicas do meio biótico ou abiótico, ela é considerada uma engenheira do ecossistema (ecosystem engineers) (Jones et al., 1994; Lawton, 1994; Gurney e Lawton, 1996). Ao contrário das espécies-chave (keystone-species), que por definição são espécies que apresentam alta importância no funcionamento da comunidade, apesar de sua baixa dominância (Mills et al., 1993; Power et al., 1996), as espécies- engenheiras participam ativamente na estrutura e no funcionamento do ecossistema. Esta interferência ativa pode ser avaliada pela extensão do tempo de vida dos organismos individuais, densidade da população, distribuição espacial, tempo em que a população está presente no local, duração dos artefatos, construções e impactos provocados pela ausência da espécie e, por último, pelos tipos e intensidade de fluxos de recursos modulados e pela quantidade das espécies dependentes (ou afetadas) (Lawton 1994).
89 Redford (1984) considerou o cupim Cornitermes cumulans como espécie- chave na área do Parque Nacional das Emas. Pelas definições apresentadas, esta espécie é muito mais uma espécie-engenheira do que uma espécie-chave, já que participa ativamente da estrutura e no funcionamento do ecossistema. Do mesmo modo, o capim-flecha pode ser considerado como espécie-engenheira na área do Parque, pois apresenta grande densidade populacional, grande tempo de permanência, ampla distribuição espacial, capacidade de alterar de forma significativa a estrutura do ambiente e regular indiretamente grande parte dos recursos disponíveis. A regulação dos recursos se dá porque a presença desta espécie torna o ambiente mais suscetível ao fogo. O risco de queima em áreas com capim-flecha é quase o dobro daquele onde esta espécie está ausente. Devido à maior quantidade de combustível acumulado, a intensidade de queima também tende a ser maior, mobilizando uma quantidade maior de nutrientes e afetando mais fortemente o componente arbóreo. É possível que a presença de capim-flecha propicie uma gradual redução na densidade de elementos arbóreos, quando comparado com áreas sem esta espécie, merecendo estudos específicos para avaliar este impacto. Não existem informações sobre o comportamento do capim-flecha em relação à colonização de novas áreas. Esta avaliação é importante, já que ainda existem áreas sem a presença desta espécie no Parque. A agressividade expressa no aumento da dominância que esta espécie apresenta lembra o comportamento de uma espécie invasora. Para esta espécie devem ser avaliados tanto os potenciais de colonização por reprodução sexuada, como a expansão por reprodução vegetativa. No período de 1995 a 1999, avanço ou retração dos limites da distribuição do capim-flecha não foram perceptíveis. Parte dos limites estão mapeados e inseridos em sistema de informações geográficas, mas a precisão das medidas (±50 metros) ainda não permitiu identificar alterações. A Tabela 16 apresenta algumas informações sobre o esforço reprodutivo do capim-flecha (Ramos Neto e Pinheiro-Machado, 1996) indicando que, apesar da grande produção de cariopses, a maioria não forma sementes. De qualquer modo, como a produção de cariopses é muito grande, o número de sementes produzidas acaba sendo alto. Conseqüentemente, o potencial de colonização ou adensamento pelo estabelecimento de novas plantas também é grande. Observações iniciais indicam que o brotamento do capim-flecha é maior após a ocorrência de fogo, o que levaria a um adensamento de suas touceiras e aumento da dominância. Já a reprodução por sementes é prejudicada por queimadas anuais, pois a espécie só se reproduz sexuadamente na segunda estação úmida. Levantamentos realizados por Ramos Neto e Pinheiro-Machado (1996) indicam a presença de plântulas de capim-flecha apenas durante a segunda estação úmida (outubro, 1,26 plântulas/m2). Já as outras graminóides estão presentes nas amostragens da primeira, segunda e terceira estações úmidas, e a maior densidade de plântulas também foi encontrada durante a segunda estação úmida (1,33 plântulas/m2) (Tabela 16).
90 Estudos sobre a biologia do capim-flecha e monitoramento de sua expansão são imprescindíveis para a compreensão dos impactos desta espécie sobre o funcionamento e diversidade das áreas de cerrado do Parque Nacional das Emas. Questões relacionadas à competição do capim-flecha com outras espécies, em diferentes regimes de queima devem ser aprofundadas. Tópicos de interesse para o manejo do Parque serão abordados adiante. TABELA 16 – Informações sobre o esforço reprodutivo do capim-flecha (Tristachya leiostachya) em área de campo sujo do Parque Nacional das Emas, GO, (Ramos Neto e Pinheiro-Machado 1997). 2.62.6 2.62.6 2.6 A sazonalidade no processo de recuperação de áreasA sazonalidade no processo de recuperação de áreas A sazonalidade no processo de recuperação de áreasA sazonalidade no processo de recuperação de áreas A sazonalidade no processo de recuperação de áreas queimadasqueimadas queimadasqueimadas queimadas A precipitação anual é indicada como a variável climática mais fortemente relacionada à produtividade primária anual (Webb et al., 1983; Sala et al., 1988; Briggs e Knapp, 1995). No entanto, Lauenroth (1979) sustenta que nem sempre a precipitação anual é o fator mais importante na determinação da magnitude da produtividade primária, especialmente em áreas de alta precipitação. Nesses casos, a distribuição da precipitação e a fertilidade do solo podem ter influências significativas na produtividade. Vários trabalhos discutem as relações entre produtividade e propriedades climáticas, interações com o substrato, temperatura e fogo (Lauenroth, 1979; Schimel et al., 1985; Whelan, 1995). Uma das principais características das savanas é a marcante sazonalidade das chuvas. Como os ritmos fenológicos da vegetação de savana estão fortemente relacionados a esta sazonalidade (Sarmiento, 1984), variações na época da queima podem trazer conseqüências para a produtividade primária (Coutinho, 1982; Pandey e Singh, 1992) e a floração (Coutinho, 1976). Assim, informações sobre variação da produtividade primária e fenologia em relação à época de queima são importantes para o manejo dos ecossistemas (Sarmiento e Monasterio, 1983), pois queimadas fora de época podem encontrar a vegetação mais vulnerável a tal distúrbio. Deste modo, espécies que têm seu período reprodutivo interrompido por uma queimada podem perder os recursos investidos na produção de flores e, conseqüentemente, permanecer sem produzir propágulos por um período de tempo maior.
91 Considera-se que a extensão máxima da estação de queima dos cerrados vai de maio a outubro, sendo que as queimadas se concentram normalmente no período seco. Com exceção dos trabalhos de Coutinho (1976) e Coutinho et al., (1982), que apresentam queimadas experimentais em dezembro e janeiro, respectivamente, nenhum dos trabalhos consultados apresenta dados sobre queimadas no cerrado durante a estação úmida. Coutinho (1990) chama a atenção para a presença do veranico, em janeiro, como possível época para ocorrência de queimadas, mas ressalta que, em qualquer período, a vegetação de cerrado é suscetível ao fogo. O padrão atualmente aceito de queima durante a estação seca é evidentemente antropogênico, pois a ocorrência de tempestades de raio, o único iniciador de queimadas naturais nos cerrados, tem início em setembro e se estende por toda estação úmida. A idéia corrente de estação de queima nas pradarias americanas corresponde, assim como o apresentado para os cerrados, mais a um padrão antropogênico de queima do que a um padrão natural (Howe, 1995). Da mesma forma que nos cerrados, queimadas antropogênicas nas pradarias americanas ocorrem no período mais seco, que abrange o inverno, primavera e outono, quando o crescimento da vegetação é menor. No entanto, queimadas naturais provocadas por raios acontecem no verão, estimulando a floração e o recrutamento de espécies. As queimadas na estação úmida são possíveis e podem ser freqüentes, como no caso do Parque Nacional das Emas. Este padrão de queimadas na época chuvosa é mais próximo do que seria o padrão natural, já que a sua ocorrência tem causas exclusivamente naturais. Como queimadas durante a estação úmida ocorrem no período de crescimento das plantas, seus efeitos devem ser distintos dos observados na época seca, quando o crescimento é diminuído. Os valores de produtividade primária encontrados por Ramos Neto (2000) estão dentro do esperado para áreas de savana e cerrado, podendo ser considerados baixos para o tratamento da seca e médios para os tratamentos da transição e da estação úmida. Coutinho et al., (1982) também encontraram uma produtividade maior em uma queimada realizada em estação úmida (janeiro, 6 a 7t/ha) em comparação com uma outra realizada na estação seca (junho, 5,5 t/ha), ambas em área de Cerrado em Pirassununga, São Paulo. Os valores de ppl encontrados no tratamento de junho foram significativamente inferiores aos encontrados para os tratamentos de setembro e novembro, mas são superiores aos encontrados por Meirelles e Henriques (1992), sendo próximo do valor encontrado por Batmanian (1983) e Cesar (1980). A quantidade de chuva e sua distribuição, os nutrientes disponíveis no solo, a herbivoria e o fogo são os quatro principais fatores determinantes do funcionamento das savanas (Huntley e Walker, 1982; Tothill e Mott, 1985; Frost e Robertson, 1987; Pandey e Singh, 1992; Burke et al., 1997), sendo a precipitação e a disponibilidade de nutrientes os mais importantes na determinação da produção primária logo após o fogo, em savanas tropicais. Whelan (1995) resume que o incremento da produtividade como resposta ao fogo pode ser decorrente
92 do aumento da disponibilidade de nutrientes, da remoção dos impedimentos causados pelo acúmulo de folhas ou de vegetação competidora, do aumento da temperatura média e de altas temperaturas do solo, e de uma antecipação do período de crescimento. Em áreas de campos, além do aumento da taxa de crescimento, existe um incremento no vigor das plantas e na concentração de nutrientes (Daubenmire, 1968; Singh, 1993). A Figura 57 apresenta a comparação do incremento de fitomassa epigéia em cerrados do tipo campo sujo queimados na estação seca, na transição das estações e na estação úmida. FIGURA 57 – Incremento de fitomassa epigéia de campo sujo pós-queimadas realizadas na estação seca (junho), transição (setembro) e úmida (novembro), Parque Nacional das Emas, GO, 1996 (Ramos Neto, 2000). * representa diferenças significativas (teste “U” de Mann-Whitney, p<0.001 ou menores). A grande diferença encontrada no incremento de fitomassa na área queimada na estação seca comparativamente às áreas queimadas na transição e estação sugere que na estação seca, pela ausência de chuvas e/ou de água no solo, e/ou pela incidência de geadas, e/ou pela menor radiação solar, apresentam-se restrições ao desenvolvimento dos componentes analisados. Outra explicação possível para as diferenças observadas está no fato do tratamento da estação seca ser um aceiro, área manejada, com maior incidência de fogo (três queimadas
93 consecutivas em 1994, 95 e 96), enquanto os outros tratamentos apresentaram duas queimadas não consecutivas em 1994 e 1996. Este fato não pode ser descartado, pelo menos como um intensificador das diferenças. Em nenhuma das três situações de rebrota o incremento de fitomassa das amostragens foi linearmente correlacionado com a precipitação do mês corrente ou do mês anterior (Ramos Neto, 2000). Apenas no tratamento da estação seca, o período entre 30 e 120 dias mostrou-se linearmente correlacionado com a precipitação. Analisando as três situações, nos meses com alta precipitação, ocorreram tanto grandes quanto pequenos incrementos de fitomassa. Lauenroth (1979) sugere que quando a precipitação é elevada, excedendo as necessidades das plantas, outro fator limitante pode estar regulando o incremento de fitomassa. Veresoglou e Fitter (1984) encontraram diferentes padrões espaciais e temporais no crescimento de gramíneas, regulados pela época de tomada de nutrientes no solo. Do mesmo modo, Silva e Ataroff (1985) encontraram, para seis espécies de gramíneas das savanas da Venezuela, uma partição fenológica que, conforme Grubb (1977), pode ser decorrente de diferentes “programações demográficas”, resultando na possibilidade de coexistência das espécies. Nos tratamentos da transição e estação úmida, existe uma quantidade razoável de água disponível após o fogo. Assim, outras restrições, como a ocupação dos espaços e a obtenção de nutrientes, podem ser limitantes ao crescimento. Deste modo, no primeiro mês após a queima, o grande investimento no brotamento poderia garantir a ocupação dos espaços e/ou a captação e o armazenamento na fitomassa dos nutrientes proveniente das cinzas resultantes da queima. Essa hipótese pode ser testada por meio do acompanhamento da fitomassa hipogéia, pois se espera um aumento nas raízes finas logo após a queima (Kellman, 1979). Espera-se também uma maior concentração de nutrientes nas folhas verdes recém-formadas, quando comparados com queimadas durante a estação seca (Pivello, 1992). Diferenças entre setembro e novembro podem ser decorrentes das variações na quantidade de radiação disponível após as queimadas nos dois períodos. Em áreas de campos, a disponibilidade de nutriente pós-fogo pode estimular o crescimento da vegetação, quando a falta de nutrientes for a causa da limitação na produtividade (Daubenmire, 1968; Rundel, 1982). Nos cerrados, Cavalcanti (1978) encontrou redução na produtividade em áreas onde as cinzas resultantes do material vegetal queimado haviam sido removidas. No entanto, em áreas com o dobro de cinzas, o crescimento não diferiu do controle. Já a calagem e a adição de fertilizante (NPK) foram capazes de aumentar a produtividade primária. Em queimadas durante a estação seca, o brotamento é reduzido até o começo das chuvas. Como o tempo entre a queimada e as chuvas pode chegar a cerca de 90 dias, existe maior chance das cinzas provenientes da queima serem transportadas pelo vento. Logo, a disponibilidade de nutrientes poderá ser menor, o que poderia determinar o menor incremento de fitomassa quando comparado com os outros tratamentos. Como citado anteriormente, Cavalcanti (1978) verificou
94 um menor incremento de fitomassa em área cujas cinzas provenientes da queima foram retiradas. É necessário ressaltar que a ocorrência de geadas é comum durante a estação seca e, quanto menor a quantidade de cobertura vegetal, mais intenso podem ser seus efeitos deletérios sobre a rebrota. No período de estudo foi verificado que as áreas queimadas em junho perderam praticamente toda rebrota após uma geada ocorrida no final de julho. Estas geadas, que ocorrem periodicamente na área do Parque, apresentam intensidades variadas e nos eventos mais fortes chegam a atingir grande parte das folhas altas das florestas. Os cerrados, por apresentarem folhas mais coriáceas, sofrem menos com estes eventos, exceto as folhas novas provenientes das rebrotas. Estas podem ser destruídas em grande parte, tendo a planta que lançar nova rebrota. Em resumo, a resposta da vegetação parece ser função de três fatores, sendo importante como eles se configuram logo após o fogo. A água, as cinzas (disponibilidade de nutrientes) e a radiação apresentam papéis diferentes ao longo do tempo, exercendo o controle principal da produtividade primária. A ocorrência de geadas pode ser um quarto fator facultativo. Destes quatro, a disponibilidade de água parece ser o fator principal pois, sem esta, o crescimento é mínimo. Quando a água é disponível logo após a queima, a resposta dependerá da disponibilidade de nutrientes e da radiação. Assim, conforme apresentado anteriormente, o capim-flecha teve, nas três situações (queima na seca, transição e estação úmida), a maior contribuição para o incremento de fitomassa epigéia. O capim-flecha é uma gramínea hemicriptófita que apresenta suas gemas apicais protegidas por uma túnica de folhas velhas (Rachid-Edwards, 1956), o que permite o rápido e vigoroso brotamento após o fogo. Apenas na amostra de 30 dias após a queima, no tratamento da estação úmida, a fitomassa das graminóides foi superior à do capim-flecha. A superação da fitomassa do capim-flecha neste tratamento foi decorrente da presença de maior fitomassa das graminóides, e não da redução de fitomassa do capim-flecha. Em queimadas durante a estação úmida, observa-se que a floração do capim-flecha pode acontecer em um ano após a queima, ao contrário do observado em queimadas durante a estação seca, quando ela ocorre quase dois anos depois. Isso possivelmente decorre do fato da floração acontecer somente quando a parte vegetativa atinge um desenvolvimento mínimo. Sabe-se que esta espécie começa o processo de floração em novembro, atingindo seu ápice em dezembro e janeiro. No caso de queimadas durante a estação seca, o desenvolvimento das touceiras é inicialmente retardado por falta de água, aumentando posteriormente com as chuvas. O desenvolvimento alcançado pelas touceiras na época de floração (novembro/dezembro), no entanto, não é suficiente para o desenvolvimento das hastes, pois decorreram apenas dois ou três meses de chuva. Com o avançar da estação úmida, as touceiras se desenvolvem até o início da estação seca, passando por um período de redução na taxa de crescimento e voltam a crescer na nova estação úmida seguinte. Só em novembro/ dezembro da segunda estação úmida, decorridos cerca de 510 dias da queima ocorrerá, então, a floração.
95 Para as queimadas durante a estação úmida, o crescimento das touceiras começa imediatamente após a queima e se mantém por tanto tempo quanto persistirem as chuvas. Durante o período de seca, há uma redução no crescimento, mas as touceiras já estão suficientemente grandes para florir, fato que acontece em novembro/dezembro – decorridos cerca de 390 dias após a queima de novembro. Para as queimadas durante os meses de transição, observa-se um comportamento semelhante àquele nas queimadas na época úmida, sendo que a floração corre com cerca de 420 dias após a queima. O número de morfoespécies por parcela não é a maneira mais acurada de medir a variação da diversidade ao longo do tempo, mas pode ser uma alternativa em situações em que a capacidade de identificação taxonômica é reduzida. Como as informações contidas numa parcela não são consideradas na amostragem da parcela seguinte, não é possível a determinação da riqueza total, servindo apenas para a obtenção de informações sobre a riqueza intraparcelas. A utilização de morfoespécies por parcela, no entanto, é capaz de indicar variações quantitativas sazonais ou entre tratamentos. Os resultados mostram, para os três tratamentos, uma variação semelhante no número de morfoespécies por parcela, apesar de existirem diferenças significativas entre as amostras (Figuras 58 e 59). A maior contribuição no número de morfoespécies por parcela é dada pelo componente não-graminóide, chegando a um número médio por parcelas superior a 14, contra uma média máxima de morfoespécies de graminóides de 6,64 por parcela. O número médio máximo encontrado foi superior a 20 morfoespécies por parcela. FIGURA 58 – Número médio de morfoespécies por parcelas nos tratamentos da estação seca (junho), transição (setembro) e estação úmida (novembro), em campo sujo do Parque Nacional das Emas, GO.
96 A primeira amostragem apresentou o menor número de morfoespécies por parcelas, para os três tratamentos. Este resultado indica que o tempo de 30 dias após a queima não é suficiente para a volta ao número de morfoespécies encontrado em estados mais tardios, principalmente para espécies não graminóides. Com 60 dias após a queima, nos tratamentos da transição e da estação úmida, o número de morfoespécies por parcelas atinge o seu máximo, enquanto que o máximo do tratamento da estação seca se dá em 150 dias após a queima. Mais uma vez, o período seco, após a queima em junho, resulta numa resposta pós-fogo retardada em relação às queimadas das épocas de transição e úmida. Isto corrobora a observação que existe alguma limitação sazonal em relação à água ou nutrientes para a maioria das espécies herbáceas das savanas tropicais (Medina, 1987). O número médio de morfoespécies encontrado após a primeira estação úmida, em área com capim-flecha queimada em junho (Ramos Neto, 2000), foi superior ao encontrado para os tratamentos da seca e transição, sem apresentar maiores valores de fitomassa. A distribuição do número médio de morfoespécies floridas por parcela apresentou uma forma semelhante para os três tratamentos, existindo apenas maior “intensidade” de floração do tratamento da estação úmida e uma defasagem no pico de floração no tratamento da estação seca, sendo este mais tardio. Em todas as amostragens ocorreram morfoespécies floridas, indicando que, mesmo em condições de seca, existem condições de floração. FIGURA 59 – Número médio de morfoespécies por parcela nos três tratamentos, separados em graminóides e não graminóides, em campo sujo do Parque Nacional das Emas, GO.
97 Platt et al. (1988) constataram, para o componente herbáceo-arbustivo de pinhais de folha longa (longleaf pine forest) da Flórida, que a estação de queima tem pouco efeito sobre o número de espécies floridas no ano seguinte à queima. No entanto, queimadas durante a estação de crescimento diminuem a duração média da floração por espécie e aumentam a sincronização do pico do tempo de floração, quando comparadas com queimadas entre as estações de crescimento. Neste tipo de floresta, as diferenças fenológicas na comunidade indicam que a época da queima é importante na sincronização da floração. Brown e Whelan (1999) também encontraram diferenças na germinação de arbustos decorrentes da estação de queima. Coutinho (1976) verificou que a vegetação apresentava várias espécies floridas nos meses subseqüentes às queimadas realizadas durante a estação seca, de transição e úmida, identificando o fogo como sincronizador da floração. De acordo com seus resultados, classificou as respostas da vegetação ao fogo em cinco categorias: Grupo 1: espécies que dependem qualitativa ou quantitativamente da queima para florescer, independentemente da época da queima; Grupo 2: espécies que dependem qualitativa ou quantitativamente da queima, mas só florescem se a queimada ocorrer durante a seca; Grupo 3: espécies que independem qualitativa ou quantitativamente da queima para florescer, e florescem no período da seca; Grupo 4: espécies que independem qualitativa ou quantitativamente da queima para florescer, florescendo no período das chuvas; Grupo 5: espécies com ciclo plurianual. Sarmiento e Monasterio (1983) apresentam uma classificação baseada no comportamento fenológico das espécies de savana, considerando a sazonalidade da assimilação de carbono, a sazonalidade de crescimento, a época de floração e a forma de vida, tendo identificado 15 categorias. Para a fenologia reprodutiva, são consideradas precoces as espécies que florescem no início da estação chuvosa; espécies de floração atrasada são aquelas que florescem desde a metade até a parte final da estação chuvosa; espécies de floração tardia são aquelas que florescem durante a estação seca; espécies de floração contínua florescem o ano todo e espécies de floração oportunista são as capazes de florescer em qualquer período, desde que existam estímulos ou condições para tal. O fogo pode induzir ou aumentar a floração de espécies de floração precoce apenas se ocorrer durante a estação seca. Já as espécies oportunistas florescem sempre após as queimadas, não importando a época. Os autores consideram que as queimadas naturais das savanas têm maior probabilidade de ocorrência durante o final da estação seca e início da estação chuvosa. Queimadas nestes períodos não alterariam o curso normal dos ritmos fenológicos. O fogo seria um agente sincronizador da floração de espécies da mesma categoria de resposta fenológica. Platt et al. (1988) citam que a sincronização da floração entre espécies pode, teoricamente, reduzir o sucesso da polinização, devido ao incremento da transferência de pólen interespecífica ou à competição entre guildas de polinizadores. Esta redução do sucesso de polinização seria uma força para
98 selecionar estratégias de floração divergentes (Snow, 1965; Cole, 1981). Platt et al. (1988) notaram que seqüências de florescimento eram regularmente espaçadas apenas quando ocorriam entre os períodos de crescimento da vegetação e que estas fenologias regularmente espaçadas não eram conseqüência de uma seleção baseada na divergência da floração, mas devido à competição de polinizadores. No caso de queimadas naturais, os autores verificaram que, pelo fato de nunca ocorrerem entre as estações de crescimento, não existe o espaçamento regular dos picos de floração. Comparativamente, o regime antropogênico de queimadas durante a estação seca permite uma disponibilidade de recursos florais menor do que a do regime natural de queima, de setembro a maio (Figura 60). A concentração de queimadas entre junho e setembro leva à ocorrência de picos de floração até, no máximo, o mês de dezembro. No regime de queima provocado por raios, caso exista um mosaico de áreas queimadas em diferentes épocas, diferentes picos de floração podem acontecer praticamente o ano inteiro. É extremamente importante verificar quais as relações entre os picos de floração em diferentes épocas do ano e os polinizadores disponíveis, para determinar a existência de diferenças no sucesso reprodutivo das plantas e animais e quais processos estão envolvidos. FIGURA 60 – Número médio de morfoespécies floridas por parcelas nos tratamentos da estação seca (junho), transição (setembro) e úmida (novembro), em campo sujo do Parque Nacional das Emas, GO.
99 O comportamento diferenciado de recuperação da fitomassa entre a área queimada durante a estação seca e as áreas queimadas nas estações de transição e úmida tem sérias implicações para o manejo, pois refletem no acúmulo de biomassa e na expressão das espécies. De forma prática, um incremento de fitomassa mais rápido indica um acúmulo de combustível mais rápido e conseqüentemente, um aumento do risco de queima, contrariamente ao encontrado em áreas queimadas durante a estação seca. Em termos teóricos, a existência de queimadas durante a estação úmida sugere novas perguntas relacionadas à conservação da biodiversidade e ao estudo dos efeitos do fogo nas comunidades. Em primeiro lugar é necessário entender como queimadas na estação úmida interferem nos ritmos fenológicos e no sucesso reprodutivo das plantas. É necessário identificar se existem grupos de plantas que são favorecidos ou prejudicados por regimes de queima diferentes e como estabelecer a melhor estratégia para a manutenção do maior espectro de espécies. No caso do capim-flecha, fica evidente a necessidade de um aprofundado estudo sobre sua biologia, identificando-se as alterações provocadas pelos diferentes regimes de queima. 2.72.7 2.72.7 2.7 Ecossistemas aquáticosEcossistemas aquáticos Ecossistemas aquáticosEcossistemas aquáticos Ecossistemas aquáticos Poucas pesquisas têm examinado os efeitos do fogo sobre a biota aquática (Minshall et al., 1989). Após as primeiras chuvas depois de um incêndio florestal, foi verificado que as características químicas dos ambientes aquáticos podem ser alteradas pela adição de bicarbonatos, nitratos, amônio e nitrogênio orgânico como resultado do carregamento dos constituintes das cinzas, ocasionando eutrofização. Além disso, podem ser alteradas a luminosidade e a temperatura de córregos e rios menores (Minshall et al., 1989; Chandler et al., 1983). Os maiores impactos provavelmente ocorrem em pequenos corpos d’água e onde a vegetação à montante tenha sido extensamente queimada (Minshall et al., 1989). A biota aquática do Cerrado pode ser afetada negativamente quando ocorrem grandes incêndios no final da estação seca, particularmente, em terrenos acidentados. Nestas condições, a água da chuva pode levar as cinzas para dentro dos corpos d’água, causando eutrofização temporária do sistema (Dias, 2004). O excesso de nutrientes promove o crescimento exagerado de algumas algas, as quais consomem mais oxigênio da água. Desse modo, peixes e invertebrados aquáticos podem ser mortos por falta de oxigênio na água. No Parque Nacional das Emas, os campos úmidos são áreas freqüentemente queimadas por causas naturais e antrópicas. Queimadas nestas áreas podem atingir as comunidades de peixes e invertebrados que ocupam as poças e áreas brejosas. Mudanças no pH, composição iônica, balanço de energia (pelo aumento da insolação devido à retirada da vegetação) podem alterar as comunidades destas áreas. Os peixes rivulideos, grupo de interesse por compor parte importante da biodiversidade da ictiofauna e estar diretamente associado a estes ambientes, devem ser avaliados para se determinar os impactos do fogo e a influência da sazonalidade.
100 2.82.8 2.82.8 2.8 FF FF Faunaauna aunaauna auna Os efeitos do fogo na composição e atividade da biota dependem de fatores como espécies envolvidas, intensidade, época do fogo e extensão do ambiente alterado pelo fogo. A sobrevivência ao fogo apresenta dois componentes: (a) os efeitos diretos do fogo durante a passagem das chamas, e (b) a tolerância às modificações no ambiente pós-fogo (Whelan, 1995). Aparentemente o fogo não elimina muitos animais diretamente, mas pode resultar em dispersão significativa, dos animais que fogem do fogo ou dos ambientes inóspitos criados logo após o fogo pelas mudanças na estrutura da vegetação. As mudanças na estrutura da vegetação estão entre os principais fatores de alteração na composição e densidade populacional de espécies da fauna (Bigalke e Willan, 1984). No Parque Nacional das Emas, Rodrigues (1996) observou a influência do fogo e da seca na disponibilidade de alimento para herbívoros. Na estação seca, foi verificada maior disponibilidade de ervas palatáveis em uma área queimada em relação a uma área não queimada. Portanto, as áreas queimadas, desde que não sejam de grande extensão, podem constituir fontes de recursos alimentares para os herbívoros no período seco, quando a disponibilidade de ervas é reduzida. Além disso, o autor considera que se o fogo for administrado na época anterior à floração da maioria das espécies vegetais e da reprodução da maioria das aves de chão (início das chuvas), a influência sobre a produção de frutos e o impacto nas populações de aves terrestres serão menores. Os efeitos de queimadas freqüentes na fauna de lagartos em uma área de Cerrado do Distrito Federal foram verificados por Araújo et al., (1996). A pesquisa demonstrou que ocorre redução da riqueza das espécies, e que alguns taxons apresentaram maior resistência às mudanças ocorridas no ambiente após o fogo. Em relação às aves do Cerrado, há indicações de que algumas espécies são adaptadas à ocorrência de queimadas (Figueiredo, 1991), mas os estudos ainda são poucos. Em 1978, após um grande incêndio no PNE, foram registrados danos para ninhos e ovos de pássaros, particularmente de emas, ave bastante abundante nesta unidade de conservação (IBDF/FBCN, 1981). Nos EUA, grandes incêndios, como os observados no Parque de Yellowstone, não provocaram mortalidade imediata significativa de grandes mamíferos, mas os efeitos indiretos do fogo e os fatores climáticos aumentaram esta mortalidade (Singer et al., 1989). Geralmente a megafauna de Cerrado é pouco afetada por incêndios, devido à disponibilidade de refúgios. Entretanto, após um grande incêndio no Parque Nacional das Emas, Silveira et al., (1996) verificaram uma significativa mortalidade de tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla), com estimatívas de que dois terços da população tenha perecido, sendo que dados similares foram registrados em grandes queimadas de anos anteriores (IBDF/FBCN, 1981). No caso de pequenos incêndios provocados por raios no PNE, não tem sido observado mortalidade de animais (Ramos Neto, 1997). Entretanto, o crescente isolamento do Parque, causado por fazendas produtoras de grãos onde a
101 vegetação nativa é quase completamente retirada, diminuindo a possibilidade de corredores ecológicos, o impacto negativo do fogo sobre várias espécies animais e vegetais pode ser agravado. Em relação aos efeitos do fogo na fauna de insetos do Cerrado, poucas pesquisas foram desenvolvidas. O fogo afeta de modo diferente as espécies de cupins do Cerrado. Os impactos podem ser negativos quando há destruição de cupinzeiros ou morte de parte da colônia para espécies com ninhos menos resistentes, ou podem beneficiar algumas espécies em áreas sujeitas a queimadas freqüentes com ninhos mais resistentes (Dias 1994). Há carência de dados locais sobre os efeitos do fogo para vários grupos de animais como insetos, répteis, aves e anfíbios e deve-se evitar a generalização de resultados de pesquisas devido às variações ambientais encontradas no Cerrado. 2.92.9 2.92.9 2.9 Causas das queimadasCausas das queimadas Causas das queimadasCausas das queimadas Causas das queimadas As queimadas e incêndios na área do Parque Nacional das Emas podem ser resumidos em três categorias: queimadas naturais provocadas por descargas elétricas, queimadas antropogênicas acidentais e queimadas antropogênicas intencionais. Atualmente, no PNE, as queimadas naturais provocadas por descargas elétricas são as mais comuns e, em geral, estão associadas às tempestades de raios que ocorrem nos meses úmidos. Na área do Parque, no período de 1995 a 2003, não foi observada nenhuma tempestade de raio durante os meses de seca (junho a agosto), sendo que estas começam a ocorrer na região a partir de setembro e se mantêm presentes até maio, ocorrendo em maior freqüência durante os meses de setembro a fevereiro. A ocorrência de raios é pouco documentada para os cerrados. O registro obtido por Pinto et al., (1996), indica uma ocorrência de 0,4 raio (nuvem-solo) por km2/ano para o Triângulo Mineiro, em local que se encontra na mesma latitude do Parque e distante cerca de 400km. França et al., (2004) utilizaram os dados da Rede Integrada Nacional de Detecção de Descargas Atmosféricas (RINDAT) e encontraram um raio nuvem-solo/km2 durante cinco meses de observação (out./ 02 a março/03) no PNE, mas comentam que esse valor é subestimado. Pinto e Pinto Jr (2000) estimam uma incidência entre 5 e 10 raios nuvem-solo/km2 por ano nos cerrados de Minas Gerais, mas como observam os autores, esta estimativa não é acurada. No entanto, nem todos relâmpagos que chegam ao chão provocam queimadas pois, quando está chovendo, a probabilidade do fogo se manter é pequena. Fuquay (1962) encontrou em florestas temperadas uma proporção de 0,01 a menos de 0,001 no número de descargas elétricas “nuvem– solo” que provocaram queimadas e que necessitaram de ações de supressão. Considerando-se esta densidade de raios como similar à encontrada no Parque, podemos estimar que cerca de 1 a 2% dos relâmpagos que caem por ano provocaram queimadas no Parque Nacional das Emas.
102 No período 1995-1999, os focos iniciais de queimadas naturais no Parque Nacional das Emas se concentraram no topo da chapada. A distribuição espacial desses focos mostrou que a queda de raios obedece a um padrão aleatório, o que é muito importante nas considerações práticas de manejo (Tabela 17). Caso existisse alguma área do Parque com maior probabilidade de incidências de raios, esta área teria maior probabilidade de queima e, conseqüentemente, menor intervalo entre queimadas. Informações sobre o número de dias sem chover antes da queimada e a quantidade de chuva na quinzena em que ocorreu a queima indicam que o fogo acontece independentemente da ocorrência de estiagem. Mesmo em períodos extremamente úmidos, como durante os meses de dezembro e janeiro, foram verificadas queimadas. A propagação e o tamanho da área queimada parece ser mais dependente das condições meteorológicas (umidade relativa do ar, precipitação, temperatura, vento) que ocorrem após o início do fogo do que das condições anteriores de seca ou precipitação. TABELA 17 – Distribuição dos focos iniciais das queimadas, em grades de tamanhos variados, com teste para distribuições randômicas e agregadas. (Obs.: grades menores 3x3 não permitem utilização de χ 2). (“n” = número total de células) (Ramos Neto, 2000). 2. 102. 10 2. 102. 10 2. 10 O fogo no Plano de ManejoO fogo no Plano de Manejo O fogo no Plano de ManejoO fogo no Plano de Manejo O fogo no Plano de Manejo As ações de manejo para as unidades de conservação no Brasil são definidas por um ou mais documentos técnicos chamados de planos de manejo, conforme prevê o SNUC (2002). O manejo de áreas para a conservação deve ser tratado de forma holística e não apenas em temas específicos, como fogo ou visitação, pois existem intricadas interelações entre estes temas e o objetivo de conservação da área. O manejo do fogo no Parque Nacional das Emas foi inicialmente definido no Plano de Manejo (IBDF/FBCN, 1981) e reavaliado no Plano Emergencial (Ibama, 1991). A necessidade de revisão das condutas de manejo na área foram se intensificando com a enorme quantidade de informação gerada na área e
103 nos avanços da biologia da conservação e das técnicas de manejo. O Plano de Manejo original considerava que o controle do fogo deveria ser a principal ação do Parque e justificava-o com base nas seguintes premissas: a. as informações acerca dos efeitos do fogo sobre os recursos faunísticos eram inexistentes; b. o fogo provocava a destruição de florestas de várzea, o que reduzia os habitats dos animais; c. o fogo reduzia, por aproximadamente 8 dias, a oferta de alimento aos animais; d. alguns animais, como o tamanduá-bandeira, são sensíveis ao fogo, e e. o fogo natural nos cerrados é raro ou impossível. O Plano de Manejo de 1981 foi concebido para favorecer principalmente as populações de animais de grande porte. Esta preocupação decorreu do fato de a fauna ser considerada, na época, o principal atrativo do PNE. A proposta foi a criação de uma rede de 348 km de aceiros preventivos, que seriam queimados anualmente e serviriam para conter os incêndios. Os aceiros no Parque, concluídos em 1987, delimitam 20 blocos artificiais, com áreas variando de cerca de 1.000ha até mais de 33.000ha. Estes aceiros, de 25 a 60 metros de largura, são faixas onde a vegetação seria constantemente removida por gradeamento e faixas onde a vegetação delimitada seria queimada, idealmente, a cada ano. Nunca foi realizada qualquer avaliação sobre as condições da vegetação nestes aceiros, sua efetividade no controle de incêndios, ou seu papel como fonte de alteração da dinâmica das comunidades. Além dos problemas apresentados por Saxon (1984) para este tipo de manejo, constatamos que os aceiros abrem frente para a entrada de espécies invasoras, principalmente a partir dos limites da reserva (Fundação Emas, 2001). Nota-se, no entanto, que depois de 1984, os grandes incêndios ocorreram em intervalos de três anos (85, 88, 91 e 94), mesmo depois da instalação dos aceiros, que apesar de instalados não tiveram a manutenção adequada. Após 1994, os aceiros foram queimados com maior regularidade e estes vêm se mostrando relativamente eficientes no bloqueio da progressão de frentes de fogo. Apesar da sua funcionalidade, os aceiros apresentam uma distribuição arbitrária e necessitam de revisão quanto às suas dimensões, área de abrangência e utilidade. Quando os aceiros são queimados, verifica-se a concentração de fauna nestas áreas por alguns meses subseqüentes. Por este motivo, os aceiros são considerados importantes pontos de visitação pública. Efeitos do fogo sobre o comportamento de herbívoso nas savanas foram relatados por Frost e Robertson (1987) e Ruess (1987), no entanto nenhuma avaliação foi feita sobre possíveis efeitos dos aceiros sobre as populações de grandes herbívoros no parque, apesar das agregações de veado-campeiro terem sido comprovadas nos estudos de Redford (1987) Rodrigues (1996 a e b) e Frutuoso (1999).
104 A técnica de queimadas controladas foi citada no primeiro Plano de Manejo como alternativa, a ser empregada apenas se os aceiros não forem suficientes. Argumentava-se que queimadas controladas causariam uma interferência sobre os habitats além do desejado para áreas de Parque Nacional, onde processos naturais devem prevalecer. A megafauna continua sendo um dos principais atrativos do PNE, no entanto, já se reconhece que a importância do Parque está no conjunto de seu imenso patrimônio biológico. A diversidade de plantas, animais e habitats existente no Parque Nacional das Emas, fazem dele a principal unidade de conservação de Cerrado do Brasil. O Plano de Manejo de 1981 era pouco abrangente nos seus objetivos, não contemplando a manutenção dos processos naturais que mantêm a alta biodiversidade da área. Outra crítica a ser feita em relação ao Plano de Manejo de 1981 está na forma como é colocada a questão do fogo no PNE, principalmente ao considerar o fogo natural como raro ou impossível e, por este motivo, tratar igualmente os grandes incêndios das queimadas naturais. Ramos Neto (2000) indica que queimadas naturais são freqüentes e importantes na dinâmica do Parque. Estas queimadas naturais servem para criar mosaicos de áreas com diferentes quantidades de biomassa combustível, servindo assim como barreiras naturais ao deslocamento do fogo. Considerar que a supressão do fogo no Cerrado é uma conduta de não-interferência é o mesmo que impedir que ocorram geadas numa região onde suas ocorrências são ocasionais. Por maiores danos aparentes que uma geada possa provocar na vegetação, ela deve ser vista como um evento natural, importante na dinâmica das populações da área. Meffe e Carrol (1994) salientam que uma unidade de conservação, uma vez delimitada, sempre vai necessitar de interferência para garantir a continuidade dos processos naturais, pois nenhuma reserva é suficientemente grande ou isolada para funcionar sozinha. O que se busca é que as interferências atendam aos objetivos da reserva. O manejo do fogo em Emas passou por vários questionamentos, incluindo um processo movido pelo Ministério Público exigindo a eficiência do manejo, o surgimento e consolidação das queimadas naturais como eventos freqüentes na área e a efetividade dos aceiros corta-fogo. A revisão do manejo do fogo foi incorporada ao novo plano, efetivado em 2004 e está apresentado aqui de forma reduzida. O manejo do fogo em áreas protegidas deve estar voltado, em primeiro lugar, à conservação da biodiversidade e, em segundo lugar, à garantia de segurança das demais atividades desenvolvidas na área (operações de rotina, uso público, pesquisa etc). A falta de informações, ou informações incompletas, sobre os efeitos do fogo sobre a biodiversidade torna a elaboração da estratégia de manejo do fogo em áreas um processo delicado. Nesse quadro, tão importante quanto às orientações sobre a queima ou não de uma área, estão as rotinas de monitoramento e avaliação. O estabelecimento de um programa continuado de monitoramento voltado a avaliar o impacto do manejo
105 sobre a biodiversidade e processos ecológicos e a criação de mecanismos de ajustes deste manejo é fundamental para que os objetivos de conservação sejam alcançados. No atual Plano de Manejo do Parque, as atividades de previstas foram separadas em três grupos: Pré-Supressão; Supressão; Monitoramento e Avaliação, e estão apresentadas a seguir de forma sintética. Pré-supressãoPré-supressão Pré-supressãoPré-supressão Pré-supressão As atividades de pré-supressão incluem todas as atividades executadas para dar condições ao Parque de se prevenir de incêndios antropogênicos indesejáveis, avaliar e acompanhar queimadas naturais e assegurar a efetiva supressão do fogo em caso de necessidade. As seguintes atividades fazem parte da Pré- supressão: 1. Campanhas educativas1. Campanhas educativas 1. Campanhas educativas1. Campanhas educativas 1. Campanhas educativas As campanhas educativas e de esclarecimento devem ser construídas com o auxílio de profissionais na área de comunicação e educação ambiental e implementadas conforme cronogramas pré-estabelecidos visando: • fornecer informações para os visitantes sobre o fogo e seu papel ecológico; • fornecer informação aos visitantes sobre as atividades de manejo do fogo e riscos associados; • reduzir as atividades de risco no entorno do Parque e • treinar os funcionários do Parque em questões ligadas ao manejo, segurança e conservação. As campanhas educativas envolvendo o entorno de Unidades de Conservação devem ocorrer de forma sistemática com objetivo de reduzir significativamente os impactos humanos negativos nestas áreas e permitir a participação das comunidades no processo de conservação. 2. Recrutamento e capacitação de brigadistas2. Recrutamento e capacitação de brigadistas 2. Recrutamento e capacitação de brigadistas2. Recrutamento e capacitação de brigadistas 2. Recrutamento e capacitação de brigadistas A utilização de brigadas civis de combate especializada em incêndios florestais tem sido um dos mais eficientes instrumentos de combate aos incêndios em vários países como os EUA, Canadá, Chile, etc. Algumas destas brigadas nos EUA atingiram elevado nível de especialização, como os smoke jumpers e os rapellers, cujos participantes atuam com uso de pára-quedas e equipamentos de escalada, respectivamente, para aumentar a eficiência de combate em determinadas situações. No Brasil, o Ibama e outras instituições têm tentado trazer esta experiência, criando brigadas voluntárias e para as unidades de
106 conservação brigadas remuneradas. A eficiência destas brigadas depende do processo de capacitação, do envolvimento de pessoas locais e da forma de organização destas brigadas. No Brasil, as brigadas especialistas em combate aos incêndios formadas nas principais Unidades de Conservação com risco de fogo têm demonstrado eficiência significativa no combate aos incêndios devido, principalmente, à rapidez de ação, conhecimento do terreno e aplicação de técnicas específicas. No entanto a manutenção das brigadas é um problema recorrente nas unidades de conservação, pois elas são geralmente desmobilizadas ao final do período de incêndios. No PNE, a utilização de brigadas de combate é uma das estratégias para a eficiência na supressão de incêndios devido à rapidez de ação e disponibilidade de pessoal especializado. O histórico das ações de combate no Parque, com a utilização única de bombeiros e alguns poucos funcionários do Ibama, tem demonstrado que o tempo gasto no deslocamento dos combatentes da cidade de Mineiros ao PNE, aliado à demora na detecção do fogo, resulta em incêndios de controle extremamente difícil. No entanto, a rotatividade anual dos brigadistas impede que exista um constante aperfeiçoamento das equipes. Todo ano novos brigadistas são formados e permanecem no Parque por um período não superior a seis meses. As atividades de combate aos incêndios florestais requerem treinamentos específicos para a formação de brigadistas. O treinamento completo deve envolver cursos complementares de primeiros-socorros e cartografia básica. O perfil atual dos brigadistas do PNE, contratados por curto espaço de tempo, e a forma de capacitação incompleta não tem atingido a qualidade necessária para a condução do trabalho. Hoje os brigadistas são trabalhadores temporários, a maioria trabalhadores rurais desempregados. Este perfil associado às dificuldades de manutenção do pessoal por longo prazo dificulta a existência de uma brigada nos moldes de outros países. A capacitação e mobilização dos brigadistas não pode se limitar ao tempo de contratação, devendo existir um programa de capacitação continuada e atividades para manter os brigadistas ativos e participantes. O processo de capacitação dos brigadistas deve ser aprimorado com atividades de intercâmbio ou capacitações de médio e longo prazo. Além da avaliação do estado de saúde dos brigadistas é importante implementar um programa regular de exercícios físicos. 3. Fiscalização3. Fiscalização 3. Fiscalização3. Fiscalização 3. Fiscalização As rotinas de fiscalização devem ser mantidas para coibir as atividades ilegais que podem causar incêndios no PNE, como as queimadas sem autorização nas propriedades do entorno. Estas atividades podem ser reforçadas com a colaboração da Polícia Ambiental em ações conjuntas previamente estabelecidas. De modo geral, o uso de fogo no entorno no Parque tem se
107 reduzido, mas incêndios provocados por pescadores (ou caçadores) ainda podem ocorrer nas áreas das várzeas dos rios da Glória, Formoso e no cerrado do Jacuba. Estas áreas devem ter prioridade nas ações de fiscalização. As ações de fiscalizações devem ser intensificadas nos períodos de seca, conforme as avaliações de risco de queima. 4. Central de operações4. Central de operações 4. Central de operações4. Central de operações 4. Central de operações Uma Central de Operações deve estar instalada na sede do PNE, onde todas as informações relativas aos incêndios deverão ser analisadas. Esforços devem ser direcionados para a capacitação dos funcionários na utilização de Sistemas de Informações Geográficas (SIG), Global Positioning System (GPS) e cartografia, permitindo a utilização de sistemas digitais de gerenciamento das atividades de manejo. A partir da base de dados e de informações de campo, as estratégias de combate serão definidas e os recursos necessários serão providenciados, utilizando informações espaciais e temporais. A sede do Parque deve dispor de uma estrutura básica necessária para uma Central de Operações contendo: • Bases cartográficas em escala 1:50.000 ou maior, mostrando acessos, topografia, vegetação, recursos hídricos, etc; • Computador e programas compatíveis para utilização de SIG e GPS e acesso rápido à internet; • Mapas digitais derivados das informações de campo (áreas queimadas, combustíveis etc); • Veículos e • Telefone e aparelhagem de rádio-comunicação. 5. Suprimento de equipamentos de combate5. Suprimento de equipamentos de combate 5. Suprimento de equipamentos de combate5. Suprimento de equipamentos de combate 5. Suprimento de equipamentos de combate O Parque deve construir um plano de aquisição e manutenção dos equipamentos de combate e segurança adequados às condições ambientais da área a ser protegida. A elevada velocidade de propagação e intensidade do fogo no PNE nas fitofisionomias abertas, principalmente nas áreas de capim-flecha, dificultam a aproximação do brigadista aos focos de fogo. Assim, as atividades de combate ao fogo exigem o uso intensivo de equipamentos que utilizem água, como caminhões-pipa, motos-bombas e bombas costais. Particularmente, o uso de pipas em caminhões ou tratores e de motos-bombas é imprescindível no Parque devido à eficiência destes equipamentos para diminuir a intensidade das chamas. Além disso, equipamentos como abafadores, adequados para o combate em vegetação de campos, devem ser bastante utilizados, entre outros.
108 Os equipamentos devem ser transportados e manuseados de modo a garantir maior eficiência e durabilidade do material. Para maior eficiência na utilização de água no combate ao fogo no Parque foram definidos alguns pontos de captação em locais de apoio. Estes pontos podem diminuir sensivelmente o tempo gasto no transporte de água em alguns trechos do Parque. Na situação atual, a ausência destes pontos de captação tem retardado por várias horas as ações de combate em alguns locais do Parque. A rapidez de propagação do fogo no Parque exige um esforço para que o tempo de ataque aos focos seja o menor possível. Os pontos hoje existentes para abastecimento se localizam nos três portões e na sede atual. Sugere-se a instalação de mais um ponto de abastecimento na sede operacional a ser criada no ponto E e uma caixa d´água nas proximidades do ponto P1. 6. Análise de risco6. Análise de risco 6. Análise de risco6. Análise de risco 6. Análise de risco Deve ser elaborado um sistema de análise de risco baseado em SIG e atualizado em tempo real. A análise de risco deve estar baseada nas condições meteorológicas e no estado da vegetação. O sistema deve servir para definir estados de alerta. Os estados de alerta podem ser definidos para áreas específicas ou para todo o Parque. Sugere-se uma graduação de risco de pelo menos cinco categorias, como exemplificado a seguir e na Figura 61: • Baixo: condições meteorológicas não favoráveis à queima e/ou quantidade de biomassa combustível abaixo de 2t/ha. Sem restrições de uso; • Médio: condições meteorológicas não favoráveis à queima, quantidade de biomassa combustível superior a 2t/ha (mais de um ano sem queima). Sem restrição de uso. Verificação do estado dos aceiros; • Alto: condições meteorológicas favoráveis à queima, quantidade de combustível entre 2 e 5t/ha (entre dois e três anos sem queima). Restrição de uso. Verificação dos aceiros e áreas de escape. Rotina de verificação de queimada (torres de observação) diária e quando detectadas tempestades de raios. Em caso de áreas limites, visita aos proprietários e notificação do risco de incêndio; • Muito alto: condições meteorológicas favoráveis à queima por um período superior a 10 dias ou quantidade de combustível entre 2 e 5t/ha (três anos sem queima). Restrição de uso. Verificação dos aceiros e áreas de escape. Rotina de verificação de queimada (torres de observação) diária. Em caso de áreas limites, visita aos proprietários e notificação do risco de incêndio. Brigadistas em estado de alerta e equipamentos de combate revisados e prontos para uso e • Extremamente alto: condições meteorológicas favoráveis à queima por um período superior a 10 dias e quantidade de combustível superior a 5
109 t/ha (mais de 3 anos sem queimar). Restrição de uso. Verificação dos aceiros e áreas de escape. Rotina de verificação de queimada (torres de observação) diária. Em caso de áreas limites, visita aos proprietários e notificação do risco de incêndio. Brigadistas em estado de alerta e equipamentos de combate revisados e prontos para uso. Contato com corpo de bombeiro de Mineiros para estado de prontidão. Contato com Prevfogo Goiás e sede para estado de prontidão. FIGURA 61 – Exemplo de painel para acompanhamento do perigo de incêndio existente em áreas de produção de eucalipto. 7. Sistema de alerta7. Sistema de alerta 7. Sistema de alerta7. Sistema de alerta 7. Sistema de alerta Deve ser implementado um sistema de alerta que contemple três componentes: • análise de risco; • sistema de detecção e • monitoramento e mecanismos de resposta aos diferentes níveis de alerta. A análise de risco deve orientar e colocar em prontidão os funcionários para as situações de risco de incêndio; o sistema de detecção deve localizar os focos de incêndio no momento em que eles se iniciam, durante o dia ou à noite e sobre quaisquer condições de visibilidade. Estas duas ações devem desencadear respostas orientadas para proteger a unidade e usuários de incêndios danosos. Mário Ramos Neto
110 Um sistema de detecção eficiente deve ter como principais características a rapidez e a acurácia na localização dos focos. Entre os meios de detecção mais sofisticados e de custo mais elevado, existem torres com sistemas de câmeras com sensores de infravermelho, utilização de aeronaves e satélites. Sistemas de torres de observação e patrulhamento com automóveis, bastante comuns em áreas de conservação e de reflorestamento no Brasil e em outros países, podem ser eficientes e possuem a vantagem de ter um custo relativamente baixo. Um sistema de detecção de focos de incêndio no PNE pode combinar torres/ postos de observação e patrulhamento com uso de automóveis, durante praticamente todo o ano, já que mesmo durante a estação chuvosa ocorrem vários focos de fogo no Parque e no entorno. A utilização destes pontos de observação deve aumentar a eficiência de detecção em relação aos métodos atuais, com observações esporádicas em duas caixas d’água quando da detecção de colunas de fumaça no horizonte. Esse método, além de não abranger uma parte significativa do Parque e do entorno, limita as observações das colunas de fumaça no nível do solo, diminuindo à rapidez de detecção. Um trabalho não publicado elaborado pelo PREVFOGO em 2001 apresentou áreas com potencial para instalação de pontos de observação, de modo que o Parque e o entorno fossem abrangidos de modo significativo pelo campo de visão. Os pontos de observação situam-se nas seguintes localidades: • Ponto 1: portão da Guarda do Tamanduá. Neste ponto pode ser aproveitada a estrutura existente da caixa d’água (cerca de 10m de altura) como ponto de observação eventual; • Ponto 2: portão da Guarda do Veado. Neste ponto uma torre de metal com cerca de 10 m de altura pode ser usada como ponto de observação; • Ponto 3: próximo ao portão da Jacuba, nas coordenadas 17º55’19’’ Sul e 53º00’23’’ Oeste. Neste ponto também pode ser aproveitada a estrutura da caixa d’água existente para observações; • Ponto 4: sede operacional, no ponto E. Neste ponto pode ser instalada uma torre de metal com cerca de 15m de altura e • Ponto 5: próximo ao ponto V. Neste ponto pode ser instalada uma torre de observação com cerca de 15m de altura. As torres e os postos de observação devem ter vigilantes treinados para a atividade de detecção. Os observadores devem estar equipados com rádio, binóculos e goniômetro. O sistema de alerta deverá incluir o sistema de detecção, devidamente estruturado e apoiado por pessoal treinado, brigadas de combate e a Central de Operações (sede do PNE). A Central de Operações deve iniciar o processo de tomada de decisões, quando da ocorrência de focos de incêndio na área do Parque e entorno, conforme descrito a seguir: • Após receber as informações, a Central deve avaliar a região do incêndio, identificando o estado dos aceiros, estado da vegetação, presença de áreas de risco, áreas de estudo de pesquisadores e locais de visitação pública;
111 • Os brigadistas devem ser avisados e entrar em estado de prontidão, verificando equipamentos e providenciando os recursos necessários ao combate; • Em caso de necessidade, a Central de Operações deve acionar o ataque; • A Central de Operações deve acompanhar o desenvolvimento das ações de combate e promover o combate ampliado, se for o caso, informando imediatamente a todos os brigadistas, quartel do Corpo de Bombeiros em Mineiros e demais instituições participantes definidas em um Plano de Ação a ser elaborado e • Após qualquer ocorrência deve ser feita uma avaliação das informações obtidas, das tomadas de decisão, dos trabalhos de campo, da área queimada. Os recursos humanos e de materiais devem estar disponíveis para entrar rapidamente em ação. 8. Estabelecimento de planos de ação entre instituições interessadas8. Estabelecimento de planos de ação entre instituições interessadas 8. Estabelecimento de planos de ação entre instituições interessadas8. Estabelecimento de planos de ação entre instituições interessadas 8. Estabelecimento de planos de ação entre instituições interessadas É importante a execução de um plano de ação entre as instituições locais (ONGs, associações de produtores, prefeituras, polícia florestal, corpos de bombeiros, etc) interessadas especificamente nas ações de prevenção e combate aos incêndios no entorno do Parque. O Conselho Consultivo1 deve estar a par das ações de manejo e servir de interlocutor com a comunidade. No plano, são definidas as formas de participação de cada instituição. 9. Manejo de combustíveis9. Manejo de combustíveis 9. Manejo de combustíveis9. Manejo de combustíveis 9. Manejo de combustíveis O manejo de combustíveis vegetais visa à redução do risco de incêndios incontroláveis ou indesejáveis numa determinada área. Para o Parque Nacional das Emas, deve-se assegurar que o manejo de combustível seja focado na sua importância como mantenedor de processos biológicos e protetores da biota. Como nesta unidade as queimadas durante o período seco devem ser evitadas por apresentarem um forte impacto sobre a biota, a manutenção e queima dos aceiros é uma das mais importantes ações de manejo para a área. O manejo de combustíveis fora dos aceiros é uma possibilidade que deve ser avaliada quando o tempo de exclusão do fogo for longo (muito superior ao tempo médio de recorrência, que hoje está por volta dos sete anos) e houver indícios de redução da biodiversidade ou comprometimento de algum processo biológico fundamental. 1 O Conselho Consultivo do Parque foi criado em 2003, conforme determina o SNUC (2002) e é composto de representante dos municípios do entorno, de organizações não governamentais e de pesquisadores.
112 A modificação dos combustíveis pode ser feita da seguinte forma (Pyne 1984): • Redução. O combustível disponível para a queima é diminuído; • Conversão. Em ambientes artificiais certos combustíveis (plantas) são substituídos por outros de diferentes graus de inflamabilidade e, • Isolamento. A continuidade do combustível é quebrada através de barreiras naturais ou artificiais. Conhecidos como aceiros estas barreiras são usadas desde o final da década de 80 em Emas. Além disso, o manejo de combustíveis é utilizado na forma de queimas controladas para auxiliar na manutenção de espécies onde o fogo é um distúrbio natural (Whelan 1995). A utilização de aceiros externos em unidades de conservação tem mostrado a eficiência deste instrumento na diminuição da ocorrência de incêndios. Estes aceiros são efetuados principalmente através de queima anual de uma faixa da vegetação (aceiro negro) nos limites das unidades, no caso de áreas no Cerrado. A Resolução Conama no 11, de 14 de dezembro de 1988, estabelece que estes aceiros devem ser feitos de modo que o impacto na biota da Unidade seja mínimo. Em 1981, o Plano de Manejo do PNE (IBDF/FBCN 1981) propôs o sistema de aceiros existente hoje para controlar o fogo. Os aceiros na área do PNE é composto por um aceiro negro, onde a vegetação é queimada e por duas faixas onde a vegetação é excluída, sendo uma delas a estrada e a outra uma faixa gradeada. No PNE, os aceiros externos e internos têm demonstrado eficiência como barreira à propagação de incêndios, embora algumas modificações sejam necessárias. Não ocorreram incêndios catastróficos desde 1994 devido principalmente à manutenção anual dos aceiros. O PNE, juntamente com os PNs de Brasília-DF e Sete Cidades-PI, que também executam aceiros externos regularmente, têm sido umas das poucas unidades de conservação com freqüência bastante reduzida de incêndios de causa antropogênica, comparando- se com as demais Unidades (Bosnich, 1998). Embora seja uma ferramenta eficiente, os aceiros não devem ser a única opção de controle de incêndios nas Unidades de Conservação. Eventualmente, alguns incêndios podem ultrapassar as barreiras devido à velocidade e intensidade do fogo. Os aceiros externos e internos no PNE delimitam 20 blocos, com áreas entre 1.000 a 33.000ha (Ramos Neto, 2000; IBDF/FBCN, 1981). Em geral, sua largura varia de 25 a mais de 60 metros, sendo que em alguns pontos atinge cerca de 100m. Anualmente, são executados cerca de 348km de aceiros negros. Apesar da sua eficiência como barreira, os aceiros necessitam de revisão, pois outros impactos associados estão se intensificando com o passar do tempo. Por isso, as seguintes questões devem ser levadas em conta: a) Alterações da vegetação na área do aceiro e impacto sobre a fauna É conhecido que a queima freqüente tem efeito marcante sobre as comunidades vegetais, principalmente sobre a dinâmica de recrutamento,
113 mortalidade de indivíduos jovens, além de promover alterações no balanço de nutrientes e empobrecimento do solo. Apesar dos aceiros representarem uma área superior a mil hectares, nunca foi feita nenhuma avaliação dos efeitos do manejo sobre a biota ou solo. Algumas observações mostram que alterações significativas estão acontecendo, como a mudança na dominância de algumas espécies vegetais. Outra questão relacionada à queima freqüente dos aceiros são seus efeitos sobre a fauna, especialmente a atração desta e conseqüente aumento da herbívoria nos períodos de rebrota. Estes efeitos não têm sido considerados na avaliação dos impactos dos aceiros sobre a biodiversidade do Parque. b) Processos erosivos A área sem vegetação que compõe os aceiros são suscetíveis a processos erosivos causado pelo vento e água. Na maior parte do Parque predominam relevos planos e os processos erosivos, principalmente os relacionados com transporte hídrico não são evidentes. No entanto, em áreas de declividade acentuada é possível verificar ravinas e locais de deposição de sedimentos, às vezes em áreas extremamente sensíveis, como os campos úmidos. A regularização do escoamento superficial nas áreas gradeadas e estradas para evitar os processos erosivos é fundamental para a continuidade dos aceiros no Parque. Os pontos verificados com incidência de processos erosivos são: entre os pontos F e H2, nas proximidades do campo úmido do rio Formoso; Ponto X em direção a W, nas proximidades do campo de indaiá; Ponto Z4 em direção a Z3. c) Invasão de espécies exóticas A invasão de gramíneas exóticas na área do Parque é um processo intenso e contínuo. As gramíneas invasoras se estabelecem preferencialmente em áreas sem cobertura vegetal nativa, como as faixas gradeadas e as estradas que definem os aceiros. O estado atual de invasão é sério nos aceiros limítrofes ao Parque e está se intensificando internamente. A manutenção, remoção ou criação de novos aceiros deve observar obrigatoriamente a questão de invasão destas gramíneas, procurando reduzir ao máximo os impactos deste processo. d) Mudanças de traçado, largura e abertura de novos aceiros. Por se tratar de área de impacto sobre a biota e processos ecológicos, as mudanças de traçado, largura e abertura de novos aceiros devem ser considerados de forma extremamente conservativa. O principal ponto para questionar estas ações está na retirada da cobertura vegetal nativa no processo de abertura de novos aceiros ou na retificação de traçado. Como orientação geral sugere-se que não exista nenhuma alteração de traçado ou abertura de novos aceiros que envolvam a remoção da vegetação nativa. A análise da situação atual dos aceiros e de sua eficiência, apesar de não terem sido elaborados seguindo recomendações técnicas, não justifica a abertura de novos aceiros.
114 Para a melhora do sistema de manutenção dos aceiros sugerem-se algumas modificações com o intuito de reduzir os impactos sobre a biodiversidade, que deverão ser monitorados e avaliados. Entre as modificações necessárias para aumentar a eficiência e reduzir o impacto dos aceiros no ambiente, sugere-se: a) Eliminação de alguns aceiros internos. A rede de aceiros e os blocos formados são um dos principais determinantes do tamanho das queimadas naturais provocada por descargas elétricas, reduzindo a área média das queimadas naturais. Na situação de usar as queimadas naturais para promover mosaicos de vegetação com intuito de manter processos naturais, ao mesmo tempo em que se reduz a chance de incêndios incontroláveis, deve ser permitida a propagação das queimadas naturais, mantendo a possibilidade de controle e combate, caso necessário. O processo de eliminação de alguns aceiros pode ser gradual e passar por uma fase de queima alternada. Sugere-se que os seguintes aceiros sejam eliminados: trecho de aceiro entre os pontos G e C; trecho de aceiro entre os pontos W e Y; trecho de aceiro entre os pontos T e R e o trecho de aceiro entre P1-P2 (Figura 62). A eliminação de qualquer aceiro deve ser acompanhada de ações que visem recuperar a área gradeada, reduzindo os processos de erosão e invasão de espécies exóticas; FIGURA 62 – Orientação para revisão dos aceiros do Parque Nacional das Emas, GO.
115 b) Estabelecimento de um sistema de rodízio na queima dos aceiros, baseado no risco de queima e na avaliação do sistema de alerta. Na área do Parque é possível estabelecer 3 níveis de prioridade para a manutenção dos aceiros: aceiros que devem ser queimados anualmente, independente da situação da vegetação; aceiros que devem ser preparados todo ano e queimados em caso de necessidade, dependendo da situação da vegetação; e por fim aceiros que podem ser efetivados conforme a avaliação no início da estação seca. Com proposta os aceiros que devem continuar com o esquema atual de queima anual são os aceiros limítrofes (R-O, O-M, L-K, K-C, C-E, E-F, Z1-Z3) e os aceiros que delimitam as furnas (Z1-Y, Y-VY, VY-V, V-U2, U2-TU2, TU2-Q). Os aceiros que devem ser preparados anualmente e queimados em caso de necessidade são os seguintes: U1-U2, M-N-P2, C-B-A e X-W-P2-W. Os aceiros que devem ser avaliados no início da estação são os seguintes: A-K, B-J-G-F, X-Z1, O-P1-V (Figura 62). c) Elaboração de uma programação de queima dos aceiros de forma a maximizar sua efetividade durante os meses de junho a setembro. A maior efetividade dos aceiros ocorre enquanto a quantidade de biomassa combustível se mantém abaixo de 1 t/ha. Pelas estimativas obtidas por Ramos Neto (2000), para as vegetações abertas, até seis meses após a queima durante o início da época seca as quantidades de combustível se mantém abaixo do valor crítico. Desta forma, se os aceiros forem queimados no início da estação seca, preferencialmente no final de maio e início de junho, estes serão efetivos até meados de dezembro, quando o risco de fogo geralmente é mais baixo. A queima tardia dos aceiros, como vem acontecendo atualmente (entre julho e agosto) além de deixar o Parque vulnerável em parte da estação seca e do manejo ocorrer na época de maior risco de escape, provoca um retardo no processo de recuperação da vegetação, deixando inviável sua queima no ano seguinte. Isto decorre do fato de que queimadas realizadas no auge da estação seca reduzem em cerca de um terço a quantidade de combustível ao final do ciclo. Deve ser feita uma avaliação do estado da vegetação ao longo dos aceiros no início da estação seca, identificando os trechos aptos para a queima. Em seguida, deve ser feita uma programação para a queima da vegetação, procurando adiantar a queima o máximo possível. Os aceiros devem ser monitorados dentro de um programa específico quanto aos impactos que podem causar nos recursos do Parque, conforme proposto. O Plano de Manejo do PNE (IBDF/FBCN, 1981) propôs que, caso o sistema de aceiros não fosse suficiente para controlar o fogo, um sistema de queima controlada de blocos de vegetação para redução de combustíveis poderia ser iniciado. Entretanto, essa ação ainda não foi adotada, considerando que o sistema de aceiros tem se mostrado eficiente para reduzir a incidência de grandes incêndios. O uso de queimadas controladas unicamente como forma de redução de combustíveis para controle do fogo pode não ser compatível com a
116 manutenção da biodiversidade. Assim, a redução de combustíveis não deve ser o único objetivo de queimadas controladas quando a prioridade é a conservação de recursos biológicos (Stocks e Trollope, 1993). O fogo, utilizado na forma de queimadas controladas, pode ser considerado como ferramenta de auxílio à manutenção da biodiversidade em áreas abertas de Cerrado. No PNE, ainda há escassez de dados de pesquisa sobre os ecossistemas e os efeitos do fogo sobre a biota local. A possível utilização de queimadas controladas deve ser baseada fundamentalmente em dados de pesquisa que comprovem o benefício desta ferramenta de manejo para as espécies e após análise dos efeitos de queimas naturais provocados por raios. Os raios são uma das principais fontes de ignição em savanas onde a extensão da estação seca gera um componente herbáceo altamente propenso ao fogo (Stocks e Trollope 1993). As queimas provocadas por raios têm sido consideradas como um distúrbio natural que pode auxiliar na manutenção da biodiversidade (Middleton et al., 1997; Komarek, 1972; Agee, 1993). A ocorrência de queimadas naturais em savanas sul-africanas tem resultado em um mosaico de áreas queimadas por diferentes intensidades e freqüências, contribuindo para a manutenção da diversidade de tipos de vegetação (Trollope, 1984). Em relação às queimadas prescritas controladas, caso sejam utilizadas no futuro, os seus efeitos na biota do Parque também devem ser acompanhados por um programa amplo de monitoramento, com a participação de pesquisadores e técnicos de universidades, institutos de pesquisa, Ibama etc. Por último, ressalta-se que a utilização de queimadas de manejo em Unidades de Conservação também deve atender à Resolução Conama no 011 de 14 de dezembro de 1988. SupressãoSupressão SupressãoSupressão Supressão A supressão do fogo deve ocorrer na área do Parque nas seguintes circunstâncias: a) sempre que houver risco elevado de propagação do fogo de forma incontrolada; b) quando sua origem for antrópica acidental ou criminosa; c) quando sua origem for externa ao Parque e, d) quando apresentar risco às infra-estruturas e as atividades de visitação. Fora estas situações, o fogo deve ser combatido apenas se houver evidências de dano à biodiversidade, que pode acontecer em queimadas de grande intensidade, comumente durante a época seca. Queimadas naturais durante a estação úmida (de outubro a abril) devem ser acompanhadas em campo e controladas nos aceiros. Queimadas naturais nas épocas de transição da estação úmida para a seca (maio) e principalmente da estação seca para a úmida (setembro) devem ser acompanhadas em campo, e podem ser suprimidas caso o risco de queimada de grande intensidade esteja
117 presente. A avaliação sobre a supressão de queimadas naturais deve levar em conta as condições meteorológicas e o estado da vegetação, sendo críticas as áreas com mais de cinco anos sem queima. O combate aos incêndios no PNE sempre foi difícil devido, principalmente, às características da vegetação, e às deficiências de infra-estrutura na área. Entre estas deficiências, destacam-se: a) sistemas de comunicação e detecção precários; b) falta de pessoal para combate imediato; c) planejamento das ações de monitoramento e combate deficientes. Na década de 1980, devido à demora do ataque inicial e conseqüente rápido alastramento do fogo, o controle do incêndio foi bastante difícil, resultando geralmente em incêndios catastróficos. Alguns incêndios ocorridos no Parque, causados por queimadas em áreas próximas à Unidade, foram detectados antes mesmo de ultrapassar os limites do Parque e mesmo assim resultaram em incêndios catastróficos. A velocidade do fogo nas áreas de campo da chapada já possibilitou a queima de extensas áreas do Parque em poucos dias, como no caso dos grandes incêndios da década de 1980. Dessa forma, as ações definidas na etapa de pré-supressão devem aumentar de modo expressivo a eficiência das atividades de combate ao fogo no Parque. Ressalte-se que o Parque possui estradas em boas condições, possibilitando o rápido deslocamento entre vários setores, com exceção da área localizada na parte baixa da chapada, onde o acesso só é possível a pé. O impacto das ações de combate sobre a biodiversidade nunca foi sistematicamente monitorado. Observações esporádicas indicam que o trânsito de caminhões nas áreas de vegetação nativa provocam a destruição de indivíduos arbóreos de pequeno porte. O peso dos veículos provoca também a compactação do solo e impacto sobre as gramíneas, sendo possível identificar as marcas do trânsito mesmo após alguns meses. Em casos de a vegetação estar bem desenvolvida, a chance de colisão com termiteiros ou queda em buracos de tatu-canastra é grande, pondo em risco a segurança dos brigadistas e dos equipamentos. Sugere-se que o combate deve ser feito prioritariamente nas faixas de aceiro e estradas, evitando-se áreas com vegetação natural. 1. Organização para o 1. Organização para o 1. Organização para o 1. Organização para o 1. Organização para o cc cc combateombate ombateombate ombate A supressão é o processo pelo qual o fogo é controlado. As táticas necessárias para o controle do fogo irão variar com o comportamento do fogo, tipo de combustível, características físicas da área e com os recursos disponíveis. As operações de combate devem ser apoiadas e determinadas pela estrutura da Central de Operações, a qual vai orientar as atividades do dia e suprir os brigadistas dos equipamentos, transporte, alimentação e condições para descanso, por meio de uma equipe de apoio.
118 A organização básica de combate aos incêndios deve seguir a orientação do Manual de Operações de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais do PREVFOGO (Bosnich, 1998), incluindo as atribuições para chefe de incêndio, chefe de brigadas, chefe de esquadrão e brigadistas. O Corpo de Bombeiro pode ser acionado em casos de emergência para ajudar nas atividades de supressão previstas. 2. Etapas de 2. Etapas de 2. Etapas de 2. Etapas de 2. Etapas de ss ss supressãoupressão upressãoupressão upressão A partir do recebimento das informações relativas à localização dos focos de incêndio e da avaliação sobre a necessidade ou não da sua supressão, a mobilização de pessoal para o combate deve ser o mais rápida possível. A estratégia para o combate aos incêndios pode seguir as seguintes etapas, como definido em Bosnich et al. (1998): a. Reconhecimento Consiste na análise da situação do incêndio, dos fatores que influenciam o comportamento do fogo, dos valores ameaçados e definição da estratégia de combate. Nesta etapa, deve-se analisar, também, o tipo de combustível, existência de barreiras naturais, tipo de propagação do incêndio, ponto de ataque inicial e identificação de áreas perigosas; b. Ataque inicial É a primeira ação de combate, com aplicação das estratégias definidas na fase de reconhecimento. O ataque inicial deverá ser realizado pelas brigadas da Unidade, que avaliarão a necessidade de providenciar reforços para a efetiva supressão do incêndio; c. Ataque ampliado É o acionamento de reforço de contingente de combatentes e outros recursos, previamente estabelecidos no Plano de Ação, para o combate a incêndios cujos recursos ordinários sejam insuficientes para sua extinção; d. Controle É a fase do combate após o primeiro ataque, quando a frente principal do fogo é detida e a área do incêndio é delimitada por uma linha de controle; e. Rescaldo Consiste em apagar todos os focos com fogo ou brasas dentro da área queimada para evitar o retorno do incêndio;
119 f. Vigilância da área queimada Consiste em patrulhar a área do incêndio, com a presença de brigadistas e outros combatentes, ao longo das linhas de controle, na área onde o fogo foi combatido. Devem ser observados quaisquer materiais ainda em brasa, detectando possíveis focos ativos que ainda permaneçam na área. A vigilância somente será desativada após a total extinção do incêndio; g. Desmobilização de pessoal Um incêndio somente poderá ser considerado extinto quando após a vistoria da área pelo chefe do incêndio, é verificado, com certeza, a inexistência de focos capazes de reiniciá-lo. Após isto, as atividades e o pessoal envolvido no combate poderão ser desativados. 3. Monitoramento e 3. Monitoramento e 3. Monitoramento e 3. Monitoramento e 3. Monitoramento e aa aa avaliaçãovaliação valiaçãovaliação valiação O monitoramento, ou seja, o acompanhamento e avaliação das ações de manejo de fogo, são importantes para qualquer programa de manejo como mecanismo de “feedback” para melhorar a eficácia das ações adotadas e fornecer a base para a melhoria ou alternativas para estas ações (Wouters, 1994; Peck, 1998). O monitoramento do manejo de fogo no PNE deve incluir basicamente os seguintes aspectos: 1) Banco de informações sobre as ocorrências de fogo, recursos utilizados e acompanhamento das ocorrências. A organização da informação e a sistemática de sua coleta são fundamentais para a avaliação de longo prazo da efetividade do manejo. A criação de protocolos de coleta das informações e as rotinas de abastecimento dos bancos de dados são fundamentais para que as informações estejam disponíveis e organizadas. Sugere-se a utilização de sistemas informatizados. 2) Integração de um sistema de detecção de descargas elétricas para localização de descargas do tipo nuvem-solo. Sistemas de detecção de descargas elétricas já estão disponíveis no Brasil. Este sistema permite a localização, em tempo real, de descargas elétricas atmosféricas, distinguindo aquelas nuvem-solo das intra-nuvem e nuvem-nuvem. Este sistema, com precisão variável (em torno de 1km), se integrado ao sistema de alerta, permite o ganho de tempo na detecção de focos de fogo, pois os métodos tradicionais de detecção do solo se baseiam na visualização da fumaça, que, dependendo da distância, pode demorar alguns minutos para ser confirmada.
120 3) Consolidação do SIG para atendimento das rotinas de manejo do fogo. O Parque já conta com equipamento mínimo de informática e os funcionários têm sido treinados para a utilização de Sistemas de Informação Geográfica. O suporte para coleta de informações em campo e processamento dos dados em SIG para apoiar o manejo e o monitoramento do fogo no Parque pode também ser feito em parceria com outras instituições, incluindo ONGs, universidades etc. 4) Adequação das equações para estimativa de combustível. Para a análise de risco e determinação dos níveis de alerta é fundamental que as equações de estimativa de combustível sejam adequadas para as diferentes comunidades vegetais. Hoje as equações valem apenas para os componentes herbáceo-arbustivo das vegetações abertas de cerrado. Equações para o cerrado denso e campo úmido são fundamentais. 5) Mapeamento detalhado da vegetação na escala 1:25.000 ou superior. É fundamental tanto para estimativas de risco, como para a orientação do combate as informações detalhadas da distribuição espacial da vegetação. Este mapeamento, além das fisionomias, deve trazer informações sobre dominância, possíveis em mapeamentos desta escala. 6) Adequação das equações de risco de fogo. Existem vários modelos para determinação do risco de fogo, podendo levar em consideração variáveis meteorológicas, de tipo e estado da vegetação. Estes modelos devem ser adaptados às condições locais e às características de combustibilidade das diferentes vegetações. Sugere-se uma adaptação dos modelos de risco de fogo apresentados por MacArthur (1966, 1967). 7) Elaboração de informativos mensais sobre a situação dos combustíveis, informações meteorológicas da estação do Parque, estado dos aceiros e ocorrência de queimadas. Além de propiciar o melhor planejamento das ações de manejo, permitem o acompanhamento da situação do Parque por outros técnicos do Ibama e parceiros. 8) Avaliação dos objetivos alcançados no programa de manejo de fogo. 9) Avaliação dos efeitos das atividades de manejo de fogo no ecossistema (fauna, flora, solo, água e ar). 10) Programa de monitoramento dos aceiros. Os aceiros são excepcionais áreas para a avaliação dos efeitos do fogo sobre a biodiversidade do Parque Nacional das Emas. Por se tratarem de áreas expostas a um regime de queima com maior freqüência, deve ser possível identificar e mensurar nos aceiros as alterações nas comunidades biológicas
121 e no meio físico em decorrência do fogo. Uma análise comparativa dentro e fora dos aceiros, utilizando-se parcelas, pode fornecer os indicativos necessários dos efeitos do fogo. Sugere-se que sejam investigadas as mudanças na dominância, na composição de espécies, nas taxas de produtividade, nos comportamentos fenológicos, nas densidades e dominâncias de termiteiros, e na fertilidade do solo. O grande desafio na elaboração do Plano de Manejo de Emas foi a mudança de enfoque de um manejo simplesmente voltado à proteção contra o fogo para um manejo dirigido a maximizar a conservação da biodiversidade. Esta mudança não foi total, mas os primeiros passos para um manejo adaptativo orientado à conservação foram feitos. Os planos de manejo não são vistos mais como documentos estáticos e sim em constante processo de aperfeiçoamento, decorrente de avaliações periódicas, dos monitoramentos e de novos estudos científicos. No que diz respeito ao manejo do fogo o principal marco foi a mudança dos pressupostos. No atual plano o fogo natural é reconhecido como importante fonte de manutenção da diversidade e de processos naturais, avanço significativo se comparado com o plano anterior, que simplesmente negava a existência de fogo natural. Apesar do manejo ainda estar focado em grande parte na prevenção contra queimadas externas existe a possibilidade da criação de um ou mais regimes de fogo baseados nas queimadas naturais. Para isso o sistema de aceiros deve ser revisto e cada foco de fogo identificado deve ser avaliado com base num conjunto de informações que devem estar disponíveis para os tomadores de decisão.
125 O Parque Nacional das Emas não é a maior reserva de Cerrado brasileiro mas é, sem dúvida, na avaliação atual, a mais importante em termos de proteção da biodiversidade. É considerado, junto com o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (GO), Patrimônio Natural da Humanidade, e seus campos, cerrados e matas abrigam uma das mais significativas amostras da biodiversidade brasileira. Pelo menos 22 espécies globalmente ameaçadas (IUCN, 2004), além de uma dezena de espécies nacionalmente ameaçadas (MMA/Ibama, 2003) estão presentes no Parque. Esses valores são os maiores já encontrados em qualquer área protegida no Brasil, superando reservas da Amazônia e Mata Atlântica. Vários inventários e pesquisas de médio e longo prazo foram e estão sendo conduzidos no PNE, fazendo dele uma das reservas mais estudadas no Cerrado. A importância do Parque Nacional das Emas é aumentada porque o único remanescente das vegetações campestres que ocorriam em todo Sudoeste de Goiás, agora ocupadas pelas atividades agrícolas e pecuárias, está dentro de seus limites. Entretanto, toda esta importância não se reflete nem na preocupação de realizar um manejo voltado à proteção da biodiversidade, nem na quantidade de recursos disponíveis para o PNE. De maneira geral, pouco tem sido feito nas unidades de conservação nacionais, além da administração básica, como o controle de entrada e saída de visitantes e a manutenção das estruturas (construções, estradas, pontes etc). No máximo, como no caso do Parque Nacional das Emas, tem-se conseguido protegê-lo do fogo de origem antrópica. Os planos de manejos produzidos, mesmos os atuais, têm um forte viés para o estabelecimento das rotinas administrativas, normas de construção e utilização das estruturas, deixando as questões de manejo e monitoramento da biodiversidade (ou para a biodiversidade) em segundo plano. No novo Plano de Manejo do Parque Nacional das Emas, elaborado em 2004 (Ibama, 2004), tentou-se incluir o tema biodiversidade como o norteador do manejo de fogo. O sucesso foi parcial, pois apesar de nele constarem diretrizes para avaliação do manejo sobre a biodiversidade, conforme apresentado no Capítulo 2, elas não foram implementadas. O fogo é um importante distúrbio no Cerrado e sua recorrência nos últimos milhares de anos ajudou a estabelecer comunidades adaptadas e a favorecer características específicas na flora e fauna. Sabe-se que nos cerrados e seus ecossistemas associados existem tanto espécies e comunidades altamente resistentes ao fogo, como aquelas sensíveis a ele, mas no geral, há uma resistência maior do que a encontrada nas florestas úmidas. A ameaça do fogo está associada às características intrínsecas dos cerrados. O risco de incêndios durante o período seco é determinado pelas condições climáticas, pois quase não chove, e pela vegetação, que acumula muito material morto, principalmente do extrato herbáceo-subarbustivo. Esta combinação torna muito alto o risco de fogo na estação seca. Entretanto, sem ação antrópica e levando-se em consideração as condições naturais do Cerrado, os incêndios
126 durante essa estação seriam raros, devido à quase ausência de raios, único agente iniciador natural do fogo. Em condições normais, as tempestades de raios começam no final da estação de seca e início das chuvas, e se estendem por toda estação úmida. Por este motivo, os registros de queimadas naturais no Cerrado estão praticamente restritos ao período de setembro a maio. No entanto, a ação humana altera de forma radical este padrão, e o risco de incêndios em áreas protegidas de Cerrado aumenta muito na estação seca, principalmente quando elas estão em regiões de atividades agrícolas, pecuárias, próximas de estradas ou são alvo da ação criminosa de incendiários. Apesar da capacidade do Cerrado de conviver com queimadas, a comunidade científica demorou a aceitar que nele, o fogo tem o papel de agente ecológico natural. Atualmente, existe um consenso sobre a importância do fogo, mas que, entretanto, ainda não se reverteu numa mudança consistente no manejo das reservas do Cerrado. O Parque Nacional das Emas é uma das poucas exceções, pois seu Plano de Manejo de 2004 já considera o fogo como agente natural passível de manejo. No entanto, muito pouco foi feito em termos concretos para implantar as condutas estabelecidas pelo Plano, após mais de dois anos de sua aprovação. A história recente do fogo no Parque Nacional das Emas aponta para pelo menos três regimes de queima nas últimas décadas, conforme apresentado nos Capítulos 1 e 2. O incêndio de 1994, o mais catastrófico já registrado no PNE, decorreu de uma série de acontecimentos e situações que culminaram na queima de 100% da área de cerrado, com danos incalculáveis para o patrimônio natural. Desde este evento, buscou-se garantir a proteção do PNE contra incêndios incontroláveis, e os aceiros corta-fogo mostraram-se eficientes para essa finalidade. Com sua efetiva manutenção, a partir de 1995, os incêndios de origem externa à reserva reduziram-se acentuadamente. Queimadas naturais provocadas por raios continuam acontecendo no Parque, mas trazem menos riscos ao patrimônio do PNE. Em média, entre 1995 e 2003, cerca de 19 mil hectares foram queimados anualmente no período das chuvas em decorrência desses eventos naturais. Em 2005 e 2006, as queimadas causadas por raios totalizaram valores muito superiores a essa média, mas ainda não há estimativas consolidadas. Na estação chuvosa, as condições de umidade são mais altas e, por isso, as queimadas são mais brandas e se propagam em velocidade mais baixa do que aquelas que ocorrem durante a época de seca. Entretanto, mesmo estas queimadas naturais podem trazer danos à biodiversidade, caso a recorrência seja muito rápida ou muito lenta. O desafio do manejo do fogo no PNE é encontrar os regimes de queima que mantenham a heterogeneidade espacial das comunidades, permitindo tanto a permanência de espécies resistentes como as sensíveis ao fogo. Os aceiros corta-fogo são fundamentais na estratégia de proteção da unidade. Estas áreas manejadas somam mais de 1200ha, numa extensão de 348 km e devem ser anualmente revisadas, consumindo tempo, recursos humanos e financeiros. A completa manutenção dos aceiros envolve mais de vinte pessoas,
127 leva aproximadamente três meses e consome, de forma direta, cerca de R$ 40 mil reais a cada ano, além dos custos indiretos da contratação da equipe de brigadistas e outros serviços. É uma operação complexa que demanda previsão antecipada de recursos, revisão dos equipamentos e organização das ações. Apesar dos os avanços conseguidos, o Parque Nacional das Emas continua em risco constante de grandes incêndios. Este risco decorre de uma série de problemas que não são necessariamente exclusivos de Emas, mas que o tornam vulnerável a este impacto catastrófico. Em relação à questão do fogo, o PNE tem, atualmente, os seguintes problemas: recursos financeiros insuficientes para atender as demandas de manutenção e aquisição de combustível para os veículos utilizados na manutenção dos aceiros; atraso no repasse dos recursos federais que, por vezes, chegam após o período ideal de manutenção dos aceiros, comprometendo o planejamento; desgaste e falta de manutenção ou substituição dos equipamentos, tais como motos-bomba, veículos de transporte e tratores; alta rotatividade da equipe de brigadistas e perda de esforço de capacitação desses trabalhadores, pois eles são contratados em caráter temporário (legalmente, nesse regime, os brigadistas podem permanecer no trabalho por no máximo três meses, renováveis por igual período, e a recontratação só é permitida após um período mínimo de 36 meses após o encerramento do último contrato); centralização do planejamento e da tomada de decisões na pessoa do chefe da unidade, que torna o processo muito suscetível à falhas, pois há sobrecarga de trabalho e atribuições, além das condições adversas de trabalho; falta de uso de ferramentas de informática no planejamento, na tomada de decisão e no combate ao fogo, como os Sistemas de Informações Geográficas, extremamente úteis e disponíveis; falta de mapeamento da vegetação em escala compatível com o planejamento, execução e monitoramento do manejo do fogo (atualmente, dispõe-se apenas de um mapeamento da vegetação em escala 1:100.000, quando ele deveria ser no mínimo 1:25.000); inexistência de monitoramento do manejo do fogo, impossibilitando avaliá-lo e melhorá-lo; descumprimento das orientações do Plano de Manejo; falta de acompanhamento externo ao Ibama, que acaba por tornar inconseqüentes as ações tomadas em desacordo com as estabelecidas no Plano de Manejo. As atividades de pré-supressão incluem todas aquelas que previnem incêndios antropogênicos indesejáveis, bem como as que avaliam e acompanham as queimadas naturais, além do planejamento e das ações que asseguram as condições para a efetiva supressão do fogo em caso de necessidade. As atividades de supressão são as de combate aos incêndios. Esta atividade sempre foi difícil no Parque, principalmente devido às características da vegetação e às deficiências de infra-estrutura na área. O acompanhamento e avaliação das ações de manejo de fogo, denominado Monitoramento & Avaliação, tem como objetivo aumentar a eficácia das ações adotadas e fornecer a base para a melhoria ou alternativas para estas ações. Este monitoramento deve abranger a avaliação dos objetivos alcançados no programa de Manejo de Fogo e dos efeitos dessas atividades no ecossistema.
128 Assim, apesar de conceitualmente bem estabelecido, o manejo do fogo previsto no Plano de Manejo do PNE ainda não foi efetivamente implantado em seus mais de dois anos de vigência. E, pela ausência de acompanhamento, as conseqüências das atuais ações relativas ao fogo para as comunidades biológicas, bem como os riscos existentes para as outras atividades do Parque permanecem desconhecidas. O Parque Nacional das Emas tem o privilégio de ser a única unidade de conservação do país cujo histórico de fogo nas últimas décadas é bem conhecido. Seu Plano de Manejo é, também, o único que coloca a questão do fogo além da prevenção, pois ele é considerado como recurso para a manutenção da biodiversidade. É necessário, então, que o Ibama implante, de fato, o Plano de Manejo do Parque das Emas. Para isso, é preciso assegurar o investimento em recursos humanos para a efetiva compreensão e aplicação do plano, garantir os recursos financeiros para realizar as ações previstas e buscar parcerias para ajudar na execução e planejamento do manejo. Assim, não só a conservação biológica do próprio Parque seria beneficiada, mas também seriam estimulados o aprofundamento das pesquisas, parcerias e discussões sobre o tema fogo em outras unidades de conservação do Cerrado. Esforços nesse sentido são urgentes, pois o Cerrado está seriamente ameaçado e comprometido, e conta- se apenas com as unidades de conservação para efetivamente tentar proteger a biodiversidade. Para isso, é preciso usar o conhecimento existente, monitorar e avaliar as condutas atuais e buscar o aperfeiçoamento do manejo em novas pesquisas, tecnologias e parcerias.
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