A revolução dos bichos comparação com a revolução russa

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https://doi.org/10.17058/agora.v13i1.107
Revolução Russa. Stalinismo. Socialismo.
Este artigo tem por objetivo apresentar aos professores de História das séries finais do Ensino Fundamental e aos do Ensino Médio, uma possibilidade de utilização do livro “A revolução dos bichos”, de George Orwell, em sala de aula. Esta obra de literatura presta-se exemplarmente para realizar um estudo interdisciplinar sobre a Revolução Russa e o processo posterior de burocratização do regime soviético. Nesse sentido, aqui se procura fornecer alguns dados sobre o autor, a sua obra e sobre como ela foi distorcida durante a época da Guerra Fria.

06/09/2003 - 09h51 MÁRCIO SENNE DE MORAES
da Folha de S.PauloÀ primeira vista, "A Revolução dos Bichos", de George Orwell --que chega amanhã às bancas-- , é só uma genial sátira à Revolução Russa (1917). Sua narrativa relaciona pessoas, animais e eventos às transformações ocorridas na Rússia (ou URSS) no século 20. Todavia, embora Orwell tenha buscado mostrar uma época específica, sua obra pode --e deve-- ser vista como uma alegoria a qualquer revolução em que os mais fracos tomam o poder e, em seguida, são por ele corrompidos.A ação ocorre na Granja do Solar, dirigida pelo Sr. Jones, que tem sérios problemas de alcoolismo e maltrata seus animais. Publicada em 1945, no auge do regime stalinista, "A Revolução dos Bichos" já começa com essa alusão ao final do czarismo. Afinal, o czar Nicolau 2º era conhecido por seu pouco apreço pela população, preferindo falar francês a russo, segundo relatos históricos, e tinha uma queda pelo álcool.Não faltam paralelos entre personagens do livro e da Revolução Russa. O velho Major, porco sábio e professoral, é uma mistura de Karl Marx, famoso por ter transmitido suas crenças socialistas por meio de textos, repletos de conteúdo revolucionário, baseados na economia e na filosofia, com o Lênin idealista do princípio da revolução. É Major que espalha as sementes da revolução na Granja do Solar, que se tornará a Granja dos Bichos.A exemplo de Marx, foi só após a morte de Major que seus ideais igualitários foram aplicados. Aí surgem Bola-de-Neve e Napoleão, os dois porcos que comandarão o levante dos animais contra o Sr. Jones. Napoleão, partidário do totalitarismo, foi criado para representar Stálin, o mais sanguinário dos líderes soviéticos. Bola-de-Neve tem destino similar ao de Trótski, transformando-se, à custa de muita propaganda, no "inimigo da revolução".Os cavalos Sansão e Quitéria representam o proletariado. Sem acesso às informações, eles crêem no que lhes conta Garganta, porco que é uma alegoria aos sistemas de propaganda dos regimes totalitários (um tipo de "Pravda" de quatro patas). Sansão é a encarnação irracional do mito criado em torno de Alexei Stakhanov, o mais famoso trabalhador soviético por seu empenho e por sua dedicação.Ademais, Napoleão se cerca de cães ferozes, "verdadeiros defensores da revolução", que funcionam como a KGB (a polícia secreta soviética) ou suas antecessoras, não permitindo dissensão nem oposição ao poder central.Há ainda, na obra-prima de Orwell, várias alusões a fatos da Revolução Russa. As sempre inatingíveis metas dos planos quinquenais de Stálin são representadas pela construção do moinho de vento: o sonho impossível dos moradores da Granja dos Bichos.Os expurgos stalinistas aparecem no momento em que a sublevação dos animais está em perigo por conta de ataques do mundo exterior (dos homens). Assim, inúmeros animais acabam mortos, num banho de sangue que faz com que os outros revolucionários da granja se lembrem do Sr. Jones --talvez como o proletariado soviético pensou nas forças de segurança de Nicolau 2º durante os expurgos realizados por Stálin.Contudo, como lembra o aforismo do final da obra ("Todos os animais são iguais, mas alguns animais são mais iguais que os outros"), que se torna o único mandamento da Granja dos Bichos, a ilusão revolucionária é breve, e o poder absoluto corrompe aqueles que o exercem.É aí que Orwell, um socialista de convicções democráticas, conforme sua definição, dirige sua sátira corrosiva para qualquer sistema desgovernado. E os porcos (classe dominante) passam a lembrar os homens, seus maiores inimigos inicialmente.A Guerra Fria transformou "A Revolução dos Bichos" num clássico da propaganda anticomunismo, mas suas lições são mais atuais que nunca, pois a concentração de poder, a manipulação das informações e as desigualdades são cada vez mais graves.

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    Isabela Barreiros Publicado em 02/12/2019, às 15h58

    Era 1945 quando George Orwell publicou uma de suas mais importantes obras. A Revolução dos Bichos, mais que fábula distópica, é uma alegoria a uma transformação que marcou a História durante o século 20: a Revolução Russa de 1917. Os paralelos entre os personagens de ambas as revoluções são mais que claros ao realizar a leitura do livro, ainda assim, ele representa muito mais.

    Em A Revolução dos Bichos, os animais da fazenda Granja do Solar se juntam para derrubar seu dono, o Sr. Jones, que sofria com o alcoolismo e maltratava os animais do local, pagando-os com ração — que muitas vezes ainda não era o suficiente para alimentá-los.

    É o Velho Major, o mais inteligente e respeitado de todos os porcos da fazenda, quem começa a plantar as sementes da revolução no imaginários dos animais. Ele acaba também tornando-se o líder da rebelião, visto que era preocupado com todos os presentes na granja e também com a injustiça causada pelo dono.

    A este personagem podemos atribuir a importância associada a Karl Marx e Lenin dentro da ideologia comunista presente nos ideais da Revolução Russa. Marx, por seus escritos, manifestos e sabedoria, e Lenin por conta de sua liderança durante um dos momentos mais importantes da história de seu país.

    A revolução dos bichos comparação com a revolução russa
    Crédito: Getty Images

    Ainda é possível associar outra questão importante nessas figuras. Major não chegou a ver a revolução com seus próprios olhos — é apenas depois de sua morte que os animais se organizam para tomar a fazenda do Sr. Jones. Marx também não chegou a ver nenhuma transformação radical na sociedade em que vivia, mas ainda sim inspirou diversos movimentos mesmo após falecer.

    De volta ao livro, os porcos tornam-se líderes da Revolução dos Bichos, que muda o nome do local de Granja do Solar para Granja dos Bichos. Tudo parece ótimo entre eles, até que começam a surgir inúmeras contradições e também corrupções.

    Quando Major morre, são dois porcos que assumem a hegemonia do poder na fazenda. Napoleão, que representa Stalin, e Bola-de-Neve, Trotsky, passam a comandar o local, mas as discordâncias tornam-se gritantes entre eles.

    Napoleão, representante do autoritarismo de Stalin, tenta se livrar de Bola-de-Neve e consegue fazer com que ele seja incriminado e expulso da fazenda, sofrendo com o exílio como aconteceu também com Trotsky. Ele se tornou o que podemos considerar um “inimigo da revolução” nos olhos do povo a partir da manipulação do novo líder.

    O porco, então, passa a governar apenas pelos interesses de sua própria espécie, e ainda começa a negociar com os humanos, estabelecendo seus privilégios perante os outros animais da granja. É assim que Orwell via a atuação de Stalin dentro do socialismo autoritário: uma subida no poder que se corrompe assim que alcança o objetivo da revolução popular.

    A revolução dos bichos comparação com a revolução russa
    Crédito: Getty Images

    Ao final, não é possível perceber diferenças entre os porcos, aqueles nos quais os outros tanto confiaram para trazer a almejada liberdade e igualdade, e os homens, que no começo eram os responsáveis por todos os problemas causados na fazenda.  

    “À primeira vista, "A Revolução dos Bichos", de George Orwell, é só uma genial sátira à Revolução Russa (1917). Todavia, embora Orwell tenha buscado mostrar uma época específica, sua obra pode — e deve — ser vista como uma alegoria a qualquer revolução em que os mais fracos tomam o poder e, em seguida, são por ele corrompidos”, explica Márcio Senne de Moraes, jornalista da Folha de S. Paulo, em análise sobre o livro. 

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    3. História da Guerra Civil Russa  —  1917-1922, de Jean-Jacques Marie (2017) - https://amzn.to/2OLBUIM

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