A republica popular de angola em 1975 a 1990

11 de nov de 2020 às 13:15

Em 11 de novembro de 1975, Angola se torna independente de Portugal. O cenário para a independência se desenvolveu meses após a derrubada da ditadura em Portugal pela Revolução dos Cravos em 25 de abril de 1974, quando se abriram perspectivas históricas imediatas para a independência de Angola, uma das colônias portuguesas na África ocidental. 

O novo governo revolucionário português iniciou negociações com os três principais movimentos de libertação: o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), liderado por Agostinho Neto, a Frente Nacional de Libertação de Angola, chefiada por Holden Roberto e a UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola), liderada por Jonas Savimbi, no período de transição e do processo de implantação de um regime democrático em Angola e nos marcos dos Acordos de Alvor de janeiro de 1975. 

A independência de Angola não foi o início da paz, e sim de uma guerra aberta. Muito antes do Dia da Independência, quando Agostinho Neto exclamou, "diante de África e do mundo proclamo a Independência de Angola”, culminando assim a campanha independentista, iniciada em 4 de fevereiro de 1961, os três grupos nacionalistas que tinham combatido o colonialismo português lutavam entre si pelo controle do país, e em particular da capital, Luanda. Cada um deles era apoiado por potências estrangeiras, dando ao conflito uma dimensão internacional. 

A União Soviética, e principalmente Cuba, apoiavam o MPLA, que controlava a capital e algumas regiões da costa, em especial Lobito e Benguela. Os cubanos não tardaram em desembarcar em Angola em 5 de outubro de 1975. A África do Sul do apartheid apoiava a UNITA, tendo invadido Angola em 9 de agosto de 1975. A FNLA contava também com o apoio da China, mercenários portugueses e ingleses e até da África do Sul. Os Estados Unidos, que apoiaram inicialmente apenas a FNLA, não tardaram a ajudar também a UNITA. Este apoio se manteve até 1993. A sua estratégia foi durante muito tempo dividir Angola. 

MPLA forma governo 

Em outubro de 1975, o transporte aéreo de quantidades enormes de armas e soldados cubanos, organizado pelos soviéticos, mudou a situação, favorecendo o MPLA. As tropas sul-africanas e zairenses retiraram-se e o MPLA conseguiu formar um governo socialista unipartidário. 

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Três grupos nacionalistas que tinham combatido o colonialismo português lutavam entre si pelo controle do país

O Brasil, ainda sob ditadura militar, rapidamente estabeleceu relações diplomáticas, reconhecendo como legítimo o governo de Agostinho Neto, antes mesmo de qualquer país do bloco comunista.

Em 1976 as Nações Unidas reconheceram o governo do MPLA como o legítimo representante de Angola, o que não foi seguido nem pelos EUA, nem pela África do Sul. 

Em 27 de maio de 1977, um grupo do MPLA, encabeçado por Nito Alves, desencadeou um golpe de Estado que ficou conhecido como “fraccionismo”, terminando num banho de sangue que se prolongou por dois anos. Em dezembro, no rescaldo do golpe, o MPLA realizou o seu 1º Congresso, onde se proclamou como sendo um partido marxista-leninista, adotando o nome de MPLA-Partido do Trabalho. A UNITA e a FNLA juntaram-se então contra o MPLA. Começou então uma guerra longa e devastadora contra o governo do MPLA. A UNITA apresentava-se como sendo antimarxista e pró-ocidental, mas tinha também raízes regionais. 

Guerra civil

Antes de alcançar a independência nacional, os angolanos desenvolveram de início uma intensa luta política, sem recurso às armas. Diante da resposta das autoridades coloniais, que recusavam qualquer conversação com vista à autodeterminação, os patriotas angolanos não tiveram outra saída que não a luta armada que se estendeu por 14 anos. O povo angolano proclamou a independência de Angola, pondo desta forma fim, ao mais longo império colonial em África que durou cinco séculos.

Agostinho Neto, líder do MPLA, morreu em Moscou em 10 de setembro de 1979, sucedendo-lhe no cargo o ministro da Planificação, o engenheiro José Eduardo dos Santos. Seu principal opositor, Savimbi, morreu em 2002, isolado e esquecido.


«Em nome do Povo angolano, o Comité Central do Movimento
Popular de Libertação de Angola (MPLA), proclama solenemente perante a África e o Mundo a Independência de Angola»
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1Foi com estas palavras que, a 40 anos, Agostinho Neto, presidente do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) e posteriormente primeiro presidente de Angola, «correspondendo aos anseios mais sentidos do Povo» (NETO 1975), declarou a independência de Angola, constituindo e oficializando igualmente o nascimento da «República Popular de Angola» (NETO 1975).

2Desde então, o país tem enfrentado inúmeros desafios e constrangimentos, ultrapassando barreiras, fortalecendo-se com cada experiência, e sobretudo, construindo a sua realidade. Estamos a falar de 40 anos de luta, em todas as dimensões — civil, militar, social, política, económica, cultural — 40 anos de ansiedade, de expectativas, de ideologias, de desejos, de sonhos, porém igualmente de desilusões, de frustrações, de cansaço, de desespero. Em 40 anos, gerações de angolanos nasceram no turbilhão que foi o periodo pós-independência, enfrentaram uma guerra civil devastadora, deram início à caminhada para a construção da paz e reconciliação nacional. Concordamos que 40 anos para um país, ainda é muito pouco, porém, há que fazer uma reflexão sobre essa trajectória de modo a que possamos entender que rumo seguiremos no futuro.

3Embora seja muito difícil, e igualmente discutível, delimitar histórica e culturalmente uma nação, no entanto, pode-se afirmar que o seu presente é o resultado de todos os acontecimentos passados e o seu futuro a conjugação destas acções, tanto as passadas como aquelas realizadas no presente. No caso concreto, podemos dizer que a Angola actual «resulta de uma operação histórica de muito longa duração, que se construiu associando africanos e portugueses» (CASTRO HENRIQUES 1997: 105), sendo as suas fronteiras igualmente delimitadas em função dessa relação. Contudo, a intensidade dos acontecimentos exige um cuidado redobrado, sobretudo porque são questões ainda muito sensíveis para os angolanos.

4Tendo como objectivo fazer uma análise sobre os 40 anos da independência do país, foi concebido e está a ser desenvolvido o projecto2 «Angola 40 anos de independência: o antes, o agora e o depois. Avanços e retrocessos», que pretende analisar e interrelacionar os diferentes acontecimentos que caracterizam a construção de Angola enquanto país, tendo em especial atenção para os momentos de transição de um período para o outro, as alterações e respectivas configurações da sociedade em si. Para o efeito, dividimos estes momentos em três períodos ao qual designamos de o antes, o agora e o depois. Destes três períodos, e por economia de espaço, desenvolvemos aqui o agora, que compreende o período que vai de 2002 até 2015, fazendo uma análise sociopolítica e socioeconómica do país. Mediante essa análise apresentamos em seguida alguns pressuspostos que podemos esperar do depois, ou seja, que Angola teremos nos próximos anos tendo em conta o antes e o agora.

Angola 40 anos: o antes, o agora e o depois

5Esta delimitação obedece somente às diferentes fases que o país vivenciou e que de certa forma foram alterando a sociedade e toda a sua dinâmica, provocando alterações nos campos político, económico, social e cultural. Deste modo, o antes poderia ser sinónimo de passado, ou seja, todos os acontecimentos que tornaram possível o presente e cuja informação encontramos nos arquivos históricos. Porém, vai muito além desse conceito. Encaramos o antes como as condições estruturais que fazem com que o agora exista e se projecte para o depois, um período essencial na construção da identidade de cada um como indivíduos pertencentes a um determinado lugar. Esse periodo é delimitado pelos seguintes acontecimentos:

6a) 1960-1974: corresponde ao periodo de alteração da política colonial portuguesa para os territórios ultramarinos, no caso, Angola (TORRES 1983), também denominado de «segundo período colonial» (VALÉRIO e FONTOURA 1994: 1193), seja pela pressão internacional, nomeadamente da Organiozação das Nações Unidas (ONU), para que Portugal, à semelhança do que estava a acontecer no resto do continente, concedesse a independência às suas colónias, seja pelo início da luta armada de libertação nacional,3 Portugal é quase forçado a empreender reformas que permitam sustentar a ideia de que não tem colónias, mas sim províncias ultramarinas. Destacam-se a criação do projecto Levar a Escola à Sanzala, de Amadeu Castilho Soares (1960), bem como a Reforma do Ensino Primário (1964), importantes instrumentos no que toca à implantação de um sistema de educação formal no território (OLIVEIRA 2015); a criação dos Estudos Gerais Universitários (1962), a aprovação do Código de Trabalho Rural (1962), a revogação de toda a legislação que discrimine os cidadãos assente na cor da pele, entre outras. De igual modo, é durante este periodo que se registam «importantes transformações na economia angolana» (VALÉRIO e FONTOURA 1994: 1201), dando início à fase liberal (TORRES 1983; VALÉRIO e FONTOURA 1994) e de implementação dos II e III Planos de Fomento,4 proporcionando ao território a construção de uma economia nacional próspera (VALÉRIO e FONTOURA 1994). No entanto, «o crescimento económico inegável não alterou fundamentalmente o carácter da exploração colonialista» (TORRES 1983: 1107), o que contribuiu para a intensificação da luta pela independência, propelada pelos nacionalistas.

7b) 1975-1991: o período ideológico da Nação angolana que tem início com a proclamação da independência no dia 11 de Novembro de 1975 (FERREIRA 1993-1994), bem como a declaração da opção estratégica de construção de uma sociedade socialista (NETO 1979; FERREIRA 2002), onde economia e política passaram a estar centralizados num único agente: o Estado (FERREIRA 2002; HODGES 2002). É igualmente um periodo de euforia, de esperança, de pensar no futuro, de planificação, de construção, o auge da geração da utopia (PEPETELA 2013), aquela que empreendeu a luta contra a politica colonial, e que assumiu a missão de construção de uma sociedade socialista. Porém, estes planos são todos colocados em causa com o início da guerra civil, que conduzirá o país a uma situação difícil, com a saída de quadros e recursos humanos essenciais para o desenvolvimento destes mesmos projetos (HODGES 2002), com a destruição das suas infraestruturas e da sua estrutura económica (FERREIRA 1993-1994; FERREIRA 2002), dando lugar a uma outra geração: a geração armada e militarizada. Ainda durante este periodo tem lugar a assinatura dos Acordos de Bicesse, em Maio de 1991, pondo fim à guerra civil e ao modelo socialista, que dá lugar à implantação do multipartidarismo e liberalização da economia.

8c) 1992-2002: destacamos neste periodo a realização do primeiro acto eleitoral, livre e democrático, em Setembro de 1992. Porém, a expectativa de construção de uma «nova Angola» é mais uma vez defraudada e ainda no mesmo ano reinicia a guerra civil, desta feita travada em meio urbano, abrindo um período caracterizado por guerra (1992-1994) paz (1994-1998) guerra (1998-2002) (FERREIRA 2005). Esta segunda fase da guerra dita o fim do período ideológico e o assumir de uma luta pelo poder, pelo controlo dos recursos naturais (HODGES 2002), conduzindo o país a uma situação devastadora, com elevadas taxas de pobreza (FERREIRA 2005), economia estrangulada (ROCHA 2011) e sem perspectivas de futuro (ROQUE 1997). É o período da geração dos meninos de rua, dos mendigantes, da miséria, da desorganização, do desespero, da ruína, que termina em 2002, com a assinatura do Entendimento de Luena (Memorandum of Undestanding).

9Todos estes acontecimentos fazem com que o agora adquira características próprias. O agora não quer dizer necessariamente o presente, mas sim os acontecimentos recentes, que, de certa forma, caracterizam o hoje e moldam o amanhã. Trata-se do período compreendido entre 2002 e 2015 e como tal, requer uma análise ainda mais cuidadosa, na medida em que os acontecimentos e as acções desenvolvidas definirão, de certa forma, o depois. Este período é caracterizado pelo fim da guerra civil e pelo estabelecimento da paz, proporcionando assim as condições iniciais para o arranque da economia angolana (ROCHA 2013; ROCHA 2014), que voltou a crescer e a apresentar um melhor desempenho recebendo a caracterização «as one of the countries that most have grown in recent years, registering a Gross Domestic Product (GDP) growth rate of around 10.5 per cent» (IMF 2012: 73). É igualmente um periodo de reencontro, de reorganização do país, de reconstrução das suas infraestruturas, de balanço, de aprendizagem, de esperança, de planificação do futuro. Deveria ser igualmente um período de reconciliação, de reflexão, de diálogo. Ao invés disso, deu-se espaço ao surgimento de uma nova geração, a geração bisneira e imoral, enrolada nos mais variados esquemas de sobrevivência e de arrecadação de receitas, sem qualquer sentido de ética ou pudor para conseguir alcançar os seus objectivos.

10Tendo em conta a análise do antes e do agora, o depois parece-nos ensombrado, nebuloso, assustador, sem esperança, sem futuro. De Cabinda ao Cunene mas igualmente do mar ao leste, passando por todas as outras províncias, qual o balanço de 40 anos de independência? Conseguimos concretizar o sonho de Agostinho Neto de constituição de «um só povo e uma só nação»? «A luta continua»? e será a vitória certa? E de que vitória estamos a falar? De quem e sobre quem? Aliás, o que quer dizer isso de «independência»? Que geração se está a educar para o futuro? Que Angola estamos a deixar para as próximas gerações? Dada a amplitude do projecto e por economia de espaço, apresentamos aqui somente uma breve análise do agora, recuando historicamente ao antes sempre que tal se justifique. Procuramos sobretudo olhar para Angola e reflectir sobre a sua situação, antecipando, para o efeito, o depois.

O agora: percurso sociopolítico

11O fim da guerra civil em 2002 constitui assim o acontecimento mais importante no agora. Se, por um lado. chegou o momento para, em termos políticos, consolidar a democracia, desenvolver o espaço que permita o exercício dos direitos de cidadania consagrados na constituição, igualmente, em termos económicos, chegou o momento de se dar início ao processo de arranque da economia, motor essencial para se empreender outros projectos, como seja, a edificação do estado social. Em termos politicos, «the key element in the exercise of democracy is the holding of free and fair elections at regular intervals enabling the people's will to be expressed» (UNESCO 1997: 3). Assim, após sucessivos adiamentos, o segundo acto eleitoral é realizado em Setembro de 2008, «and resulted in a crushing victory for the rulling MPLA, which took 191 of the 220 seats at the National Assembly, with a total of 81.6 percent of the state» (SCHUBERT 2010: 658), assim como do seu candidato, José Eduardo dos Santos. De acordo com a Human Rights Watch (HRW), ambos asseguram «um domínio quase total sobre o poder politico do país» (HRW 2010: 6), governando sem oposição, o que permitiu a alteração da constituição em 2010, que, elimina as eleições presidenciais e permite que o líder do partido mais votado seja assim eleito directamente presidente da república. Deste modo, quando se realiza o acto eleitoral de 2012, o MPLA parte claramente em vantagem pois, além da sua longa experiência de governação, tinha como candidato aquele que é considerado o «arquitecto da paz», bem como teve a seu favor um crescimento económico favorável. Porém, o fulgor de 2008 há muito que já se havia esfumado, dando lugar a uma ansiedade para se fazer mais e melhor e não se estar a conseguir. E os resultados eleitorais são disso indicativo, pois no terceiro acto eleitoral em 2012 o MPLA regista uma queda nas intenções de voto para 71,84%, elegendo menos 16 deputados, ou seja, tendo descido o número de assentos no parlamento de 191 para 175.

12Este resultado pode ser indicativo de um descontentamento por parte dos seus eleitores, com destaque para aqueles que residem na cidade de Luanda. A cidade fundada por Paulo Dias de Novais continua a ser a capital do país, a cidade mais dinâmica, que concentra todas as actividades políticas e económicas. De acordo com Organization for Economic Co-operation and Development (OECD), «Luanda flooded with refugees from the rural areas in a scale that made it impossible to cope» (OECD 2010: 40). Por outro lado, é igualmente o lugar onde a nova imigração se concentra. De acordo com o Recenseamento Geral da População e Habitação (RGPH), realizado em 2014 pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), a cidade comporta 6.542.944 habitantes, ou seja, 26,8% da população do país (INE 2014). Esse aumento exponencial fez com a cidade crescesse muito rapidamente, registando-se uma degradação das infraestruturas existentes, mas sobretudo, um alargamento territorial para as zonas periféricas. A zona da baixa ou centro da cidade está a mudar o seu visual, adoptando um estilo mais moderno, com a construção de novos edifícios em substituição da arquitectura histórica, enquanto que a periferia cresce ao sabor das necessidades, sendo constituída essencialmente por uma mistura de condomínios fechados, locais de acesso restrito, murados e guardados por cercas eléctricas e seguranças armados, rodeados pelos bairros, em substituição dos «musseques»5 de outrora. À semelhança destes, caracterizados pela ausência de água canalizada, instalação eléctrica, saneamento básico, estradas alcatroadas, os bairros apresentam condições ainda mais degradantes:

A construção é desordenada e não obedece a nenhum plano de urbanização, as ruas são constituídas por becos apertados, e na sua maioria esburacadas, com esgotos a céu aberto e rodeados de lixo, resultando em cheiro nauseabundo. Os bairros apresentam igualmente uma vida nocturna muito intensa, com música alta, venda de alimentos e sobretudo de álcool, a qualquer dia, sendo locais inóspitos para o exercício da actividade policial (LIBERATO, notas de campo)

13É nos bairros onde reside a maioria da população que permite o funcionamento não só destes condomínios, como seja, as lavadeiras, empregadas de limpeza, contínuos, seguranças, varredores de lixo, como igualmente funcionários públicos, cabeleireiros, empregados administrativos, polícias, militares, enfermeiros, técnicos, professores, entre outros. Ou seja, vive-se no bairro não só porque se tem um emprego precário, mas porque o salário não lhes permite viver na zona urbanizada, de onde foram «expulsos» para deixarem o lugar para os «outros».

O agora: situação socio-económica

14Tal como já foi referido, o fim da guerra civil permitiu igualmente ganhar o impulso para uma revitalização económica (FERREIRA 2009; HRW 2010; ROCHA 2013), optando, para o efeito, por «um modelo económico situado entre a economia de planificação centralizada e a economia de mercado» (GUTIERREZ 2014: 105), o que fez com que o país se tornasse «one of the world’s fastest economies, with a GDP growth rate of 20.6% in 2005, 18.6% in 2006 and nearly 27% in 2007» (OECD 2010: 40). Esta recuperação económica deu espaço a algumas transformações sociais, nomeadamente, a redução da incidência da pobreza, que caiu de 68% em 2001 para 36,6% em 2009 (INE 2010).

15No entanto, esse crescimento é distorcido uma que está assente na extracção de recursos naturais (SCHUBERT 2010; ROCHA 2013; ADB, 2012). Em 2008, a «exportação de petróleo em bruto representou em media 91% das exportações de Angola» (SANTOS 2012: 32). Esta dependência sobe para 98% em 2012, sendo que também internamente, 80% das receitas fiscais públicas provêm do mesmo produto (ADB 2012: 7), dados que fazem de Angola o 5.º produtor mundial de petróleo e o 2.º país exportador de petróleo do continente (ROCHA 2014: 12) colocando o país demasiado exposto a uma possível crise dos mercados em relação a esse produto. Deste modo, em meados de 2014, quando o preço do petróleo nos mercados internacionais começou a registar uma quebra, depois de atingir o pico de 117 dólares americanos em Junho do mesmo ano, as projecções sobre a sua economia registaram uma deterioração. Na sua mensagem de fim de ano, o presidente da república, José Eduardo dos Santos, alertava o país para as dificuldades que se avizinhavam

O ano de 2015 será difícil, no plano económico, por causa da queda significativa do preço do petróleo bruto. Algumas despesas públicas serão reduzidas, como, por exemplo, os subsídios aos preços dos combustíveis. Há projectos que serão adiados e vão ser reforçados o controlo das despesas do Estado e a disciplina e parcimónia na gestão orçamental e financeira, para que se mantenha a estabilidade (SANTOS 2014).6

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17Em 2015, Angola teve que efectuar um «adjust the oil price assumption in the 2015 budget, revising it down to $40/bbl from the original assumption of $81/bbl» (WB 2015a: 157), dificultando ainda mais a vida dos angolanos: o preço do combustível sofre um aumento (que se repete ao longo do ano), agravam-se os problemas de escassez e distribuição de água e electricidade, atrasos no pagamento dos salários dos funcionários da adminsitração pública, falta de consumíveis para o funcionamento dos serviços públicos, não recolha do lixo, somente para nomear os mais significativos. Por outro lado, «following a gradual weakening of the Angolan kwanza, in early June, the Central Bank adjusted the official exchange rate, leaving the kwanza 14 percent weaken than at the start of 2015» (WB 2015a: 158). Essas medidas afectam sobretudo os comerciantes pois sem divisas para pagarem aos fornecedores no estrangeiro, deixaram de importar e de imediato a falta de abastecimento se fez sentir, bem como o comércio em geral começou a encerrar portas. De igual modo, o Estado deixou de pagar os seus fornecedores, fazendo com que muitas empresas começassem a reduzir os salários dos seus funcionários e tivesse início um processo de redução de efectivos. Ainda em relação à função pública, foi anunciado o congelamento dos salários, dos concursos públicos e da progressão na carreira. E em Agosto de 2015, o Fundo Monetário Internacional (FMI) alertava o governo angolano para a necessidade de implementar outras medidas, tais como:

- melhor ajustamento da massa salarial no sector público, ou seja, corte nos salários, ajustado à realidade actual que consta no OGE;

- Contenção da inflação, actualmente em 10,4 por cento e com perspectivas de aumentar, reflectindo a desvalorização do kwanza7 e tendo em conta que o país continua a ser essencialmente importador (REDE ANGOLA 2015b).

18O que esta crise nos mostra sobretudo é a fragilidade das bases em que Angola assentou o seu crescimento (WB 2015a). Não se aproveitou o bom momento da economia angolana (ROCHA 2014) para investir na sua diversificação e na valorização de sectores como a agricultura e a pesca, na criação de condições tendo em vista a atracção de investimento estrangeiro. De acordo com o relatório do Banco Internacional para Reconstrução Nacional para 2015, Angola é colocada na posição 181 entre 189 economias, o que significa que é um país muito difícil para implantar um negócio ou uma empresa. Este mesmo relatório aponta igualmente para a dificuldade de contratação de recursos humanos, bem como o salário mínimo para um trabalhador em tempo integral de 151, 07 USD (IBRD 2014), na cidade mais cara do mundo.

19Por outro lado, o crescimento económico não teve tradução equivalente no que concerne ao desenvolvimento social, ou seja, na melhoria das condições reais de vida da população, precisamente porque é um modelo económico assente principalmente na extracção e não na transformação e na produção doméstica, sendo exactamente por isso que a denominamos por crescimento «ilusório». De acordo com o Programa das Nações Unidas para o desenvolvimento, Angola ocupava em 2014, a posição 149, com um índice de desenvolvimento humano de 0.526 (baixo desenvolvimento humano) e uma expectativa de vida de 51.9 (UNDP 2014). O relatório do Banco Mundial, Global Economic Prospects (2015) afirma que 43,4% da população angolana vive com menos de 1,25 dólares por dia, e que o país apresenta uma taxa de mortalidade em crianças menores de cinco anos de 167 por 1000 nados vivos (WB 2015a). O crescimento requer governos comprometidos e capazes, que invistam no capital humano para transformar os recursos em riqueza e tornar um país próspero, o que significa dar às pessoas a oportunidade de fazer escolhas e permitir uma distribuição equitativa das oportunidades. Porém, prevaleceu a escolha para a importação de recursos humanos, em detrimento do investimento em formação interna. À semelhança do antes, em que «ninguém ia para a África portuguesa a não ser por interesse pessoal» (PÉLISSIER 1986: 206), durante esse período verifica-se a mesma tendência, ou seja, os imigrantes começaram a chegar a Angola com o objectivo de «enriquecerem» num curto espaço de tempo. Procedeu-se assim a uma importação de desempregados e recursos humanos nem sempre qualificados, especialmente vindos de Portugal, com condições contratuais acima da média, pagos essencialmente pelo petróleo. Se, na «década de 1830 o tráfico (de escravos) corrompia tudo em que tocava» (WHEELER e PÉLISSIER 2011: 88), no agora o petróleo passou a ter essa função.

O depois: o futuro hipotecado

20Todos estes constrangimentos conduziram os angolanos, na sua maioria, a uma «perda de esperança no futuro e em si mesmos» (ROCHA 2011: 24), dificultando a construção do depois. Afinal, o que esperar dos anos que se tem pela frente? Comecemos por olhar para Luanda, a cidade que acolheu e continua a acolher todos aqueles que chegam em busca de melhores condições de vida. No entanto, Luanda a muito que perdeu a identidade e passou a ser apenas um local onde os traseuntes circulam completamente alienados, entre buracos e esgotos, poeira e lixo, respirando o ar nauseabundo e doentio emanado de todos os cantos (VERDE 2014). Essa alienação é alimentada pelo consumo de álcool, sobretudo entre a camada mais jovem da população, que aumentou nos últimos anos. De acordo com Ennes Ferreira, «entre 2003 e 2008 o consumo de cerveja aumentou 124% (677 milhões de litros)» (FERREIRA 2009: 123), o que faz com que o African Development Bank (ADB) coloque Angola como um dos países com «índices de consumo per capita mais elevados de África (59 litros per capita por ano)» (ADB 2012: 86) e seja classificado como o «3.º maior mercado doméstico para bebidas alcoólicas na África subsahariana, depois da África do Sul e da Nigéria» (ADB 2012: 86).

21O incentivo para o consumo de álcool é proporcionado pelo baixo valor dos preços praticados em relação às bebidas alcóolicas, nomeadamente a cerveja que, dependendo dos locais é vendida ao mesmo preço ou a preço inferior que os refrigerantes ou a própria água mineral. O alcolismo, utilizado como refúgio perante as difíceis condições de vida, mantém assim os cidadãos alienados da própria realidade e condiciona a construção do raciocínio, bem como, de questionarem e sobretudo, de agirem, como defende Albuquerque:

«O povo angolano vive prisioneiro de uma cultura do medo, com fome, sem saúde, o futuro limitado ao horizonte do que a vista alcança, impedido de exprimir o que quer, ou sequer o que pensa» (ALBUQUERQUE 2001: 364)

22Ao longo de 40 anos de independência os angolanos aprenderam a:

a) serem patrióticos;

b) venerar os heróis nacionais;

c) confiar no socialismo como a melhor solução para o país;

d) entregar o destino nas mãos do Estado: o omnipresente;

e) a odiar os inimigos e a repudiar o imperialismo;

f) a desqualificarem-se;

g) a serem arrogantes;

h) a construir o individualismo que se traduz no «Eu», em detrimento do «Nós» como colectivo e dos «Outros», que são diferentes de nós;

i) substituir o trabalho e a aprendizagem pelo business (LIBERATO 2014);

j) a querer enriquecer rápida e facilmente.

23Porém, ninguém ensinou que:

a) há que ser responsável pelas próprias acções;

b) valorizarem-se como seres humanos, e não pelos bens materiais que possuem;

c) o conhecimento é cultivado e não comprado;

d) trabalhar para alcançar os objectivos traçados;

e) que o enriquecimento tem que ser sustentado e sustentável; f) a riqueza por si só não se reproduz;

g) a corrupção corrói tudo o que se constrói.

24A corrupção é talvez o fenómeno que mais se desenvolveu no agora e é igualmente alimentada e alimenta esse estado de alienação na medida não se consegue fazer nada sem recorrer a ela, frustrando assim as realizações individuais e colectivas. O seu boom começa em 1992-1993 (ROCHA 2011: 31) e rapidamente se institucionaliza (ALBUQUERQUE 2001) aquando da intensificação da guerra civil e rapidamente se entranha em todos as camadas da sociedade, ao ponto de se tornar endémica.8 É a corrupção que dita as regras do jogo, a lei a ser respeitada, suplantando mesmo o acto administrativo. Quer seja activa ou passiva, ela está presente em todos os sectores, na relação com as pessoas e entre as pessoas, assumindo diversas designações, como gasosa, saldo, incentivo. É essa mesma corrupção que entrava o desenvolvimento do país, alimenta a baixa estima, faz acreditar na própria incapacidade e sobretudo, torna cada um, como defende Achille Mbembe, «escravos perpétuos» (MBEMBE 2014: 42) das suas próprias acções. E facilmente se arranjam justificações para esse estado de espírito «aqui em Angola é assim», «é só aguentar», «reclamar para quê?». A desorganização do Estado, a sua incapacidade demonstrada para descentralizar e fazer mais e melhor alimenta estados de frustração que alimentam a anomia, a anemia e a revolta, a instabilidade, que, juntas, minam a falta de perspectivas no futuro.

25É preciso sobretudo olhar para a sociedade angolana como um todo, tendo sempre em conta que se trata de uma sociedade traumatizada, martirizada, sofrida, carente, desiludida, sem rumo. A desilusão da geração da utopia, sonhadora, ao se deparar com a realidade, contraria aquilo que foram os seus ideais de luta, a geração «militarizada», dos que lutaram ideologicamente na guerra civil contra o imperialismo, jaz, amorfa e sem reaçcão, a geração dos meninos de rua que só conheceu a guerra, a miséria e a fome, e deambula alcooliza e alienada, a geração dos bisneiros, que se apresenta incapaz de encetar os seus próprios sonhos, deixando-se absorver pela inércia social vigente. Perspectiva-se assim a criação de uma geração falida, amoral, na medida em que tudo o que tem como exemplo são gerações completamente desfragmentadas.

Figura 1. Gerações de Angolanos

A republica popular de angola em 1975 a 1990

Fonte: Autora

26«De Cabinda ao Cunene Angola continua a ser não um "só povo" mas um país multicultural e multiétnico e continua igualmente longe a construção de "uma só nação"», na medida em que, como defende Daniel dos Santos «as elites dirigentes angolanas faliram em sua tarefa de construção da nação» (SANTOS 2001: 109), e os angolanos no geral, falharam igualmente na construção de uma sociedade no sentido do seu crescimento e desenvolvimento. Se, como dizia Agostinho Neto «o mais importante é resolver os problemas do povo» (NETO 1979: 13), então porquê que o povo continua a espera que estes problemas sejam resolvidos? Talvez a problemática resida especificamente aí, isto é, na definição e entendimento de quem é o povo, da sua função e razão da sua existência. De facto, a «luta continua», porém, o inimigo agora é a fome, a miséria, a pobreza, as desigualdades, as doenças, a morte e continua-se a alimentar a esperança de que a vitória será certa, que «havemos de voltar»,9 só não se sabe para onde.

Conclusão

27A comemoração dos 40 anos da independência de Angola constituiu o ponto de partida para empreendermos a nossa análise. Os diferentes momentos históricos levaram-nos a dividir essa análise em três períodos distintos, afinal estamos a falar de 40 anos de história muito intensos, que denominamos de o antes, o agora e o depois. Cada um destes períodos espelha uma realidade distinta, marcada pelos acontecimentos e principais alterações políticas e económicas e que de certa forma influenciaram e influenciam a caracterização da sociedade angolana. Deste modo, o antes abrange um período compreendido entre 1960 e 2002. Por se tratar de um período tão longo e com características diferentes, dividimos a sua análise em 3 períodos distintos: 1960 a 1974, conhecida como segunda fase colonial, 1975-1991, período pós-independência, marcado sobretudo pela construção de um Estado e uma sociedade socialista e, 1991-2002, período de implantação do multipartidarismo e retorno à guerra civil.

28O agora corresponde ao período que decorre entre 2002 e 2015 e visa sobretudo analisar o período em contexto de paz, as principais alterações políticas, económicas e sociais. Mediante essa análise, perspectivamos assim o que será o depois, que futuro estamos a construir.

29O depois apresenta-se assim nebuloso, porém ainda é tempo de mudarmos estas previsões, de sairmos do estado de alienação que nos encontramos, alimentado sobretudo pelo consumo de álcool e pela corrupção. Não temos motivos para comemorar, mas temos todos os motivos para nos unirmos e continuarmos a luta, em prol de um mesmo lugar, de um mesmo bem comum: Angola, o nosso país bem amado.