A midia e o imaginario popular

FATO E SOCIEDADE

Nelson Valente (*)

No imaginário popular, o que importa é como a mídia descreve, interpreta, constata, investiga, fotografa e divulga o mundo. Se não saiu na mídia não aconteceu.

A mídia pauta o mundo, e forma ou deforma mentalidades, porque os limites de sua linguagem são os limites de seu mundo. Oras, como diria o ex-presidente Jânio da Silva Quadros em relação à imprensa: "A mídia é como uma bela horta ou um belo jardim, porque tem de haver um bom esterco" ? uma clara referência ao avesso da comunicação.

Por outro lado, a fragilidade da notícia pode ocorrer também por determinação da linha editorial da empresa jornalística ou por deficiência na formação do jornalista, que não consegue articular o processo de produção da notícia e suas implicações no cenário político nacional ou internacional. A fragmentação da informação termina, então, por comprometer a notícia, dificultando a compreensão e a percepção crítica dos leitores, ou melhor, da opinião pública.

No mundo midiático, digital, instantâneo, a informação é cada vez mais estilizada, pasteurizada, e os fatos recortados da realidade sem nexo, sem contexto, sem passado, sem história, sem memória, numa destruição clara da temporalidade, como se o mundo fosse um eterno videoclipe. Dessa forma, mais confunde do que esclarece e mais deforma do que forma.

O papel das faculdades

Com o uso da internet, o volume de informação dificulta a compreensão num mundo caleidoscópico, que se apresenta em forma de mosaico sem nexo, que vive transfigurando e refigurando o espetáculo da vida como se o confundisse com um reality show. Se deixarmos de ser "zumbis" culturais e aprendermos a ler o mundo, enquanto linguagem, aprenderemos a pesquisar, aprenderemos a aprender o essencial no mundo moderno: o inevitável fracasso da globalização.

Olhar político

Na leitura crítica da mídia, a linguagem, constituída a partir de um "mundo" editado, passa por inúmeros "filtros" ? pela observação dos fatos e pelo relato da declaração do outro ? na construção da notícia. É preciso ficar atento à ideologia presente em cada fala, porque todo discurso é ideológico e reflete a realidade que a retrata.

Embora o discurso jornalístico pretenda descrever o real, não existe neutralidade na informação, que passa pela óptica do relator. O ponto de partida é compreender que, na mídia, o fato relatado é uma versão do fato observado e também um recorte da frágil e distorcida realidade.

O grande desafio das faculdades de Jornalismo é persuadir o estudante a aprender a pensar, e não repetir mecanicamente a informação apreendida, optando pela informação discutida, contextualizada, repensada, reelaborada, reconstruída na produção do conhecimento dentro e fora da sala de aula, fazendo sua própria história.

O papel das faculdades de Jornalismo vai além dos conteúdos programáticos prescritos em diferentes disciplinas. Passa pela articulação desse conhecimento com o contexto social em que vive inserido o universitário, para que a informação ganhe sentido, implicando um olhar político, participativo e sujeito de nossa própria história.

(*) Jornalista

A midia e o imaginario popular

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Por: Maiara Marinho

A mídia tradicional quer construir no imaginário social a figura de fascista naqueles que combatem seu monopólio

A problemática da comunicação na sociedade contemporânea abrange uma diversidade de discussões, tais como a questão de monopólios e oligopólios, a sua democratização, a historicidade da comunicação no contexto político, social e cultural no Brasil, assim como seus mecanismos discursivos para legitimação de uma ideologia disfarçada de liberdade de imprensa imparcial. Defendo a colocação do jornalista e sociólogo Muniz Sodré, o qual defende a abertura para uma ciência da comunicação em que iniciemos o estudo numa perspectiva epistemológica do conceito e passemos a questões, como integração de outras áreas sociais e econômicas, e a reflexão dos dispositivos tecnológicos em extrema confluência com as relações sociais que sofrem alterações através da midiatização. Retomo essa discussão por consequência dos últimos acontecimentos políticos e a posição do jornal Folha de S.Paulo frente a eles.

Na última quarta-feira (31), a ex-presidente Dilma Rousseff foi destituída do seu cargo no processo de Impeachment articulado pelo Congresso Nacional e iniciado pelo deputado federal Eduardo Cunha (PMDB), investigado por corrupção na Lava-Jato. Ao final do processo, uma série de protestos foram realizados na mesma noite. Na cidade de São Paulo, um grupo de manifestantes jogou cavaletes na porta da Folha. Esse acontecimento modificou um pouco a abordagem midiática sobre atos contra a mídia e, em um governo conservador, pode modificar também o imaginário social e dificultar a resistência aos monopólios midiáticos e as significações que os mesmos constroem e legitimam através do seu lugar de privilégio em uma sociedade desigual.

No início do processo de Impeachment, diversas manifestações com palavras de ordem como “Fora Rede Globo” e “A verdade é dura, a Rede Globo apoiou a Ditadura” foram noticiadas pela Folha, que apenas relatava o descontentamento social com a empresa de comunicação mais poderosa do país. No entanto, assim como o grito “Não vai ter Copa” era apenas uma simbologia para dizer, no fim das contas, que a especulação imobiliária crescia e despejava muitas famílias de suas casas e que todo investimento do evento jamais voltaria para a população, o grito “Fora Rede Globo” simboliza o descontentamento da concentração de poder midiático nas mãos de um pequeno grupo de famílias com a mesma finalidade política e econômica na qual se encontra, inclusive, a Folha de S.Paulo. Mas o discurso mudou – e fortemente – quando essa empresa foi repudiada diretamente. Em um primeiro momento a manchete apenas dizia que manifestantes haviam jogado cavaletes na entrada do jornal, mas alguns minutos depois o tom foi alterado e palavras como “vândalos” e “violência” fizeram parte do discurso sobre o ato. Na sexta-feira (01), uma nota da Associação Nacional de Jornalistas foi exposta no site do jornal, repudiando atos direcionados a veículos de comunicação (tradicionais). Associação esta que tem como presidente e vice donos da Rede Globo, da Folha e do grupo RBS. Foi então que, na manhã de sexta-feira (02), o editorial da Folha sugeria que aqueles e aquelas que manifestam seu descontentamento com a mídia tradicional brasileira são fascistas. Com uma foto totalmente fora do contexto do ato contra o jornal, a imagem retrata um policial em frente a chamas, com o título “Fascistas à solta”, seguido do subtítulo “Está na hora de autoridades agirem para submeter os vândalos ao rigor da lei”.

A atual conjuntura – com um governo conservador – legitima o fascismo. O fascismo dos jornais hegemônicos que, como diziam os pesquisadores Maxwell McCombs e Donald Shaw em 1970, definem sobre o que a população deve pensar. Empresas que apoiaram e financiaram a Ditadura Civil-Militar e, hoje, apoiam a articulação do Congresso Nacional para colocar no poder, pela terceira vez, um governo não eleito por vias diretas. E é por isso que se defende uma ciência do comum. Uma comunicação que seja fruto e resulte em vínculos afetivos com a população. O fim de monopólios e oligopólios nada mais é do que a exigência do cumprimento da Constituição. Segundo o artigo quinto, do capítulo Da Comunicação Social, “os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”. Mas em um país onde investigados por corrupção julgam uma presidente por decretos assinados conjuntamente com o vice que veio a tomar posse do cargo, não se pode esperar que as elites e os donos do poder tenham bom senso e cumpram a lei. Para conter a classe indignada, a estratégia passa a ser então construir no imaginário social a figura de fascistas naqueles que, na verdade, desejam combater o fascismo. Os tempos são sombrios, mas a mídia já sabe muito bem como lidar com isso. Aprendeu em 1964.

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Notícia da edição impressa de 20/08/2019. Alterada em 20/08 às 03h00min

Juliano Tatsch e Isabella Sander

Muitas são as razões de os direitos humanos e seus defensores serem vistos com olhos enviesados por boa parte da população brasileira. É fácil de perceber que essa rejeição se intensificou nas últimas duas décadas. Mas qual a razão disso? Ativistas e estudiosos do tema têm uma resposta para essa pergunta: a atuação da mídia.

Após a redemocratização, alguns setores da sociedade se mantiveram fiéis às pautas conservadoras e ao discurso autoritário que comandou o País por 21 anos (1964-1985). Um deles foi a imprensa - uma parte dela, ao menos. Sem o controle dos militares, a ideia de que as ruas ficariam à mercê dos bandidos foi encampada e difundida por um tipo de programa de televisão que tomou de assalto as principais redes de televisão: os telejornais de fim de tarde .

"A mídia cumpriu um papel decisivo. A espetacularização da violência começa a frequentar cada vez mais os programas de rádio e de televisão. Com a crise do fim do milagre econômico e o aumento da taxa de criminalidade em grandes cidades em meados dos anos 1980, setores da direita argumentavam que a violência crescia por conta do fim da ditadura e da emergência da defesa dos direitos humanos", observa o professor de Direito da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Renan Quinalha.

Por ser a responsável por apresentar à população as ações do Estado, a mídia tem o poder de criar situações e climas na sociedade, produzindo subjetividades e espalhando sentimentos. "O modo como a mídia fala sobre a violência faz parte da própria realidade da violência", afirma a ex-professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Elizabeth Rondeli no livro Linguagens da violência (Editora Rocco, 2000).

A responsabilidade da imprensa na difusão de discursos que estimulem a garantia dos direitos humanos está na lei. O Terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), instituído pelo Decreto nº 7.037, de 21 de dezembro de 2009, e atualizado pelo Decreto nº 7.177, de 12 de maio de 2010, trata da importância de a mídia promover uma cultura de respeito aos DH. O ponto 22 do Eixo 5, especificamente, enfatiza a necessidade de se "promover o respeito aos direitos humanos nos meios de comunicação e o cumprimento de seu papel na promoção da cultura em direitos humanos". Para isso, o PNDH-3 propõe a criação de marco legal estabelecendo o respeito aos direitos humanos nos serviços de radiodifusão (rádio e televisão) - medida que não foi colocada em prática.

O tema da criação de marcos regulatórios sempre gera reações contrárias por parte de setores da mídia que enxergam nisso uma tentativa de censura. O professor de Jornalismo da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) Fábio Souza da Cruz aponta como falacioso o argumento que lembra dos anos de mordaça pelos quais o Brasil passou quando se fala em regular a imprensa. "A mídia necessita, sim, de um certo nível de regulação. Não no sentido de ser censurada, mas de fazer com que ela cumpra com o seu verdadeiro papel perante a sociedade. Dar voz e vez às minorias, grupos sociais que lutam por uma vida mais digna, consiste em lançar mão de uma bilateralidade discursiva", ressalta.

Para o acadêmico, que é doutor em Cultura Midiática e Tecnologias do Imaginário pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Pucrs), ao agir assim, a mídia tradicional estará livre para exercer a sua real função: informar ética e democraticamente a sociedade. "Que esses veículos de comunicação de massa sejam a caixa de ressonância da sociedade e façam a ética sorrir. Que eles andem de braços e mãos dadas com ela. Sabemos que só isso não será o suficiente para reverter o perverso cenário atual. No entanto, devido ao incontestável poder que a mídia exerce hoje, essa mudança de postura poderá trazer avanços significativos e quiçá sem volta para as questões referentes aos DH", pondera.

Cruz acredita que a mídia tradicional deveria problematizar a questão dos direitos humanos, reconstruindo historicamente os cenários para que as práticas pudessem ser entendidas. "Porém não é isso o que percebemos em boa parte da cobertura dos veículos de comunicação de massa no Brasil. Geralmente, detectamos que a mídia utiliza uma noção simplificadora dos direitos humanos."

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