Por que os sirios vieram para o brasil

Em frente à igreja da praça principal da pequena Bom Jesus do Itabapoana, no interior do estado do Rio de Janeiro, um letreiro se destaca: Cine Teatro Monte Líbano. O prédio, inaugurado em 1950 por imigrantes libaneses e hoje tombado pelo governo estadual, serve como exemplo das raízes que árabes criaram dentro do Brasil, sobretudo longe dos grandes centros urbanos.

Muitos dos primeiros libaneses que vieram ao país eram mascates, ou caixeiros-viajantes, que chegaram sozinhos e percorriam o interior do Brasil, das fazendas de café em São Paulo às plantações no Paraná, levando tecidos, bijuterias e outros artigos. Depois de um tempo, com um pouco de dinheiro guardado, traziam suas famílias e abriam negócios. 

Apesar de registros da presença de árabes desde o início do período colonial, à medida que navegantes portugueses tinham contato com o Oriente, especialmente com o Império Otomano, a “grande imigração” libanesa data de 1880, segundo Roberto Khatlab, diretor do Centro de Estudos e Culturas da América Latina da Université Saint-Esprit de Kalsik, no Líbano.

“A visita de Dom Pedro II ao Oriente — Líbano, Síria, Palestina e Egito, entre 1871 e 1876 — divulgou o Brasil, inclusive entre jornais árabes”, disse. “Na época, escreveram sobre o Brasil, suas riquezas minerais, agrícolas, seus rios… Isto atraiu os libaneses ao que imaginavam ser uma espécie de Eldorado”, afirmou, em referência à lenda da cidade perdida nas Américas feita de ouro e repleta de tesouros.

A intimidade entre o Brasil e o Líbano foi realçada após a explosão no porto de Beirute na terça-feira da semana passada, que deixou ao menos 163 mortos e mais de 6.000 feridos. Comunidades libanesas no país se organizaram para enviar suprimentos e itens básicos. Os danos gerados pela detonação são estimados entre 10 e 15 bilhões de dólares e em torno de 300.000 pessoas ficaram desabrigadas.

Em homenagem, um dos símbolos nacionais, a estátua do Cristo Redentor, foi iluminada com um projeção da bandeira libanesa nos dias seguintes à explosão. Nesta quarta-feira, 12, o presidente Jair Bolsonaro participou de uma solenidade da missão oficial brasileira de ajuda ao Líbano. A comitiva, comandada pelo ex-presidente Michel Temer, de família libanesa, irá levar alimentos, medicamentos e itens básicos para Beirute.

O próprio porto de Beirute tem outro significado especial para o Brasil: foi lá que Dom Pedro II desembarcou em sua viagem à região. 

“Em suas viagens, o imperador divulgou o Brasil por sua personalidade: era um intelectual, um homem humanista e poliglota. Falava árabe, hebraico, aramaico, lia hieróglifos”, afirmou Khatlab. “Isso fez com que tivesse vários admiradores. Em minha pesquisa, encontrei diversos jornais da época, escritos em árabe e hebraico, que escreveram sobre o Brasil Império”. 

Presença atual

Os números de libaneses e descendentes no Brasil são imprecisos, já que não há um censo. A Câmara de Comércio Árabe-Brasileira encomendou uma pesquisa autodeclaratória, apresentada em julho deste ano, que indica que 11,6 milhões de brasileiros são descendentes de árabes: destes, 27%, ou 3,1 milhões, são especificamente libaneses. O Consulado Geral do Líbano em São Paulo, por sua vez, cita uma presença de 8 a 10 milhões de pessoas.

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Para acadêmicos, como Khatlab, é difícil ter um número exato.

“Até mesmo a população do Líbano é uma estimativa complexa, alguns dizem 4 milhões, outros 6 milhões. O último censo do Líbano data de 1932, durante o mandato francês”, ressaltou o pesquisador. Para ele, a estimativa mais conveniente indica uma presença de 5 a 6 milhões de libaneses e descendentes no Brasil. No mundo, esse número seria de 12 milhões. Depois do Brasil, a Argentina tem a maior comunidade libanesa, com uma presença que varia de 1,2 milhão a 3,5 milhões.

Badra El Cheikh, de 84 anos, faz parte dessa estatística. Ela chegou ao Brasil em 1955, seguindo os passos de seus irmãos que seguiram para Goiás, durante o domínio francês no Líbano e na vizinha Síria. Mãe de dois filhos, nascidos no Brasil, ela diz fazer questão de manter ligação com suas origens.

“Eu voltei ao Líbano umas quatro vezes. A primeira foi em 1973 para levar meus filhos”, contou. “Eu gosto do Brasil, mas em primeiro lugar eu gosto da minha terra. Do lugar onde eu nasci”.

A neta da matriarca, que carrega o mesmo nome, relatou preocupação com familiares que estão longe.

“Tivemos um primo e meu tio feridos na explosão”, contou Badra, de 24 anos e mestranda em Comunicação. “Tenho algumas lembranças de 2006, da época da invasão israelense, foi a mesma sensação de ter que ligar para lá, de desespero. Ficamos ligando para os primos, para os tios, para todos”.

A jovem acrescentou que, no primeiro momento, a família evitou contar do acontecimento para a avó, até que houvesse notícias mais precisas.

“As duas pessoas que ficaram feridas ficaram muito mal. Todos também tiveram os vidros de casa quebrados”, disse. “Agora é esperar que o Líbano não continue afundando e as coisas melhorem logo”.



Líbano-Brasil


Os Sírios e os Libaneses no Brasil

De acordo com pesquisadores, os primeiros imigrantes do Oriente Médio (Líbano, Síria e Palestina) que chegaram no Brasil vieram fugidos da política, da prepotência otomana, da perseguição religiosa e da exploração fiscal dos turcos. Aqui chegando, foram chamados de turcos. Os primeiros que vieram escreveram aos seus parentes contando sobre a liberdade de que gozavam e das oportunidades de trabalho. Muitos outros, atraídos pelos relatos, também vieram. Dessa forma, formaram-se núcleos de “turcos” no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Santos. Mais tarde, foram reconhecidos como a “laboriosa colônia syria”, composta de sírios, de libaneses e de palestinos. Nos últimos anos (mais ou menos 1949), como consequência dos tratados políticos do pós-guerra, justos ou unilaterais, negociados ou impostos, e por conveniência da documentação internacional, como passaportes, registros etc., grande parte da numerosa e “laboriosa colônia syria” se firmou como grupo político destacado. Neste grupo, destacaram-se sírios, libaneses e palestinos. Essa divisão política não marca, necessariamente, uma divisão de raça, de idioma e de religião, pois a língua da Síria, do Líbano e da Palestina é a árabe e as três grandes religiões - judaísmo, cristianismo e islamismo - são as religiões dos três grupos.

Causas da Emigração: Por que sírios e libaneses emigraram?
Emigraram movidos pelo espírito de aventura, o que parece ser um instinto da raça herdado tanto dos fenícios quanto dos árabes. O comércio foi outro fator que levou sírios e libaneses a deixarem seus países, vislumbrando com essa atividade a possibilidade de fazer fortuna e de retornar ao seu país.

O contínuo crescimento da população foi outro fator para que sírios e libaneses deixassem o seu país. Um Estado essencialmente agrícola e com uma geografia árida em sua maior parte, como a Síria e o Líbano, não pode sustentar mais do que um certo número de habitantes. Uma terceira causa de emigração foi a opressão política e a perseguição religiosa, somados ao absolutismo turco. O século XIX foi o século da liberdade e das democracias, e o contraste entre liberdade e opressão tornou ainda mais negro o absolutismo turco. Às causas acima expostas, soma-se o fato de já existirem sírios e libaneses nas Américas, no sul da África, na Austrália e no Egito. Isso foi suficiente para que grande número de moços, muitos dos quais já formados por universidades, emigrassem para locais aonde moravam seus parentes. A emigração de sírios e de libaneses se deu para todos os países e por iniciativa própria, diferentemente de outros povos, pois não tiveram ajuda oficial. Nenhum governo lhes custeou a viagem. Nenhum governo os hospedou em casas de imigração. Nenhum agenciador de empresas de colonização os trouxe para o país de destino. Cada um por si resolveu procurar um novo país de destino. Cada um pagou sua passagem com dinheiro próprio. Desse modo, independentemente começaram a trabalhar por conta própria, seguindo a linha de seus descendentes: a mascateação. Os mascates sírios e libaneses não trabalharam na lavoura como colonos, mas contribuíram para o desenvolvimento das comunidades rurais paulistas Para elucidar, registramos aqui a história de um comerciante paulista. Disse ele: “O meu pae estava formando uma fazenda em Jahú. No segundo anno, escasseou-lhe o dinheiro e elle tinha de esperar ainda dois annos para tirar a primeira colhetinha. Um bello dia, appareceu na fazenda um mascate (e não sei se foi syrio ou libanez), de nome Antonio Mussi. Este offereceu a sua mercadoria, tecidos e armarinho. Meu pae disse categoricamente que não comprava. Mas o mascate não é tão molle para ceder à primeira resposta negativa. Insistiu. Papae revelou-lhe a causa: não podia comprar porque não tinha dinheiro. O Antonio respondeu: não é preciso pagar agora. Mas, redarguiu papae, nem depois posso lhe pagar, porque a primeira safra é daqui a dois annos. O Mussi, com aquele amor ao trabalho e ardente proposito de produzir, disse: ‘Senhor, paga quando pode’. A luta entre o mascate e o fazendeiro terminou com a victoria do primeiro; papae comprou e, cedendo à insistência do Antonio, chamou todos os colonos. A fazenda foi sortida de tudo, inclusive uma machina de costura, cousa não muito commum naquella epoca. O Antonio Mussi voltava à fazenda de quatro em quatro mezes, não para fazer cobrança, mas para ver o que faltava. Agora, sabe quando foi paga aquela conta? Dois annos mais tarde, depois de vendida a primeira safra. Meu amigo, não foi o americano que inventou a venda a prestações muito folgadas. O americano vende com reserva de dominio e a prestações consecutivas de curto intervallo; mas o Antonio Mussi e seus collegas vendiam a dois annos de prazo e sem reserva de dominio. Quantas fazendas não tiveram o seu ANTONIO MUSSI como a fazenda do meu pae teve o seu!” O mascate não andava pelo interior sem ideal. Em suas andanças, sonhava com um grande armazém com prateleiras sortidas e balcões com vários empregados atarefados em atender aos clientes – até, quem sabe, com um escritório bem montado, de onde poderia gerir seus negócios. Muitos desses mascates tiveram seus sonhos realizados à custa de muito sacrifício e obstinação. O espírito de aventura levou muitos comerciantes, depois de possuírem o capital necessário, a estabelecerem indústrias de toda espécie, tais como fiação e tecelagem de algodão e seda. Os comerciantes do interior começaram a se dedicar à lavoura, comprando fazendas formadas e desenvolvendo novas lavouras. O fato de os mascates não conhecerem o português foi uma grande desvantagem. Muitos eram analfabetos, mas não destituídos de cultura. “O analfabeto sírio ou libanês aprendeu muita coisa de ouvido; aprendeu aritmética pelo cálculo mental; estudou história escutando narrativas dos saraus concorridos das noites de inverno; adquiriu os seus conhecimentos sociais decorando e expondo as dezenas e, em alguns casos, centenas de provérbios de um povo de tradições milenares.”

Bibliografia [+]


1 - OS SÍRIOS E OS LIBANESES NO BRASIL KURBAN, Taufik - Os Syrios e os Libanezes no Brasil. Sociedade Impressora Paulista, São Paulo, s.d.p. (escrito por volta de 1949)

2 - O CAFÉ MASCATE

SAFADY, Jamil - O Café e o Mascate, V.2 in: Obras Completas - Ed. Comercial Safady Ltda. São Paulo, Brasil, 1973 (o livro trata da emigração árabe no Brasil na primeira metade do século XX e da integração, no país, desses imigrantes)

3 - A POESIA ÁRABE NO BRASIL

ZEGUIDOUR, Slimaine - A Poesia Árabe Moderna e o Brasil, col. Tudo é História nº 50, ed. Brasiliense, São Paulo, 1982

4 - DE MASCATES A DOUTORES: SÍRIOS E LIBANESES EM SÃO PAULO


TRUZZI, Oswaldo - De mascates a Doutores: sírios e libaneses em São Paulo. Ed. Sumaré, Brasília, 1991 (Série Imigração; V.2) (essa obra refere-se à imigração sírio-libanesa no Brasil no século XX e à luta desenvolvida por esses imigrantes para se fixarem no país).