Por que nao votar no lula

A pesquisa Genial/Quaest divulgada nesta quarta-feira, 16, revela o tamanho do voto útil para Lula da Silva e Jair Bolsonaro caso a eleição possa ser decidida ainda no primeiro turno. Assim como outras pesquisas anteriores, a Quaest registrou uma estabilização de Lula em primeiro lugar com 46% com Bolsonaro em segundo com 26%, três pontos percentuais acima de janeiro.

Os demais candidatos estão tão distantes que deixaram de ser competitivos. Somados, Ciro Gomes, Sergio Moro, João Doria, Eduardo Leite, Simone Tebet, André Janones, Felipe D’Ávila tem menos de 20% das intenções de voto, segundo a Genial/Quaest.

Com Lula e Bolsonaro concentrando os votos e as paixões populares, a pergunta natural é: “os eleitores dos outros candidatos podem mudar seus votos para evitar que um dos dois vença?” A resposta na pesquisa Quaest é “sim”. E Lula tem mais capacidade de atrair o voto desse eleitor do que Bolsonaro.

Primeiro, os entrevistadores perguntaram quem o eleitor gostaria que vencesse. A resposta foi:

Lula 44%

Bolsonaro 26%

Nem Bolsonaro, nem Lula 25%

Depois, eles apresentaram ao eleitor que respondeu Nem-Bolsonaro-Nem-Lula os seguintes cenários:

Se o primeiro turno fosse hoje e Lula tivesse grande chance de ser eleito sem precisar o segundo turno, você votaria nele mesmo preferindo outro candidato?

Sim 34%

Não 66%

Se o primeiro turno fosse hoje e Bolsonaro tivesse grande chance de ser eleito sem precisar o segundo turno, você votaria nele mesmo preferindo outro candidato?

Sim 23%

Não 77%

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Isso significa que se a eleição estiver muito polarizada, com um dos dois líderes perto de ganhar no primeiro turno, Lula tem a possibilidade de arrebanhar mais 8,5 pontos percentuais (o que equivale a 34% dos 25% que disseram preferir Nem-Bolsonaro-Nem-Lula), enquanto Bolsonaro pode subir até 5,7 pontos percentuais (23% dos mesmos 25% que disseram preferir Nem-Bolsonaro-Nem-Lula).

Como Lula tem a torcida de 44% e Bolsonaro só de 25%, se houver uma campanha de voto útil pró-Lula, o ex-presidente tem chance de eventualmente fechar a eleição no primeiro turno.

A pesquisa Genial/Quaest também mostra quem são esses eleitores que podem pular do barco para votar em Lula ou Bolsonaro.

Poderiam votar em Lula para acabar a eleição no primeiro turno:

Eleitores de Ciro Gomes 34%

Eleitores de Sergio Moro 21%

Eleitores de João Doria 22%

Eleitores de outros candidatos 38%

Poderiam votar em Bolsonaro para acabar a eleição no primeiro turno:

Eleitores de Ciro Gomes 16%

Eleitores de Sergio Moro 32%

Eleitores de João Doria 14%

Eleitores de outros candidatos 27%

O voto útil é dos temas favoritos da ciência política. Há farta literatura estudando as circunstâncias nas quais um eleitor decide desertar de um candidato sem chance de vitória em favor de outro, menos preferido, mas com maior possibilidade. Num sistema multipartidário com dois turnos, como o brasileiro, é comum que os eleitores usem seu voto como uma decisão estratégica para ou tentar acabar a eleição no primeiro turno ou escolher um candidato mais forte para o segundo.

Os dois registros mais recentes de voto útil foram contra o PT. Em 2018, Bolsonaro foi favorecido por um movimento de possível vitória no primeiro turno que solapou os votos de Geraldo Alckmin, João Amoêdo e Marina Silva. Em 2014, Aécio Neves foi favorecido pela impressão de que teria mais chances de vitória que Marina Silva na disputa do segundo turno. Em 2002, a campanha Lula ensaiou uma tentativa de voto útil no final do primeiro turno, mas não deu certo.

Mais uma vez, Lula foi questionado sobre a presença do ex-governador Geraldo Alckmin na chapa presidencial. Como resposta, ele refutou o argumento de que alianças com setores de centro e centro-direita frustrariam expectativas de vários setores da esquerda quanto a pautas caras desse campo, como a distribuição de renda e a taxação de grandes fortunas. 

Lula afirmou ainda que não necessariamente “tenho que ser um presidente mais à esquerda, centro ou direita”, mas sim “que é preciso criar condições para fazer as coisas”. “Eu vou fazer mais não porque serei mais à esquerda, mas porque tenho que fazer mais do que já fiz. E eu acho que a gente pode fazer mais”, rebateu Lula. Nesse sentido, o ex-presidente voltou a defender como “solução” o que vem frisando como inclusão do povo pobre e trabalhador no orçamento da União e do rico no Imposto de Renda. 

“Porque quando eles (ricos) estiverem pagando um imposto de renda justo, de acordo com o que eles ganham, pagando o imposto de renda sobre lucros e dividendos, teremos mais recursos para aplicar em mais políticas públicas e sociais e de investimento em educação, saúde e melhorar a vida das pessoas. Mas isso é um processo em construção. Se você fizer bravata e mandar para o Congresso Nacional sem ter uma maioria, você não aprova”, ressaltou. 

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‘Bolsonaro medíocre’

Lula também apontou como desafio a educação pública no país em razão da desigualdade que, durante a pandemia de covid-19, foi aprofundada para os filhos dos trabalhadores pobres. Por conta disso, ao longo da coletiva o ex-presidente enfatizou diversas vezes a importância de construir harmonia entre os poderes. Ele também ressaltou a anormalidade da crise institucional entre o Supremo Tribunal Federal e o presidente Bolsonaro, a quem chamou de medíocre pela concessão do indulto a Daniel Silveira, que considerou uma afronta ao Judiciário. 

Orçamento participativo

Entre as propostas, além do orçamento participativo, em que a sociedade civil, por meio de conferências municipais, estaduais e federais, aponta para onde e como devem ser investidos os recursos da União, Lula ressaltou que é preciso fortalecer programas sociais, como de inclusão para as pessoas com deficiência. Também disse que é preciso, com participação social, garantir a criação de postos de trabalho diante de um novo cenário em que a indústria vem perdendo peso. 

De imediato, o ex-presidente defendeu o fortalecimento de uma política em defesa do empreendedorismo no país. Mas destacou que o empreendedor “não poder ser o cara da motocicleta que não tem direitos e nem salário”. “O empreendedor tem que ser o cara que tenha no Estado uma política de crédito que garanta a ele o empreendimento. O Estado tem que dar oportunidade”, justificou. 

“Em quatro anos terei que trabalhar mais do que trabalhei nos oito anos (em que fui presidente) Vou andar por esse país, fazer conferências, vamos decidir, temos que convencer o Congresso, e tudo isso só será feito se houver harmonia. (…) Vamos ter que fazer uma reforma profunda para que as instituições voltem a funcionar e esse país volte a ser respeitado, volte a receber dinheiro para investimento direto que é o que vai ajudar o país a crescer. E vamos ter que apresentar um plano muito grande de obra de infraestrutura. A gente não pode esperar”, resumiu Lula. 

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Prepare-se para lhe oferecerem, a partir de agora e até o dia das eleições para presidente de 2022, o conto do vigário do ano: há um “candidato moderado” na disputa, vão lhe propor os vigaristas, e ele se chama Luís Inácio Lula da Silva. É como um desses telefonemas em que uma moça educadíssima, com voz de artista de novela e alguma explicação muito coerente, diz que você tem um crédito de R$ 1.500 a receber por causa de um erro de lançamento do banco — para receber, basta mandar a senha do seu cartão etc. etc. etc. O crédito falso é a história de que Lula virou um modelo de tolerância, de respeito pela opinião alheia e de espírito democrático. A senha do cartão é o seu voto para presidente. Estão querendo convencer o público pagante, para começo de conversa, que Lula está botando na caçamba do seu caminhão uma quantidade incalculável de votos do “centro” — é exatamente por isso, aliás, segundo nos dizem os analistas de eleição e os prêmios Nobel de ciência política, que as “pesquisas de intenção de voto” estão dando essa montanha de votos para Lula. Não existem tantos lulistas assim no Brasil, nem no mundo; de onde estariam vindo, então, os números publicados pelos institutos? Estariam vindo, explica a moça do telefone, dos brasileiros que não querem “extremos”. Muitos dos quase 58 milhões que votaram no presidente Jair Bolsonaro, diz ela antes de pedir a senha, se cansaram do seu radicalismo e estão à procura de um sujeito equilibrado, safo e boa gente para 2022. Esse sujeito é Lula.

Ajuda um colosso, é claro, o fato de que os institutos de pesquisa, à essa altura do jogo, não precisam documentar suas descobertas com nenhum elemento de ordem técnica; isso a lei só exige para depois, já mais perto das eleições. Por enquanto é um vale-tudo em que qualquer um pode dar como verdade matemática, virtualmente, qualquer número que lhe passar pela telha, sobre qualquer candidato, real ou imaginário. Outro passo para criar a fábula de que há um novo Lula na praça, diferente daquele que ameaçava chamar “o exército do Stédile” para castigar os seus inimigos, e vivia dizendo que o problema da Venezuela era ter “democracia demais”, é incluir seu nome entre os possíveis “Bidens brasileiros”. Sim, acredite se quiser: há gente falando, a sério, que o mundo político nacional está preocupadíssimo em encontrar esse possível cruzamento de Atlas com São Francisco de Assis, ou o presidente ideal para qualquer país do planeta — e Lula poderia ser um belo Biden made in Brazil.

Até agora, porém, o comercial mais ambicioso que o Lula moderado colocou no ar foi a visita que fez a Fernando Henrique — mais o aperto de mão que recebeu do seu antecessor e, sobretudo, a inscrição do inimigo de cinco minutos atrás como seu mais recente cabo eleitoral para 2022. Foi um show de “equilíbrio” — ou, talvez mais propriamente, de equilibrismo. Fernando Henrique, ao fim deste último número, declarou inclusive que vai votar em Lula no segundo turno, na disputa com Bolsonaro. (FHC ainda achou uma boa ideia fazer um pouco de humor: fez questão de esclarecer aos companheiros tucanos que só votaria em Lula se não houvesse nenhum “candidato do PSDB” na disputa final. Poderia ter dito que votará num nome do seu partido se ele aparecer de disco voador no dia da eleição; daria na mesma.)

A sinceridade dessa “moderação” centrista de Lula é exatamente a mesma da sua aliança com Fernando Henrique. Lula vai lá, tira retrato e aparece no jornal; ninguém faz o mínimo esforço para lembrar que ele passou os últimos 19 anos, desde que assumiu a presidência da República em 2002, dizendo que recebeu uma “herança maldita” do antecessor. Em nenhum momento, desde então, retirou uma sílaba da acusação-insulto que fez; ao apertar a mão de FHC, outro dia, a “herança” continuava “maldita”. Qual é o problema? A hipocrisia é o mandamento número 1 da vida política brasileira; sem ela ninguém vai a lugar algum. Do mesmo jeito que Lula passou a vida falando da “herança maldita”, o PT passou todo o governo de Fernando Henrique exigindo o impeachment; sua palavra de ordem número 1 era “Fora FHC”. Lula, até agora, continua convencido de que ele e seu partido agiram com perfeição. O homem “de centro” que circula hoje na política brasileira jamais admitiu a vitória do adversário nas eleições presidenciais de 1994; só aceita as derrotas eleitorais porque não tem força militar para virar a mesa e porque o seu dispositivo MST-CUT-OAB-etc. não consegue assustar uma galinha de granja. Foi a favor de todas as manobras frustradas de golpe contra o homem de quem hoje aperta a mão. Sua ideia de liberdade de imprensa é o “controle social da mídia” pela máquina sindical do PT. É contra a mínima reforma no sistema apodrecido da política brasileira de hoje; tudo tem de ficar absolutamente igual ao que é, sempre. Sua democracia ideal é a da Venezuela.

O prejuízo, como sempre, tem de continuar no lombo da ‘pobrada’

A aposta de Lula — e de todas as forças que querem dar a ele, pela terceira vez, a presidência do Brasil — é que a multidão de brasileiros não-petistas, e os eleitores que estão descontentes com Bolsonaro, ou lhe são francamente hostis, esqueçam o país de 15 anos atrás. Têm de esquecer, em primeiro lugar, que votar em Lula é colocar no Palácio do Planalto um ladrão legalmente condenado pela Justiça brasileira, em terceira e última instância, pelas sentenças de nove juízes diferentes. Têm de esquecer, a propósito, que ele jamais pode contar para ninguém o fato mais importante da sua vida política atual: o de que os seus grandes protetores são os ministros Gilmar Mendes e Edson Fachin, seguramente dois dos homens mais odiados da opinião pública brasileira. Aparecer na rua em companhia deles, então, só em caso de delírio — aliás, se nem ele mesmo, Lula, pode atravessar a pé o Viaduto do Chá, imagine-se com Gilmar e Fachin, um de cada lado.

Vai ser preciso esquecer, mais do que tudo, o que foi realmente o governo de Lula — para não falar no de sua criatura, Dilma Rousseff, autora de uma desgraça econômica pior que a recessão da pandemia 2021-22. O problema de Lula, na verdade, não é ser de “esquerda” — ou de “centro”, como ele se apresenta hoje. O problema de Lula é que ele vai chamar para o centro do governo brasileiro, mais uma vez, as empreiteiras de obras públicas que mandaram neste país durante os oito anos de seu mandato e os cinco e meio de sua sucessora. Vai devolver a Petrobras à novas estrelas do Petrolão — só que agora mais escoladas pelos incômodos que passaram, e sem qualquer receio de uma Lava Jato. Vai trazer de volta as suas equipes de marketing, hoje no exílio, com os bilhões que custarão para o Tesouro Nacional. Vai colocar a política externa brasileira, mais uma vez, a serviço de Cuba, seus portos e seus médicos.

O desastre de Lula, na verdade, não será a teoria; será só a prática. Ninguém precisa ter medo de que ele tome a propriedade dos ricos, ou baixe um decreto criando o socialismo no Brasil; pode incentivar umas invasões do MST (e principalmente dar dinheiro do Banco do Brasil para os seus chefes) e se exibir de camiseta vermelha aqui e ali, mas é isso. O prejuízo de Lula, do PT e de tudo que vem junto com ele, e aí a coisa se conta na casa do trilhão, é deixar o Brasil exatamente como está. É não tocar, nem de leve, no Brasil Velho que manda desde sempre, nem nos seus privilégios, e nem na maciça desigualdade que causa na sociedade. É manter errado, ferozmente, tudo o que está errado. É socar funcionários e mais funcionários no serviço público — e achar que resolve o problema da distribuição de renda dando aumento para o funcionalismo. É ceder, correndo, a todas os pedidos de aumento salarial para procuradores, juízes, ministros de tribunais superiores e todos os demais marqueses da alta burocracia estatal. O golpe que estão querendo aplicar é esse — garantir que nada mude para melhor no Brasil. O lucro, e quanto mais lucro melhor, tem de continuar indo para os que sempre lucraram. O prejuízo, como sempre, tem de continuar no lombo da pobrada que chacoalha no trem da Central, não tem banco de investimento, nem de qualquer outro tipo, e está condenada a ganhar sempre menos, porque sabe menos e não consegue aprender mais. O resto é festinha de Lula com FHC.