A participação popular que ocorreu no ficha limpa foi

Com 10 anos de história, a Lei da Ficha Limpa estremeceu o cenário político do Distrito Federal. Criada a partir de iniciativa popular, a norma tirou do jogo figurões e influenciou diretamente em duas eleições (a primeira há 10 anos) para o Palácio do Buriti. Impedidos de concorrer, algumas das peças-chave do cenário local precisaram ramificar influências ou sair de cena. Para especialistas, a regra (leia O que diz a lei) tornou eleições mais justas, mas ainda há gargalos para se resolver.

No Distrito Federal, a Lei da Ficha Limpa teve impactos fortes no próprio ano em que começou a valer. Aprovada em maio pelo Congresso Nacional e sancionada em junho pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (que, anos depois, teve candidatura barrada com base na norma), a medida tirou das eleições de 2010 o ex-governador Joaquim Roriz.

Um dos favoritos para o Buriti, Roriz, à época no PSC, foi impedido pela Justiça Eleitoral de concorrer, porque tinha renunciado ao cargo de senador em 2007 por suspeitas de corrupção levantadas a partir de conversas gravadas do político. O caso foi emblemático, porque Roriz recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) com a alegação de que a lei só deveria valer em uma eleição seguinte. Roriz desistiu da candidatura antes de o julgamento chegar ao fim, mas a Corte decidiu pouco tempo depois que a regra deveria ser aplicada. A esposa de Roriz, Weslian Roriz, assumiu a candidatura. Chegou ao segundo turno, mas foi derrotada por Agnelo Queiroz.

Quatro anos depois, a Lei da Ficha Limpa voltou a mudar o rumo das eleições locais. José Roberto Arruda (PL) também foi impedido com base na medida por ter sido condenado em segunda instância por improbidade administrativa, dano ao patrimônio público e enriquecimento ilícito. Arruda saiu de cena e apoiou Jofran Frejat (PL), que teve como vice a mulher do ex-governador, Flávia Arruda (hoje deputada federal também pelo PL). A eleição foi vencida por Rodrigo Rollemberg (PSB).

Também saíram do jogo figuras como Luiz Estevão, Benedito Domingos e o próprio Agnelo Queiroz. Para o cientista político Creomar de Souza, CEO da Consultoria Dharma e professor de Ambientes e Cenários do Século XXI na Fundação Dom Cabral, a eleição de Rollemberg e mesmo a de Ibaneis são frutos dos impactos da Ficha Limpa. “Em condições normais, esses dois nomes poderiam não ser eleitos. A vitória de Rollemberg, por exemplo, deve ser vista como resultado do fato de outros potenciais nomes não poderem ser candidatos. O mesmo ocorreu com Ibaneis”, argumenta.

A Lei da Ficha Limpa, complementa Creomar, fez com que os políticos ou aqueles que almejavam um cargo público precisassem ter mais cuidado para evitar condenações. “A lei não caiu em desuso. Ela segue aí. O que nós temos observado, em alguns casos, é que há grande preocupação de lideranças políticas com cargos e mandatos de evitarem condenações, porque elas geram a impossibilidade da candidatura”, observa.

Na visão do advogado eleitoral e professor de ciência política Emerson Masullo, a Ficha Limpa trouxe efeitos muito contundentes na vida pública e na história do Distrito Federal. “Antigamente, pessoas com diversos problemas continuavam se candidatando e se reelegendo. Chegamos a ter Oração da Propina, dinheiro na meia. Essa sensação de impunidade desacreditava todo sistema político e jurídico brasileiro”, avalia.

A regra, segundo Masullo, refletiu um anseio de setores da população, que queria ver afastados da vida pública aqueles que não cumprissem as normas nacionais. “Houve, também, consequência para os partidos. As legendas começaram a fazer uma peneira mais refinada para não ver um candidato que passou pela convenção e nominatas ter sua candidatura barrada, porque isso traria uma mácula para a legenda”, acrescenta. “Basicamente, tudo isso traz um cenário completamente diferente do que tínhamos 10 anos atrás.”

Gargalos

Gil Castello Branco, secretário-geral da associação Contas Abertas (ONG cujo objetivo é aumentar a transparência pública e o combate à corrupção), considera a Lei da Ficha Limpa como uma das melhores iniciativas da sociedade brasileira desde a Constituição de 1988. “Foi uma manifestação espontânea que acabou tendo uma adesão enorme e conseguiu colocar, ao menos, alguns limites para que tivéssemos candidatos com mais honradez”, afirma. Ele acredita, no entanto, que há pontos que podem ser melhores para garantir a aplicação das regras.

Maior agilidade na avaliação dos candidatos pela Justiça Eleitoral é uma das questões ressaltadas por Castello Branco. “O que se espera, agora, é velocidade para que não fique esse ambiente de dúvida. Candidato concorre com liminar e decisão provisória e depois se acaba concluindo que não tinha condições de participar. Então, é importante ser rápido e evitar a confusão para o cidadão”, opina. Ele pondera que a alteração dos prazos eleitorais poderia ser uma solução para este problema.

O filtro feito pela lei, avalia o coordenador do Observatório Social de Brasília (organização sem fins lucrativos de fiscalização e acompanhamento de gestão e gastos públicos), Guilherme Brandão, traz mais qualidade ao pleito. “É uma lei que, de fato, funcionou e é concreta. O mais importante às vezes nem aparece nas urnas. Ela evita candidatos de até de se colocar como opção quando elimina pessoas com condenações em 2º grau, por exemplo. Isso é importante para a cidadania, porque evita de termos de escolher entre candidatos com passado ilegal”, justifica. “Ela passa a mensagem de que o gestor público não pode só falar que é honesto, mas precisa comprovar isso.”

Participação popular

A Lei da Ficha Limpa surgiu a partir de um projeto de iniciativa popular encabeçado pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE). Várias entidades e grupos sociais mobilizaram-se em favor da ideia, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Brasileira de Magistrados (AMB) e a Central Única dos Trabalhadores (CUT). Ao todo, foram obtidas cerca de 1,6 milhão de assinaturas. O projeto foi aprovado em maio de 2010 na Câmara dos Deputados e no Senado e foi sancionado pelo ex-presidente Lula em junho do mesmo ano.

A Lei Complementar n° 135/2010 regulamenta os requisitos de elegibilidade no país. Entre as diversas regras, ela estabelece restrição para condenados em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado por vários crimes, por corrupção eleitoral e por improbidade administrativa, além de definir que não podem ser eleitos aqueles que renunciarem a mandatos para fugir de processos e condenações.

A participação social na tomada de decisões políticas é um direito e está prevista na Constituição de 1988. 

E é comum se pensar por aí que a participação popular na tomada de decisões da vida pública esteja resumida somente ao voto e por meio de um tipo de política representativa exercida por aqueles que foram eleitos pelo povo. 

Mas essa conclusão é um equívoco. A Lei de Iniciativa Popular também é um tipo de mecanismo que possibilita a participação popular de forma mais direta na vida pública do Brasil.

Quando a sociedade tem participação ativa na esfera pública, a construção de uma sociedade se pauta na realidade social. 

Esse cenário pautado por iniciativas populares pode garantir menos desigualdades, mais políticas públicas e uma sociedade que consiga suprir as necessidades de um bem comum.

Já explicamos aqui anteriormente como a participação popular, em seus diferentes níveis, pode acontecer na prática. 

Além do que já compartilhamos sobre esse tema, o texto de hoje foca especialmente em uma outra forma de participação social na vida pública: a Lei de iniciativa popular. 

A Constituição de 1988 determinou que a participação popular na vida pública seria através do voto (sufrágio), e um dos mecanismos que garantiria os direitos políticos de todo cidadão.

Além do voto, que seria (e continua sendo) secreto e direto, haveria outros três instrumentos para garantir que cada cidadão estivesse envolvido nas tomadas de decisões referentes ao país. São eles:

  1.  O plebiscito 
  2. O referendo
  3. E Lei de Iniciativa Popular 
A participação popular que ocorreu no ficha limpa foi

Podemos dizer que esses 'mecanismos legais’ são executados no âmbito de interesse nacional via decreto legislativo.

Mas só foi em 1998 que uma lei própria, a de número 9.709 de novembro,  determinou alguns parâmetros para a execução prática desses mecanismos que já estavam previstos na Constituição. 

O plebiscito e o referendo

Esses dois mecanismos são um tipo de consulta formuladas ao povo. As questões analisadas pelos cidadãos, nesse caso, têm grande relevância e repercussão nacional. 

Um plebiscito e referendo têm natureza constitucional, legislativa ou administrativa, vale lembrar.  

O nosso país, por exemplo, realizou, em em 6 de janeiro de 1963, um referendo sobre o tipo de modelo político que regeria o Brasil. 

Na consulta daquela ocasião, o poder público queria saber se o brasileiro aprovaria ou não a continuação do regime parlamentarista. No fim das contas, ficou decidido que seríamos um país presidencialista. 

Já em 1993, foi feito um plebiscito para saber se a sociedade aprovaria um regime monárquico, uma república, parlamentarismo ou presidencialismo. Ficou decidido o regime que estamos hoje: o presidencialismo. 

A diferença entre esses dois mecanismos 

No site do Tribunal Superior Eleitoral você encontra todos os plebiscitos e referendos já realizados no Brasil. 

A Constituição também garante um outro mecanismo de participação popular à sociedade. No entanto, esse mecanismo, que é feito através de uma Lei de Iniciativa Popular, é um pouco mais complexo. E explicamos o porquê. 

O artigo 13º da Lei 9.709 diz o seguinte: “A iniciativa popular consiste na apresentação de projeto de lei à Câmara dos Deputados” 

Acontece que para essa lei de iniciativa popular ser apreciada pela Câmara dos Deputados, a proposta deve ser assinada por, no mínimo, um por cento dos eleitores nacionais e distribuídos em cinco Estados membros diferentes. Além disso, o artigo determina que não pode haver menos de três décimos por cento de eleitores em cada um desses Estados.

Como dá pra perceber, uma Lei de Iniciativa Popular enfrenta, antes mesmo de chegar à Câmara dos Deputados, um processo "logístico" bastante complexo. 

Vale lembrar ainda que mesmo cumprindo os requisitos estipulados pela Lei de 1988, uma Lei de Iniciativa Popular dificilmente conseguiria ter suas milhões de assinaturas verificadas - (um por cento dos eleitores envolveria em torno de 1,4 milhões de brasileiros). 

Para contornar o problema 

Para dar vazão a uma Lei de Iniciativa Popular, diante dos obstáculos e vícios que o próprio artigo 13 estipula, alguns deputados da Câmara precisariam assumir a autoria dessas propostas de lei sugeridas pela população. 

No Brasil, existem 4 casos emblemáticos que impulsionaram a criação de uma proposta de Lei de Iniciativa Popular e que, no fim do processo, acabaram  virando de fato leis. 

A morte da atriz Daniella Perez causou grande comoção nacional. Sua mãe, a roteirista de novelas Glória Perez, conseguiu 1,3 milhão de assinaturas para apresentar um projeto de Lei de Iniciativa Popular que adicionava o tipo de crime cometido contra sua filha, homicídio qualificado, aos crimes hediondos. A Lei de iniciativa popular foi apreciada e sancionada em 1994.  

Esse projeto de lei de iniciativa popular partiu da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil no começo de 1997. 

A proposta pretendia coibir a compra de votos no Brasil, prática bastante comum na época. Além de determinar o tipo de punição. 

Esse projeto de Lei de iniciativa popular alteraria leis que determinavam parâmetros para reeleição de vereadores a presidente da república. Em 1999 a o projeto foi apreciado e promulgado. 

Esse projeto de lei de iniciativa popular foi uma proposta apresentada pelo Movimento de Moradia Popular, em 1992. 

O processo de sua aprovação, unânime em todas as comissões, só foi realizado entre o final de 1997 e 2001. Entretanto, só em 2005 que esse projeto de lei de iniciativa popular para um fundo de habitação de interesse social foi sancionado. 

A lei, que autorizava a criação de um fundo específico, pretendia acelerar a redução do déficit de moradia habitacional. 

Essa Lei de iniciativa popular 11.124/2005 é destinada aos três níveis de governo: federal, estadual e municipal.  

A lei da ficha limpa é a mais recente lei de iniciativa popular. O projeto foi encabeçado pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE). 

Esse projeto, que a partir de 2010 se tornou lei, torna inelegível para cargos públicos, pessoas que cometeram crimes ou atos de natureza eleitoral durante o mandato. 

A lei basicamente ‘marca’ o histórico do político e explicita seus antecedentes para a sociedade. 

Quem é ficha limpa pode se candidatar a cargos políticos e também ser reeleito. Caso contrário, se for ficha suja, fica impedido de participar das eleições durante oito anos. 

Essa lei de iniciativa popular institucionalizou, em forma de lei complementar, o que já estava previsto no parágrafo 9º do artigo 14 da Constituição. 

Uma Lei de iniciativa popular é uma das maneiras, além de um plebiscito e referendo, de garantir a participação popular mais direta nas decisões da vida pública.

Mas o Brasil tem caminhado também para desenvolver outros modos de participação social na tomada de decisões também, seja em nível Federal, Estadual ou Municipal. 

A Lei de Acesso à Informação de número 12.527, por exemplo, garante acesso às informações públicas aos cidadãos. 

A institucionalização da cidadania e da participação social a partir de leis próprias, garante melhores formas de fiscalização por parte da sociedade civil. 

Outra legislação que se relaciona diretamente com a participação popular na tomada de decisões públicas é o Marco Civil da Internet. Institucionalizado pela Lei nº 12.965, o texto estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil.

O Marco Civil é importante porque o espaço virtual é um meio efetivo, no contexto digital das sociedades, para articular iniciativas civis, organizar projetos e comunidades para possibilitar melhores modos de participação social na administração das gestões públicas.

Todos esses mecanismos legais se somam aos mecanismos constitucionais já existentes. O acesso à informação e o marco civil da internet podem ajudar na articulação de projetos de lei de iniciativa popular que serão enviados à Câmara.