Suspensão direitos políticos condenação criminal

Suspensão de direitos políticos e condenação criminal transitada em julgado  

Em um estado democrático o exercício dos direitos políticos significa a efetiva participação do cidadão na vida política do país. Esses direitos estão expressamente consignados no artigo 14 da Constituição Federal de 1988:

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

I – plebiscito;

II – referendo;

III – iniciativa popular.

Todos aqueles que preenchem os requisitos para ser cidadão brasileiro têm o direito de se alistar eleitoralmente; se habilitar a candidaturas para cargos eletivos ou a nomeação para certos cargos públicos não eletivos; participar de sufrágios; votar em eleições, plebiscitos e referendos; apresentar projetos de lei através da iniciativa popular; e propor ação popular.

Porém, em situações excepcionais, o cidadão pode ter os seus direitos políticos suspensos, como no caso das pessoas que sofrem uma condenação criminal transitada em julgado (CF. Art. 15, III).

No dia 08 de maio de 2019, o plenário do Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 601182 – com repercussão geral reconhecida – afirmando que a suspensão de direitos nos casos de condenação transitada em julgado aplica-se às hipóteses de substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos. Isso porque o entendimento da Corte é de que a regra de suspensão dos direitos políticos prevista no artigo 15, inciso III, da Constituição Federal é autoaplicável sendo uma consequência imediata da sentença penal condenatória transitada em julgado independentemente do crime ou da natureza da condenação imposta.

Com o devido respeito à Corte Suprema, ouso discordar da referida decisão. Apesar da suspensão dos direitos políticos não se tratar de uma espécie de pena – e sim, um efeito secundário da condenação criminal – as suas consequências são devastadoras para quem irá suportá-la.

Quando uma pessoa não possui a “certidão da quitação eleitoral” fica impedida de fazer várias coisas como:

  1. Obter passaporte ou carteira de identidade;
  2. Receber vencimentos, remuneração, salário ou proventos de função ou emprego público, autárquico ou paraestatal, bem como fundações governamentais, empresas, institutos e sociedades de qualquer natureza, mantidas ou subvencionadas pelo governo ou que exerçam serviço público delegado, correspondentes ao segundo mês subsequente ao da eleição;
  3. Participar de concorrência pública ou administrativa da União, dos estados, dos territórios, do Distrito Federal, dos municípios ou das respectivas autarquias;
  4. Obter empréstimos nas autarquias, nas sociedades de economia mista, nas caixas econômicas federal e estaduais, nos institutos e caixas de previdência social, bem como em qualquer estabelecimento de crédito mantido pelo governo, ou de cuja administração este participe, e com essas entidades celebrar contratos;
  5. Inscrever-se em concurso ou prova para cargo ou função pública, e neles ser investido ou empossado;
  6. Renovar matrícula em estabelecimento de ensino oficial ou fiscalizado pelo governo;
  7. Praticar qualquer ato para o qual se exija quitação do serviço militar ou imposto de renda;
  8. Obter qualquer documento perante repartições diplomáticas a que estiver subordinado.

Fazer uma interpretação do artigo 15, inciso III, da Constituição Federal afirmando que a suspensão se aplica a todas as formas de condenação criminal transitada em julgado indistintamente se demonstra desarrazoado e desproporcional (mesmo que esta interpretação esteja de acordo com a Constituição).

Uma pessoa que tem a pena privativa de liberdade substituída por uma restritiva de direitos – pena não for superior a 4 anos – ou aqueles que são condenados por infrações penais de menor potencial ofensivo – contravenções penais e crimes com a pena não superior a 2 anos – precisam continuar vivendo as suas vidas. A suspensão de direitos políticos é muito mais do que apenas não poder votar e ser votado.

Qualquer pessoa está sujeita a cometer crimes durante a sua vida. Você pode estar dirigindo o seu carro, se envolver em um acidente de trânsito e acabar sendo condenado por um homicídio culposo, por exemplo.

As penas impostas pelas restritivas de direito – prestação pecuniária, perda de bens e valores, prestação de serviço à comunidade, interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana – não representam uma condenação penal incompatível com o exercício dos direitos políticos.

Apesar dos direitos políticos não serem absolutos e a previsão constitucional não estar relacionada à pena, e sim a uma ordem ética, a aludida restrição está em desencontro com o ideal de desetigmatização delineado pela Constituição Federal de 1988.  Penso que a análise deveria observar a questão da razoabilidade, proporcionalidade e, principalmente, da individualização da pena.

Até a próxima semana!

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Segundo dispõe o art. 15, inciso III, da Constituição Federal, é vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos.

Trata-se de um efeito da condenação, uma consequência de toda e qualquer condenação criminal transitada em julgado, mesmo que não declarada expressamente na sentença, pois decorre da letra expressa da Constituição Federal. Independe também da natureza do crime, da qualidade e do quantum da pena efetivamente imposta. Nem mesmo o fato de ter sido o agente, eventualmente, beneficiado pela suspensão condi­cional da pena impede a suspensão dos direitos políticos.

Não obstante, apesar de se reconhecer a autoaplicabilidade do dispositivo constitucional, há quem defenda uma incidência da suspensão dos direitos políticos restrita às situações em que o cumprimento da pena torne inviável o exercício de tais direitos, ou em que haja limitações que impliquem horários de recolhimento ao cárcere, não se aplicando, por exemplo, às hipóteses de sursis.

Um dos questionamentos sobre a limitação da suspensão dos direitos políticos é relativo à condenação na qual a pena privativa de liberdade é substituída por restritiva de direitos, que, sabemos, não implica recolhimento ao cárcere e constitui medida alternativa aplicada, no geral, em decorrência de crimes de menor gravidade (culposos; se dolosos, sem violência ou grave ameaça a pessoa e com penas relativamente baixas – até quatro anos).

Esta situação envolvendo as penas restritivas de direitos foi analisada na data de ontem (08/05/2019) pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário 601.182/MG.

Em 2011, o tribunal havia reconhecido a repercussão geral do tema, pois cumpria “definir, de forma linear, em todo o território nacional, mediante a voz abalizada do Supremo, o alcance do inciso III do art. 15 da Lei Fundamental, que preceitua a suspensão dos direitos políticos em virtude de condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem os respectivos efeitos. Em síntese, o guardião-maior da Carta Federal há de assentar se a suspensão prevista constitucionalmente abrange pronunciamento judicial a encerrar a substituição da pena restritiva de liberdade pela restritiva de direitos. A conclusão extrapolaria os limites subjetivos do processo, irradiando-se para um incontável número de casos”.

No caso julgado, um indivíduo havia sido condenado por uso de documento falso e teve a pena privativa substituída pela restritiva de direitos. Ao julgar a apelação, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais acolheu parcialmente os argumentos do réu e afastou a suspensão dos direitos políticos diante da natureza da pena imposta:

“No que respeita ao cancelamento da suspensão de seus direitos políticos, razão está com a nobre defesa.

Primeiramente, urge colacionar que é inquestionável a auto-aplicabilidade, em função da dispensa de regulamentação por lei infraconstitucional, do preceito contido no art. 15, III, da Carta Magna, dada a clareza do conteúdo e definição precisa de seu fato gerador, qual seja, a condenação criminal com trânsito em julgado. 

Contudo, a regra comporta exceção. 

Tendo em vista que, com fulcro no art. 44 do CP, foi concedida ao increpado a substituição da sanção corporal pelas restritivas de direitos, não se vislumbra qualquer incompatibilidade em relação ao pleno exercício dos seus direitos políticos, cuja relevante importância só permite o tolhimento em situações que materialmente os inviabilizem. 

(…)

Conforme friso em votos semelhantes, não se pode olvidar que a atual Constituição foi promulgada há mais de quinze anos. Vivia-se um momento em que a experiência de penas alternativas no direito brasileiro ainda se manifestava de forma relutante, incipiente e isolada. Por isso, não é de se conceber que o réu seja alijado de sua condição de cidadão por insistência na interpretação puramente literal do dispositivo em referência, e no substrato ético que a fundamenta, depois de árdua e corajosa modernização das políticas criminais e aprimoramento do sistema substitutivo das censuras carcerárias. 

Tal pensamento, induvidoso, pode implicar outra pena que traz conseqüências talvez mais severas que o próprio castigo cominado ao delito previsto no ordenamento jurídico-penal. Arreda-se da vida pública, indiscriminadamente, tanto aquele para quem se fez necessário o afastamento do convívio em sociedade, via segregação, quanto o que vem a ser beneficiado, ainda que condicionalmente, pela isenção do encarceramento após rigorosa avaliação, dentre outras circunstâncias, da natureza e da gravidade da infração penal que cometeu, de seus atributos pessoais e da pena que lhe é infligida.

Postulados dos mais caros ao Estado Democrático de Direito – os princípios da isonomia, da dignidade da pessoa e, principalmente, da individualização da pena, insculpido no art. 5º, XLVI, da Constituição Federal – são extirpados desse raciocínio que subtrai ao aplicador da lei o poder de decidir, ao cabo da análise singular de cada caso, sobre a incidência ou não do instituto que prevê a sustação das prerrogativas políticas.

Diante disso, ficam mantidos, pois, os direitos políticos do apenado.”

O Ministério Público recorreu extraordinariamente apontando a violação do art. 15, inciso III, da CF/88, e o Supremo Tribunal Federal, por maioria, deu-lhe razão.

Após o voto do ministro Marco Aurélio, que seguiu a mesma linha da decisão proferida na apelação afirmando que a suspensão dos direitos políticos contraria os princípios constitucionais da individualização da pena e da proporcionalidade, o ministro Alexandre de Moraes abriu a divergência para impor a suspensão independentemente da qualidade da pena fixada na sentença condenatória. O que importa, segundo a Constituição Federal, é a condenação transitada em julgado pela prática de uma conduta criminosa.

A divergência foi seguida pela maioria, sendo que o ministro Luiz Fux propôs, em seu voto, a restrição da suspensão dos direitos políticos aos crimes previstos na Lei da Ficha Limpa, tendo em vista ser desproporcional que consequência tão severa seja aplicada a infrações de menor gravidade. A tese firmada em repercussão geral, no entanto, foi assim redigida:

“A suspensão de direitos políticos prevista no artigo 15, inciso III, da Constituição Federal, aplica-se no caso de substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos”.

Para se aprofundar, recomendamos:

Livro: Manual de Direito Penal (parte geral)

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