Qual potência europeia possuía maior número de domínios na África em 1910

Desde a segunda metade do século XIX, os países europeus deram início a um processo de neocolonização, com a ocupação dos continentes africano e asiático. Esse processo neocolonialista desenvolveu-se a partir dos interesses das nações europeias, que buscavam implantar uma intensa exploração econômica sobre suas colônias. Na África, esse processo de ocupação dos europeus encontrou grande resistência em todo o continente.

Contexto histórico

Durante o século XIX, a Europa passou por inúmeras transformações que resultaram em grandes avanços tecnológicos. Houve um grande crescimento na capacidade industrial europeia que foi resultado da utilização de novas fontes de energia. O crescimento tecnológico também trouxe melhorias nos meios de comunicação, meios de transporte etc. Isso ficou conhecido como Segunda Revolução Industrial.

O avanço tecnológico e industrial desse período são dois fatores que ajudam a entender o desenvolvimento do capitalismo. Para dar suporte ao crescimento industrial, as nações industrializadas da Europa precisavam de novas fontes de matérias-primas e novos mercados consumidores para suas mercadorias.

Assim, foi iniciada uma verdadeira corrida entre as nações europeias pela ocupação do continente africano. Essa ocupação foi justificada por meio de um discurso civilizatório, porém, esse discurso tinha como objetivo mascarar os interesses puramente econômicos. A apropriação do continente africano foi consolidada durante a Conferência de Berlim, organizada entre 1884 e 1885.

Movimentos de resistência

Diferentemente do que muitos pensam, a ocupação europeia encontrou resistência em todo o continente africano. Os movimentos de resistência foram organizados tanto por povos que possuíam um Estado organizado e centralizado quanto por aqueles que não possuíam. A vitória dos europeus sobre esse movimentos de resistência aconteceu em decorrência de sua vantagem tecnológica, sobretudo em relação a armas e meios de comunicação. Apesar disso, considera-se que o movimento de ocupação dos países europeus ocorreu de forma desorganizada. A seguir, conheça alguns exemplos de movimentos de resistência desenvolvidos em determinados locais da África.

Durante a década de 1880, o Egito era governado pelo quediva Tawfik, e seu governo era alinhado com os interesses otomanos (turcos), cada vez mais alinhados, por sua vez, com os interesses britânicos. Para impedir o crescimento da influência britânica no Egito, foi iniciado um movimento de resistência promovido pelos militares com o objetivo de derrubar o quediva e instalar um novo governo.

Esse movimento foi liderado pelo coronel Ahmad Urabi e ficou conhecido como Revolução Urabista. Apesar de ter tido sucesso no início o movimento, logo foi derrotado a partir da intervenção inglesa. Os ingleses haviam sido convidados pelo quediva Tawfik para intervir militarmente no Egito. A derrota do movimento urabista enfraqueceu a resistência no Egito, que só retomou sua luta pela independência na década de 1950.

O Sudão também possuía um governo controlado e alinhado com os interesses dos otomanos. O domínio dos otomanos na região estendia-se desde 1821 e passou a ser questionado após o início da Revolução Urabista no Egito. O eco dessa revolução egípcia no Sudão ficou conhecido como Mahdiyya e foi liderado por Muhammad Ahmad al-Mahdi.

O Mahdiyya basicamente foi um levante no Sudão contra o domínio dos otomanos que assumiu características de jihad. A jihad é o conceito de guerra santa, que faz parte da crença islâmica. O movimento sudanês, portanto, ao mesmo tempo em que lutava pela derrubada do governo otomano no país, também buscava a reforma e propagação da fé islâmica.

O governo formado pelo movimento mahdista existiu até a invasão inglesa, iniciada em 1896. A vitória inglesa é explicada pela superioridade técnica e pelo fator surpresa, pois o governo jihadista do Sudão não esperava ser invadido pela Grã Bretanha. Com isso, o Estado mahdista deixou de existir e o Sudão somente alcançaria sua independência na década de 1960.

Madagáscar era um reino que possuía sua soberania proclamada desde a década de 1820 e que, no início da década de 1880, era governada pelo primeiro-ministro Rainilaiarivony, o qual liderava um processo de modernização no país. O objetivo de Rainilaiarivony com o processo de modernização em andamento era garantir a soberania da ilha e impedir a dominação colonial por parte das potências europeias.

Apesar disso, Madagáscar foi invadido pelos franceses a partir do ataque a Tamatave, em 1883. A invasão francesa à ilha aconteceu após pressão da classe colonialista francesa, interessada em estender o domínio sobre Madagáscar. Além disso, esse avanço francês visava impedir o crescimento da influência britânica na região.

Duas guerras aconteceram entre malgaxes e franceses: em 1883-1885 e 1894-1895. O governo malgaxe acabou destituído pelos franceses, e as reformas em andamento foram interrompidas. A ocupação francesa em Madagáscar lidou com rebeliões nas décadas de 1900, 1910 e 1920, e seu domínio na região só foi encerrado em 1960.

Texto: Maurício Brum | Edição de Arte: Estúdio Nono | Design: Andy Faria

O

explorador inglês John Hanning Speke tinha 30 anos quando embarcou na grande aventura de sua vida: viajar aos confins da África para encontrar a nascente do Nilo. Havia séculos que os europeus escutavam e liam rumores sobre a existência de “grandes lagos” no interior do continente: africanos, obviamente, e árabes, que traficavam pessoas escravizadas da região, já haviam mencionado e mapeado grandes volumes de água. Mas nenhum europeu os havia visto.

Decidido a mudar isso, Speke fez as malas, juntou-se a outro explorador mais famoso, o geógrafo militar Richard Burton, e os dois iniciaram a jornada na metade de 1857, com uma comitiva de serviçais e guias experimentados na região. Por vezes a pé, em outras tantas em lombo de jumento ou remando em canoas, os britânicos partiram da região da atual Tanzânia, na costa leste, e seguiram sempre em frente, rumo ao centro da África. Eles se tornariam os primeiros europeus a alcançar o lago Tanganica, o mais extenso do mundo, mas a viagem foi tão cheia de imprevistos que os dois estavam doentes quando chegaram lá.

Burton, afetado por algo que eles desconheciam, passou dias parcialmente paralisado e precisava ser carregado em uma maca por seis escravos durante o trajeto – oito, nos trechos mais difíceis. Ele, pelo menos, podia enxergar onde haviam chegado. Speke não teve a mesma sorte.

Já andava meio surdo após tentar tirar um besouro de seu ouvido com um canivete, perfurando o tímpano no processo, e quando pisou às margens do Tanganica também não estava bem em outro de seus sentidos: a visão. Com os olhos inflamados, só pôde lamentar: “o lindo lago foi visto em toda a sua glória por todo mundo, menos eu”, registrou em seus diários.

O Tanganica, descobririam mais tarde, não era a verdadeira nascente do Nilo – apesar de impressionante pela sua extensão e de ser próximo ao rio, ele não tem qualquer ligação com o curso mais longo da África. Esse ponto estava a Nordeste, a 450 quilômetros dali, onde Speke chegou em 30 de julho de 1858 – Burton, fraco demais, ficou acampado pelo caminho. Lá, encontrou o maior dos lagos africanos, ao qual decidiu dar o nome da então rainha de seu país: Vitória. O lago é formado por dois rios que são as verdadeiras origens do Nilo.

Speke não viveu para ter sua descoberta confirmada. Burton, que nada viu, discordou dos métodos do colega e, convertido em rival, argumentou que a expedição não era uma comprovação definitiva. Em 1864, com a Real Sociedade de Geografia da Grã-Bretanha estremecida pelas discussões entre os dois, Speke acabou dando um tiro em si mesmo durante uma viagem de caça para o interior da Inglaterra.

O episódio nebuloso foi considerado um acidente pelas autoridades, mas Burton passaria anos dizendo que seu oponente havia se suicidado por temer um debate público entre os dois que estava marcado para o dia seguinte.

No fim, Speke estava certo mesmo. Quem confirmou que o Lago Vitória era o local onde o Nilo se tornava um rio foi outro explorador britânico, o jornalista galês Henry Morton Stanley, uma década mais tarde. Stanley viria a se tornar um dos maiores nomes da era “romântica” das expedições ao coração da África.

Romântica, evidentemente, aos olhos dos europeus: sob o pretexto de acumular conhecimentos geográficos sobre áreas remotas e “selvagens”, o que os monarcas e investidores que mandavam homens destemidos aos confins africanos realmente queriam era ter uma noção das riquezas que os aguardavam por lá. As relações entre os dois continentes vinham de muito longe, e novos pontos do mapa passaram a entrar no imaginário europeu após as Grandes Navegações, que contornaram a África pela primeira vez e deram início a um tráfico transatlântico de negros.

Mas esses velhos contatos eram, geralmente, litorâneos. Foi o século 19 que abriu caminho para o interior profundo: entre 1870 e o início do século seguinte, o controle direto da Europa passou de cerca de 10% do território africano para mais de 90% Poucos entenderam esse potencial tão bem quanto o rei Leopoldo 2º, da Bélgica, que cobriu Stanley de ouro para desbravar o continente.

Já famoso por suas viagens, o galês foi contratado pela Associação Internacional Africana (AIA), fundada por Leopoldo como uma organização humanitária dedicada à ciência e à filantropia no continente, dando um disfarce aceitável para as intenções menos nobres que guiavam seus trabalhos.

Na prática, a AIA funcionava como uma empresa privada que transformaria grande parte da África Central, ao redor da bacia do Rio Congo, em propriedade pessoal do rei. A conquista do Congo, uma área de difícil acesso, ainda hoje coberta por uma densa floresta tropical úmida, removeu o último grande mistério africano. E provocou uma corrida entre as potências europeias para aumentar suas zonas de influência no continente. Até mesmo o Império Alemão, um dos menos envolvidos na área, intensificou sua presença.

Qual potência europeia possuía maior número de domínios na África em 1910
Inferno verde – A presença belga na África ficou marcada por doenças e atrocidades. Universal History Archive/Getty Images

Era uma versão colonialista de uma doutrina que já estava em prática na própria Europa: para evitar grandes guerras que arrasariam os seus países, era preciso garantir um equilíbrio de poderes. De acordo com esse pensamento geopolítico, nenhuma nação deveria controlar um território muito maior que nos demais ou possuir recursos superiores – um legado do trauma vivido pelo continente durante as conquistas de Napoleão, 70 anos antes.

Agora, para manter o delicado equilíbrio, a divisão da África deveria seguir os mesmos critérios, tentando balancear a ganância das várias partes envolvidas. O próprio Congo foi um dos centros da disputa: além da Bélgica, a região era desejada por Portugal, que alegava ter direito sobre o território por conta de velhos acordos firmados com a Espanha e a Igreja Católica, e pela França, que enviou seu próprio explorador, Pierre de Brazza – a capital da atual República do Congo, Brazzaville, deve seu nome a ele, que cravou a bandeira francesa na margem norte do rio e fundou a cidade em 1880.

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O rei Leopoldo 2º logo percebeu onde a coisa ia parar. Temendo que seus interesses econômicos fossem prejudicados, o monarca passou a agir nos bastidores para que os poderosos europeus chegassem a um acordo lucrativo para todos: partilhar o território e o comércio da África entre si. Finalmente, sob influência de Leopoldo e com apoio britânico e português, o chanceler alemão Otto von Bismarck convocou uma reunião em seu país para discutir os rumos do continente vizinho.

A chamada Conferência de Berlim iniciou seus trabalhos em 15 de novembro de 1884 e prosseguiu por mais de cem dias, até o final de fevereiro do ano seguinte. Ali, representantes de 13 nações europeias e dos Estados Unidos, que entraram como observadores, colocaram seus interesses sobre a mesa e propuseram diferentes formas de como redesenhar a África. As explorações realizadas ao longo de décadas ajudaram cada país a entender melhor o que podia conseguir nessa barganha por terras alheias.

Os próprios africanos, é claro, não foram convidados. Embora os contornos do domínio europeu tenham mudado ao longo dos anos – a presença alemã, por exemplo, foi varrida após a derrota desse país na 1ª Guerra –, a exploração seguiu firme até meados do século 20. O próprio Leopoldo 2º garantiu a posse das terras que tanto desejava, fundando o Estado Livre do Congo, um dos regimes mais brutais do período colonial. De fato, o rei tinha mais poder na África do que em seu próprio país.

Se na Bélgica ele já havia sido reduzido a uma figura decorativa em um regime parlamentarista, no Congo seu poder era irrestrito: a conferência garantiu aquelas terras como propriedade sua. Interessado na exportação do látex abundante na região, o rei controlava a população local por meio de tropas mercenárias que matavam e mutilavam quem se colocasse em seu caminho ou, simplesmente, não produzisse o suficiente – não pouparam nem as crianças.

Entre os horrores, o que se tornou mais infame foi o decepar de membros das vítimas: os asseclas do rei precisavam comprovar seus assassinatos levando de volta as mãos dos “mortos”, uma maneira de mostrar que não estavam gastando a munição para caçar. Estima-se que até 15 milhões de pessoas tenham morrido naquilo que ficou conhecido como “o estupro do Congo”.

Muitos deles, no entanto, acabavam sobrevivendo aos ferimentos, aparecendo em fotografias que aterrorizaram a Europa e deixaram escancarada a violência da exploração colonial. A opressão foi desconcertante mesmo em um cenário em que todas as potências europeias cometiam brutalidades. Em 1908, a revolta da opinião pública convenceu o rei a vender o Congo para o governo da Bélgica por 215 milhões de francos, um valor equivalente a mais de US$ 2 bilhões atuais.

Nem sempre tão chocantes quanto o destino dos congoleses, as outras colônias africanas também sofreriam por décadas em mãos estrangeiras. As fronteiras desenhadas em Berlim colocaram dentro de territórios artificiais povos que nem sempre se entendiam, na cultura e na língua – acabando por moldar uma história de conflitos que, em alguns países, perduram ainda hoje.

Mas, em outros casos, a exploração também teria um reflexo de unidade, criando resistências em comum: para combater os invasores, pela primeira vez muitos africanos passariam a se enxergar como parte de um mesmo continente, com valores e objetivos semelhantes, e uma mesma luta a ser travada. A partir dos anos 1950, muitos movimentos pela independência dos países da África seriam construídos a partir dessa ideia, que começara a ganhar força cinco anos antes.

Como era

Mapa com os principais povos e reinos pouco antes da divisão feita pelos europeus na Conferência de Berlim entre 1884 e 1885. Algumas regiões do norte já eram colonizadas pelo Império Otomano, mas a maioria, autônoma.

Qual potência europeia possuía maior número de domínios na África em 1910

Domínios difíceis

As fronteiras artificiais não foram aceitas pacificamente. Indo para o embate, alguns povos mantiveram certa autonomia por mais tempo.

Bôeres
Descendentes de holandeses que colonizaram o sul africano, eles viviam no Estado Livre de Orange e no Transvaal, áreas que passaram ao controle formal britânico. Os bôeres, porém, resistiram em duas guerras. O que viria a ser a atual África do Sul só se organizou em 1910, obtendo sua independência em 1931.

Derviches
Liderados pelo líder religioso Mohammed Hassan, os muçulmanos da Somália fizeram longa resistência armada para combater os colonizadores britânicos e seus aliados etíopes. O Estado Derviche nunca foi reconhecido, mas manteve certa autonomia até 1920, quando Hassan morreu de malária logo após uma grande derrota, e as tropas se dispersaram.

Marrocos
Os alemães usaram o país como campo de testes para ver até onde ia sua influência na África. O Marrocos havia virado “francês”, mas, na prática, seguiu autônomo. No início do século 20, o kaiser Guilherme 2º deu discursos em prol da independência marroquina, gerando duas crises que só foram resolvidas em 1912. Acabou virando um protetorado franco-espanhol até a independência em 1956.

Como ficou

Mapa da África após a Primeira Guerra, com fronteiras definidas entre 1884 e 1885 na Conferência de Berlim. O domínio do território ficou principalmente nas mãos francesas e britânicas.

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Quem se manteve independente

Apenas dois países tiveram sua soberania formalmente respeitada após a Conferência de Berlim.

Etiópia
Com uma história de autodeterminação que vinha de séculos, a Etiópia conseguiu manter essa condição após a partilha do continente. Em toda a sua longa trajetória, o Império Etíope só teve a independência afetada uma vez, durante a 2a Guerra – a Itália ocupou o país entre 1936 e 1941, mas acabou derrotada.

Libéria
Se os etíopes seguiram livres por sua antiguidade, os liberianos mantiveram a autonomia porque eram recentes. No início do século 19, norte-americanos ricos começaram a mandar negros libertos da escravidão de volta para o seu continente originário, na região da Costa da Pimenta, que logo adquiriu o nome Libéria. O país declarou sua independência em 1847, quase 40 anos de Berlim, e assim se manteve após a divisão da África.

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