Por que a rússia invadiu o afeganistão

A Guerra do Afeganistão foi um conflito iniciado em dezembro de 1979, quando as tropas soviéticas invadiram o país. Essa guerra teve grande influência do contexto da Guerra Fria e foi extremamente desgastante também para a União Soviética, sobretudo para a sua economia. Ao longo de dez anos de conflito, mais de 1 milhão de afegãos morreram.

Antecedentes

O Afeganistão, no decorrer de grande parte do século XX, havia estado sob forte influência da União Soviética. A parceria entre os dois países intensificou-se ao longo da década de 1950, com os soviéticos investindo no desenvolvimento econômico daquele país, bem como fornecendo armamentos, treinamento militar e ajuda humanitária.

A relação entre as duas nações tornou-se complexa em 1978, quando o Afeganistão passou por uma revolta comunista conhecida como Revolução de Saur. Essa revolução contou com o apoio do governo soviético, que estava insatisfeito com o governo de Mohammed Daoud Khan. A Revolução de Saur levou Nur Muhammad Taraki e o Partido Democrático do Povo Afegão (PDPA) ao poder.

A ascensão de Taraki, no entanto, foi extremamente conturbada, por conta de uma série de reformas aplicadas no país. Essas transformações alinhavam-se com a orientação do partido e enfureceram grandes proprietários e as populações conservadoras do interior, que, reprimidas pelo governo, começaram a se rebelar com manifestações.

Esses rebeldes eram, em geral, defensores ardorosos do Islã e viam nas reformas comunistas do PDPA uma ameaça a sua religião. Tais grupos ficaram conhecidos como mujahidins e organizaram ataques contra o governo em diferentes partes do Afeganistão. Essa situação motivou uma disputa interna no PDPA, levando a um golpe de Estado que destituiu Taraki e conduziu Hafizullah Amin ao poder em 1979.

O governo de Hafizullah Amin, no entanto, não agradava aos soviéticos pela sua incapacidade de colocar os mujahidins sob controle e porque temiam que o governante afegão rompesse a aliança com os soviéticos para se aliar aos Estados Unidos. Além disso, a União Soviética queria colocar o PDPA sob seu controle e evitar as disputas que existiam no partido.

Invasão soviética

Por conta desses dois fatores, os soviéticos organizaram a ocupação do Afeganistão, em dezembro de 1979. A ideia era derrubar Amin do poder e colocar Babrak Karmal na presidência do país – objetivo que foi alcançado com sucesso. A invasão ao Afeganistão, contudo, precipitou uma guerra dos mujahidins contra os soviéticos, que eram enxergados como uma ameaça ao Islamismo e aos seus interesses no país.

Importante pontuar que, até o começo de 1989, o governo soviético era totalmente contra o envio de tropas ao Afeganistão. Isso foi debatido porque o PDPA havia solicitado forças soviéticas para lutar contra os mujahidins por diversas vezes. O descontrole da situação interna e a insatisfação com Amin levaram os soviéticos a ordenar a invasão.

Os mujahidins, por sua vez, declararam uma jihad (guerra santa) contra os soviéticos e, ao longo do conflito, foram largamente financiados, treinados e armados pelos Estados Unidos. Os mujahidins formavam grupos armados que atuavam por meio de táticas de guerrilha, fazendo ataques localizados contra as forças soviéticas. Além disso, a geografia do Afeganistão (montanhoso ao norte) ajudava os rebeldes na luta.

O financiamento dos mujahidins pelos Estados Unidos fazia parte da estratégia de um grupo de forte atuação na CIA que via na guerra uma forma de sangrar a economia soviética o máximo possível. Esse segmento, conhecido como bleeders, barrou os esforços diplomáticos da ONU e armou os rebeldes para alimentar a continuidade do conflito.

Para os soviéticos, a Guerra do Afeganistão representou um peso gigantesco, a começar pelo fato de que o país teve de arcar com todos os gastos militares e ajudar o funcionamento da economia afegã. Além disso, os mujahidins eram grupos difíceis de se combater – assim, a guerra se estendeu por anos. A partir de 1985/1986, os soviéticos passaram a entregar as operações militares para o exército afegão e iniciaram esforços para negociar a retirada de suas tropas.

Tais esforços intensificaram-se com a ascensão de Mikhail Gorbachev ao poder. Em 1988, o presidente soviético anunciou que as tropas sairiam definitivamente do Afeganistão. Os últimos soldados retiraram-se em fevereiro de 1989, e o governo do país ficou nas mãos de Mohammad Najibullah. A guerra no Afeganistão prosseguiu até 1992, quando os mujahidins derrubaram o presidente afegão do poder.

Consequências

A Guerra do Afeganistão deixou resultados graves para a União Soviética, a começar por uma crise econômica que atingiu o país no final da década de 1980. Isso se deve aos grandes gastos com o conflito (em torno de 2,6 bilhões de dólares), deixando um saldo de 15 mil mortos entre soldados soviéticos.

Além disso, o financiamento estadunidense aos mujahidins permitiu que esses grupos islamitas se fortalecessem e se tornassem poderosas organizações fundamentalistas que utilizam o terrorismo como tática de luta. Dos mujahidins surgiram a Al-Qaeda e o Talibã, dois dos maiores grupos terroristas do mundo atualmente.

*Créditos da imagem: Andrii Zhezhera e Shutterstock

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A invasão Russa no Afeganistão (1979-1989): Os impactos do conflito na História

Afegã

The Russian Invasion of Afghanistan (1979-1989): The Impact of the Conflict on

Afghan History

DOI:10.34117/bjdv6n11-188

Recebimento dos originais: 19/10/2020

Aceitação para publicação: 10/11/2020

Ana Paula Gonçalves Cunha

Graduanda do curso de Relações Internacionais na Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA)

São Paulo, Brasil

E-mail:

Emilly De Freitas Oliveira

Graduanda do curso de Relações Internacionais na Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA)

Santa Catarina, Brasil

E-mail:

Raquel Gonçalves Vieira Machado De Melo Morais

Graduanda do curso de Relações Internacionais na Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA)

Goiás, Brasil

E-mail:

RESUMO

O presente trabalho busca analisar os impactos político-econômicos e sociais causados no Afeganistão

no período da invasão russa (1979-1989). Para compor a pesquisa, foram utilizados, principalmente,

procedimentos metodológicos bibliográficos, predominantemente, qualitativos. Serão explorados o

período histórico, os conflitos, seus impactos domésticos e internacionais. O Afeganistão, visto como

território estratégico durante a Guerra Fria, foi palco das duas grandes potências da época, que atuaram

diretamente e modificaram o modus vivendi da região. Tais eventos históricos determinaram a atual

situação do país. Por isso, esse artigo analisa a importância dos atores externos no agravamento da

situação afegã, tanto por parte de Estados quanto de forças transnacionais, como as etnias e a religião

islâmica, sendo estes últimos atores que incentivaram a resistência até se tornarem os principais pontos

para o surgimento dos conflitos internos no país.

Palavras-Chave: Afeganistão, Invasão, Conflitos.

ABSTRACT

The present work seeks to analyze the political, economic and social impacts caused in Afghanistan in

the period of the Russian invasion (1979-1989). To compose the research, mainly bibliographic

methodological procedures were used, predominantly, qualitative. The historical period, conflicts, their

domestic and international impacts will be explored. Afghanistan, seen as a strategic territory during

the Cold War, was the scene of the two great powers of the time, who acted directly and modified the

modus vivendi in the region. Such historical events determined the current situation of the country. For

this reason, this article analyzes the importance of external actors in worsening the Afghan situation,

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both on the part of states and transnational forces, such as ethnic groups and the Islamic religion, the

latter being the ones who encouraged resistance until they became the main points for the emergence

of internal conflicts in the country.

Keywords: Afghanistan, Invasion, Conflicts.

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho busca analisar as repercussões da invasão soviética no Afeganistão, além

de explorar a situação do país no período posterior a invasão, quais foram os fatores que corroboraram

para a invasão e como o país se reorganizou após este período. Ao tomar conhecimento da amplitude

do tema abordado, optamos por delimitar, cronologicamente, o artigo entre os anos de 1979 a 1989, a

fim de uma maior compreensão do tema. Para uma maior compreensão sobre o tema, se fez pertinente

a divisão do presente trabalho em três partes, sendo estas: o Afeganistão pré-invasão, as relações

afegãs-soviéticas, e o papel das forças transnacionais.

Partimos da hipótese de que o Afeganistão possui um histórico conflituoso, o que pode ter

resultado em sua atual dependência externa, fazendo-o também de um palco para o intervencionismo

de outros Estados na região. Ao compreender a importância geoestratégica do Afeganistão, se fez

necessário entender sua história e os motivos pelos quais este país enfrenta tantos conflitos. A partir de

então, a invasão soviética se tornou um ponto crucial para assimilar a conjuntura atual.

Evitando os paradigmas dominantes e pretendendo-se a abandonar conhecimentos prévios que

poderiam resultar no pré-julgamento dos fatos, esta pesquisa de caráter exploratório, utilizou-se

majoritariamente do método qualitativo e de pesquisas bibliográficas e eletrônicas para aprofundar-se

no tema.

A relevância desta pesquisa contribui para a explanação da questão do Afeganistão como um

ator do sistema internacional marcado por uma gangrena histórica. Esta pesquisa auxilia na análise

conjuntural do Afeganistão atual, baseado em um dos momentos mais tensos de sua história. Como já

citado, o objetivo do presente trabalho não é somente tratar das repercussões da invasão soviética no

Afeganistão, como também se familiarizar com esta questão a fim de desenvolver futuras pesquisas

mais aprofundadas.

2 AFEGANISTÃO PRÉ-INVASÃO

Devido a sua localização geográfica (entre Oriente Próximo e Índia), o Afeganistão, desde

antiguidade, tornou-se uma constante via de passagem para comerciantes e conquistadores. Situado

entre várias rotas comerciais que ligavam o Oriente Médio, a Pérsia, a Mesopotâmia e a Arábia à Ásia

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Central e Oriental, a China e a Índia, foi alvo de várias investidas militares e frequente campo de

batalha. Os ataques registrados desde do ano 545 a.C, fizeram com que a região sofresse grandes

influências de vários povos, da dinastia persa, passando pelos gregos, mongóis, uzbeques, otomanos,

britânicos, entre outros, até formar o Afeganistão como o conhecemos hoje, um Estado pluriétnico e

pluricultural (RODRÍGUEZ, 2003, p. 19-21) conforme podemos ver na Figura 1. A diversidade,

principalmente entre tribos, por vezes pode acabar gerando conflito, conflito este que em ocasiões se

alastra por décadas ou ainda centenas de anos.

Figura 1 - Mapa étnico Afeganistão

Fonte:http://extras.ig.com.br/infograficos/2011/ultimosegundo/mundo/etnias-afeganistao/ (2011

Acesso em: 31 mar. 2018.

O fator étnico-cultural e as condições geográficas, contribuíram para aumentar a dificuldade de

consolidação de uma identidade nacional e a partir do século XIX. O Afeganistão teve que lidar com

fatores externos, como as ambições expansionistas do Império Britânico e do Império Russo na Ásia

central, rivalidade estratégica conhecida como o Grande Jogo (RODRÍGUEZ, 2003, p. 27). A

resistência de um poder central e a contínua presença estrangeira ocasionou seguidas disputas de poder

entre as tribos.

Desde a independência do Afeganistão em 1919, uma série de circunstâncias levaram-no a uma

aproximação da União Soviética. Sendo esta a primeira a reconhecer a independência do país, houve

um grande acercamento e o território afegão passou a estar abaixo de sua influência econômica,

política, ideológica e posteriormente, militar. Segundo Stephen Tanner,

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O exército afegão e a força aérea foram reorganizados ao longo das linhas do Exército

Vermelho, e em condições de crédito favoráveis equipadas com armas soviéticas e checas,

tanques e aviões. Os afegãos fizeram do russo a linguagem técnica de suas forças armadas.

Além disso, nas próximas duas décadas, cerca de 3.700 oficiais e cadetes afegãos receberam

treinamento militar na União Soviética, onde estavam sujeitos, sutilmente ou não, a doutrinação

política (TANNER, 2002 apud TRAUMANN; KAMINSKI, 2016, p. 5, tradução livre).

Com o tempo, os resquícios do controle britânico foram desaparecendo e a dependência aos

russos foi aumentando. Surgiu então um novo ator no sistema internacional, que já havia se erguido

como potência durante as guerras mundiais do século XX, para tentar frear a influência da então União

das Repúblicas Socialistas Soviéticas na região. Esta superpotência era os Estados Unidos da América,

que pretendiam limitar a expansão da ideologia comunista. Durante a Guerra Fria, houve uma disputa

de poder entre essas superpotências pelo alinhamento dos demais países. O Afeganistão assumiu uma

postura oficial de neutralidade, embora recebesse auxílios econômicos e militares soviéticos. Devido a

essa política de “neutralidade”, realizou uma tentativa de jogo duplo, buscando também contribuições

estadunidenses, já que havia o interesse norte-americano em integrar o país ao bloco anti-comunista do

Pacto de Bagdá (1956), conhecido também como CENTO (sigla em inglês para Organização do

Tratado Central) (RODRÍGUEZ, 2003, p. 34). Entretanto, “devido às hostilidades entre o Afeganistão

e o Paquistão e aos laços estreitos com a URSS, o Afeganistão não foi recrutado para o pacto de defesa

mútua da CENTO” (TANNER, 2002 apud TRAUMANN; KAMINSKI, 2016, p. 5)

. A não aceitação

do Estado afegão pelo Pacto de Bagdá, resultou em uma aproximação ainda maior da URSS. Esse fato

não impediu que o país fosse financiado por ambos blocos, embora as contribuições soviéticas fossem

maiores.

Em abril de 1978, após o homicídio de Akbar Khayber, redator do jornal e líder comunista em

Cabul, houve uma grande mobilização social e os grandes centros eclodiram em manifestações. Os

protestos contra o Primeiro Ministro Mohammed Daoud levaram-o a tomar medidas violentas para

conter a população e devido a turbulenta situação, se refugiou no palácio presidencial que dias depois

foi invadido por tropas afegãs e resultou na morte de Daoud e de sua família e um golpe de Estado por

parte dos comunistas (FORIGUA-ROJAS, 2010, p. 194). Após o golpe, foi proclamada a República

Democrática do Afeganistão e anunciada a Revolução de Saur.

Texto original: “The Afghan army and air force were reorganized along Red Army lines, and on favorable credit terms

equipped with Soviet and Czech guns, tanks, and aircraft. The Afghans made Russian the technical language of their armed

forces. In addition, over the next two decades about 3,700 Afghan officers and cadets received military training in the Soviet

Union, where they were subject, subtly or not, to political indoctrination” (TANNER, 2002, p. 226, tradução livre).

Texto original: “Afghanistan, because of its hostilities with Pakistan and close ties to the Soviet Union, was not enlisted

in the CENTO mutual defense pact” (TANNER, 2002, p. 226).

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O novo governo era composto pelas duas facções que constituíam o Partido Democrático

Popular do Afeganistão (PDPA), sendo o Primeiro Ministro Nur Muhammad Taraki (líder da facção

Khalq) e outros dois primeiros ministros adjuntos representando as facções Parcham com Babrak

Karmal e Khalq com Hafizullah Amin. Embora parecesse haver uma cooperação e homogeneidade

entre as facções num primeiro momento, com o decorrer dos meses, este governo representou mais as

rivalidades internas que o interesse do país como um todo e congestionou a política estatal, conforme

podemos constatar no trecho abaixo

Os Khalq, com maior influência no exército, tiveram o peso fundamental no golpe de Estado e

aproveitaram essa força para remover dos cargos-chave os membros do grupo Parcham, mais

pró-soviéticos, mandando-os para missões no exterior, purgando-os das fileiras do partido ou

acusando-os abertamente de conspirar para derrubar Taraki. Ao mesmo tempo em que o PDPA

foi enfraquecido pelas lutas dentro da cúpula de poder, a resistência popular e religiosa contra

o regime comunista começou a brotar espontaneamente em várias partes do país.

(RODRÍGUEZ, 2003, p. 42-43)

Em 1978 a URSS e o Afeganistão assinaram um Tratado de Amizade, Boa Vizinhança e

Cooperação no intuito de promover a assistência e o desenvolvimento mútuo. Entretanto, um ano

depois, a URSS com receio a perder sua influência e o pretexto de estar atendendo a um chamado de

auxílio, salvaguardando a segurança de ambos países, invadiu o Afeganistão entrando em disputa de

forma direta pelo poder. Combatendo os mujahedins (jovens militantes da jihad - guerra santa) e o

presidente Amin (que naquele momento havia assumido o poder em decorrência da morte de Taraki

dois meses antes), empossando seu incondicional aliado Karmal e atribuindo-lhe o domínio do Estado

afegão. Com isso começa a guerra civil e a guerra russo-afegã ou ainda, soviética-afegã. A partir de

1987, com o apoio estadunidense aos mujahedins, abastecendo-os belicamente, a guerra mudou o seu

curso.

2.1 CULTURA E RELIGIÃO: DOIS FATORES INFLUENTES

Como é sabido, a cultura é um fator de suma importância para a formação de determinada

sociedade e isto fica claro no caso do Afeganistão. A cultura e as várias etnias afegãs têm gerado

inúmeros conflitos desde o passado, as disputas entre pashtuns e não-pashtuns se generalizaram e

Texto original: “El Khalq, con una mayor influencia en el ejército, había tenido el peso fundamental en el golpe de Estado

y aprovechó esa fuerza para apartar de los puestos claves a los miembros del grupo Parcham, más pro soviético, enviandolos

a misiones en el extranjero, purgándolos de las filas del partido o acusándolos abiertamente de conspirar para derrocar a

Taraki. A la vez que el PDPA se debilitaba por las pugnas dentro de la cúpula de poder, la resistencia popular y religiosa

contra el régimen comunista empezó a brotar de manera espontánea en diversas partes del país” (RODRÍGUEZ, 2003, p.

42-43).

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atingiram outras etnias. Devido aos pashtuns representarem metade da população, possuírem língua

própria e se basearem em fortes códigos morais e tribais (pashtunwali), resultando em uma forte

estrutura tradicionalista, como a Loya Jirga (Grande Conselho - conjunto de líderes afegãos que tomam

decisões políticas, econômicas, sociais, religiosas e militares, representando todas as etnias e as facções

sunitas e xiitas), por exemplo, a sociedade afegã torna-se cada vez mais dicotomizada e hierarquizada,

produzindo mais conflitos internos. Outros grupos étnicos como os hazaras (discriminados

historicamente e distanciados por serem xiitas em um Estado predominantemente sunita) e os tadjiques

(sunitas com idioma próprio-farsi/dari-, atualmente desentendidos com os hazaras) são colocados em

um segundo plano ou até mesmo esquecidos, principalmente os grupos nômades (BAPTISTA, 2006,

p. 12).

Além da cultura tradicionalista, conservadora e tribal, a religião também desempenhou um

papel influente na política e dinâmica social afegã. No país em questão, a religião maioritária é o

islamismo sunita, havendo duas minorias xiitas principais: os hazaras e os ismalís. O islamismo

mobilizou e formou grupos de resistência à presença estrangeira, dos quais podemos citar os dois

principais,

Partido Islâmico (Hizb-i-Islami) de maioria pashtun, fundado por Gulbuddin Hekmatyar, e a

Sociedade Islâmica (Jamiat-i-Islami) liderada oficialmente por Burhanuddin Rabbani, de

maioria tadjiques e uzbeques com destaque para o comandante principal Ahmad Shah

Massoud, conhecido como o Leão de Panjshir. (TRAUMANN; KAMINSKI, 2016, p. 8).

Juntamente com outros grupos político-militares, o Partido Islâmico e a Sociedade Islâmica

compuseram os "rebeldes" mujahedins, resistentes que lutavam na guerra santa-jihad. A partir daquele

momento “não tardou para que esses grupos pegassem em armas e recorressem à violência política.

Por todo o país, eclodiram revoltas anticomunistas que colocaram em risco a sobrevivência da

República Democrática do Afeganistão” (VISACRO, 2009 apud TRAUMANN; KAMINSKI, 2016,

p. 8) e deram início a uma guerra irregular que se estendeu por toda a região e durou décadas.

3 RELAÇÕES AFEGÃS-SOVIÉTICAS

As relações afegãs-soviéticas iniciaram-se oficialmente quando a União Soviética foi a primeira

a reconhecer o status de país independente do Afeganistão, e estabelecer relações diplomáticas com

este. Assim, como já dito anteriormente, o mais novo país se encontrava sujeito a influência e molde

da URSS em suas diversas áreas de governo, até que, finalmente, a União Soviética invadiu o

Afeganistão em 1979 e entregou o poder nas mãos de Babrak Karmal (BAPTISTA, 2006, p. 7).

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O Afeganistão era demasiadamente importante para a União Soviética - mesmo não tendo

acesso ao mar -, não somente por precisar expandir sua zona de influência pelo exterior próximo -

tentando evitar invasões e influências dos EUA - e obter mais força e aliados pelo contexto vigente da

Guerra Fria, mas também devido a expansão do islamismo e do “terrorismo’’ generalizado, como em

seu território. Esse último fator se observa pelos movimentos separatistas que ocorriam na Rússia com

sua população muçulmana -principalmente na região da Chechênia-, nesse aspecto estrito, a Rússia se

colocava ao lado dos Estados Unidos para a Guerra do Terrorismo -principalmente no período pós-

guerra afegã-soviética- isso legitimaria as atrocidades realizadas pelo governo no território separatista

russo e o intervencionismo direto em momentos posteriores. Esses apontam alguns porquês de a

supremacia russa ser tão extensiva, abrangente e cada vez mais controladora desde a independência

afegã, o que resultou, por fim, na invasão.

É importante ressaltar que o ato soviético sobre o Afeganistão violou o Direito Internacional e

levou à contestação generalizada, assim como discorre o tenente-coronel Paulo Baptista

Importa, contudo, salientar, que o acto da invasão do Afeganistão por parte da URSS, foi

indiscutivelmente uma violação do estipulado no Art.2º/Nº4 da Carta das Nações Unidas. Esse

acto, foi inclusive fortemente condenado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, assim

como por grande parte dos países islâmicos, entre os quais na primeira linha o Irão, o Paquistão,

a Arábia Saudita e igualmente o Iraque (embora na altura próximo da URSS). Os EUA, em

particular, reagiram vigorosamente, já que essa invasão punha um fim definitivo à détente 32

que caracterizou a década de 1970 (Boniface, 1997: 83). Neste sentido, pode-se entender que

qualquer perturbação do equilíbrio existente entre as duas superpotências no âmbito da Guerra-

fria (também ela passível de ser vista como uma forma de guerra), careceria também de

legitimidade internacional. (BAPTISTA, 2006, p. 22).

Primeiramente, o domínio sobre a política afegã passou de indireto a direto -notoriamente por

meio do uso da força- com governantes comunistas empossados pela União Soviética. Junto a isso, as

forças militares russas dominavam todas as partes do território, impondo regras, modificando o modus

vivendi dos afegãos e tentando controlar as várias revoltas de todos aqueles insatisfeitos com a

dominação russa. Estima-se que foram cerca de 70.000 homens enviados em missão ao Afeganistão

(BAPTISTA, 2006, p. 7) para lutar contra civis -em sua grande maioria- que não possuíam armamento

à altura para defenderem a si próprios e ao país.

Apesar dessa situação de armamento civil já esperada pela União Soviética, algo que esta não

esperava com tanta força era resistência da parte dos afegãos -mujahedin- contra a invasão e domínio

estrangeiro do território, dificultando a permanência do sistema soviético no país. Estes realizavam

atentados “terroristas’’ e buscavam não só resistir militarmente, mas também no âmbito político com

ataques às forças governamentais e protestos. Com isso, começou a guerra afegã-soviética, partindo de

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uma grande ofensiva, contando com bilhões de dólares e milhares de soldados investidos no ataque

pela parte soviética e do outro lado com a população afegã. Mesmo com tanta preparação inimiga, os

mujahedins não desistiram e contavam com apoio externo de outros Estados, como os Estados Unidos

da América, China, Arábia Saudita, Irã, Paquistão e outros. Essa guerra, por sua longa duração -

finalizaria apenas em 1988, com saída de tropas em 1989- ocasionou milhares de feridos, civis e

combatentes, além de destruição de parte do território afegão.

A motivação para que as tropas soviéticas se retirassem em 1989 foi para além da forte

resistência afegã. A mudança da Doutrina Brezhnev -que consistia principalmente no militarismo,

ataque a oposições e justificava de intervenções militares como sendo necessárias para controle de

instabilidade e para essa situação não afetar toda a União- para a nova política externa russa reformista

de Mikhail Gorbachev -empoderado em 1985 e último líder da União das Repúblicas Socialistas

Soviéticas- adotando as chamadas Glasnost e Perestroika que foram fatores determinantes,

juntamentes com a forte oposição mujahedin. A Glasnost tratava-se de transparência e de ser

uma estratégia política voltada a ampliar apoio na sociedade soviética, sobretudo entre os

intelectuais, aos esforços do governo a favor da desmilitarização (redução das armas nucleares,

redução das forças armadas e retirada das tropas da Europa) e diminuição do peso econômico

e da importância política do complexo industrial-militar. (ALVES, 2011, p. 23).

E a Perestroika uma política de reconstrução e reestruturação econômica na URSS, precisando

para isso diminuir investimento em defesa -Exército Vermelho-, fazer acordos com o Ocidente -que o

pressionava para a retirada de tropas o mais rápido possível- o que deu abertura para as Repúblicas

antes controladas se tornassem independentes, ganhando no âmbito político-social (GARCIA, 2011).

Esses são contribuintes para a dissolução Soviética e o início da guerra local, pois mesmo tendo a

URSS sido derrotada no Afeganistão, os financiamentos para os pró-comunistas -para que o regime

continuasse forte- e para os “rebeldes’’ se mantiveram constantes. Dessa forma, a URSS e os EUA

contribuíram para que a guerra civil não terminasse, mas sim se fortalecesse cada vez mais

(TRAUMANN; KAMINSKI, 2016, p. 11).

Depois da guerra afegã-soviética, o Afeganistão estava demasiadamente destruído, tanto em

níveis materiais, quanto em humanitários, econômicos e políticos, permanecendo ainda com resquícios

de seu antigo regime. A Rússia, como líder soviética, ajudou economicamente através do perdão de

dívidas que o Afeganistão tinha oriundas da guerra, e de forma mínima com indenizações, porém nada

significativo e que fizesse real diferença no Estado. O maior foco da União Soviética era o fornecimento

de equipamentos militares e, de certa forma, financiar e apoiar o governo comunista ali posto,

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posicionamento que se manteve constante. Do lado oposto, se encontram os Estados Unidos armando

e apoiando os “rebeldes’’ desde a época da guerra e continuando quando esse conflito oficial terminou

e iniciou-se o conflito interno afegão. Isso fez com que os EUA fossem um importante ator no território

afegão, defendendo seus interesses políticos ajudando a oposição e lutando contra a URSS, fazendo o

Afeganistão um palco da Guerra Fria, e ainda no período pós-guerra até mais recentemente atuando no

território contra os terroristas que uma vez financiou, utilizando-se disso para legitimar sua intervenção.

A Guerra Fria, oficialmente, poderia ter acabado logo após a queda do muro de Berlim e se

extinguido, de fato, em 1991 com a desintegração soviética. Porém a oposição entre Rússia e EUA

ainda se fazia presente, afetando não só os dois Estados em questão, mas também outros onde suas

diferenças ideológicas e seus incentivos e financiamentos ainda existiam, fazendo com que a Guerra

Fria continuasse, entretanto de forma mais velada e maquiada. Os interesses dos Estados Unidos no

Afeganistão não são de tão longa data quanto os da Rússia como individual e como líder Soviética.

Antigamente, por volta de 1956 os Estados Unidos negaram apoio em resposta aos afegãos que pediam

armamentos, pois viam o país como de fácil abrangência, influência, invasão futura do Exército

Vermelho e sem relevância. (TANNER, 2002, p. 226 apud TRAUMANN; KAMINSKI, 2016, p. 5).

As relações entre os dois países se tornaram mais estreitas no período da Guerra Fria, como política

estratégica para conter o comunismo em expansão, as trocas diplomáticas e investimentos se tornaram

mais frequentes, até que, depois da invasão do Exército Vermelho em território afegão, os EUA se

posicionaram e passaram a fornecer também armamento para o Afeganistão, treinar soldados e mandar

reforços.

A guerra e os apoios de ambas as partes em grupos opostos foram intensos. Não se tratava

apenas do Afeganistão, mas da força e do poder que as duas potências disputavam no território, fazendo

do Estado um “cabo de guerra”. A dicotomia afegã foi tão profunda que, do lado do comunismo se

fortaleceu o regime repressivo à população afegã, e do lado oposto, quando conseguiu-se derrubar o

regime imposto pelos soviéticos e as tropas foram retiradas, houve um vácuo de poder, que aqueles

mujahedins mais radicais financiados e apoiados pelos Estados Unidos, o Talibã, aproveitaram e

tomaram o governo. Após o fortalecimento crescente desse grupo colocado como terrorista pela mídia

mundial, os EUA que os apoiavam, passaram a os perseguir e anos mais tarde usaria a justificativa de

combater o “terror’’ para invadir o Afeganistão -dessa vez de forma oficial- e perseguir a liderança do

grupo.

Ainda, pontuando brevemente o que e como ocorreu a guerra civil do Afeganistão, a começar

pelo caos instaurado no território pós-guerra, com a alta instabilidade, dependência de ajuda externa e

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destruição material. Os grupos resistentes ao recente sistema comunista soviético continuaram a operar,

se deu uma guerra entre esse governo comunista -que duraria até meados de 1992- e as forças islâmicas

organizadas “terroristas” e as guerrilhas, sendo essa disputa de caráter ideológico entre o

fundamentalismo e o comunismo (BAPTISTA, 2006, p. 4). Após a queda desse governo, o que a

princípio havia um inimigo em comum entre os grupos resistentes, nesse momento houve os conflitos

entre as próprias facções pelo poder e a busca e propagação do pan-islamismo, com os diferentes grupos

resistentes se encontravam cada vez mais em dissonância e gerando conflitos entre si. Assim como

nessa época, o Afeganistão é até hoje marcado por grande dependência internacional e seu histórico

diplomático de relações bilaterais e de neutralidade quanto a conflitos externos fazem a estabilidade do

Estado sujeita à influências e à subordinação de grandes Estados, principalmente por sua característica

de encruzilhada geográfica -importância estratégica-, histórico conflituoso e falta de auto suficiência

de recursos.

3.1 INTERESSE DAS GRANDES POTÊNCIAS

Como já mencionado, o território afegão há muito tempo tem sido alvo de disputa das potências

expansionistas. Teve sua importância geopolítica reconhecida por grandes teóricos. Localizado em uma

encruzilhada que liga o Sul da Ásia à Ásia Central e à Ásia Ocidental, região de grande importância

comercial, o Afeganistão chamou atenção de Mackinder e Spykman, geógrafos que tiveram grande

influência na política externa de seus países (Inglaterra e Estados Unidos, respectivamente.)

A disputa pela influência no Afeganistão durante a Guerra Fria inicia-se quando Muhammad

Taraki, presidente do Afeganistão até outubro de 1979, aliado do Partido Democrático do Povo do

Afeganistão (PDPA), que seguia a ideologia comunista, foi assassinado pelo seu primeiro-ministro,

Hafizullah Amin, após solicitar ajuda soviética para pacificar as manifestações e combater a postura

agressiva de Amin em relação ao povo afegão. Quando Amin assume a presidência, Brezhnev,

secretário-geral da União Soviética, decide intervir na região para controlar não só as manifestações

populares como também Amin.

As manifestações populares, daqueles que sofriam com as novas mudanças socialistas

(principalmente os agricultores), preocupavam a URSS, pois temiam que o Afeganistão seguisse o

mesmo rumo da Revolução Iraniana

. Brezhnev temia que se o Afeganistão fosse influenciado, outros

No fim da revolução, o Irã, ao adotar um governo islâmico, que se baseava em suas doutrinas religiosas, adotou uma

postura de inimizade com os “infiéis”, não importando se fossem capitalistas ou comunistas.

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países muçulmanos, que estavam sob controle soviético, também fossem acarretando no colapso de

seu império soviético.

Estados Unidos, ciente da presença soviética no território, se mobiliza através de

financiamentos e apoio a um grupo combatente da região, os autodenominados mujahedins. É sabido

que Spykman influenciou intensamente a política externa americana, e que sua teoria foi publicada no

período pós Segunda Guerra Mundial. Logo, os americanos temiam que com a conquista do

Afeganistão, a URSS se tornasse um país de expansão desenfreada, conquistando o Rimland e assim a

totalidade do poder mundial, como afirmava Spykman.

Os mujahedins do século XX eram formados por afegãos de diversas etnias e por homens de

outros países também. De maioria sunita, lutavam contra a presença do exército vermelho no país para

garantir sua independência em relação a cultural ocidental. Durante uma viagem a fronteira do

Paquistão com o Afeganistão, o conselheiro de segurança dos Estados Unidos, Zbigniew Brzezinski

discursa aos combatentes, como visto no vídeo postado por SVEINBJORNT (2014), “Aquele país

[apontando para o Afeganistão] pertence a vocês, vocês voltarão para lá um dia, e terão suas casas e

mesquitas de volta, porque sua causa é justa e Deus está do seu lado”, a fim de incentivar a luta e

provar, para a sociedade internacional, que esta era justa. A eles eram fornecidos armamentos,

alimentos e medicamentos através do Paquistão e com auxílio do Irã, da Arábia Saudita e da China. A

presença soviética na região fez com que o Egito também se aproximasse dos Estados Unidos.

O Paquistão tinha interesses no território afegão devido a grande presença de pashtuns. Já o Irã,

segundo Baptista,

[...] os dois objetivos principais que regem a política do Irão em relação ao Afeganistão, são a

proteção da minoria xiita e a intenção de proteger a sua fronteira por uma espécie de zona

tampão, impedindo uma presença militar estrangeira e o tráfico de droga. (ROY, 2004, p. 62-

63 apud BAPTISTA, 2006, p. 18).

A Arábia Saudita financiava tal exército, pois preocupava-se com a passagem comercial de

recursos minerais. A China atuou como fornecedora de armamentos aos mujahedins, pois via o possível

domínio soviético no local como fator ameaçador para sua nova política de abertura comercial.

É evidente que todos os Estados envolvidos no conflito tinham interesses específicos,

interferindo na política, na cultura e na economia afegã. O Afeganistão foi um dos palcos de combate

entre Estados Unidos e URSS durante a Guerra Fria, onde tentavam expandir suas ideologias e acabou

tornando-se um conflito de grandes proporções devido às diversas interferências estrangeiras. Em abril

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de 1988 foi assinado o Acordo de Genebra entre Paquistão e Afeganistão, estabelecendo a retirada

soviética do Afeganistão.

Porém, os interesses na região não cessaram juntamente com a ordem de retirada das tropas

soviéticas acordada no Acordo de Genebra. No período pós-Guerra Fria, onde os Estados Unidos

saíram como grande hegemonia, porém enfraquecidos, diversos Estados passaram a se preocupar cada

vez mais com seu abastecimento energético. Com o capitalismo regendo grande parte da economia

mundial, era necessário se industrializar cada vez mais para conquistar um espaço no sistema

internacional. Logo, a demanda por combustíveis fósseis era cada vez maior, colocando o território

afegão em destaque novamente.

Quando os interesses são combustíveis fósseis, as grandes potências se voltam para o Oriente

Médio e seus arredores, incluindo Norte da África e Ásia Central. O Mar Cáspio tem sido um grande

atrativo, principalmente para os Estados Unidos, que reconhece o grande potencial energético deste.

Usufruindo somente dos recursos oferecidos pelo mar Cáspio, os Estados Unidos poderiam abastecer

toda sua economia por 30 anos.

Tendo tal potencial reconhecido, os Estados Unidos planejaram a construção de um gasoduto

que partiria do Mar Cáspio e chegaria até o Paquistão, cortando o território afegão de Norte a Sul para

abastecer os principais mercados mundiais, como mostra a Figura 2. A obra deste gasoduto, iniciada

por uma empresa americana, a UNOCAL (Union Oil Company of California), nos anos 90, foi

interrompida devido a ataques terroristas do grupo Al-Qaeda.

Figura 2 - Projeto de gasoduto

Fonte: <http://ecologus.blogspot.com.br/2010/08/fim-da-invasao-americana-no-iraque.html>

Acesso em 21 maio 2018.

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As interferências estrangeiras em território afegão eram tão notórias, que fez com que surgissem

grupos em oposição a elas. Os grupos combatentes mais conhecidos são Al-Qaeda, subgrupo formado

pelos mujahedins financiados por países estrangeiros, citados no 5º § deste tópico, e Talibã, sendo que

ambos se baseiam no pan-islamismo. O segundo grupo governou o Afeganistão após uma série de

conflitos internos no período pós-Guerra Fria. Formado por maioria de pashtuns, Talibã se instaurou

no governo afegão de 1996 à 2001. Como dito, ambos se baseavam no pan-islamismo, logo pretendiam

tornar os Estados da região em Estados que seguissem seus preceitos religiosos, instaurando governos

islâmicos, algo que foi temido pela URSS durante sua interferência no Afeganistão em 1979.

4 FORÇAS TRANSNACIONAIS

Podemos analisar, como forças transnacionais, os grupos terroristas, a ONU e diversas empresas

que, de alguma forma, interferem na região. A ONU, como agência que visa a promoção da paz e do

desenvolvimento, muitas vezes, desde sua criação, mostrou-se partidária, pendendo para o país mais

influente. Um exemplo além do que será citado, é sobre o seu comportamento na Guerra das Coreias,

em 1950, criando, durante invasão americana por meio de bases japonesas, uma nova resolução para

autorizar intervenções, o que legitimou a interferência americana no conflito coreano. Recentemente,

a postura da ONU em deixar sob responsabilidade estadunidense a reconstrução das forças armadas do

Afeganistão, nos mostra o apoio desta aos interesses dos Estados Unidos novamente. Comumente, os

maiores investimentos para a reconstrução de um país são voltados para área da educação, programas

sociais e outros, mas este não é o caso do Afeganistão. Segundo uma matéria do jornal Estadão (2002),

a ONU estima que o Afeganistão recebeu, aproximadamente, US$400 milhões para reconstruir seu

exército, enquanto os investimentos estrangeiros para educação e programas sociais são de,

aproximadamente, US$34 milhões. Esses dados nos mostram que os países doadores não visam

melhorias para a população, mas estabilidade e segurança para seus projetos e interesses.

O Afeganistão é um palco de disputas não só entre países interessados na região, mas também

de grupos terroristas como Al-Qaeda, Talibã e Estado Islâmico. Tais grupos visam, principalmente,

acabar com a interferência ocidental na região, dadas as influências advindas de pensadores islâmicos

que defendiam a ideia de que tudo relacionado a cultura ocidental é pecaminoso.

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Ele [Sayyd Qutb] rejeita os conceitos ocidentais de liberdade individual, direitos humanos,

subjetividade etc., pois acredita que o homem seja uma criatura de Deus e, como tal, não deve

tentar conhecê-lo, e sim servir a ele. […] É importante notar que todos os escritores e

pensadores islamitas recusam os ideais, as imagens e a cultura ocidental. Tudo o que é ligado

à modernidade, como música, bebida, roupas, automóveis, cinema, bares etc., é considerado

instrumento sedutor, demoníaco e, portanto, herético ou blasfemo. (SCHWADE, 2014, p. 23-

24).

É perceptível a grande relação entre o governo afegão e determinados grupos terroristas.

Sabendo disso, faz-se necessário analisar o estabelecimento do Talibã, antigo grupo de estudantes

sunitas, que se mobilizaram contra a governo dos mujahedins e conquistaram o poder.

Após assinado o Acordo de Genebra em 1988, o governo pró-soviético se manteve no poder,

fazendo com que os mujahedins direcionassem diversos ataques a fim de derrubar tal governo, até que

em 1992 o governo soviético caiu. Os mujahedins eram fragmentados em diversos grupos combatentes,

onde cada um almejava para si o poderio estatal. A apropriação do poder foi seguida por uma grande

guerra civil, devido às disputas entre esses grupos. A guerra civil cessou quando o Talibã assumiu o

poder em 1996. Tal governo ganhou rápida popularidade devido ao descontentamento da população

com o antigo governo, e devido às suas novas propostas de governar a região através das leis islâmicas

e da transparência (SCHWADE, 2014). Entretanto, o radicalismo tomou conta do governo, fazendo

com que esse interferisse diretamente na liberdade individual de seu povo, devido a sua rígida

interpretação da xaria, o conjunto de leis compreendidas pelo Alcorão.

Estima-se que o Talibã, recebeu investimentos oriundos de certos países, como o Paquistão, de

grupos não governamentais e até mesmo de pessoas interessadas na causa, facilitando sua expansão

pelo restante do território afegão. O estabelecimento deste novo grupo permitiu investimentos do

Paquistão e do Estado Islâmico, como analisado por Schwade

[...] a penetração no Afeganistão, com a criação e fortalecimento do Talibã, inclusive, tem sido

uma missão sagrada apoiada por todos os governos em Islamabad [...] e implementada pelo ISI

[...] no final de 1994 e no início de 1995, o ISI começou a fornecer ajuda maciça ao Talibã,

rifles de assalto Kalashnikov, grandes quantidades de munição, treinamento, logística e outras

formas de apoio de combate. [...] Ao mesmo tempo, a inteligência paquistanesa acompanhava

de perto o crescente fluxo de voluntários paquistaneses pushtun [ou pashtun] para o Talibã

(BODANSKY, 2001, p. 148 apud SCHWADE, 2014, p. 33).

O Talibã foi um governo que além de seu rígido controle com o seu povo, deu abrigo a um

grande grupo terrorista, o Al-Qaeda. Osama bin Laden, um dos fundadores de tal grupo, teve grande

participação no grupo dos mujahedins durante o combate contra a presença soviética no território

afegão em 1979.

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Poucos dias depois da invasão soviética, Bin Laden, que estava genuína e desprendidamente

engajado na causa da solidariedade entre todos os islâmicos, foi ao Paquistão, atendendo a um

pedido dos mujahidins afegãos. Ao chegar, ficou atônito com o caos instalado no Paquistão e

com a falta de unidade árabe, e devotou-se ao trabalho de organização política, estabelecendo

um serviço de recrutamento que, nos anos seguintes, viria a conduzir milhares de guerreiros

árabes dos Estados do Golfo para a resistência afegã (BODANSKY, 2001 apud SCHAWADE,

p. 37-38).

Osama bin Laden envolveu-se diretamente com os combatentes, e após a retirada soviética da

região, voltou heroicamente para a Arábia Saudita. Alguns anos depois, devido a decisão do governo

saudita de se aliarem com os Estados Unidos para combaterem o Iraque, bin Laden, que tinha se

posicionado contra a ajuda americana, se muda para o Sudão e lá começa a juntar financiamentos para

a Al-Qaeda. Auxiliou em diversas investidas terroristas, principalmente no Chifre da África

(SCHWADE, 2014), e por terem tropas americanas envolvidas contra as investidas de bin Laden, a

Arábia Saudita começa a pressionar o Sudão para expulsá-lo de seu território. Osama bin Laden então,

vai para o Afeganistão, onde é recebido pelo recém instaurado governo talibã, tornando notória a

ligação entre o grupo terrorista e o governo afegão.

O Talibã teve um enorme impacto na percepção mundial das guerras santas. Surgiu através

mujahedins afegãos, cujo heroísmo tinha sido enaltecido pelos Estados Unidos em grande parte

dos anos 80. [...] O Talibã foi excepcionalmente bem-sucedido em termos islâmicos, pois eles

conseguiram implementar o tipo de teocracia austera e puritana (xaria) a qual desejavam a Al-

Qaeda e outros grupos jihadistas. Apesar do fato de ter sido reconhecido como entidade estatal

legitima apenas por três países - Paquistão, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos - [...]

O Talibã providenciou a Al-Qaeda um campo de treinamento seguro que produziria uma massa

de mujahedin para a guerra global santa que estava surgindo contra, o que eles consideravam

como novo inimigo do mundo muçulmano, os Estados Unidos. Outros grupos jihadistas

também instalaram campos [de treinamento] [Afeganistão]. Mas a agenda anti-estadunidense

amplamente difundida da Al-Qaeda e sua preferência por operações de martírio atraíram os

mais zelosos e audaciosos recrutas. (ATWAN, 2008, p. 80-81, tradução livre)

.

Como dito anteriormente, analisamos como forças transnacionais aqueles atores, que não os

Estados, mas que interferem no Afeganistão. A presença dos grupos terroristas que visam retirar a

influência ocidental do oriente é notória e de suma importância analítica, pois influenciaram, não

apenas um determinado território, mas também o restante do mundo.

Texto original: “The Taliban had an enormous impact on world perception of jihad. It had emerged from the Afghan

mujahedin whose heroism the US has lauded for the better part of the 1980s.[...] The Taliban was uniquely successful in

Islamist terms in that they actually managed to establish the kind of austere, puritanical shari’ah-based theocracy that al

Qaeda and other Salafi-jihadi groups long for. Despite de the fact that it was only recognized as legitimate state entity by

three countries - Pakistan, Saudi Arabia and the UAE [...] The Taliban provided al Qaeda with a safe haven and sheltered

the training camps that would mass-produce mujahedin for the coming global jihad against what they regarded as the

Muslim world’s new enemy, the US. Other jihadi and guerrilla groups had also set up camps there, but al Qaeda’s widely

broadcast anti-US agenda and preference for ‘martyrdom operations’ attracted the most zealous and audacious recruits.”

(ATWAN, 2008, p. 80-81).

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Podemos considerar também, as empresas multinacionais, que visam cumprir objetivos de seus

países de origem, assim como a UNOCAL (Union Oil Company of California) e diversas outras, que

atuam indiretamente, através de investimentos financeiros para grupos opositores ou a favor do

governo. Todas essas interferências acabam influenciando fortemente, não só a política, como também

o cotidiano da população afegã.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando então, todas as informações analisadas ao longo desse artigo, podemos concluir

que o Afeganistão, desde de seus primórdios, tem enfrentado inúmeros conflitos. Os mais iniciais,

como foi tratado, eram, principalmente, de origem étnica, causados pela grande diversidade entre os

povos que compartilhavam o mesmo território. Tal diversidade é oriunda das influências das grandes

potências expansionistas e comerciantes nessa região, pois o Afeganistão, desde a antiguidade é uma

região de extrema importância geopolítica e comercial.

Ao longo da história podemos ver uma série de combates entre potências que almejavam

conquistar o Afeganistão, como o embate entre Rússia e Inglaterra no período do Grande Jogo, e mais

tarde entre União Soviética e Estados Unidos no período da Guerra Fria. Evidentemente, tais potências

não se importavam com outra coisa, a não ser a realização de seus desejos e intenções na região,

confirmando a ideia inicial de que as influências externas eram as principais causadoras dos conflitos

do Afeganistão.

Além dos impactos socioeconômicos e políticos, os interesses dos países citados tiveram grande

contribuição na formação de grupos combatentes, que, por alguns países, atualmente, são considerados

grupos terroristas. Esses conflitos, analisados de forma mais ampla, podem ser entendidos pela grande

diferença entre a cultura ocidental e a muçulmana.

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