Por que a menstruação desregula

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O hormônio do estresse, que é o cortisol, altera suas flutuações e isso repercute nos hormônios sexuais femininosplprod / stock.adobe.com

A menstruação atrasou ou adiantou alguns dias? Veio em maior ou menor volume? Ou nem desceu? Calma, pode ser normal. Afinal, estamos vivendo uma pandemia e os nossos hábitos estão todos bagunçados. 

Conversamos com as médicas ginecologistas e obstetras Simone Regina Vaccaro e Bárbara Schneider Eisele para explicar as possíveis irregularidades do ciclo menstrual durante os dias de confinamento.

A primeira ressalva é que essas mudanças no organismo são normais apenas para as mulheres que não fazem uso de nenhum tipo de hormônio através de métodos contraceptivos, como pílula, injeção e DIU hormonal. 

— As pacientes fisiologicamente naturais, ou seja, que não usam métodos contraceptivos hormonais, e sim preservativo, tabela ou DIU não-hormonal, são as que podemos fazer essa análise adequada do ciclo menstrual — explica Simone. — Quando a paciente faz uso de hormônio, é um hormônio sintético, e é ele que vai determinar o ciclo. Essas mulheres não ficam sujeitas a estas oscilações.

O que pode acontecer?

Em uma situação normal, o ciclo menstrual varia entre 21 e 32 dias, sendo a média 28. Já o volume de sangue costuma ser cerca de 80ml - uma quantidade de fluxo controlável, com uma troca de absorvente, em média, de três em três horas. Confira algumas variáveis possíveis neste período:

Variação de fluxo

Pode ser que o fluxo venha mais ou menos intenso. O que caracteriza o aumento do volume, por exemplo, é o aparecimento de coágulos no sangue. 

Escape

Os "escapes" acontecem quando, em vez da menstruação vir de três a seis dias, vem de 15 a 20, com um fluxo pequeno, mas diário, em forma de "pinga-pinga". No total, o volume também acaba sendo maior do que o normal.


Atraso ou adianto

A menstruação pode atrasar ou adiantar alguns dias para descer por conta de uma alteração na ovulação. Se, por exemplo, o ciclo de uma mulher é de 26 dias, é normal atrasar até os 32 ou adiantar até os 21.

Ausência

Existe a possibilidade também de a menstruação simplesmente não descer em um ciclo.

Por que isso acontece?

Essas irregularidades ocorrem quando nosso organismo sofre algum tipo de distúrbio hormonal. Em razão da pandemia, houve uma grande mudança no nosso estilo de vida. Na maior parte dos casos, estamos fazendo menos exercícios físicos e até abrindo mão de uma alimentação saudável. Somando a isso o sentimento de ansiedade, que é normal neste momento, o organismo sofre com o estresse.

Mas o que isso tem a ver com o ciclo menstrual? O hormônio do estresse, que é o cortisol, altera suas flutuações e isso repercute nos hormônios sexuais femininos, explica Simone. Essa mudança também altera o nível de serotonina no organismo, que é o hormônio do bem-estar.

— Por isso, os picos ovulatórios muitas vezes não acontecem, e a paciente pode passar um ciclo sem ovular ou desregular o seu ciclo. Esse controle se perde — pontua Simone.

Um estudo feito com alunas pela Universidade de Cambridge, na Inglaterra, em 2017, revelou que um terço delas fica sem menstruar por um mês durante o período de provas e em outros momentos de grande ansiedade. Guerra, fome e separações familiares também já foram ligados a alterações na menstruação em relatórios médicos, aponta Bárbara.

— O ciclo menstrual é uma cadeia delicada de eventos que necessita que hormônios específicos sejam liberados em momentos certos para ocorrer adequadamente — explica a médica. 

Como normalizar?

O mais importante é tentar manter minimamente uma rotina e buscar reduzir o estresse, resume Bárbara. As médicas recomendam seguir uma dieta equilibrada, consumindo mais legumes, verduras, frutas, e menos carboidratos e açúcares. Também ajudam no processo incluir momentos de lazer e práticas que baixem a ansiedade, como ioga e meditação, para amenizar os picos de estresse no organismo, que levam à desordem metabólica e hormonal. 

Além disso, é importante regular o sono e dormir pelo menos oito horas por noite, assim como manter interação social,  mesmo que virtual, com amigos e familiares queridos.

Quando devo me preocupar?

Caso se estenda por um período de tempo, essas irregularidades devem ser investigadas, pois existem outros inúmeros fatores que podem alterar o ciclo menstrual. Por exemplo, se permanecerem por  mais de um ciclo, a indicação das profissionais é marcar uma consulta com um ginecologista, mesmo que através do sistema de telemedicina

Fique atenta a situações que podem ser graves. A perda excessiva de sangue, por exemplo, pode provocar uma queda de ferro no organismo e levar ao desenvolvimento de anemia.  Outro alerta é se a menstruação não desceu por mais de dois meses. Normalmente, quando isso acontece, tem a ver com a síndrome do ovário policístico, doença causada por excesso de triglicerídios e glicose no organismo, uma espécie de resistência à insulina. 

Com este quadro, a mulher deixa de menstruar e de ovular. Isso pode ser revertido por meio da mudança de hábitos, apesar de algumas vezes contar com medicamentos não hormonais para acelerar o processo.

É possível que estar com a menstruação atrasada resulte em uma associação imediata à gravidez. De fato, é necessário descartar essa causa já no primeiro momento para poder investigar outros motivos. A menstruação é um fenômeno ao mesmo tempo maravilhoso e complexo, envolvendo diversos órgãos e hormônios funcionando em sincronia.

Segundo Juliana Sperandio, médica da Clínica Alira, ginecologista, obstetra e especialista em cirurgias minimamente invasivas pela FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), conhecer o ciclo menstrual é entender o corpo feminino e suas potencialidades.

"As secreções hormonais do cérebro e dos ovários e a atuação dos hormônios ovarianos no útero são essenciais para que existam ciclos menstruais regulares", explica. Assim, qualquer fator que tenha impacto em uma ou várias vias deste processo pode alterar o padrão de sangramento menstrual.

Por que a menstruação atrasa? O que pode causar?

De acordo com Luciana Delamuta, ginecologista e obstetra pela FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), descartada a possibilidade de gravidez, é necessário investigar outras causas comuns, que podem ser:

  • Alterações hormonais, como problemas na tireoide e SOP (Síndrome dos Ovários Policísticos)
  • Problemas derivados de distúrbios alimentares, como anorexia e bulimia
  • Alterações importantes no peso corporal, tanto de emagrecimento quanto ganho de peso

Além disso, é importante avaliar uso e suspensão de medicações como anticoncepcionais, déficits nutricionais, excesso de exercícios físicos e situações de estresse.

O ginecologista Fábio Broner, que atua no Hospital Albert Sabin de São Paulo, também cita a insuficiência ovariana, provocada por menopausa precoce, as alterações nos receptores de hormônios folículoestimulantes (responsáveis pela produção de estrogênio), os distúrbios autoimunes, as infecções e os tratamentos de radioterapia ou quimioterapia.

Quando é normal a menstruação atrasar?

Broner explica que pode ocorrer uma variação de até três dias na chegada da menstruação. Se passar disso a recomendação é investigar as causas junto a um médico.

O ciclo menstrual feminino fisiológico pode ter intervalos entre 21 e 35 dias e durar de dois a seis dias, sem caracterizar qualquer problema específico. No entanto, qualquer padrão de sangramento que não siga essas especificações necessita de um olhar atento.

Estresse, ansiedade e depressão interferem no ciclo menstrual?

Delamuta esclarece que atrasos menstruais são comuns em momentos de alterações emocionais significativas, como durante períodos de estudos para vestibular e concursos públicos ou após a perda de alguém próximo.

"Isso acontece porque o corpo aumenta a secreção do hormônio cortisol e causa interferência na liberação dos hormônios que controlam nossos ovários, algo que pode provocar mudanças nos ciclos menstruais", relata.

No caso da depressão, Sperandio afirma que as principais interferências são resultado de tratamentos com antidepressivos ou da própria doença, que provoca a alteração de neurotransmissores —moléculas que fazem a comunicação entre neurônios— e pode modificar secreções hormonais relacionadas à regulação do ciclo menstrual.

"O estado de depressão funciona como um estresse crônico para o organismo. Além disso, alguns estudos mostram que, nas mulheres depressivas, diminui o hormônio LH, responsável pela ocorrência da ovulação. Quando não ovulamos, o ciclo menstrual não se completa e, portanto, a menstruação não acontece", completa Delamuta.

O que fazer quando a menstruação atrasar com frequência?

É imprescindível agendar uma consulta com sua ginecologista de confiança o quanto antes. Assim, será feita a investigação adequada, com história clínica, exame físico e exames complementares, incluindo Beta HCG, para descartar gestação e exames hormonais.

"O mais importante é ter um canal aberto de comunicação e se sentir confortável para conversar sobre todos os pontos que envolvem o ciclo menstrual. Com isso, vão chegar a um diagnóstico adequado e conversar sobre tratamentos possíveis, quando necessário", detalha Sperandio.

A pílula do dia seguinte pode atrasar a menstruação?

Esse medicamento contém uma dose alta do hormônio sintético levonorgestrel, que atua, predominantemente, inibindo a ovulação. Para que isso ocorra, há alteração de secreção de hormônios responsáveis também pela regulação do ciclo menstrual. Por isso, a menstruação pode atrasar em função do uso da pílula do dia seguinte, no entanto, não é uma regra.

Delamuta afirma que cerca de 60% das mulheres que utilizaram a pílula terão sua próxima menstruação dentro do período esperado. Mas, em alguns casos, pode atrasar até sete dias ou mesmo adiantar, sendo que as alterações menstruais costumam ocorrer no ciclo seguinte ao uso da pílula.

A troca da pílula anticoncepcional pode atrasar o ciclo menstrual?

Sperandio pontua que o principal mecanismo de atuação dos anticoncepcionais é a inibição da ovulação. Então, quando não há ovulação, não há queda hormonal ao final do ciclo e, portanto, não há menstruação.

"Assim, quem utiliza pílulas anticoncepcionais (de maneira correta) não ovula e não menstrua. O sangramento que pode ocorrer, principalmente durante a pausa prevista nas cartelas, não configura uma menstruação, e sim um sangramento de privação hormonal", explica.

Esse mesmo sangramento pode ocorrer durante a troca de anticoncepcionais ou quando há falha no uso regular da pílula. No entanto, é importante ressaltar que a troca de método contraceptivo é o momento mais comum para ocorrência de falha e gravidez indesejada. Por isso, se a menstruação estiver atrasada após a mudança de pílula, é importante avaliar a possibilidade de gestação.

Existem métodos para "incentivar" a menstruação a descer?

Na verdade, o que existe são tratamentos, dependendo da causa do atraso menstrual. Por exemplo, no caso de alterações de tireoide, a reposição do hormônio pode regularizar os ciclos. Além disso, são realizados testes com medicações específicas que podem fazer a paciente sangrar, para confirmar ou descartar diagnósticos suspeitos.

Por mais que não haja comprovação científica, algumas mulheres recorrem a chás com o objetivo de provocar o sangramento. Sobre isso, Delamuta explica que alguns estudos avaliam a utilização de fitoterápicos para auxiliar a regularização dos ciclos menstruais em pacientes com condições específicas, como a SOP (Síndrome dos Ovários Policísticos). No entanto, as pesquisas utilizam extratos de ervas manipuladas, com concentrações específicas, e não seu consumo como chás.

"É importante lembrar que fitoterápicos podem ter interação com outros medicamentos que a paciente faz uso e, portanto, seu consumo nunca é recomendado sem orientação médica adequada", alerta.

De acordo com Sperandio, alguns chás podem auxiliar apenas no controle de alguns sintomas de TPM ou sintomas presentes durante o período menstrual, como as cólicas, mas não para fazer com que a mulher menstrue. O melhor método para que o corpo complete o ciclo de maneira saudável é cuidar do estilo de vida e manter a rotina ginecológica em dia. Isso significa:

  • Investir em uma dieta equilibrada
  • Praticar exercícios físicos de forma regular e não excessiva
  • Buscar alternativas para controlar o estresse e valorizar a qualidade do sono, principalmente porque é nesse momento que vários hormônios reguladores do ciclo menstrual são secretados

Fontes: Fabio Broner, ginecologista do Hospital Albert Sabin de São Paulo; Juliana Sperandio, médica da Clínica Alira, ginecologista, obstetra e especialista em cirurgias minimamente invasivas pela FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo); e Luciana Delamuta, ginecologista e obstetra pela FMUSP.

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