Por que a demarcação de terras indígenas é importante

Maria Bethânia Galvão e Natalia Antunes (acadêmica do 4º semestre de RI da Unama)

Keity Silva de Oliveira (acadêmica do 2º semestre de RI da Unama)

A Constituição Federal de 1988 fez grande avanço o que diz respeito ao reconhecimento dos direitos dos povos tradicionais brasileiros, uma vez que determina o uso das terras indígenas segundo seus costumes e tradições, bem como ordena a preservação dos recursos ambientais que são necessárias ao seu bem-estar físico e cultural. A demarcação de terras indígenas é imprescindível para a sobrevivência da diversidade étnica-cultural das comunidades nativas brasileiras, e é responsável também pela proteção de ecossistemas e de uma porção expressiva da biodiversidade do país.

Em primeira instância, o modo de sobrevivência e organização social das comunidades indígenas estão diretamente ligadas com a conservação da biodiversidade amazônida, isso porque os povos tradicionais dependem dos recursos naturais para a sua sobrevivência, uma necessidade que vai muito além de uma produção de subsistência, mas também a conservação se relaciona com a sacralização dos elementos da natureza, a partir dos mitos e ritos indígenas, como afirma Silva & Souza (2017 apud Eliade, 1972): “a maioria das tribos e povos primitivos reconhece uma entidade suprema e criadora, principalmente os grupos que realizavam atividades como a caça e a colheita para sobreviverem”. Tal estabelecimento de realidade se opõe ao modo de produção capitalista, o qual é marcado pela exploração predatória de um “pedaço de terra”, pautando-se em uma justificativa de viés científico-econômico que inviabiliza a subjetividade de pertencimento a um espaço.

Em sequência, a demarcação dos territórios indígenas atinge profundamente a dinâmica de conservação desse espaço, de acordo com os pesquisadores da revista científica estadunidense Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), os territórios oficialmente demarcados e de propriedade de Povos Indígenas apresentaram uma taxa 66% menor de desmatamento anual em comparação com outras áreas entre 1982 e 2016 (ClimaInfo, 2020). Esse dado demonstra a consistência da relação entre demarcação e preservação, no entanto, esse processo ainda passa por desafios e retardo estruturais, devido às práticas ilegais dos ruralistas de invasão das terras indígenas, seguidas de violência e saqueamento, assim como os grandes empresários do agronegócio estão envolvidos em projetos político-econômicos que cada vez mais tendem a deslegitimar a demarcação de terras indígenas, como a PEC 215/2000, mais conhecida como “Marco Temporal”.

Portanto, para além de garantir a sobrevivência e proteção das comunidades indígenas, a demarcação de terras é uma questão decisiva para a diminuição das taxas de desmatamento na Amazônia e na regulação das mudanças climáticas. Logo, de acordo com o Instituto Socioambiental (2018), os coletivos indígenas tornam-se uma peça fundamental nesse processo já que possuem elevados índices de conservação ambiental e que por meio de práticas e modos de vida, caracterizam uma relação harmônica com os elementos da natureza. Dessa forma, a conservação da biodiversidade em níveis regionais e globais na região amazônica, se dá principalmente pela ação e contribuição desses povos dentro de um modelo de desenvolvimento socioambiental que possui como principal elo, o respeito e zelo pela natureza e seus elementos.

Em síntese ao tema abordado ao longo do texto, o Instituto Socioambiental (ISA) é uma OSCIP (organização da sociedade civil de interesse público), do qual divulga pesquisas, dados e relatórios sobre as populações tradicionais e assuntos que o concernem. O artigo de Costanti (2021) faz um panorama histórico e atual sobre a trajetórias das UCs e sua importância para o país.

Sob outro viés, o artigo de Oviedo (2018) cujo tema central é acerca da relação direta da demarcação das terras indígenas com a conservação da floresta e regulação do clima, expõe dados sobre essa temática que comprovam essa abordagem.

Por fim, Belfort (2006) discorre a fundamental proteção dos conhecimentos tradicionais dos povos indígenas e sua contribuição nas convenções sobre a diversidade biológica, nesse contexto a autora faz a análise da cultura indígena como contribuinte para a proteção dos biomas em que se ocupam.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ABI-EÇAB, Pedro Colaneri. Principais ameaças ao meio ambiente em terras indígenas. Planeta Amazônia: Revista Internacional de Direito Ambiental e Políticas Públicas, Macapá, n. 3, p. 01-17, 2011. Disponível em: < //periodicos.unifap.br/index.php/planeta/article/viewFile/551/EcabN3.pdf > Acesso em: 27 de setembro de 2021.

BELFORT, Lucia Fernanda Inácio. A proteção dos conhecimentos tradicionais dos povos indígenas, em face da convenção sobre diversidade biológica. 2006. 139 f. Dissertação (Mestrado em Direito) -Universidade de Brasília, Brasília, 2006. Disponível em: < //repositorio.unb.br/handle/10482/5138 > Acesso em: 28 de setembro de 2021.

COSTANTI, Giovanna. Cinco motivos para defender as Unidades de Conservação. SocioAmbiental: 27 de agosto de 2021. Disponível em: < //www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/cinco-motivos-para-defender-as-unidades-de-conservacao > Acesso em: 28 de setembro de 2021.

ClimaInfo. Desmatamento é 66% menor em Terras Indígenas na Amazônia. 12 de agosto de 2020. Disponível em: < //climainfo.org.br/2020/08/12/desmatamento-e-66-menor-em-terras-indigenas-na-amazonia/ > Acesso em: 27 de setembro de 2020.

Instituto Socioambiental – Demarcação de Terras Indígenas é decisiva para conter o desmatamento e regular o clima. Disponível em: < //www.socioambiental.org/pt-br/blog/blog-do-monitoramento/a-demarcacao-das-terras-indigenas-e-decisiva-para-conter-o-desmatamento-e-manter-funcoes-climaticas-essenciais > Acesso em: 27 de setembro de 2021.

OVIEDO, Antonio. Demarcação de Terras Indígenas é decisiva para conter o desmatamento e regular o clima. SocioAmbiental: 30 de janeiro de 2018. Disponível em: < //www.socioambiental.org/pt-br/blog/blog-do-monitoramento/a-demarcacao-das-terras-indigenas-e-decisiva-para-conter-o-desmatamento-e-manter-funcoes-climaticas-essenciais > Acesso em: 28 de setembro de 2021.

SILVA, Anne Emanuelle Cipriano da; SOUSA, José Rodrigo Gomes de. O MITO E O RITO NA ESPIRITUALIDADE INDÍGENA: UMA VISÃO A PARTIR DOS POTIGUARA E TABAJARA DA PARAÍBA. Diversidade Religiosa, João Pessoa, v. 7, n. 1, p. 202-215, 2017.

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Foto: diversos autores, veja aqui

A demarcação de uma Terra Indígena tem por objetivo garantir o direito indígena à terra. Ela deve estabelecer a real extensão da posse indígena, assegurando a proteção dos limites demarcados e impedindo a ocupação por terceiros.

Desde a aprovação do Estatuto do Índio, em 1973, esse reconhecimento formal passou a obedecer a um procedimento administrativo, previsto no artigo 19 daquela lei. Tal procedimento, que estipula as etapas do longo  processo de demarcação, é regulado por decreto do Executivo e, no decorrer dos anos, sofreu seguidas modificações. A última modificação importante ocorreu com o decreto 1.775, de janeiro de 1996.

Como é feita a demarcação hoje?

1º passo - Estudos de identificação

Primeiramente, a Funai nomeia um antropólogo com qualificação reconhecida para elaborar estudo antropológico de identificação da TI em questão, em prazo determinado.

O estudo do antropólogo fundamenta o trabalho do grupo técnico especializado, que realizará estudos complementares de natureza etnohistórica, sociológica, jurídica, cartográfica e ambiental, além do levantamento fundiário, com vistas à delimitação da TI. O grupo deverá ser coordenado por um antropólogo e composto preferencialmente por técnicos do quadro funcional do órgão indigenista. Ao final, o Grupo apresentará relatório circunstanciado à Funai, do qual deverão constar elementos e dados específicos listados na Portaria nº 14, de 09/01/96, bem como a caracterização da TI a ser demarcada.

2º passo - Aprovação da Funai

O relatório tem que ser aprovado pelo Presidente da Funai, que, no prazo de 15 dias, fará com que seja publicado o seu resumo no DOU (Diário Oficial da União) e no Diário Oficial da unidade federada correspondente. A publicação deve ainda ser afixada na sede da Prefeitura local.

3º passo - Contestações

A contar do início do procedimento até 90 dias após a publicação do relatório no DOU, todo interessado, inclusive estados e municípios, poderá manifestar-se, apresentando ao órgão indigenista suas razões, acompanhadas de todas as provas pertinentes, com o fim de pleitear indenização ou demonstrar vícios existentes no relatório.

A Funai tem, então, 60 dias, após os 90 mencionados no parágrafo anterior, para elaborar pareceres sobre as razões de todos os interessados e encaminhar o procedimento ao Ministro da Justiça.

4º passo - Declarações dos limites da TI

O Ministro da Justiça terá 30 dias para: (a) expedir portaria, declarando os limites da área e determinando a sua demarcação física; ou (b) prescrever diligências a serem cumpridas em mais 90 dias; ou ainda, (c) desaprovar a identificação, publicando decisão fundamentada no parágrafo 1º. do artigo 231 da Constituição.

5º passo - Demarcação física

Declarados os limites da área, a Funai promove a sua demarcação física, enquanto o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), em caráter prioritário, procederá ao reassentamento de eventuais ocupantes não-índios.

6º passo - Homologação

O procedimento de demarcação deve, por fim, ser submetido ao Presidente da República para homologação por decreto.

7º passo - Registro

A terra demarcada e homologada será registrada, em até 30 dias após a homologação, no cartório de imóveis da comarca correspondente e na SPU (Secretaria de Patrimônio da União).

Contato direto

A sistemática de demarcação das Terras Indígenas no Brasil tem sofrido várias modificações ao longo dos últimos anos. Veja abaixo o resumo de sistemáticas de demarcação desde 1976 até janeiro de 1996, quando a atual foi instituída pelo decreto 1.775.

Decreto 22, de 04/02/1991 A FUNAI criava um GT de técnicos, coordenado por antropólogo, para proceder ao levantamento preliminar dos limites da TI em questão – facultada a participação do povo indígena interessado – e elaborar relatório caracterizando a área a ser demarcada. Uma vez aprovado pelo presidente da Funai e publicado no Diário Oficial da União (DOU), o processo era encaminhado ao ministro da Justiça, o qual poderia solicitar informações adicionais a órgãos públicos. Uma vez aprovado, o ministro declarava a terra em questão como de posse indígena permanente, através de portaria publicada no DOU. Caso não aprovasse, o ministro deveria reexaminar o caso em 30 dias. Na seqüência, a Funai, com base nos limites declarados na portaria do ministro, poderia proceder a demarcação física da terra e, nos casos necessários, o Incra deveria reassentar ocupantes não-indígenas. Concluída a demarcação, o processo era submetido à homologação do presidente da República, através de decreto publicado no DOU, seguindo-se os registros nos cartórios imobiliários das comarcas correspondentes e no SPU. Decreto 94.945 de 23/09/1987 Havia aqui participação de representantes dos órgãos fundiários federal e estadual, bem como de outros órgãos que a Funai julgasse conveniente, na equipe técnica do órgão indigenista, que promovia a identificação preliminar dos limites das terras. Se as terras estivessem localizadas em faixa de fronteira, haveria participação obrigatória de um representante da Secretaria-Geral do Conselho de Segurança Nacional. Com base nos trabalhos da equipe técnica, a Funai apresentava uma proposta de demarcação a um GT Interministerial, que dava parecer conclusivo sobre a mesma, submetendo-a aos ministros do Interior, da Reforma e do Desenvolvimento Agrário e ao secretário-geral do Conselho de Segurança Nacional, quando se tratasse de área de fronteira. Na prática, porém, o secretário do Conselho de Segurança passou a decidir sobre todos os casos. Os ministros, em aprovando o parecer, baixavam portaria interministerial declarando a área como de ocupação indígena e descrevendo os seus limites. A demarcação física era realizada pela FUNAI e, em seguida, o processo era submetido à homologação do presidente da República. Por fim, providenciava-se o registro das terras em cartório e no SPU. Decreto 88.118 de 23/02/1983 A equipe técnica da Funai fazia a identificação preliminar da área, que resultava numa proposta do órgão indigenista para um Grupo de Trabalho (GT), composto por ministérios e outros órgãos federais ou estaduais, quando conveniente. O GT emitia parecer conclusivo, encaminhando o assunto à decisão dos ministros do Interior e Extraordinário para Assuntos Fundiários. Se aprovado pelos ministros, o processo era levado ao presidente da República, acompanhado de minuta de decreto, que homologaria o procedimento e descreveria os limites da área indígena reconhecida. A demarcação física seria então feita com base no decreto e, depois disso, levada a registro em cartório e no SPU. Na prática, no entanto, havia dois decretos presidenciais: no primeiro deles, o presidente apenas delimitava a área a ser demarcada. Depois da demarcação física, o processo retornava às suas mãos para homologação por meio de um novo decreto. Ao final, promovia-se o registro. Decreto 76.999, de 08/01/1976 O presidente da Funai nomeava um antropólogo e um engenheiro ou agrimensor, que faziam relatório contendo a identificação prévia dos limites da área. O relatório era aprovado pelo presidente da Funai – embora a legislação não especifique, este ato se consubstanciava numa portaria. Com base nele, promovia-se a demarcação física da área em questão. Depois de demarcada, o processo era submetido ao presidente da República para homologação. As terras eram então levadas a registro em cartório e no SPU (Serviço de Patrimônio da União).

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