Por que a barragem de brumadinho estourou

O resultado da investigação técnica sobre o rompimento da Barragem 1 da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), mostrou que a causa da tragédia foi a combinação crítica de deformações específicas internas contínuas, devido ao creep (carga constante que provoca deformação) e à pequena redução de força em uma zona insaturada pela perda de sucção por causa da água de fortes chuvas acumulada no local – aí incluídas as intensas chuvas do final de 2018.

A barragem rompeu-se em janeiro deste ano, provocando a morte de mais de 250 pessoas. Ainda há desaparecidos.

O resultado foi apresentado pelo líder de um painel de especialistas, Peter Robertson, PhD em geotecnia pela Universidade British Columbia, no Canadá. As conclusões do grupo foram divulgadas nesta quinta-feira (12) em São Paulo.

"O creep ocorre quando o material tem uma carga constante e se deforma de maneira lenta. Isso acontece com alguns materiais, que sofrem uma carga muito forte, como, por exemplo, um talude íngreme com excesso de água, que vai sofrer o efeito de creep, com tensões de cisalhamento [tensão gerada por forças aplicadas em sentidos iguais ou opostos, em direções semelhantes, mas com intensidades diferentes] no material analisado", explicou Robertson. "É uma deformação que acontece lentamente, mas a ruptura é abrupta", completou o especialista.

De acordo com Robertson, a novidade do estudo é a identificação da cimentação entre as partículas. "Em testes de laboratório, [constatou-se] o efeito da cimentação, e isso criou um material muito mais quebradiço, que perdia a resistência muito mais rapidamente", observou.

Segundo o relatório do painel de especialistas sobre as causas técnicas do rompimento da Barragem I do Feijão, análises do estado de tensão dentro da estrutura mostraram ainda que partes significativas dela estavam sob carregamentos muito elevados devido a sua inclinação,  ao alto peso dos rejeitos e ao nível de água. "A construção de uma barragem íngreme a montante [método no qual a barreira de contenção recebe camadas do próprio material do rejeito da mineração], o alto nível de água, rejeitos finos fracos dentro da barragem e a natureza frágil dos rejeitos geraram as condições para o rompimento", conclui o estudo divulgado hoje.

Liquefação estática

A análise apontou também a “liquefação estática” (quando um material sólido passa a se comportar como líquido) como motivo do rompimento. “O rompimento e o deslizamento de lama resultante decorreram da liquefação estática dos rejeitos da barragem”, diz o documento.

A barragem era essencialmente muito íngreme e muito úmida, e o material retido por ela, fofo, saturado, muito pesado e de comportamento muito frágil, destacou Robertson. “O rompimento foi resultado de liquefação estática dos materiais”, reforçou.

O relatório descartou elementos como sismos e detonações como causadores da tragéida. Segundo o Painel, embora tenham ocorrido detonações nas minas a céu aberto na área, nenhuma foi registrada pelo sismógrafo mais próximo da Barragem I no dia 25 de janeiro de 2019, antes do rompimento.

"Sabemos que houve uma detonação na mina, mas aconteceu mais ou menos 5 minutos após a ruptura. A detonação foi eliminada como possível gatilho e não teve nenhuma atividade de terremoto na região naquele dia", ressaltou Robertson.

Ele disse que o painel de especialistas não avaliou responsabilidades da empresa, nem de pessoas envolvidas no acidente, mas que espera que as conclusões do relatório sirvam de exemplo. "Geralmente, quando rupturas como essa acontecem, a indústria aprende coisas novas, e as práticas melhoram. É uma lástima essa perda enorme de vidas.  Esperamos que as nossas descobertas possam ajudar a indústria para que fatalidades como essa não se repitam", finalizou.

O painel foi contratado por um escritório de advocacia em nome da Vale SA para apurar as causas técnicas do rompimento. O relatório completo está disponível em www.b1technicalinvestigation.com.

O texto foi ampliado às 16h03

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Lama pelo caminho. Foto: Isac Nóbrega/PR.

((o))eco inicia esta semana a publicação da retrospectiva 2019 temática. Neste texto, analisamos a tragédia de Brumadinho.

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Início da tarde de sexta-feira (25/01), horário de almoço. No refeitório da mineradora Vale, em Brumadinho (MG), dezenas de trabalhadores almoçavam quando a barragem de rejeitos de Córrego do Feijão se rompeu. A avalanche de lama atingiu a parte administrativa da empresa, incluindo o refeitório e a comunidade da Vila Ferteco. Havia cerca de 430 trabalhadores da Vale no local. Às 13h37, a Secretaria do Estado de Meio Ambiente foi informada do acidente pela mineradora. Passados três anos do acidente da Samarco, subsidiária da Vale em Mariana, também em Minas, a mesma empresa se via envolta de um outro desastre, dessa vez com muito mais vítimas humanas. 

Cerca de 14 milhões de toneladas de lama e rejeitos de minério de ferro percorreu 8 quilômetros em poucos dias, poluindo o rio Paraopeba. Quase 11 meses após o desastre, 252 mortos. Treze pessoas continuam desaparecidas. 

Por que a barragem de brumadinho estourou

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A barragem que se rompeu em Brumadinho é do mesmo tipo do acidente de Mariana. Chamado de “a montante”, é um tipo de barragem que permite a ampliação para cima do dique usando o próprio rejeito como fundação. É um dos modelos de construção de barragens mais usados na mineração, por causa do custo, mas também um dos mais instáveis.

A Mina do Feijão 1, construída acima da estrutura da mineradora e da cidade, quando se rompeu, virou avalanche enterrando tudo o que tinha pela frente. 

Veja os principais fatos sobre o assunto:

25 de janeiro No início da tarde, a barragem de rejeitos de Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), pertencente à mineradora Vale, se rompeu e uma das áreas afetadas foi o Centro Administrativo da Vale. Na hora do rompimento, havia no centro cerca de 300 funcionários da mineradora. A lama alcançou a comunidade rural Vila Ferteco e chegou até o rio Paraopeba, a mais de 5 km da barragem. Apesar de estar desativada há 3 anos, a barragem guardava rejeitos antigos e não havia sido eliminada pela Vale.

25 de janeiro – Governo cria Conselho Ministerial de Supervisão de Respostas a Desastre e o Comitê de Gestão e Avaliação de Respostas a Desastre em decorrência da ruptura da barragem do Córrego Feijão, no Município de Brumadinho. Decreto saiu na edição extraordinária do Diário Oficial da União. o conselho é coordenado pelo ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. 

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Brumadinho. Foto: Felipe Werneck/ Ibama.

26 de janeiro – Comitiva do presidente Jair Bolsonaro, formado por ele junto com ministros Ricardo Salles, do Meio Ambiente; general Fernando Azevedo e Silva, da Defesa; Bento Albuquerque, de Minas e Energia; Gustavo Henrique Canuto, do Desenvolvimento Regional; Alexandre Lucas, secretário nacional de Defesa Civil e general Carlos Alberto dos Santos Cruz, chefe da secretaria de governo, sobrevoaram a região junto com o governador de Minas, Romeu Zema (Novo). Fábio Schvartzman, presidente da Vale, também estava presente. Dessa primeira reunião saiu a promessa de agir para minimizar os danos ambientais e para a população. “Acionamos o gabinete chamado de crise em Brasília, ficaremos antenados aí 24 horas por dia para prestar informações à população, para colher informações também, de modo que possamos minimizar mais essa tragédia depois de Mariana, que a gente esperava que não tivesse uma outra, até por uma questão de servir de alerta aquela”, declarou Bolsonaro, na ocasião. 

26 de janeiro – Reportagem de Carolina Lisboa, em ((o))ec0, mostra que a expansão da barragem em Brumadinho foi feita com licença ambiental simplificada

26 de janeiro – Ibama multou a mineradora Vale em R$ 250 milhões em razão do rompimento da barragem com rejeitos de mineração em Brumadinho. 

27 de janeiro – Cerca de 130 soldados e oficiais israelenses desembarcou domingo à noite no Brasil para ajudar nas buscas por sobreviventes.  

29 de janeiro Foram cumpridos cinco mandados de prisão e de busca e apreensão contra engenheiros e funcionários que garantiram a segurança da Barragem 1 da Mina do Feijão. Entre os presos estão Makoto Namba e André Jum Yassuda, engenheiros da empresa alemã TÜV SUD, que foi contratada pela Vale para auditar e atestar a segurança da barragem de Brumadinho. 

30 de janeiro – Presidente da Vale, Fabio Schvartsman anunciou que a mineradora acabará com todas as barragens que seguem o mesmo padrão das barragens de Brumadinho e de Mariana. A Vale possui 19 barragens deste tipo no país e já havia iniciado o processo de esvaziamento de 9 barragens após o acidente de Mariana. Pelo plano anunciado nesta terça-feira, a companhia investirá 5 bilhões para esvaziar os outros dez. O processo de descomissionamento deve demorar 3 anos. Para isso, a empresa pretende reduzir sua produção em 10%. 

31 de janeiro – Após 4 dias, as tropas israelenses vão embora.

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Presidente da Vale, Fabio Schvartsman anunciou que a mineradora acabará com todas as barragens que seguem o mesmo padrão das barragens de Brumadinho e de Mariana. Foto: Valter Campanato/Agência Brasil.

05 de fevereiro Os engenheiros foram liberados da prisão após determinação do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que entendeu não haver motivos para que os acusados continuassem presos, já que não ofereciam risco para o andamento das investigações.

12 de fevereiro o Ministério Público de Minas Gerais entrou com uma ação civil pública contra a Vale. No documento, os promotores afirmam que a Vale sabia desde outubro do risco de rompimento das barragens em Brumadinho e de outras oito barragens, mas apesar disso, as classificou-as como de “baixo risco”

20 de fevereiro Perto de completar um mês do rompimento da barragem de rejeitos da Vale em Brumadinho (MG), o governo de Minas Gerais divulgou que pelo menos 4 bombeiros que trabalharam nos resgates dos corpos soterrados pela lama apresentam quantidades elevadas de metais pesados no corpo.

02 de março – Fabio Schvartsman, presidente da Vale, é afastado do cargo. 

02 de abril – Agência Nacional de Mineração interdita 56 barragens por falta de laudos de segurança ou por problemas de estabilidade. Desse total, 18 pertencem à mineradora Vale S.A.

08 de abril – Em entrevista à Globo News, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, disse que a Vale poderia converter multa de 250 milhões que recebeu do Ibama em investimentos nos parques nacionais de Minas Gerais. Como parte do acordo, a mineradora desistiria de recorrer judicialmente do pagamento da multa.

10 de abril – Dois dias após anunciar a proposta de uso da multa em parques que seriam futuramente concedidos para a iniciativa privada, o ministro do Meio Ambiente afirmou que foi mal interpretado. “Não tem benefício nenhum, ao contrário. Nós não estamos dando a concessão dos parques pra Vale. A notícia que saiu da forma que saiu não está correta”, disse o ministro, que afirmou ainda que a Vale pagará o valor integral da multa”.  

30 de abril Estudo realizado pela Fundação SOS Mata Atlântica concluiu que os rejeitos de minério de ferro derramados mataram vários trechos do rio Paraopeba. O tsunami de lama e rejeitos de minérios carreou para o rio, árvores e animais mortos, restos de casas, fossas sépticas e bactérias.

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SOS Mata Atlântica analisa a qualidade da água do rio Paraopeba. Foto: Gaspar Nobrega.02 de julho A CPI do Senado recomendou o indiciamento de 14 pessoas envolvidas no rompimento da barragem da mineradora Vale por homicídio com dolo eventual, isto é, quando se assume o risco de cometer o crime. Entre os 14 indiciados estão Fábio Schvartsman (ex-Presidente da Vale); Makoto Namba e André Jum Yassuda, engenheiros da TÜV SÜD, que tiveram a prisão liberada pelo STJ em fevereiro. 

O relatório recomendou também  o indiciamento da mineradora Vale e da empresa de auditoria alemã TÜV SÜD por destruição culposa de flora de preservação permanente e de Mata Atlântica, poluição culposa que provoca mortandade de fauna e flora, com inviabilização de área para ocupação humana.

12 de julho Pela primeira vez, a Vale é condenada pela Justiça Estadual de Minas Gerais pelo rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão, em Brumadinho. A decisão foi proferida pelo juiz da 6ª Vara de Fazenda Pública e Autarquias de Belo Horizonte, Elton Pupo Nogueira, que ainda manteve o bloqueio de R$ 11 bilhões da mineradora.

13 de agosto – A Agência Nacional de Mineração (ANM) adiou em até 6 anos a entrada em vigor do prazo para o fim das barragens de rejeitos construídas pelo método de “alteamento a montante”, como as barragens que se romperam em Mariana (2015) e Brumadinho (2019), em Minas Gerais. 

12 de setembro O relatório final da CPI da Assembleia Legislativa de Minas Gerais pediu o indiciamento de executivos da Vale e da empresa alemã Tüv Süd por homicídio doloso eventual, quando se assume o risco das mortes.

25 de outubro O relatório da CPI da Câmara dos Deputados foi na mesma direção dos resultados das comissões do Senado e da Assembleia Legislativa de Minas Gerais e recomendou o indiciamento por homicídio doloso e lesão corporal dolosa de 22 diretores da Vale, engenheiros e terceirizados.

28 de outubro – Samarco recebe licença para voltar a operar. A autorização foi concedida pela Câmara de Atividades Minerárias (CMI) do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) de Minas Gerais. A empresa retomará as suas atividades no Complexo de Germano, em Mariana (MG), onde aconteceu o rompimento da barragem de Fundão deixando 19 mortos e derramando 34 milhões de metros cúbicos de lama sobre o Rio Doce, em 05 de novembro de 2015. 

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