Para Sartre, a angústia é o sentimento que emerge quando nos arrependemos de nossas escolhas

Célebre retrato de Sartre caminhando nas dunas de Nida, na Lituânia, em 1965. Na imagem, vemos o filósofo projetando a sua sombra nas areias, representando a ideia existencialista de que é o homem, através da projeção da sua vontade no mundo, que constrói a si mesmo e o seu próprio caminho. Foto: Antanas Sutkus

Um dos conceitos fundamentais da filosofia existencialista sartriana é o de liberdade, uma vez que, para o filósofo, o homem está condenado a ser livre e toda a sua existência decorre desta condição. Assim, frente a uma decisão, o homem percebe o seu total desamparo, já que não há nada que possa salvá-lo da tarefa de escolher; em suma, nada pode salvá-lo de si mesmo – diria Jean-Paul Sartre.

Desse modo, o ser humano, fundamentando-se na sua estrita liberdade, vê-se a todo instante compelido a se inventar, posto que são suas escolhas que constroem a sua essência. Diante desta condição, cabe somente a ele estabelecer, através de suas ações concretas, os critérios que servirão de norte para as suas decisões, explica Sartre.

[…] o que se poderia chamar de moralidade cotidiana exclui a angústia ética. Há angústia ética quando me considero em minha relação original com os valores. Estes, com efeito, são exigências que reclamam um fundamento. Mas fundamento que não poderia ser de modo algum o ser, pois todo valor que fundamentasse a sua natureza ideal sobre seu próprio ser deixaria por isso de ser valor e realizaria a heteronomia de minha vontade. […] Daí que minha liberdade é o único fundamento dos valores e nada, absolutamente nada, justifica minha adoção dessa ou daquela escala de valores.[1]

Frente a esta falta de fundamentos prontos, o homem angustia-se diante da responsabilidade de escolher, visto que a escolha é ao mesmo tempo afirmação do valor daquilo que se escolhe, trazendo consigo, assim, o peso da responsabilidade. Desse modo, ao escolher algo e, consequentemente, afirmar o seu valor, estamos ao mesmo tempo comunicando a todos o caráter benéfico daquela escolha, já que não há ninguém que possa escolher o mal para si. Desse ponto de vista, nos tornamos responsáveis não só por nós, mas por toda a humanidade.

Escolher ser isto ou aquilo é afirmar ao mesmo tempo o valor do que escolhemos, porque nunca podemos escolher o mal, o que escolhemos é sempre o bem, e nada pode ser bom para nós sem que o seja para todos.[2]

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Quando Jean-Paul Sartre diz que “nada pode ser bom para nós sem que o seja para todos”, ele quer dizer, precisamente, que ao escolhermos algo, estamos optando por uma alternativa que, dentro das condições de existência nas quais estamos inseridos, seria a melhor opção e, por ser a melhor, todos também poderiam optar pela mesma. Assim, ao escolher algo, o homem cria um modelo de homem que outros podem seguir; daí a sua responsabilidade diante da humanidade.

O existencialismo de Sartre, ao contrário das filosofias contemplativas, caracteriza-se por ser uma doutrina de ação, colocando sempre o compromisso como fator indispensável para a existência humana, uma vez que, sem compromisso, não há projeto de ser e, sem projeto de ser, o homem torna-se incapaz de conferir qualquer sentido à existência. Se a intencionalidade é a característica fundamental da consciência, ser livre é engajar-se, comprometer-se e, enfim, responsabilizar-se.

Portanto, concluímos que não há nada que possa eximir o homem da sua condição de ser livre e, consequentemente, da sua condição de responsabilidade diante de seus atos. Barreiras psicológicas, históricas ou socioeconômicas não são capazes de ofuscar a liberdade a qual Sartre se refere, pois estas nada mais são do que as condições de existência que possibilitam escolher por A ou B; sem tais condições, a escolha seria impossível; mais do que isso: toda a existência seria impossível.

Toda condição é, por sua natureza, uma limitação; contudo, é também o que possibilita a existência de algo. Logo, para que a liberdade exista, é necessário que existam as condições que possibilitem a sua existência, isto é, que possibilitem o ato da escolher, mas que também, por outro lado e ao mesmo tempo, limitem as possibilidades dessa escolha.

O homem é livre porque não é si mesmo, mas a presença a si. O ser que é o que é não poderia ser livre. A liberdade é precisamente o nada que tendo sido no âmago do homem e obriga a realidade humana a fazer-se em vez de ser.[3]

Diante dessa constante tarefa de fazer-se, do desamparo, da falta de fundamentos prontos e da responsabilidade que carrega diante de si e da humanidade, a liberdade traz ao sujeito a angústia existencial, a qual emerge no momento da decisão. Angustia-se, pois não é capaz de alterar as condições de existência que se lhe apresentam, tendo de escolher, por vezes, entre o ruim e o pior e tendo de arcar com as consequências dessa escolha; mais que isso, também não é capaz de não realizar essa escolha; e por fim, tem a incontornável tarefa de buscar, em sua subjetividade imanente, ou seja, na sua pura liberdade, os princípios que regerão sua escolha; isto é, terá de estar diante de seu próprio nada; eis o princípio da angústia.

E minha liberdade se angustia por ser o fundamento sem fundamento dos valores. Além disso, porque os valores, por se revelarem por essência a uma liberdade, não podem fazê-lo sem deixar de ser ‘postos em questão’, já que a possibilidade de inverter a escala de valores aparece, complementarmente, como minha possibilidade. A angústia ante os valores é o reconhecimento de sua idealidade.[4]

A liberdade, porém, não possui uma realidade concreta; não possui uma essência, uma vez que ela própria é o fundamento de toda a essência humana na medida em que fundamenta o agir, possibilitando a projeção da vontade do homem na existência e, por fim, a construção do seu ser, tendo em vista que, segundo a máxima sartriana, a existência precede a essência; isto é, primeiramente o homem é lançado na existência e, só depois, por meio de suas ações, este homem pode representar-se como sendo alguma coisa, pois, a priori, não era nada.

Como vimos, não há determinismos que possam eximir o homem da sua condição ontológica de liberdade. Contudo, na tentativa de livrar-se da angústia trazida pela responsabilidade que a liberdade carrega consigo, o homem refugia-se na má-fé. Sartre admite que a má-fé pode ser compreendida como o ato de mentir para si mesmo, mas um mentir que não comporta a dualidade do enganador e do enganado, pois, aqui, aquele que é enganado é também consciente da verdade que deseja suprimir. Porém, a má-fé tem por sua natureza mesma a característica de negar-se como má-fé, sendo um processo de constante e frustrado esforço, uma vez que, para que se possa fugir de algo que se faz presente na própria consciência, é necessário que se pense constantemente nesse algo; isto é, o projeto da má-fé consiste em encarar certo aspecto do ser com a pretensão de dele fugir, num só movimento; obviamente, na consciência, tal objetivo é impossível de ser realizado e, por ser impossível, a má-fé nunca se encerra em seu objetivo.

Basicamente, podemos compreender a má-fé como a tentativa de transferir responsabilidades que concernem unicamente ao indivíduo; ou seja, ao atribuir exclusivamente a fatores sociais, metafísicos, históricos ou até inconscientes o fundamento e as responsabilidades de sua escolha, o indivíduo se encontra no estado de má-fé, pois tais fatores exercem influência na sua decisão ao determinarem as possibilidades de escolha; contudo, cabe somente a ele optar, por meio de sua liberdade, por qual possibilidade lhe é mais adequada. Aqui, não há como fugir; só há espaço para a subjetividade do sujeito, ou seja, para o seu próprio nada de ser, e qualquer tentativa de preencher este espaço vazio será aqui denominada de má-fé.

Referências

[1] SARTRE, Jean-Paul. O ser e o nada: ensaio de ontologia fenomenológica. Voltar ao texto ↑.

[2] SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. Voltar ao texto ↑.

[3] SARTRE, Jean-Paul. O ser e o nada: ensaio de ontologia fenomenológica. Voltar ao texto ↑.

[4] SARTRE, Jean-Paul. O ser e o nada: ensaio de ontologia fenomenológica. Voltar ao texto ↑.

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Colégio Estadual Dr. Eduardo Bahiana Data: / / Aluno: Professor: Manuel Antonio Disciplina: Filosofia 11ª APOSTILA DE FILOSOFIA EDU NO ENEM 2021 Filosofias de Marcuse, Hans Jonas e Sartre HERBERT MARCUSE (1898-1979) Turma: Dispomos de inúmeras opções e inúmeros inventos que são todos da mesma espécie, que as mantêm ocupadas e distraem nossa atenção do verdadeiro problema, que é a consciência de que poderiam trabalhar menos e determinar suas próprias necessidades e satisfações." Herbert Marcuse, filósofo alemão, 1955 Marcuse aproxima Marx de Freud, relacionando a repressão social com a repressão sexual, seu pensamento tendo grande repercussão nos movimentos libertários do final da década de 1960 nos Estados Unidos e na Europa; Marcuse concebia que o trabalho alienado " tinha retirado o prazer" do ambiente humano, e esta foi a condição de se manter a produção e a eficiência. Assim, a canalização dos instintos para os prazeres proporciona a desordem e a "improdutividade" acabe prejudicando a "boa ordem" do trabalho e extravase os limites permitidos. A liberdade verdadeira do indivíduo, para Marcuse, só ocorre quando ele toma consciência de sua real situação dentro da sociedade de consumo e começa a fazer suas próprias escolhas, baseadas em suas próprias necessidades e satisfações, liberando-se. Na visão de Marcuse, o progresso técnico funciona como uma mola propulsora onde reproduzimos e vemos reproduzidos os ideais que sustentam o consumo e a sociedade que se baseia nele. Para Marcuse, a perpetuação do desenvolvimento tecnocientífico a serviço da dominação e da homogeneização dos indivíduos na sociedade de massa criará o homem unidimensional, incapaz de criticar a opressão e construir alternativas futuras. O unidimensionalíssimo do homem está intimamente vinculado com o conceito de indústria cultural (que se refere à indústria da diversão vulgar, veiculada por televisão, rádio, revistas, jornais, músicas, propagandas etc., que leva à homogeneização dos comportamentos, à massificação das pessoas) e o poderio dos meios de comunicação Segundo a análise de Marcuse, as exigências da nova ordem de trabalho provocam uma super -repressão, que se acha intimamente ligada ao princípio de desempenho, segundo o qual o trabalhador interioriza a necessidade de rendimento, de produtividade, preenchendo funções preestabelecidas e organizadas em um sistema cujo funcionamento se dá independentemente da participação consciente de cada um. De acordo com a linha teórica de Marcuse, nossas formas de conviver, e inclusive nossos sentimentos, estão de acordo com a ordem socioeconômica à qual estamos submetidos. Assim, é ideológico pensar a liberdade individual desconsiderando essa relação. A tese de Marcuse revela algo que libera a obra de arte é muito mais subversiva quando está próxima da libertação e quando favorece a liberdade do artista e do homem. Os teóricos da Escola de Frankfurt (Adorno, Horkheimer, Benjamin, Marcuse etc.) argumentavam que a dissolução do indivíduo autônomo fez-se graças à proeminência da racionalidade técnica do mundo moderno, que destruiu a subjetividade do homem através da indústria cultural. Chaui, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Editora Ática. 1997. p. 115) Cotrim, Gilberto. Fundamentos de filosofia / Gilberto Cotrim, Mirna Fernandes. -- 4. ed. -- São Paulo : Saraiva, 2016. WEB. Super Professor Web. Disponível em:<//www.sprweb.com.br/mod_app/index.php>acesso em 14/05/2020. ARANHA e MARTINS, M. L. de A. e M.H. P. Filosofando, Introdução à Filosofia. São Paulo: Editora Moderna, 1993. ( II. Marcuse, A Ideologia da sociedade industrial, p. 83.) Marcondes, Danilo. Iniciação à história da filosofia. Zahar. Edição do Kindle. EXERCÍCIOS: (Uel 2008) 1. (Enem PPL 2018) A maioria das necessidades comuns de descansar, distrair-se, comportar-se, amar e odiar o que os outros amam e odeiam pertence a essa categoria de falsas necessidades. Tais necessidades têm um conteúdo e uma função determinada por forças externas, sobre as quais o indivíduo não tem controle algum. MARCUSE, H. A ideologia da sociedade industrial: o homem unidimensional. Rio de Janeiro: Zahar, 1979. Segundo Marcuse, um dos pesquisadores da chamada Escola de Frankfurt, tais forças externas são resultantes de a) aspirações de cunho espiritual. b) propósitos solidários de classes. c) exposição cibernética crescente. d) interesses de ordem socioeconômica. e) hegemonia do discurso médico-científico. 2. (Unesp 2013) Uma obra de arte pode denominar-se revolucionária se, em virtude da transformação estética, representar, no destino exemplar dos indivíduos, a predominante ausência de liberdade, rompendo assim com a realidade social mistificada e petrificada e abrindo os horizontes da libertação. Esta tese implica que a literatura não é revolucionária por ser escrita para a classe trabalhadora ou para a revolução. O potencial político da arte baseia-se apenas na sua própria dimensão estética. A sua relação com a práxis (ação política) é inexoravelmente indireta e frustrante. Quanto mais imediatamente política for a obra de arte, mais reduzidos são seus objetivos de transcendência e mudança. Nesse sentido, pode haver mais potencial subversivo na poesia de Baudelaire e Rimbaud que nas peças didáticas de Brecht. (Herbert Marcuse. A dimensão estética, s/d.) Segundo o filósofo, a dimensão estética da obra de arte caracteriza-se por

a) apresentar conteúdos ideológicos de caráter conservador da ordem burguesa. b) comprometer-se com as necessidades de entretenimento dos consumidores culturais. c) estabelecer uma relação de independência frente à conjuntura política imediata. d) subordinar-se aos imperativos políticos e materiais de transformação da sociedade. e) contemplar as aspirações políticas das populações economicamente excluídas. 3. (Ufla 2010-adaptada) Analise as afirmativas sobre a Escola de Frankfurt e sua Teoria Crítica, coloque Verdadeiro (V) ou Falso (F) e assinale a alternativa que contém a sequência CORRETA. ( ) Adorno, Benjamin e Marcuse são um dos pensadores que mais se destacaram e foram por Marx, influenciados. ( ) A Teoria Tradicional é representada, pelos frankfurtianos, que deram grande ênfase ao racionalismo. ( ) A Teoria Crítica afirma que a razão pode conter sombras quando se coloca a serviço da dominação. ( ) Segundo os frankfurtianos, a construção do indivíduo autônomo fez-se graças à proeminência da racionalidade técnica do mundo moderno, que consolidou a subjetividade do homem através da indústria cultural. a) F V V F b) V F F V c) F V F V d) V V V F e) F F F F 4. (Unesp 2011-adaptada) Em troca dos artigos que enriquecem sua vida, os indivíduos vendem não só seu trabalho, mas também seu tempo livre. As pessoas residem em concentrações habitacionais e possuem automóveis particulares com os quais já não podem escapar para um mundo diferente. Têm gigantescas geladeiras repletas de alimentos congelados. Têm dúzias de jornais e revistas que esposam os mesmos ideais. Dispõem de inúmeras opções e inúmeros inventos que são todos da mesma espécie, que as mantêm ocupadas e distraem sua atenção do verdadeiro problema, que é a consciência de que poderiam trabalhar menos e determinar suas próprias necessidades e satisfações. (Herbert Marcuse, filósofo alemão, 1955.) De acordo com os conhecimentos de Marcuse, assinale a alternativa INCORRETA: a) Marcuse faz uma breve descrição da vida moderna para caracterizar a sociedade que daí emerge como baseada no consumo. b) Segundo Marcuse, o progresso técnico funciona como uma mola propulsora desta sociedade, retroalimentando-a, criando novos produtos para suprir novas necessidades. c) O mundo, na visão de Marcuse, se apresenta como produto da liberdade dos indivíduos, e que vivemos num mundo no qual temos acesso a todo tipo de opinião e no qual também podemos expressar a nossa d) O mundo pós-guerra, de acordo com o pensamento de Marcuse, que se apresenta ao indivíduo como dado, não lhe proporciona outras escolhas que não aquelas que façam parte da engrenagem da sociedade. e) A noção de liberdade presente no texto estaria na tomada de consciência pelo indivíduo de sua real situação dentro desta sociedade de consumo e, a partir daí sim, ele poderia fazer suas próprias escolhas baseadas nas suas próprias necessidades e satisfações. 11. (Uem 2010) Etimologicamente a palavra alienação vem do latim alienare, alienus, que pertence a um outro. Alius é o outro. Portanto, sob determinado aspecto, alienar é tornar alheio, transferir para outrem o que é seu. (ARANHA, M. L. de A.; MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução à filosofia. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2003, p. 45). Em relação à citação, assinale o que for correto. 01) Karl Marx considera que a alienação acontece numa forma de divisão social do trabalho em que o produto do trabalho deixa de pertencer a quem o produziu. 02) Para Ludwig Feuerbach, o homem aliena-se na religião, pois o homem religioso confere ao ente sobrenatural sua própria essência e qualidades, como se fossem atributos do ser sobrenatural. 04) Autores expoentes da teoria crítica, tais como Theodor W. Adorno e Herbert Marcuse, afirmam que, na sociedade capitalista, as necessidades são artificialmente estimuladas, sobretudo pelos meios de comunicação de massa, os quais levam os indivíduos a consumirem de maneira alienada. 08) A arte abstrata é alienada, pois perpetua os paradigmas da concepção estética clássica, fundamentada nos princípios aristotélicos da mímesis. 16) O taylorismo e o fordismo são formas de organizar o processo de trabalho que permitem acabar com a alienação do trabalhador. GABARITO: Resposta da questão 1: Resposta da questão 2: Resposta da questão 3: Resposta da questão 4: Resposta da questão 5: 01 + 02 + 04 = 07. HANS JONAS (1903 1993) De acordo com o pensamento de Hans Jonas, as doutrinas éticas e políticas tradicionais (como as de Aristóteles, Spinoza e Kant etc.) carecem de uma séria atualização na medida em que partem de premissas sobre a condição humana que a atualidade alterou profundamente. O alcance da ação e do poder humano e, por consequência da responsabilidade, foi alterado pelo desenvolvimento de vários poderes. Os novos poderes estão relacionados com o potencial tecnológico moderno e com as deformações ideológicas introduzidas na modernidade. Fraco ao medir-se com outras criaturas, o homem deixava intactas a natureza ambiente e os respectivos poderes regenerativos da água, terra e ar. A ação humana não alterava a balança de poder entre natureza e o homem. A natureza não era objeto da responsabilidade, mas só de manipulação limitada. A natureza é um novo objeto de responsabilidade como o mostram as situações sem precedentes resultantes de ações cumulativas e ações irreversíveis denunciadas pela ecologia e não abrangidas pelo enquadramento tradicional da ética. Dado que a tecnologia, por si só, trata a natureza como meio sem lhe atribuir a dignidade de finalidade, tem de existir um poder que a modere atendendo à "sacralidade" da natureza. O imperativo de Kant é um caso extremo das éticas da intenção subjetiva ao pedir, que o princípio a que obedece a ação individual possa ser uma lei universal. Válido no plano

individual, este imperativo dirige-se à pessoa no imediato e só requer a consistência do ato consigo mesmo. Um novo imperativo seria "age de tal modo que os efeitos da ação sejam compatíveis com a permanência da humanidade genuína". O futuro da humanidade tem de ser incluído nas nossas escolhas presentes. Significa isto que não temos o direito de escolher ou de arriscar a não-existência de gerações futuras, só por causa da nossa existência. Temos um dever para com o que ainda não existe ou que pode não vir a existir. O primeiro dever. Visualizar as consequências da sociedade industrial e tecnológica. Numa ética do futuro temos de antecipar as condições desastrosas. JONAS, Hans (2006) O Princípio Responsabilidade: Ensaio de uma Ética para a civilização tecnológica. RJ: Contraponto / PUC-RIO. JEAN-PAUL SARTRE (1905-1980) Para Sartre a liberdade é a escolha incondicional que o próprio homem faz de seu ser e de seu mundo. Em Sartre, a liberdade é condição fundamental da existência humana, em virtude da qual o homem é inteiramente responsável por si. Sartre dizia que, no caso humano, a existência precede a essência. Isso significa que, para ele, o ser humano é um nada quando nasce, isto é, quando passa a existir. Só depois, à medida que vai existindo e se definindo, é que passa a ser (ser algo). Para Sartre o ser humano encontra a angústia quando se percebe "para -si", aberto à possibilidade de construir ele próprio a sua existência (escolhas), estando, portanto, irremediavelmente "condenado a ser livre". A má-fé é a atitude característica do homem que finge escolher, sem na verdade escolher. Imagina que seu destino está traçado, que os valores são dados; aceitando as verdades exteriores(regras morais), sem críticas aos valores dados. No livro O existencialismo é um humanismo, Sartre pretende apresentar na corrente existencialista, qual compreensão moral está presente. Cotrim, Gilberto. Fundamentos de filosofia / Gilberto Cotrim, Mirna Fernandes. -- 4. ed. -- São Paulo : Saraiva, 2016. (UESPI-SUDEC/PI-2012) (SOLER Barueri - SP- 2013) (Ufsj 2013) ARANHA e MARTINS, M. L. de A. e M.H. P. Filosofando, Introdução à Filosofia. São Paulo: Editora Moderna, 1993. CHAUÍ, Marilena. Iniciação à filosofia : ensino médio, volume único / Marilena Chauí. -- São Paulo : Ática, 2010 EXERCÍCIOS: 1. (Pucpr 2018) Considere as informações a seguir. Ao abordar o problema da técnica moderna no livro Técnica, Medicina e Ética, o filósofo Hans Jonas afirma que o progresso deve ser analisado criticamente, pois: Os meios com os quais promete eliminar a miséria do Terceiro Mundo e acrescentar o bem-estar material a toda a humanidade, em crescimento graças a ele os meios da técnica agressiva, ameaçam, precisamente com os seus êxitos a curto prazo, a conduzir uma devastação ambiental talvez irremediável a longo prazo. É mais a eficácia demasiado grande do que a demasiado pequena dos recursos aquilo a que temos de temer; nosso poder mais que nossa impotência. Hans Jonas demonstra ser necessária a proposição de uma nova ética para o futuro, sendo que essa ética tem de considerar a evolução da técnica e a noção de progresso sugerida pela ciência. Com base no texto apontado e de acordo com os seus conhecimentos sobre o tema, assinale a alternativa que melhor expressa a visão ética proposta por Hans Jonas. a) Para Hans Jonas, a ética não deve ter nenhuma relação com a técnica e a ciência moderna, devendo ser voltada unicamente para as ações humanas no campo político e social. b) O desenvolvimento da técnica e da ciência moderna produziu um progresso que deve alcançar todos os seres humanos, sendo que a ética não deve servir para frear ou diminuir os avanços das descobertas científicas, permitindo, dessa forma, que a própria ciência apresente os limites de sua ação. c) A ética deve posicionar-se criticamente frente à técnica moderna, considerando os limites de destruição que a ciência pode produzir em escala global e fornecendo, com isso, os parâmetros de ação da própria técnica, buscando, assim, frear os avanços e progressos da ciência quando esta apresentar perigos para a continuidade da vida. d) A concepção de Hans Jonas afirma que a ética deve impedir o avanço completo da técnica e da ciência moderna, pois o único interesse da ética é a preservação do meio ambiente, não havendo possibilidade de se realizar um diálogo entre a dimensão ética e a dimensão da técnica. e) A ética da responsabilidade de Hans Jonas propõe que a técnica moderna não é capaz de conhecer, por si mesma, nenhum limite e por essa razão deve ser freada em sua realização para não prejudicar a continuidade da vida, não podendo haver nenhuma forma de relação entre a ética e a ciência moderna. 2. (Pucpr 2017) Hans Jonas, na obra O Princípio Responsabilidade, afirma que sob o signo da tecnologia, a ética tem a ver com ações de um alcance causal que carece de precedentes (...); tudo isso coloca a responsabilidade no centro da ética) (JONAS, 1995, p.16-17). A esse respeito, podemos considerar que Jonas compreende o princípio responsabilidade como um princípio a) hipotético, que é válido exclusivamente para pensarmos as ações humanas. b) relativista, porque considera cada indivíduo responsável apenas pela sua própria conduta. c) que não é voltado exclusivamente para a ética humana, mas que baliza a conduta humana sobre a natureza em geral. d) ético, voltado exclusivamente para a conduta humana presente. e) responsável apenas pelas gerações atuais, desinteressado pela vida futura da humanidade e da natureza. 3. (Enem 2016) A promessa da tecnologia moderna se converteu em uma ameaça, ou esta se associou àquela de forma indissolúvel. Ela vai além da constatação da ameaça física. Concebida para a felicidade humana, a submissão da natureza, na sobremedida de seu sucesso, que agora se estende à própria natureza do homem, conduziu ao maior desafio já posto ao ser humano pela sua própria ação. O novo continente da práxis coletiva que adentramos com a alta tecnologia ainda constitui, para a teoria ética, uma terra de ninguém. JONAS. H. O princípio da responsabilidade. Rio de Janeiro: Contraponto;

Editora PUC-Rio, 2011 (adaptado). As implicações éticas da articulação apresentada no texto impulsionam a necessidade de construção de um novo padrão de comportamento, cujo objetivo consiste em garantir o(a) a) pragmatismo da escolha individual. b) sobrevivência de gerações futuras. c) fortalecimento de políticas liberais. d) valorização de múltiplas etnias. e) promoção da inclusão social. 4. (Enem 2ª aplicação 2016) Fundamos, como afirmam alguns cientistas, o antropoceno: uma nova era geológica com altíssimo poder de destruição, fruto dos últimos séculos que significaram um transtorno perverso do equilíbrio do sistema- Terra. Como enfrentar esta nova situação nunca ocorrida antes de forma globalizada e profunda? Temos pessoalmente trabalhado os paradigmas da sustentabilidade e do cuidado como relação amigável e cooperativa para com a natureza. Queremos, agora, agregar a ética da responsabilidade. BOFF, L. Responsabilidade coletiva. Disponível em: //leonardoboff.wordpress.com. Acesso em: 14 maio 2013. A ética da responsabilidade protagonizada pelo filósofo alemão Hans Jonas e reivindicada no texto é expressa pela máxima: a) A tua ação possa valer como norma para todos os homens. b) A norma aceita por todos advenha da ação comunicativa e do discurso. c) A tua ação possa produzir a máxima felicidade para a maioria das pessoas. d) O teu agir almeje alcançar determinados fins que possam justificar os meios. e) O efeito de tuas ações não destrua a possibilidade futura da vida das novas gerações. 5. (Pucpr 2015) A preocupação sobre o futuro da natureza e a ação da civilização tecnológica apresenta-se como traços constitutivos do pensamento de Hans Jonas. Neste sentido, o princípio responsabilidade pretende superar as éticas tradicionais, as quais o autor chama de éticas da similitude. A respeito da reflexão ética de Hans Jonas, assinale a alternativa INCORRETA. a) A responsabilidade não tem nenhuma implicância e relevância com relação às futuras gerações, associando- se, assim, com a ética de Kant. b) A responsabilidade adquire uma nova dimensão pela técnica que as éticas tradicionais (por exemplo, a ética aristotélica) não comportam, uma vez que estas não apontam para as consequências futuras. c) As éticas tradicionais primam pelo antropocentrismo, tornando-se, assim, um problema, pois não buscam um fim imanente também na natureza. d) A responsabilidade pelas futuras gerações e pelo todo orgânico são elementos fundamentais na proposta ética de Hans Jonas. e) A responsabilidade não pode ser uma relação recíproca, uma vez que tal relação se move incidindo numa ética futurista. 6. (Unioeste 2012-adaptada) O que significa aqui o dizer-se que a existência precede a essência? Significa que o homem primeiramente existe, se descobre, surge no mundo; e que só depois se define. O homem, tal como o concebe o existencialista, se não é definível, é porque primeiramente não é nada. Só depois será alguma coisa e tal como a si próprio se fizer. (...) O homem é, não apenas como ele se concebe, mas como ele quer que seja, como ele se concebe depois da existência, como ele se deseja após este impulso para a existência; o homem não é mais que o que ele faz. (...) Assim, o primeiro esforço do existencialismo é o de por todo o homem no domínio do que ele é e de lhe atribuir a total responsabilidade de sua existência. (...) Quando dizemos que o homem se escolhe a si, queremos dizer que cada um de nós se escolhe a si próprio; mas com isso queremos também dizer que, ao escolher-se a si próprio, ele escolhe todos os homens. Com efeito, não há de nossos atos um sequer que, ao criar o homem que desejamos ser, não crie ao mesmo tempo uma imagem do homem como julgamos que deve ser. Sartre. Considerando a concepção existencialista de Sartre e o texto acima, é INCORRETO afirmar que a) o homem é um projeto que se vive subjetivamente. b) o homem é um ser totalmente responsável por sua existência. c) por haver uma natureza humana determinada, no homem a essência precede a existência. d) o homem é o que se lança para o futuro e que é consciente deste projetar-se no futuro. e) em suas escolhas, o homem é responsável por si próprio e por todos os homens, porque, em seus atos, cria uma imagem do homem como julgamos que deve ser. 7. (Ufsj 2012-adaptada) A angústia, para Jean-Paul Sartre, é a) tudo o que a influência de Schopenhauer determina em Sartre: a certeza da morte. O Homem pode ser livre para fazer suas escolhas, mas não tem como se livrar da decrepitude e do fim. b) a nadificação de nossos projetos e a certeza de que a relação Homem X natureza humana é circunstancial, objetiva, e pode ser superada pelo simples ato de se fazer uma escolha. c) a certificação de que toda a experiência humana é idealmente sensorial, objetivamente existencial e determinante para a vida e para a morte do Homem em si mesmo e em sua humanidade. d) consequência da responsabilidade que o Homem tem sobre aquilo que ele é, sobre a sua liberdade, sobre as escolhas que faz, tanto de si como do outro e da humanidade, por extensão. e) Nenhuma das alternativas anteriores. 8. (Uem-pas 2017-adaptada) A fenomenologia e o existencialismo são correntes filosóficas que têm início no século XX e se caracterizam pela crítica às concepções essencialistas acerca da natureza humana. Esta crítica é resumida na afirmação do filósofo francês Jean-Paul Sartre: [...] há pelo menos um ser em quem a existência precede a essência, um ser que existe antes de poder ser definido por algum conceito, e que este ser é o homem, ou, como diz Heidegger, a realidade humana. SARTRE, J-P. O existencialismo é um humanismo. In: MARÇAL, J. Antologia de textos filosóficos. Curitiba: SEED, 2009, p. 619. Sobre a fenomenologia e o existencialismo, assinale o que for correto. a) Para Sartre, a angústia é o sentimento que emerge quando nos arrependemos de nossas escolhas. b) De acordo com Sartre, as nossas ações são determinadas por valores morais necessários, mas não são apelos para que nossos atos valham universalmente. c) O existencialismo reconhece que estamos submetidos a condições que não escolhemos, como a época e o local de nascimento, por isso afirma que somos absolutamente prédeterminado na nossa existência. d) Para Sartre, quando se atribui uma escolha moral a uma regra ou razão que dizemos não controlar, age-se de má-fé, porque se dissimula o fato de que somos absolutamente livres para escolher. e) Sartre e Heidegger concordam com que o ponto de partida da fenomenologia deve ser a autoconsciência alcançada por meio da reflexão, tal como expressa na noção do cogito cartesiano. 9. (Ufsj 2013-adaptada) Na obra O existencialismo é um humanismo, Jean-Paul Sartre intenta a) desenvolver a ideia de que o existencialismo é definido pela livre escolha e valores inventados pelo sujeito a partir dos quais ele exerce a sua natureza humana essencial.

b) mostrar o significado ético do existencialismo. c) criticar toda a discriminação imposta pelo cristianismo, através do discurso, à condição de ser inexorável, característica natural dos homens. d) delinear os aspectos da sensação e da imaginação humanas que só se fortalecem a partir do exercício da liberdade. e) Nenhuma das alternativas anteriores. 10. (Uenp 2009) Segundo Raymond Plant, em seu livro Política, Teologia e História, o argumento de que a essência precede a existência implica na necessidade de um criador; assim, quando um objeto vai ser produzido (um martelo, uma caneta, uma máquina), ele obedece a um plano pré-concebido, que estabelece sua forma, suas principais características e sua função, ou seja, ele possui um propósito definido, uma essência que define sua forma e utilidade, e precede a sua existência. Segundo Sartre há um ser onde essa situação se inverte, e a existência precede a essência: o ser humano. Assim, seria o próprio homem o definidor de sua essência. De acordo com Sartre, a expressão "a existência precede a essência" pode ser interpretada como: a) O homem se constrói de acordo com sua própria história e não de acordo com uma essência abstrata e prédeterminada. b) A existência humana depende do plano que Deus determina a cada um. c) A essência é mais importante que a existência. d) O homem não tem existência livre, pois ela sempre é precedida da essência. e) A liberdade não participa do contexto da existência do homem, porque ele segue as determinações da essência. 11. (Ufsj 2011) Para Sartre, o Homem é livre, o Homem é liberdade. Com relação a tal princípio, é CORRETO afirmar que o homem é: a) a expressão de que tudo é permitido por meio da liberdade e que provém da existência de Deus. b) um animal político no sentido aristotélico e por isso necessita viver a liberdade política em comunidade. c) um ser que depende da liberdade divina e necessita que o futuro esteja inscrito no céu. d) condenado a ser livre, uma vez que foi lançado no mundo, é responsável por tudo que faz. GABARITO: Resposta da questão 1: Resposta da questão 2: Resposta da questão 3: [B] Resposta da questão 4: [E] Resposta da questão 5: [A] Resposta da questão 6: Resposta da questão 7: Resposta da questão 8: Resposta da questão 9: [B] Resposta da questão 10: [A] Resposta da questão 11:

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