Resumo esquematizado – Criminologia, o que é?
A Criminologia surge do Iluminismo no século XVIII, advidanda da obra “Dei delitti e delle pene” de Cesare Beccaria, essa ciência explica as razões de o delito fazer parte da própria história da vida em sociedade. É uma ciência empírica e interdisciplinar que tem por objeto o estudo do delito, do delinquente, da vítima e do controle social, com a finalidade de explicar e prevenir o crime, intervir na pessoa do infrator e avaliar os diferentes modelos de resposta ao crime. É uma ciência autônoma e não apenas uma disciplina. O Princípio interdisciplinar é associado ao processo histórico de consolidação da Criminologia como ciência autônoma, é fundado em um princípio positivista do conhecimento. Para Shecaira, Criminologia é o “estudo e a explicação da infração legal, os meios formais e informais de que a sociedade se utiliza para lidar com o crime e com os atos desviantes; a natureza das posturas com que as vítimas desses crimes são atendidas pela sociedade; e, por derradeiro, o enfoque sobre o autor desses fatos desviantes”.[1] Análise da composição:
[1] Shecaira, Sérgio Salomão, Criminologia. 7ª ed, Revista dos Tribunais, 2018. [3] Shecaira, Sérgio Salomão, Criminologia. 7ª ed, Revista dos Tribunais, 2018. [2] MOLINA, Antônio Garcia-Pablos de. Tratado de Criminologia. 3º ed. Valencia: Tirant Lo Blanch, 2003. É importante o estudo da criminologia? A polícia judiciária ganha alguma coisa com o saber criminológico? [1] A criminologia não parece, à primeira vista, tão relevante quanto o estudo do Direito Penal ou do Direito Processual Penal, ou mesmo da política criminal. Às vezes, tem-se a impressão de que, dentro das denominadas ciências criminais, a criminologia foi deixada de lado, enquanto se deu muita importância às outras ciências, que se desenvolveram e ganharam mais status na comunidade jurídica. Contudo, é comum encontrar pessoas discutindo, por exemplo, o problema da violência urbana, a escalada da corrupção ou o aparelhamento do crime organizado. Diz-se que, atualmente, todos comentam sobre futebol e violência, existindo milhares de técnicos desse esporte, e, na mesma proporção, criminólogos.[2] Os meios de comunicação evoluíram nas últimas décadas, e com o uso frequente das redes sociais, que dão às pessoas a possibilidade de tecer opinião sobre qualquer assunto, a discussão a respeito da criminalidade é constante, principalmente em casos de maior repercussão divulgados pela mídia. Conhecer as premissas e métodos da criminologia como ciência apura a visão crítica e científica daquele que se propõe a analisar o problema da delinquência. De maneira geral, as pessoas que desconhecem a criminologia são facilmente influenciadas por informações equivocadas, divulgadas torrencialmente todos os dias na mídia e nas redes sociais. Assim, essa parcela leiga da população aceita e reproduz comentários fundados em teorias e conceitos não científicos, que anuviam sua percepção a respeito das causas reais do fenômeno delitivo, e que permitem a manipulação da opinião popular para aprovação de medidas meramente paliativas, que nada fazem para atingir o cerne do problema. Portanto, estudar criminologia, além de importante, é extremamente necessário. O incremento da complexidade dos fenômenos criminais, como o aumento da violência urbana e o crescimento gradativo da população carcerária e do caos dos estabelecimentos penais, são motivos significativos para a ascensão da criminologia, ciência que pode fornecer respostas mais pormenorizadas a esses problemas. O estudo da criminologia ganha relevo porque é ela quem deve analisar quais são os fatores que culminaram no cenário atual. É a ciência que possui as ferramentas e saberes para examinar o fenômeno criminológico que ocorre na sociedade. Não incumbe à criminologia punir o transgressor (tarefa do Direito Penal), muito menos definir qual é o procedimento de persecução penal durante a investigação ou o processo (missão do Direito Processual Penal). Sua finalidade, de índole diagnóstica e profilática, é buscar entender o contexto da prática delituosa, analisando o modelo social de justiça criminal, a pessoa do delinquente, a vítima, o controle social e até mesmo o reflexo da lei penal na sociedade. A palavra criminologia, criada em 1883 por Paul Topinard e difundida por Raffaele Garofalo em 1885,[3] tem origem etimológica híbrida, pois une um elemento oriundo da língua latina, crimino, que significa crime, e outro da língua grega, logos, que quer dizer estudo. Portanto, através de uma análise etimológica da expressão, temos o estudo do crime. Pode-se conceituar criminologia a ciência empírica (baseada na realidade) e interdisciplinar (que congrega ensinamentos de sociologia, psicologia, filosofia, medicina e direito) que possui como objeto de estudo o crime, o criminoso, a vítima e o comportamento social. Destarte, a criminologia é uma ciência autônoma porque possui funções, métodos e objetos próprios. O gênero ciências criminais (ciências penais) possui como espécies o Direito Penal, a criminologia e a política criminal. São ciências autônomas e coexistentes, cada qual com sua vertente. A criminologia, a política criminal e o Direito Penal são os três pilares do sistema das ciências criminais, inseparáveis e interdependentes. Como instância superior, não cabe à criminologia se identificar com nenhum dos saberes parciais criminológicos, pois todos têm a mesma importância científica. Adota-se um modelo não piramidal.[4] Logo, criminologia entende o fenômeno criminal como problema não meramente individual, mas também social. Estuda a questão criminal sob o ponto de vista biopsicossocial (métodos biológicos e sociológicos), investigando as causas do crime, a personalidade do delinquente, a vitimização e as formas de prevenção e ressocialização no contexto do controle social. A criminologia é considerada uma ciência interdisciplinar, pois soma o conhecimento de várias ciências, e não meramente multidisciplinar, com distintas visões tratadas de maneira compartimentada. Cuida-se de ciência lógica e normativa, busca determinar o homem delinquente utilizando para isso métodos físicos, psicológicos e sociológicos. Entre outros aspectos, estuda as causas e as concausas da criminalidade e da periculosidade preparatória da criminalidade. A criminologia busca reunir conhecimentos sobre o crime, o criminoso, a vítima e o controle social para compreender cientificamente o fenômeno criminal, para assim possibilitar que o crime possa ser prevenido e reprimido com eficiência (intervenção no delinquente) e que os diferentes modelos de resposta ao fenômeno criminal possam ser valorados. Destarte, a criminologia deve orientar a política criminal possibilitando a prevenção de crimes, e influenciar o Direito Penal na repressão das condutas indesejadas que não foram evitadas. Essa ciência busca adotar programas de prevenção eficaz do comportamento delitivo, técnicas de intervenção positiva no homem delinquente e nos diversos sistemas de resposta ao delito.[5] Foi na Escola Positiva que a criminologia começou a ser tratada como ciência, e isto se deu especialmente em razão do método científico utilizado nas experiências do médico italiano Cesare Lombroso, que escreveu a obra O Homem Delinquente (considerada o marco científico da criminologia). Qualifica-se por ser ciência empírica de observação da realidade, que opera no mundo do ser, e emprega o método indutivo e experimental. Diferentemente do Direito Penal, ciência cultural que atua no plano do dever ser, por meio do método dedutivo. Logo, a criminologia investiga as causas do fenômeno da criminalidade segundo o método experimental, isto é, analisando o mundo do ser. Além disso, vale-se do método indutivo, isto é, trabalha com casos concretos, específicos, para extrair uma ideia geral. Parte de uma característica específica para fixar uma premissa maior. Pretende primeiro conhecer a realidade para depois explica-la. Na visão da criminologia, o crime é um fenômeno social, o qual exige uma percepção apurada para que seja compreendido em seus diversos sentidos. Para a criminologia, somente se pode falar em delito se a conduta preencher os seguintes elementos constitutivos: a) incidência massiva na população: reiteração na sociedade; b) incidência aflitiva: produção de dor à vítima e à sociedade; c) persistência espaço-temporal: prática ao longo do território por um período de tempo relevante; d) consenso sobre sua etiologia e técnicas de intervenção: concordância sobre suas causas e métodos de enfrentamento. Em relação ao delinquente, é visto de maneira diferente segundo as Escolas da Criminologia: a) Escola Clássica: ser pecador que escolheu o mal apesar de poder optar pelo bem; b) Escola Positivista: reflexo de sua deficiência patológica (caráter biológico – hereditário ou não) ou formação social (caráter social); c) Escola Correcionalista: ser inferior e incapaz de se autodeterminar, a merecer do Estado resposta pedagógica e piedosa; d) Escola Marxista: vítima da sociedade e das estruturas econômicas (determinismo social e econômico); essa visão se desenvolveu por estudiosos de Marx, e seus conceitos convergiram na chamada criminologia crítica; e) Escola Moderna: homem real e normal que viola a lei penal por razões diversas que merecem ser investigadas e nem sempre são compreendidas. Quanto à vítima, historicamente foi colocada em segundo plano, tendo em vista que o objetivo principal da persecução penal era a punição do criminoso. Com o avanço dos estudos criminológicos, o ofendido é revalorizado e passa a ter papel de destaque, especialmente a partir da Escola Clássica da criminologia. Os estudos sobre o ofendido ganham destaque após a 2ª Guerra Mundial, em decorrência das atrocidades praticadas naquele evento. A vítima desempenha papel importante pois influencia no fato delituoso, toma atitudes que a colocam como potencial sujeito passivo e possui características pessoais (cor, sexo, condição social) relevantes. A principal classificação nessa discussão se refere aos processos de vitimização: a) vitimização primária: são os efeitos diretos e indiretos da própria conduta criminal. Decorre do delito, e compreende todos os prejuízos e danos sofridos pela vítima (lesão ao bem jurídico como integridade física, patrimônio, etc), bem como as demais decorrências (incluindo-se aí vergonha, raiva, medo, dentre outros abalos psicológicos); b) vitimização secundária: deriva do tratamento conferido pelas instâncias formais de controle social (polícia, Ministério Público, Judiciário), consistindo em sofrimento adicional causado à vítima por órgãos estatais. Pode emanar do mau atendimento dado pelo agente público, que leva a vítima a se sentir como um objeto nas mãos do Estado, e não um sujeito de direitos. Também é chamada de revitimização, por consistir em processo emocional no qual o ofendido torna-se vítima novamente, podendo se relacionar com outras pessoas ou instituições (heterovitimização) ou com sentimentos autoimpositivos de culpa (autovitimização); c) vitimização terciária: decorre de familiares e do grupo social da vítima (instâncias informais de controle social), que segregam e humilham a vítima em virtude do crime por ela sofrido. Pode resultar em desestímulo para a formalização da notitia criminis, ocasionando a cifra negra (diferença entre a criminalidade real e a registrada pelos órgãos policiais). Essa falta de amparo da família, dos colegas de trabalho e dos amigos, e a própria sociedade acaba incentivando a vítima a não denunciar o delito às autoridades, ocorrendo o que se chama de cifra negra. Por fim, vale mencionar que controle social é o conjunto de instituições e sanções da sociedade para submeter os indivíduos às normas de convivência em comunidade. Esse conhecimento é fundamental para entender o papel da polícia judiciária no fenômeno criminal. O controle social formal é formado pelos órgãos estatais: polícia judiciária, Judiciário, Ministério Público, Administração Penitenciária, etc. Os agentes do Estado atuam de forma subsidiária (ultima ratio), quando o controle informal não foi capaz de evitar o crime. O controle formal organiza-se em 3 seleções, conforme a função que desempenham: 1ª seleção: Polícia judiciária (investigação) 2ª seleção: Ministério Público (acusação) 3ª seleção: Judiciário (julgamento) Já o controle social informal é aquele exercido de forma difusa pela sociedade, através da família, escola, associações, igreja, opinião pública, etc. Em regra, o processo de socialização do indivíduo se dá nos meios informais. Desse modo, o controle formal é subsidiário, pois só entra em ação quando o controle informal falhou e não foi suficiente para coibir a prática delitiva, na medida em que atuará de maneira coercitiva, estabelecendo sanções diversas das que são impostas no âmbito informal. A efetividade do controle formal é bem menor em relação ao controle informal. Fácil perceber que a criminologia hodiernamente constitui-se em ciência indispensável para a boa atuação da polícia judiciária e também dos demais órgãos de persecução penal. Evidentemente o delegado de polícia, na tomada de suas decisões, não pode abrir mão da aplicação das ciências jurídicas (principalmente o Direito Penal, Processual Penal, Constitucional e Administrativo), que continuam sendo o substrato imediato de conhecimento a incidir no caso concreto. Todavia, nada impede (ao contrário, é recomendável) que a autoridade policial se valha do saber criminológico para que possa prestar o melhor serviço público à sociedade. Afinal, o estudo científico da criminologia revela pontos cruciais para a compreensão do multifacetado fenômeno criminal que sempre assombrou as relações sociais dos indivíduos. [1] Esse artigo é formado pelas ideias contidas no nosso livro: FONTES, Eduardo; HOFFMANN, Henrique. Criminologia. Salvador: Juspodivm, 2018. [2] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. A Questão Criminal; Rio de Janeiro: Revan, 2013. [3] PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Manual esquemático de criminologia. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 17. [4] CALHAU, Lélio Braga. Resumo de criminologia. Niterói: Impetus, 2009, p. 13. [5], GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio Garcia-Pablos de. Criminologia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 43. Topo da página Imprimir Enviar Henrique Hoffmann é delegado de Polícia Civil do Paraná. Professor do CERS, Escola da Magistratura do Paraná, Escola da Magistratura do Mato Grosso, Escola Superior de Polícia Civil do Paraná e SENASP. Colunista da Rádio Justiça do STF. Coordenador da Coleção Carreiras Policiais da Juspodivm. Mestre em Direito pela UENP. www.henriquehoffmann.com Eduardo Fontes é delegado de Polícia Federal, Professor do CERS e especialista em Segurança Pública e Direitos Humanos pela UNISO. Coordenador da Coleção Carreiras Policiais da Juspodivm. Revista Consultor Jurídico, 22 de maio de 2018, 10h00 Com a letargia do Estado, histórias de mortes de policiais se repetem Atual conceito de acusado é ultrapassado e inquisitorial Academia de Polícia: Proposta para um novo inquérito policial Iniciativas e dificuldades a respeito do ensino policial no Brasil Cabe fiança pelo delegado no descumprimento de medida protetiva O indiciamento policial não pode ser ato surpresa! Facebook Twitter Linkedin RSS |