A participação popular foi ampliada no governo vargas

A participação popular foi ampliada no governo vargas

Do suor do teu rosto comerás o teu pão, até que tornes a terra, pois dela foste tomado (Gêneses 3-19).

Labor Omnia Vincit - De fato, o trabalho tudo vence. (Mundo Trabalhista. Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Rio de Janeiro, ano II, n. 8, janeiro-fevereiro de 1951, p. 3).

O trabalho é uma realidade imensa, que impregna toda a sociedade. O seu conceito é amplíssimo (...). O trabalho não tem partido, nem regime. Ele é um fator permanente na história da humanidade.

(O Direito do Trabalho. In: Justiça do Trabalho. Prática das leis trabalhistas. Informação, doutrina, jurisprudência, legislação. Rio de Janeiro, fevereiro de 1951, p. 6.)

Durante o Estado Novo (1937-1945), foi construído um novo conceito de "democracia" - definida como "substantiva" (econômica, corporativa, social e sindical) - ligada aos direitos sociais do trabalho, dissociada dos direitos políticos abolidos em 1937, criando um espaço público e institucional: de um lado, para a formulação das leis sociais, atributo exclusivo do Estado, dentro de um modelo legislado e não contratual que nega aos agentes privados da produção o poder de produzir regulação sobre o mercado de trabalho e fazê-la valer. E de outro, para o exercício da cidadania das classes trabalhadoras dentro dos sindicatos oficiais, a "cidadania corporativista", configurando um projeto de construção de uma identidade operária reapropriada e, permanentemente, ressignificada pelos trabalhadores em suas relações com o Estado.

Além de uma proposta política - que expressou uma dada concepção de Estado corporativo, um corpo de ideias relativas à organização do mundo capital/trabalho e das relações de produção, subordinada aos ideais de progresso econômico - o trabalhismo foi, a meu ver, um amálgama de normas e princípios articulados, que se traduziu em um conjunto empiricamente identificável de estruturas (institucionais) e práticas (governamentais). Todos, histórica e socialmente, referentes. Assentada na progressiva institucionalização da qual extrairia o seu elemento principal, inscrita na estrutura material, corporativa, do Estado brasileiro após 1930 e, permanentemente, associada ao arca-bouço jurídico-estatal e aos marcos institucionais que lhe deram sustentação - a proposta trabalhista será atualizada durante o segundo governo Vargas.

Entre 1951-54, contando com defensores, ideólogos e assessores técnicos da maior relevância, além de publicações, direta ou indiretamente, vinculadas ao Ministério do Trabalho e a outros órgãos oficiais, os princípios do trabalhismo foram recuperados e vivificados. Esses princípios basearam-se: a) na intervenção do Estado nas esferas econômica e social (nesse ponto, contrariando a tendência anti-intervencionista que ganha impulso ao final da Segunda Guerra Mundial); b) no reforço ao sindicalismo estatal, sendo os sindicatos redefinidos como "espaços legítimos" para a manifestação das reivindicações trabalhadoras; e c) no papel ampliado da Justiça do Trabalho, vista como instrumento privilegiado para dirimir as disputas entre capital/trabalho e conduzir a uma solução "acordada" dos conflitos sociais, com o fim de evitar as greves e seu curso "explosivo".

Em uma fase de lutas e intensas pressões exercidas pelo movimento operário, se o direito de greve (conforme disposto na Constituição de 1946 e no Decreto-Lei nº 9.070) é, legalmente, assegurado ao proletariado, na prática, esse mesmo direito é negado. Isso porque, de acordo com os defensores da política estatal, o seu "livre exercício" constituiria uma "violência" contra a coletividade, além de ferir um preceito básico do trabalhismo varguista: a "harmonia capital-trabalho".

O artigo 158 da Constituição de 1946 declarava: "É reconhecido o direito de greve, cujo exercício a lei regulará". Conforme a Revista Forense, sofrendo o Brasil o "influxo de ideias estrangeiras", sobretudo, da França, "juristas açodados" (precipitados) elevaram, de "afogadilho", a greve - proibida pela Constituição de 1937 - de "delito" à categoria de "direito constitucional". Por sua vez, o Decreto-Lei nº 9.070, instituído em 15 de março de 1946, no período Dutra, precedendo a Constituição promulgada em setembro, e ainda por força da Carta de 1937, que dava ao Poder Executivo funções legislativas, dispunha sobre a "suspensão ou abandono coletivo do trabalho". O decreto criava enormes barreiras ao exercício do direito de greve, ampliando o poder da Justiça e dos órgãos estatais em julgar, discricionariamente, as greves como "legais" ou "ilegais".

O presente artigo busca identificar os significados atribuídos às greves dos trabalhadores, sob a ótica do trabalhismo, durante o segundo governo de Getúlio Vargas. A metodologia consiste em analisar fontes ainda pouco investigadas nos estudos históricos sobre o período, como a Revista Forense e publicações vinculadas ao Ministério do Trabalho entre 1951-54. O estudo objetiva trazer para a reflexão aspectos da ideologia trabalhista - com seus referentes institucionais - atualizada nos anos 1950, com Vargas na direção do Estado, que darão suporte às concepções sobre as greves como um "antidireito".

Greves nos anos 1950: "Direito ou violência?"

[Hoje] as greves têm um tal caráter e se fazem sentir de tal maneira que (...) mais parecem fenômenos meteorológicos do que empreendimentos humanos.

SEGADAS VIANNA, José de. Greve: Direito ou violência? Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1959, p. 11. (Ex-diretor do Departamento Nacional Trabalho e segundo ministro do Trabalho do segundo governo Vargas).

A questão expressa no título da obra de José de Segadas Vianna, Greve: direito ou violência? - na qual o autor remonta à história e às concepções doutrinárias sobre as greves e ao papel da legislação trabalhista e sindical no tocante ao tema "candente" do conflito social, com o qual se "defrontavam as democracias modernas" - traduz admiravelmente bem o "dilema" presente na política trabalhista, atualizada entre 1951-54. Deste dilema não se furtou o sistema político, restrito às elites, e tampouco o regime liberal-democrático, definido pela Constituição de 1946. Nesse ponto, além de vários defensores do trabalhismo, não foram poucos os segmentos das elites que concluiriam pela segunda opção: a greve seria uma "violência" contra a coletividade e as "autoridades constituídas", comparada à "desordem", à "anarquia" e à "guerra social".

Contudo, uma vez elevada a greve, proibida pela Constituição de 1937, de "delito" à categoria de "direito", admitido pela Carta de 1946, far-se-ia necessária a definição dos parâmetros de seu exercício, o que levou os legisladores a "considerarem a sua legitimidade ou ilegitimidade". Ademais, argumenta o Boletim do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, em sua nova série, reiniciada após a posse de Vargas em 1951: sendo, por diversas vezes, influenciadas por ideologias "revolucionárias e subversivas" (comunistas), que procuravam penetrar no seio do operariado e nas organizações sindicais ou lideradas por "minorias atuantes", as greves não poderiam "incondicionalmente ser admitidas", senão de modo "rigorosamente estrito e regulado pela doutrina social" do Estado brasileiro.

Durante o segundo governo Vargas, a questão das "minorias atuantes", inspirada na definição de G. Mosca (Elementos di scienza política, 1923) é frequentemente retomada pelos defensores do trabalhismo, associada aos "insufladores de greves". Entre os anos 1951-54, os inúmeros processos julgados pela Justiça confirmam esta afirmação. Um libelo contra as greves políticas e seu "caráter subversivo", que não poderiam ser permitidas no Brasil, porque nada seria "mais insólito" admitir que pudesse "intervir na máquina do Estado" a "vontade de uma minoria", encontra-se na Revista Forense (julho-agosto, 1954).

Assim, no contexto em que os Serviços de Estatística do Ministério do Trabalho acusavam a enorme elevação do contingente de operários - identificados como a "nova força" social que precisava ser "amparada, organizada", "educada" dentro das organizações sindicais pelos "modernos princípios do Trabalhismo" - e face aos avanços do movimento operário-sindical, tratava-se para os executores da política estatal de atuar em várias frentes.

Primeira frente: investir na formação social e sindical continuada do "cidadão-trabalhador". Em 1951, é anunciada a publicação de uma Cartilha do Operário. Em fins de 1952, é instituído, no Ministério do Trabalho, o Curso de Cultura Social e Sindical. Neste curso eram lecionadas as disciplinas: Sindicalismo; Noções de Direito Social; Noções Gerais de Sociologia; Economia Social e Questões Sociais.

Aos trabalhadores que concluíssem o Curso de Cultura Social e Sindical era concedido um "certificado de aproveitamento", também utilizado como "referência" positiva pelo Departamento de Colocações do Ministério do Trabalho para o encaminhamento de operários desempregados para as empresas. O Curso de Cultura Social e Sindical deveria estender-se, de "forma padronizada, a outras unidades da Federação de reco­nhecido desenvolvimento industrial".

Segunda frente: ampliar o papel da Justiça do Trabalho, considerada como instrumento, por excelência, para dirimir as disputas entre capital/trabalho, com o fim de evitar as greves.

Terceira frente: fortalecer o sindicalismo estatal, tendo em vista a função dos sindicatos como "órgãos de colaboração com o poder público" e com o dever legal de cooperarem para a "harmonia e a solidariedade social".

E quarta frente: empreender a "diagnose política". Esta última tarefa estava a cargo, entre outros órgãos, do Serviço de Estatística Demográfica, Moral e Política, ligado ao Executivo federal no segundo período governamental de Vargas. Este órgão fornecia quadros pormenorizados sobre a ação do governo, em matéria de "justiça", "segurança pública", "repressão" a indivíduos e movimentos "subversivos" e a "expulsão de estrangeiros", cujas ações eram consideradas "lesivas à Nação".

Dessa forma, ante a tarefa precípua do Estado de garantir a "ordem" e a "harmonia social" - apresentada como uma espécie de "salvaguarda" das próprias instituições do regime democrático - a admissão do "direito de greve" pela Constituição de 1946 era considerada, por diversos defensores do trabalhismo, "um equívoco" e um "antidireito".

A esse respeito, leciona a Revista Forense: "As Constituições são instrumentos de vida e não de morte". Não é possível "'ordem e progresso', onde a desordem for admitida como veículo capaz de dar remédio às reivindicações justas dos trabalhadores". Somente "através dos órgãos de Estado (...) os conflitos de interesses devem ter solução". Mesmo porque, com a CLT, adequada a "conciliar interesses entre patrões e empregados", e a "instituição da Justiça do Trabalho" estaria "definitivamente ultrapassada" a fase em que, "por insuficiência da ordem jurídica, se elevava o direito de greve à categoria de um mito tão fecundo (...) 'como a divindade de Jesus Cristo".

Além disso, considera a publicação dos juristas, vários deles ligados ao trabalhismo varguista: por sua característica "antijurídica" - o que não quer dizer "ilícito, nem ilegal", mas contrário à "ordem jurídica" - não se poderia falar em "direito de greve". E exemplifica: "O homicídio é sempre um ato antijurídico, muito embora o homicida que age em legítima defesa" não seja considerado criminoso pelo Código Penal. "Ninguém poderá pretender que, dessa forma, o Cód. Penal tenha reconhecido o direito de matar". Assim, permitir ao empregado "reagir pela via de fato, que é a greve", entraria "em conflito com aquele outro mandamento" próprio das "sociedades civilizadas, que veda fazer justiça pelas próprias mãos".

Quanto à associação entre "greve e liberdade individual", afirma o BMTIC, compreendida como uma prerrogativa do indivíduo de "trabalhar livremente" ou "não trabalhar [e] cruzar os braços" - defendendo-se que admitir o contrário seria fazer o trabalhador voltar à "situação do escravo preso à máquina, como aquele amarrado ao tronco, submisso às ordens do senhor ou da fábrica"; não sendo esta "outra coisa, senão um prolongamento da senzala" -, não se sustentaria. Contra esse argumento, prevalece outro: o trabalhador livre, "sem ser escravo", é "parte integrante" do "todo [social], do qual não se pode isolar", sendo o trabalho um "dever social".

Sob esse prisma, a greve seria igualmente um recurso "antissocial" -utilizada como meio de "coação" e "arma" pelos operários, muitas vezes "em prejuízo" deles mesmos - por dois motivos. Primeiro, em razão dos "prejuízos que causaria à coletividade", ao trabalho, enquanto "bem público", que caberia ao Estado proteger; e à "produção", quando o Brasil precisava mais que nunca produzir. Segundo, porque o "trabalho" não é um valor ou elemento "oposto ao capital", mas, sim, "integrante" de um mesmo "binômio" (capital/trabalho) sendo a função da Justiça do Trabalho, dos órgãos estatais e dos sindicatos oficiais "harmonizá-los".

Referindo-se à necessidade de "conciliação" e "harmonia" entre as partes do "organismo social", às quais se contrapunham os movimentos grevistas, Segadas Vianna recorda o célebre "apólogo de Menênio Agripa, quando o povo se retirou de Roma por desentendimento com o patriarcado [membros das classes dominantes]". Nesta feita, o cônsul de Agripa teria lhes contado o seguinte apólogo:

Órgãos do corpo humano se revoltaram contra o estômago pela sua posição de privilégio, já que era sustentado pelos membros inferiores, e [porque] quase todos os órgãos estavam a seu serviço. Declarando-se todos eles em greve, a boca deixou de mastigar e se verificou o colapso vital, demonstrando-se, assim, que a função de cada órgão é fundamental e imprescindível.

Por conseguinte, entre os "remédios preventivos" contra as greves incluíam-se, de um lado: a "arbitragem do conflito" social, conduzindo à "ação concordante da profissão organizada", por meio dos sindicatos oficiais e dos "poderes públicos", "mediante instituições permanentes" (Justiça do Trabalho, Delegacias Regionais do Trabalho, Juntas de Conciliação e Julgamento) para a "promoção da conciliação" entre as partes. De outro, a instauração de "sanções eficazes" por parte dos legisladores e do Estado.

Sobre este último aspecto, além da legislação específica anterior a 1945 contra os movimentos vistos como "subversivos", em grande parte mantida no pós-1946, as sanções às greves - consideradas "incompatíveis" com as funções da Justiça do Trabalho - estavam disseminadas em quase toda a legislação social.

Entre as sanções da CLT (1943) impostas aos participantes de greves incluíam-se, para os operários: "suspensão do emprego [por] até seis meses ou dispensa"; e perda do "cargo de representação profissional ou suspensão de dois a cinco anos da capacidade de serem eleitos para cargo de representação profissional". Para os sindicatos responsáveis pela deflagração de greves: "cancelamento do registro [sindical] e multa". Para os administradores, quando o ato de "incitamento" ou "instigação da greve" partisse deles: "perda do cargo". Havia ainda sanções penais para os participantes de greves "ilegais". Para o trabalhador estrangeiro, a pena era de "expulsão do país" (art. 725, CLT). Essas sanções, face aos benefícios sociais obtidos pelo operariado, sob os governos Vargas, corroboravam a noção da greve como um "antidireito".

Os tipos de greve e seus atores

Entre os "tipos" e "gradações" de greves, conquanto mais comuns no "estrangeiro", distingue Segadas Vianna - um dos importantes teóricos do sindicalismo corporativista ou da chamada "democracia sindical" nos anos 1950,titular da Pasta do Trabalho de setembro de 1951 até junho de 1953, quando foi substituído por João Goulart -: 1º) a "greve de braços caídos" ou "greve branca", caracterizada pela diminuição ou paralisação da produção.

2º) A greve por "excesso de zelo", na qual "os operários procuram fazer o serviço tão meticulosa­mente perfeito", interrompendo-o a todo instante para consultar técnicos e superiores na fábrica, que ocorre uma queda na produção. Com elas, os trabalhadores visariam ao atendimento de suas reivindicações, sem se exporem à paralisação e à perda de salário. Tais ações justificavam "a rescisão do contrato de tra­balho, sem pagamento de qualquer indenização" ao operário, estando pre­vistas na CLT (artigo 482) como "falta grave": "Desídia [incúria] no desempenho das respecti­vas funções".

O elevado número de processos encaminhados pelos trabalhadores à Justiça do Trabalho entre 1951-54, envolvendo essas e outras questões entre patrões e empregados, além de demandas salariais e pela aplicação de direitos, mereceria um estudo específico e aprofundado.

Na categoria de "desídia" do empregado, prevista na CLT, várias vezes acionada pelos empregadores na Justiça do Trabalho, incluíam-se: incúria, desatenção, desleixo no serviço, indisciplina, rixas, brigas, agressões, insubordinação, desobediência a ordens dos patrões, "protestos contra suspensões", abandono do trabalho, "férias sem a autorização do empregador" (considerada "falta grave") e até "embriaguês" ou "empregados com ideias comunistas" e/ou "subversivas". Estas últimas eram consideradas impeditivas do "bom desempenho pelo empregado de suas funções". As decisões do Tribunal Superior do Trabalho e tribunais regionais relativas a processos dessa natureza encontram-se fartamente documentadas em várias fontes citadas entre os anos 1951-54.Além dos casos acima referidos, são abundantes os recursos de trabalhadores "estáveis" (com mais de 10 anos no mesmo emprego) dispensados por "falta grave".

De acordo com a classificação de Segadas Vianna, haveria ainda: 3º) a greve por "ocupação dos locais de trabalho" ("lock-in"), punida "como um duplo delito: atentado à liberdade de trabalho" e à "propriedade privada".

4º) A "boicotagem ostensiva" ou "indireta", na qual, cada dia, "um grupo de trabalhadores falta ao trabalho", permanecendo nas imediações da fábrica com cartazes, apelando ao público para que não compre seus produtos, até serem atendidas as reivindicações dos empregados.

Entre os exemplos de tais manifestações, pode-se recordar a greve dos empregados da Companhia de Cigarros Souza Cruz em 1945. Denunciando os "industriais do fumo [que sabotavam] os salários dos operários", estes últimos saíam às ruas com placas, reivindicando: "Mais pão e menos tuberculose". A "boicotagem" era considerada "falta grave", enquadrada no artigo 482 (letra b) da CLT.

Quanto a intensidade e abrangência, o autor classifica: 5º) as "greves parciais", afetando um grupo de uma fábrica ou classe; e 6º) as "greves gerais", que envolveriam a "totalidade dos trabalhadores de uma classe" e até de um país, utilizadas "como meio de pressão sobre o poder público" e as autoridades constituídas.

A participação do trabalhador em greves julgadas pelos órgãos oficiais como "ilegais" ou "ilegítimas" possibilitava aos empregadores a sua dispensa por "justa causa", sem direito à indenização. Afora isso, havia as chamadas "listas negras" ou de boicote patronal, nas quais se organizava um cadastro de "líderes" e "grevistas habituais", com o fim de não serem mais admitidos.

Conforme jurisprudência firmada no Supremo Tribunal Federal em 1951: embora admita a Constituição o "direito de greve', o exercício desse direito está subordinado à condição precípua de se haverem esgotado os meios [conciliatórios]". Dessa maneira, o incitamento ou "exortação à greve" eram também considerados crimes.

Entre os inúmeros casos julgados pela Justiça: em 1954, o operário Elício Guimarães Lima protestou contra a injustiça de que fora vítima ao ser preso em flagrante. Para tanto, contribuiu a declaração das testemunhas que o classificaram "como agitador contumaz". Embora o acusado não se achasse "dentro da fábrica", situada na rua dos Açudes (Rio de Janeiro), estava na "porta desta", "com um papel na mão, convidando a massa de operários, que acabava de almoçar, a acompanhá-lo até o escritório" onde reclamariam um abono não recebido. Em caso de recusa dos patrões, "[levantariam] a greve". Em face da "desordem" suscitada por seu ato, o Tribunal decide-se pela manutenção do auto de prisão do operário e negação do habeas corpus.

Para os crimes de "subversão à ordem política e social" e contra a "organização do trabalho" - um dos pilares da política trabalhista, atualizada durante o segundo governo Vargas, no contexto da liberal-democracia dos anos 1950 - é importante registrar, cabia "prisão preventiva".

Em 1952, compareceram à Junta de Conciliação e Julgamento em Belém (Pará), Antônia Ferreira e outras operárias para reclamar contra a Companhia Industrial do Brasil. Elas foram "injustamente dis­pensadas" por aquiescerem em distri­buir "panfletos que lhes foram entregues à porta da usina por João Gomes", concitando as "demais empregadas a entrarem em greve". As reclamantes afiançavam desconhecer como "surgiram no meio da fábrica os panfletos de exortação à greve" e que, de "boa fé, admitiram terem distribuído alguns desses folhetos, mas sem qualquer intenção de prejudicar a empresa". A Justiça deu ganho de causa às operárias por entender, com base no Decreto-Lei nº 9.070, não ter havido a "pretendida parede".

Entre inúmeros outros exemplos, cabe mencionar a condenação das irmãs Gimenez e outros trabalhadores em 1953. De acordo com o julgamento do Supremo Tribunal Federal: Margarida e Ana Gimenez, ao lado de Jorge Garcia e Germano Canassa, distribuíram em Santo André, São Paulo, panfletos concitando o "povo e os trabalhadores" a comparecerem em um comício popular proibido pela Polícia. Porém as referidas irmãs e outros encabeçaram um movimento para que o comício se realizasse, sendo presos no local. Assim, justifica o Tribunal: "sabendo" elas "ou devendo saber" que tais ações que "[geram] desassossego e temor" na população são crimes previstos em lei, coube a "intervenção do Estado", por meio da Polícia. Contra Jorge Garcia, relatavam os autos do processo, inexistiam "antecedentes político-sociais". Já Margarida Gimenez e Germano Canassa, ao invés, guardavam "em seu 'dossier' reiteradas manifestações de caráter subversivo". Contra a primeira pesava ainda a "imputação de crime de greve". Em vista da manifestação, incitando à "luta entre as classes sociais" e instigando "a desobediência coletiva", sentencia o Tribunal: o ato praticado "constitui crime de caráter político-social, que interessa à estrutura e segurança do Estado, assim como à ordem social". Germano Canassa e as irmãs Gimenez foram condenados, cada um, à pena de um ano e meio de detenção e multa de CR$ 500,00, a ser paga no prazo de seis meses.

Dessa forma, em face das concepções sobre as greves como um "antidireito", justificando a ação repressiva do Estado (como atesta a documentação) em um contexto de avanço do movimento operário-sindical, acredito ser possível tomar por empréstimo o argumento de Pierre Ansart. Tais concepções nada têm de "arbitrárias", como equivocadamente se poderia julgar, sobretudo quando "comparadas à profunda relação que une" o discurso "à organização social que lhe serve de modelo". Em outros termos, tais ideias não foram apenas criadas ou "impostas de cima" pelas elites ou pelo Estado, "vitimando a sociedade" (o que, evidentemente, a meu ver, nunca ocorre).

Simultaneamente ao amplo conjunto de iniciativas governamentais relativas aos direitos sociais do trabalho e benefícios, materiais e simbólicos, tão demandados pelo operariado durante décadas, obtidos sob os governos de Getúlio Vargas (e que, de modo algum podem ser desconsiderados ou minimizados), como lembra Maria Helena Capelato: não se pode desconsiderar a importância de "uma cultura política que, mesmo voltada para os interesses das classes populares, introduziu uma estrutura institucional de natureza autoritária, (...) utilizada como mecanismo de controle social e político".

João Goulart no Ministério do Trabalho e as greves

Não necessitam os trabalhadores, (...) na luta pela vitória das suas legitimas reivindicações, de recorrer a meios ilícitos ou a soluções extremas, preconizadas por doutrinas exóticas.

Quero frisar, mais um vez, [senhor Presidente], que se ajudei o operariado na luta pelos seus direitos, não deixei paralelamente de apontar-lhe os seus deveres. (João Goulart, fevereiro de 1954).

Conciliador habilidoso, executor de uma "política de tolerância", herdeiro do "carisma" de Vargas (cogitado como seu sucessor nas eleições presidenciais), político cujo comportamento representou uma "revolução" (palavra nada ingênua) no Ministério do Trabalho, promovendo uma espécie de desmistificação da autoridade, "o ministro que conversava" (e aplicava as leis?!) - foram alguns dos atributos conferidos à gestão de João Belchior Marques Goulart na Pasta do Trabalho, nomeado ministro de Estado aos 35 anos. Jovem em idade e também, de certa forma, em experiência política. Eleito presidente nacional do Partido Trabalhista Brasileiro desde 1952 (com a influência de Vargas), Goulart formou um importante canal de diálogo entre o partido e sindicatos, apesar das divergências do PTB no tocante às relações com o movimento sindical.

A participação popular foi ampliada no governo vargas


(Monitor da Justiça do Trabalho. Revista de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro, ano VI, n. 71, novembro de 1953, p. 3).

Nos oito meses apenas em que permaneceu no cargo - de 17 de junho de 1953 a 22 de fevereiro de 1954 - Goulart foi acusado de apoiar os movimentos grevistas. O que, segundo algumas tradições interpretativas, somado a medidas como o reajuste do salário mínimo em 1954 (após estudos e a realização de um Censo de níveis salariais no país, desde as greves de 1953), teria configurado uma "virada à esquerda" do governo Vargas. Todavia, os equívocos de tais interpretações foram mostrados em vários estudos sobre o período.

Como ministro que ouvia e dialogava com os trabalhadores e dirigentes sindicais, informalmente, Goulart foi "uma liderança hábil e valiosa para projetos governamentais mais abrangentes". Apesar disso, "a prática de Jango de negociar e se antecipar" às greves e reivindicações operárias - afirma Ângela de Castro Gomes - foi "frequentemente vista e denunciada, não como uma forma de esvaziar conflitos, mas como uma maneira de estimulá-los" e pregar a "luta de classes". "Nessa ótica e de forma equivocada", observa a autora, "Jango não era o ministro do Trabalho, mas o ministro dos trabalhadores; pior ainda, dos maus trabalhadores".

Quando Jango tomou posse, Vargas já havia tido dois ministros do Trabalho, Danton Coelho e Segadas Vianna, ambos do PTB. Embora considerados adequados e competentes, eles não teriam conseguido cumprir o que o presidente "almejava". Nas palavras de Hugo de Faria, diretor do Departamento Nacional do Trabalho, promovido a chefe de gabinete do ministério Goulart, com "funções administrativas":

O Dr. Getúlio tirou o Danton Coelho (...) porque este não realizou o que esperava. [Sem] nenhuma restrição à honestidade de Danton, à lealdade que ele tinha ao Getúlio. O que havia (...) é que ele não tinha o instrumental necessário para ser ministro. Então o Getúlio [colocou] o Segadas Vianna (...) que tinha esse instrumental. Mas Segadas sofreu impactos negativos de que não tinha culpa. (...). É que mesmo tendo aumentado o salário mínimo [em 1951] a inflação disparou (...). Na verdade, houve dois fenômenos que foram mortais para a popularidade [do presidente]. O primeiro foi que Getúlio pegou o país sem divisas e aí começou o encarecimento de produtos básicos. (...). O segundo foi que Getúlio teve de enfrentar a inflação.

O Segadas [enfrentou] isso tudo e toda a técnica, todo o conhecimento dele não foram suficientes. O Dr. Getúlio deve ter sentido que a sua popularidade caía. Ele já havia tentado a solução política - o PTB, com Danton - e não deu certo. Depois tentou a solução profissional com o Segadas (...), mas naquela conjuntura também não deu certo. Finalmente, ele chegou à solução político-partidária que foi o Jango.

A alta da inflação e do custo de vida acima do salário mínimo multiplicava as greves. Praticamente, em todas elas estudos ressaltam a participação ativa do PCB. Abandonando a postura de se afastar dos sindicatos oficiais, os comunistas passaram a disputar posições em seu interior, fazendo oposição aos chamados pelegos (estabelecidos nas diretorias) e a organizar greves. Esses fatos eram de pleno conhecimento do Ministério do Trabalho e de outros órgãos governamentais, justificando, inclusive, uma maior fiscalização das organizações sindicais. A esse respeito, considera a Revista Forense: "São os fins lícitos que investem o 'poder de polícia' [do Estado] na fiscalização do funcionamento dos sindicatos". Não "vai nesse mister nenhuma arbitrariedade, nem ofensa ao direito líquido e certo" dos sindicalistas e associados nos sindicatos. "Já chega de benevolência criminosa [para] com os inimigos do Estado".

O ano de 1953 foi, sobremaneira, importante para o sindicalismo brasileiro. Nele, ocorreram duas grandes greves. A primeira, em março, a chamada "greve dos 300 mil" em São Paulo, cuja importância - além das estratégias de luta dos trabalhadores e do número de manifestantes que articulou - está no fato de ter originado um Comando Intersindical, do qual nasceu uma organização à margem da estrutura sindical corporativa oficial: o Pacto de Unidade Intersindical (PUI). Essa organização chegou a reunir cerca de 100 sindicatos, rompendo a "interdição legal que proibia trabalhadores de diferentes categorias profissionais de se associar, o que produziu, na prática, um comando paralelo à direção oficial dos sindicatos". Daí justificou a necessidade de reforço ao sindicalismo estatal e combate aos defensores da "pluralidade e autonomia sindicais", por parte dos executores da política trabalhista.

Em princípios de 1953, foi fundada a Comissão Intersindical Contra a Assiduidade Integral (Ciscai), com uma direção nacional e unidades em vários estados, designadas Ciscais estaduais. Seus objetivos eram combater a exigência da "assiduidade integral", imposta pelos empregadores na Justiça do Trabalho para o recebimento de reajustes salariais, e a eliminação das "exceções" feitas a empresas, de mesma categoria econômica, que alegassem "dificuldades financeiras" e de "produção" para solicitar "isenção" no cumprimento dos acordos salariais. Sua direção apoiou quase todas as greves no período.

A "greve dos 300 mil" abrangeu metalúrgicos, têxteis, marceneiros, gráficos, carpinteiros, operários nas indústrias de borracha, cristais, vidros, papéis, massas alimentícias e outras categorias, e durou quase um mês, sendo encerrada com a assinatura de um acordo em 23 de abril de 1953. Os trabalhadores dela participantes entraram em confronto com a polícia. A propósito, o Departamento de Ordem Pública e Social (Deops) divulga que: "Em face do movimento grevista, com indício de agitação extremista", estaria "pronto" a intervir. E previne: "A ordem será rigorosamente mantida, sendo proibidos desfiles, passeatas (...) e reuniões [de paredistas], não permitidas por lei". Tratava-se, entre outros dispositivos, da Lei de Defesa do Estado e Segurança Nacional, que previa punições para a convocação ou realização de "comício, reunião ou manifestação pública a céu aberto" (isto é, fora dos sindicatos oficiais) estabelecendo "pena de reclusão de 2 a 5 anos".

A Lei de Defesa do Estado e Segurança Nacional, criada em 1935, reformulada em janeiro de 1953 (exatamente quando do recrudescimento das manifestações grevistas, meses antes da entrada de João Goulart no Ministério do Trabalho, em junho daquele ano) foi aplicada à "greve dos 300 mil" trabalhadores - resultando em várias prisões e deportações.

Já a segunda grande greve, ocorrida em junho, foi a greve dos marítimos, no Rio de Janeiro, que levou à demissão de Segadas Vianna e à entrada de João Goulart para o Ministério do Trabalho, com a reforma ministerial de junho de 1953.

A alternativa da nomeação de João Goulart para a Pasta do Trabalho ocorreu no bojo da greve dos marítimos. Ao ser informado sobre a greve, Segadas Vianna baseia-se em uma lei do tempo da Segunda Guerra Mundial e propõe a Getúlio a convocação militar dos marítimos, cujo não atendimento implicaria pena de deserção ao serviço e prisão. Ao ser consultado pelo presidente, Goulart desaconselha a medida, considerando-a equivocada e agravante da situação de crise. Através de Lourival Fontes, Vargas manda consultar Segadas Vianna sobre qual deveria ser, afinal, a solução para a greve. Ao que Segadas responde: "Nomear Jango ministro do Trabalho". Em seguida, Vargas aceita o pedido de demissão de Segadas Vianna.

Antes de tomar posse, Goulart fora incumbido da negociação e assinatura de um acordo com os grevistas. Conforme um relatório assinado por Jango, a greve dos marítimos era considerada "grave" por suas possíveis implicações na "economia, caso não fosse rapidamente encerrada". Essa greve ameaçava de paralisação os portos do Rio de Janeiro, Santos e Belém, o que poderia ter consequências políticas e econômicas desastrosas, uma vez que o transporte no país à época era feito, fundamentalmente, por ferrovias ou pelo mar.

Posteriormente, Jango esclareceria as motivações governamentais no sentido de debelar o movimento: impedir que elementos "subversivos" (comunistas), com objetivos políticos "sempre disfarçados", buscassem penetrar no seio do movimento operário. Esses "agitadores comunistas", "infiltrados nos comitês de greve", estiveram "prestes a obter a adesão de numerosas classes" e sindicatos no Rio de Janeiro e em São Paulo. Entre eles, ferroviários, trabalhadores da Light, estivadores e outros. A ação do Ministério do Trabalho, ao buscar atender às reivindicações dos "verdadeiros trabalhadores" (já vitoriosos na Justiça do Trabalho) teve como propósito: "abortar um audacioso plano de greve geral", arquitetado pelo "alto comando do Partido Comunista". A deflagração da greve geral estava prevista para o final de junho de 1953, quando da chegada ao Rio de Janeiro de uma esquadra norte-americana. A greve dos marítimos foi considerada uma espécie de "batismo de fogo" para Jango e para a nova orientação que imprimiria à Pasta do Trabalho.Encerrado o movimento, ele assumiu, efetivamente, o cargo de ministro.

Rebatendo as críticas dirigidas à sua gestão, argumenta Goulart: "Somente os interessados na intranquilidade social dão, maliciosamente, sentido diferente à ação do Ministério do Trabalho nessa grave emergência da vida nacional". Quanto à "orientação do Ministério do Trabalho no que diz respeito às greves" são valiosos os esclarecimentos do ministro:

À frente do Ministério do Trabalho, o que tenho feito, sem medir sacrifícios, é procurar sempre harmonizar os interesses das partes em litígio. (...).

No caso da Light e dos "Carris" (...) - fiz o mesmo, (...) [com o fim de] evitar agitações prejudiciais à classe e à Nação. Os jornais que me chamam de agitador são os primeiros a fazer a demagogia da agitação (...).

No caso dos marítimos, [os jornais] podiam, ao invés de viverem tocando fogo na fogueira, ouvir a opinião de todos os presidentes dos inúmeros sindicatos que representam a classe, bem como dos empregadores. Que possam também [consultar] a diretoria dos sindicatos da Light, dos Carris e de todos os outros que já tiveram constantes contatos com o Ministério do Trabalho, que dirijo. Depois disso, [façam] com honestidade as suas críticas.

Portanto, conclui o ministro: "Procurando conciliar os interesses do trabalho e do capital antes do recurso à greve, o Ministério do Trabalho, sob minha direção, atua exatamente como se faz nos demais países democráticos".

Acerca da prática de Jango de antecipar-se aos movimentos grevistas, noticia a imprensa: "Sustada a greve dos Bondes da linha do Pão de Açúcar", segundo informou "o diretor do Departamento Nacional do Trabalho, Sr. Hugo de Faria"; "Levada ao conhecimento do Ministro do Trabalho a resolução de Greve [parcial] dos Portuários"; "Decidiram os trabalhadores da Light: aumento imediato ou greve", comunicou o presidente do sindicato dos trabalhadores dos "Carris Urbanos".

A ação de Goulart no que se refere às greves foi denominada por membros da equipe governamental como uma "política de tolerância", apesar de representar uma "'incógnita', que comportava muitos riscos".

Para se avaliar a importância e o impacto das movimentações operárias no período, em fins de 1953, era divulgada a "tendência dos trabalhadores para 1954". Esta se baseava na "concentração de forças em cinco grandes movimentos": a) "participação nos lucros das empresas", b) "salário mínimo razoável", c) "luta contra a cláusula de assiduidade integral", d) "o pacto de ação comum dos têxteis", e por fim e) "a campanha eleitoral dos líderes sindicais". Na luta por essas reivindicações, projetava-se, inclusive, a criação de uma "Frente Intersindical dos Trabalhadores Brasileiros", englobando sindicatos de todos os estados do país.

Durante a gestão de Goulart, as greves permanecem consideradas "incompatíveis" com as funções da Justiça do Trabalho; embora o papel de mediação dos conflitos sociais recaísse, por diversas vezes, sobre o Ministério do Trabalho.

Contudo, cabe registrar que uma das primeiras medidas do ministro Jango (com a anuência de Vargas) foi a elaboração de um amplo projeto de reaparelhamento das Delegacias Regionais do Trabalho, o qual incluía a criação de novas Juntas de Conciliação e Julgamento, em vários pontos do território nacional, e a "reforma da Justiça do Trabalho", contando com a participação de vários órgãos oficiais. Tratava-se de "adequar" a Justiça do Trabalho a um novo contexto de reivindicações e manifestações da classe trabalhadora.

Conforme suas palavras, além de "[fortalecer] os direitos do trabalho", as organizações sindicais (oficiais) e aprimorar as instituições responsáveis pela "harmonia social", dentro dos "sagrados princípios das Leis" - "interessa-nos dotar o Brasil dos recursos indispensáveis que possibilitarão [ao governo] intervir na luta entre Capital e Trabalho".

O projeto determinava a divisão das Delegacias Regionais do Trabalho em "Primeira e Segunda Categorias", de acordo com o desenvolvimento industrial e número de proletários em cada região, sendo a de São Paulo definida como "Categoria Especial". Entre as atribuições das referidas Delegacias, discriminava o artigo 3º do projeto, assinado por Goulart:

Diligenciar pela harmonia nas relações entre empre­gados e empregadores (...); tornar os contratos coletivos de trabalho obrigatórios a todos os membros das categorias profissionais e econômicas representadas pelos sindicatos, dentro das respec­tivas bases territoriais, desde que tal medida seja aconselhada pelo interesse público; orientar a organização profissional e incentivar a sin­dicalização (...). Promover a identificação dos trabalhadores, mantendo cadastro especializado; promover realizações de ordem cultural e educacional entre os trabalhadores, com o objetivo de aprimorar-lhes o ca­ráter e o civismo (...); promover a fiscalização do cumprimento das leis, [entre outras].

Não obstante o "tratamento político" dado às greves durante a experiência ministerial de Goulart, elas permanecerão compreendidas (nas fontes documentais aqui investigadas) como um "antidireito". Além disso, as greves permanecem sendo consideradas "incompatíveis" com as funções dos vários órgãos e mecanismos "operacionais" da política trabalhista, cujo fim era promover a "harmonia entre capital/trabalho" e a "cooperação entre as classes". Desta última tarefa, deveriam se incumbir, especialmente, os sindicatos oficiais.

Por ocasião da campanha de sindicalização lançada pelo ministro Goulart, em matéria intitulada "Alguns aspectos sobre finalidade dos sindicatos", afirma a revista Mundo Trabalhista, editada pelo MTIC: as "pugnas entre patrões e empregados" sinalizam o "progresso alcançado pelas conquistas sociais" e as leis nas duas últimas décadas. Posto que, antes de 1930 e da Lei de Sindicalização de 1931, "não existiam, propriamente, sindicatos", mas "simples associações de classe para fins de beneficência".

Enquanto "modelo ideal" de representação de interesses, os sindicatos "representam uma necessidade para o equilíbrio social, de vez que é, através da sua colaboração, que logramos resultados positivos nos meios de produção". Contudo, o "contrário ocorre quando os Sindicatos, afastando-se desse elevado objetivo, entram em pugna com os produtores, sem levar em conta o princípio de colaboração". A "atividade dos sindicatos deve ser construtiva, para que haja harmonia entre os produtores" (representantes do capital), trabalhadores e "o próprio Estado; disso dependendo o equilíbrio social". Para "manter esse equilíbrio, dispõe [ainda] o Estado de sua Justiça Social por meio da qual procura evitar desigualdades e lutas entre classes".

Dessa forma, concordo com Fernando Teixeira da Silva e Hélio da Costa. De acordo com esses autores, se a "política de aproximação" com os sindicatos do ministério Goulart (portanto, "sem intermediários") significou, é certo, um espaço institucionalmente aberto aos dirigentes sindicais, isso não implicou o esvaziamento da intermediação institucional e pública da lei; muito menos, descaracterizou o formato corporativo de organização da classe trabalhadora. Antes, tal política passou pelo crivo da legislação trabalhista e sindical em vigor.

Também está implícita na atuação de Goulart, como o demonstra a campanha de sindicalização, que a estrutura sindical corporativa preexistente era a forma "ótima" de organização dos trabalhadores. Nesse particular, a "obra do Presidente Vargas" incluía não só as leis sociais, mas todo o "edifício jurídico-institucional" construído, em cujas bases estavam os sindicatos oficiais como meio "mais eficaz para a defesa dos direitos dos trabalhadores", segundo afiançava o próprio ministro. Já ao contestar as notícias sobre a "Fantástica conspiração Militar-Trabalhista" atribuída ao Ministério do Trabalho, afirma ele: "[Atribuo] a presente campanha contra minha pessoa aos mesmos advogados da pluralidade sindical e outras iniciativas que visam a manter o proletariado enfraquecido (...)".

Além disso, é importante frisar, a Lei de Defesa do Estado e Segurança Nacional, reformulada em janeiro de 1953 (servindo às concepções doutrinárias sobre as greves como um "antidireito"), será também aplicada às greves de maior vulto e ao movimento operário-sindical - precisamente, quando este ameaça extravasar os limites corporativos definidos para a sua manifestação. Inclusive, durante a gestão de Goulart no Ministério do Trabalho.

Considerações finais

Em face do exposto, cumpre salientar que o enfoque sobre as medidas e o ideário do trabalhismo relativo às greves, no período 1951-54, não pretende, de modo algum, "anular" ou situar em plano secundário os referidos benefícios sociais, materiais e simbólicos, auferidos pelo operariado, sob os governos de Getúlio Vargas. Se assim concluísse, reduziria a complexidade da política estatal a polarizações ou dicotomias "simplificadoras": repressão às greves, estrutura institucional de natureza autoritária/esvaziamento ou "anulação" de direitos sociais. Como também significaria ignorar os laços construídos entre Estado/trabalhadores, com vistas em um modelo que deixaria profundas raízes no terreno histórico, econômico, político e social brasileiro - considerando-se estar presente, até os nossos dias, a herança da Consolidação das Leis do Trabalho, legada pelo governo varguista. A esse respeito, cabe recordar as palavras de Michelle Perrot: a "repressão é totalmente insuficiente" para explicar a adesão operária, sendo preciso apreciar as relações sociais e a mediação do Estado "em todas as suas dimensões: sociológicas, psicológicas, políticas, simbólicas...".

Trata-se, sim, de entender que a política estatal de reconhecimento das demandas trabalhadoras, definida pelo trabalhismo, recolocado entre 1951-54, jamais deixou de incorporar um projeto de "boa sociedade". Daí a noção do "antidireito" que representaria a greve.

Nesse sentido, pode-se refletir com John French, quando o autor observa:

O mundo do qual Vargas é parte é um mundo em que o poder não se sente mal por ter um aparato repressivo, [utilizado como mecanismo de controle social e político] (...).

Temos de sofisticar nossa compreensão [desses elementos], a fim de poder relacionar ambos, os direitos e a CLT e a força policial, muito ativamente envolvida no dia-a-dia com prisões de trabalhadores e com as tentativas de quebrar os seus movimentos e controlá-los (...).

Na sua visão, trata-se de um sistema complexo no qual deixar de fora uma ou outra dimensão levaria ao "abandono das complexidades".

Em meados de 1953, o Ministério da Justiça, chefiado por Tancredo Neves, é incumbido da elaboração de um projeto de lei, visando à regulamentação do "direito de greve". A comissão nomeada pelo ministro da Justiça, com representantes de vários órgãos estatais e técnicos do Ministério do Trabalho, concluiria seus trabalhos em fins de 1953. O projeto de lei reprisava a maior parte dos óbices colocados ao exercício da greve pelo Decreto nº 9.070, além de ampliar o poder da Justiça e de órgãos como o Conselho de Segurança Nacional (cuja atuação permanece diligente nos anos 1950) no julgamento da "licitude" das greves. Nesse ponto, justificam os autores do anteprojeto, permitir a realização de greve nos "serviços públicos" ou que aqueles que exercem funções "essenciais à coletividade abandonem [seus]

encargos para questionar em torno de condições de trabalho", "seria negar a própria ideia de Estado".

E o Estado, mesmo em face do "antidireito" que representa a greve, preceitua a Revista Forense, existiria para "defender a ordem. Mas que é a Ordem?". Responde:

A ordem é exatamente a composição dos interesses materiais e morais, que formam o ambiente de convivência dentro do qual se estabelece o equilíbrio das relações recíprocas entre os homens. Isso é que é a ordem. A ordem não é uma coisa imaginária, uma coisa fantástica; não é uma coisa que esteja na cabeça de cada um. [Não é] uma invenção arbitrária do Estado. É um esquema objetivo da vida, (...) um esquema de organização. [É] esta ordem que o Estado é chamado a defender...

Apesar do projeto de lei elaborado no segundo governo Vargas, visando à "regulamentação do direito de greve", de acordo com a determinação constitucional, esta só foi firmada em 10 de julho de 1964, três meses depois da deflagração do movimento político-militar de março de 1964, quando a Lei nº 4.330 regulou o direito de greve, pra­ticamente declarando qualquer greve ilegal.