A asia imigra por que

O cenário de desespero com que os jornalistas se depararam é um claro exemplo do drama que está a ser vivido por milhares de pessoas no sudeste asiático. “Não temos nada para comer há uma semana, não há lugar para dormir e os meus filhos estão doentes”, disse à AFP Sajida, 27 anos, uma das mulheres a bordo deste pesqueiro transformado em verdadeira prisão flutuante. Sajida embarcou com os quatro filhos, entre os dois e os oito anos, para se juntar ao marido, na Malásia, um destino cada vez mais longínquo.

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O cenário de desespero com que os jornalistas se depararam é um claro exemplo do drama que está a ser vivido por milhares de pessoas no sudeste asiático. “Não temos nada para comer há uma semana, não há lugar para dormir e os meus filhos estão doentes”, disse à AFP Sajida, 27 anos, uma das mulheres a bordo deste pesqueiro transformado em verdadeira prisão flutuante. Sajida embarcou com os quatro filhos, entre os dois e os oito anos, para se juntar ao marido, na Malásia, um destino cada vez mais longínquo.

Imagens de televisão mostram mães a chorar, crianças a implorar por ajuda. Numa bandeira negra erguida no barco parcialmente coberto por uma lona, para atenuar a fúria do sol, lê-se uma frase: “Somos rohingyas da Birmânia”. É esse o cartão-de-visita destes passageiros, gente discriminada na terra de onde vem, abandonada no mar, objecto de um jogo do empurra entre países da região que os repelem.

O barco foi encontrado na noite de quarta-feira por pescadores tailandeses e rebocado para águas malaias. Mais tarde, foi levado de volta para águas da Tailândia, segundo Chris Lewa, do Arakan Project, um grupo que trabalha com os rohingyas, citado pela Reuters.  

“Estamos no mar há dois meses. Queríamos ir para a Malásia mas não conseguimos chegar”, gritou um dos refugiados aos jornalistas que se aproximaram. Abandonados no Mar de Andamão, que integra o Oceano Índico, sem comida nem água, com o motor da embarcação inutilizado, contaram que dez de entre eles morreram na viagem e que os seus corpos foram atirados à água.

Já depois do contacto com os repórteres, um helicóptero tailandês lançou embalagens de alimentos para a embarcação. Mas um major da Marinha disse à Reuters que o barco continua a não poder ancorar no país. Foi-lhes dada comida e água por uma questão de “direitos humanos” mas deverão seguir o seu caminho. O mesmo é dizer que deverão continuar sem lugar para onde ir. Tal como cerca de oito mil outros refugiados e imigrantes – estimativa da Organização Internacional para as Migrações – que estão nos mares do sudeste asiático, abandonados à sua sorte.

Há vários dias que organizações internacionais chamam a atenção para o problema e pedem uma solução para os rohingyas e para os imigrantes que fogem da pobreza no Bangladesh. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados alertou para o risco de um “desastre humanitário massivo”.

"Voltem para de onde vieram"
A Malásia, destino desejado por muitos, indiferente aos apelos das Nações Unidas e de organizações não-governamentais, claramente não os quer. O vice-ministro do Interior, Wan Junaidi Tuanku Jaafar, repetiu-o esta quinta-feira. “Estamos a dar-lhe um sinal, para voltarem para de onde vieram”, disse. “O país deles não está em guerra. Se não houver nenhum problema com o navio, podem voltar.”

Organizações como a Human Rights Watch não hesitam em responsabilizar o governo birmanês por ter criado a crise devido às perseguições a que a minoria rohingya é sujeita num país onde vivem há gerações mas são considerados imigrantes ilegais.

Malásia e Indonésia receberam cerca de duas mil de pessoas no início da semana mas temem uma “invasão” e não querem receber mais boat people. O mais que fizeram, tal como a Tailândia, foi lançar operações limitadas de busca e auxílio. Para 29 de Maio está prevista uma reunião de países da região para discutir o problema.

O afluxo de refugiados e emigrantes em direcção à Malásia e a outros países da região, como a Indonésia, não é novo e já provocou algumas tragédias no mar. Agravou-se depois de a violência de extremistas da maioria budista da Birmânia se ter intensificado, em 2012. Só nos primeiros três meses de 2015 mais de 25 mil pessoas, segundo as Nações Unidas, rohingyas e emigrantes bengalis, procuraram chegar à próspera Malásia.  

As rotas seguidas atravessavam o Sul da Tailândia. Mas, nas últimas semanas, a situação alterou-se. Depois da descoberta na selva de valas comuns nos trajectos da emigração, o Governo de Banguecoque declarou guerra ao tráfico de pessoas. A partir daí, a situação assumiu as actuais proporções. Em muitos casos, depois de pagos, os traficantes recusaram-se a desembarcar para não serem apanhados pelas autoridades tailandesas, abandonando os passageiros à sua sorte em pleno mar, quase sem víveres, por vezes sem que as embarcações tenham meios para se deslocarem, sem porto de destino.

A asia imigra por que
Imigrantes a bordo de um barco à deriva pegam alimentos jogados por um helicóptero do exército tailandês nas águas da ilha do sul de Koh Lipe, no mar de Andaman (Foto: Christophe Archambault/AFP)

Milhares de imigrantes de Mianmar e Bangladesh permaneciam à deriva no mar no sudeste da Ásia, ao mesmo tempo em que os governos da região se recusam a aceitar a entrada das embarcações, ignorando os apelos que pedem o fim do jogo de "pingue-pongue humano".

"Por favor, nos ajudem", suplicaram os ocupantes de um barco com 300 emigrantes rohingyas (minoria muçulmana considerada uma das mais perseguidas do mundo pela ONU) perto da costa da Tailândia, em uma mensagem ouvida por um correspondente da AFP que estava a bordo de uma embarcação próxima.

"Dez pessoas morreram durante a viagem. Jogamos seus corpos no mar", afirmou um rohingya aos jornalistas.

"Somos 300. Estamos no mar há dois meses. Queremos ir para a Malásia, mas não conseguimos chegar ao país"", completou o homem.

No barco, uma bandeira exibe a frase em inglês "Somos rohingyas de Mianmar", enquanto uma grande lona protege os passageiros, muitos deles extremamente magros, do sol.

"Não comemos nada há uma semana, não temos onde dormir e meus filhos estão doentes", declarou Sajida à AFP.

A jovem de 27 anos, que embarcou ao lado dos quatro filhos, com idades entre 2 e 8 anos, pretendia chegar à Malásia para encontrar o marido.

Quase 2 mil pessoas chegaram nos últimos dias às costas malaias e indonésias, mas os dois países, que alegam temer o desembarque de milhares de imigrantes, rejeitam a entrada de todos os barcos de migrantes, que ficam condenados a permanecer em 'prisões flutuantes'.

Kuala Lumpur evitou nesta quinta-feira a aproximação de 600 pessoas, a bordo de dois barcos, seguindo os passos da Indonésia, que fez o mesmo com outra embarcação no início da semana.

O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, pediu aos países envolvidos a não dar as costas aos migrantes, e disse que o resgate no mar é uma obrigação internacional.

O direito internacional proíbe os países a devolver estas pessoas, o que representa a expulsão dos refugiados, que têm direito a reconhecimento.

Os Estados Unidos reiteraram, nesta quinta-feira, seu chamado aos países do Sudeste Asiático a salvar as milhares de pessoas abandonadas no mar e que deixem de rejeitar suas embarcação.

"Estamos preocupados com a situação e exigimos aos países da região que trabalhem juntos para salvar vidas no mar", disse, em Washington, o porta-voz do Departamento de Estado americano, Jeff Rathke.

Os embaixadores dos Estados Unidos na região coordenam com agências da ONU e os governos asiáticos que tenham se negado a receber os imigrantes, para "discutir formas de lhes dar assistência".

'Barcos funestos'
Os governos da região receberam apelos de todos os tipos para que organizem operações de resgate, ao invés de expulsar as embarcações.

Os Estados Unidos reiteraram, nesta quinta-feira, seu chamado aos países do Sudeste Asiático a salvar as milhares de pessoas abandonadas no mar e que deixem de rejeitar suas embarcação.

"Estamos preocupados com a situação e exigimos aos países da região que trabalhem juntos para salvar vidas no mar", disse, em Washington, o porta-voz do Departamento de Estado americano, Jeff Rathke.

Os embaixadores dos Estados Unidos na região coordenam com agências da ONU e os governos asiáticos que tenham se negado a receber os imigrantes, para "discutir formas de lhes dar assistência".

"As Marinhas da Tailândia, Malásia e Indonésia deveriam parar de brincar de pingue-pongue humano e trabalhar em conjunto para salvar aqueles que estão a bordo destes barcos funestos", afirmou Phil Robertson, diretor adjunto da Human Rights Watch na Ásia.

"O mundo julgará estes governos pela forma como tratam homens, mulheres e crianças mais vulneráveis", disse.

A Anistia Internacional considera "angustiante pensar que centenas de pessoas estão no momento à deriva em um barco a ponto de morrer, sem água, sem comida e sem saber onde estão".

Há vários dias, as organizações internacionais afirmam que milhares de imigrantes estão em perigo no mar, abandonados pelos traficantes de seres humanos.

Até recentemente, dezenas de milhares de pessoas em busca do exílio transitavam a cada ano pelo sul da Tailândia, ponto de passagem para a Malásia e além, em fuga da pobreza de Bangladesh ou da violência, como no caso dos rohingyas de Mianmar.

Mas Bangcoc decidiu punir de maneira mais severa os traficantes depois de descobrir fossas comuns com os corpos de imigrantes clandestinos em plena selva. Agora, os criminosos buscam rotas alternativas para chegar à Malásia, país próspero que atrai milhares de imigrantes.

Centenas de náufragos conseguiram, apesar das dificuldades, chegar às costas indonésias - os traficantes afirmaram que estavam na Malásia -, onde foram recebidos em acampamentos provisórios na província de Aceh, no extremo norte da ilha de Sumatra.